RESUMO: A pesquisa intitulada “Denunciação da lide: análise das questões controversas à luz do Código de Processo Civil de 1973” busca trazer uma visão geral deste instituto processual, suas principais características e as principais polêmicas que gravitam sobre o tema sob os prismas jurisprudencial e doutrinário.
Palavras-chave: Denunciação da lide. Intervenção de Terceiros. Código de Processo Civil de 1973.
INTRODUÇÃO
A denunciação da lide é uma modalidade de intervenção de terceiros que está regulada nos artigos 70 a 76 do Código de Processo Civil Brasileiro. É assente na doutrina que tal modalidade, é a que apresenta mais dificuldades e polêmicas, sendo inúmeras as obras dedicadas ao seu estudo.
O instituto remonta raízes no Direito romano, onde era conhecida como denunciatio litis, tendo passagem ainda no Direito germânico e no Direito francês. A denominação utilizada pelo vigente Código Processual Civilista Pátrio é derivada do instituto de origem romana, contudo, seu antecessor, o revogado CPC de 1939, adotava a nomenclatura advinda do Direito português, a figura do chamamento à autoria, que transmitia uma falsa ideia acerca do fenômeno, pois como se verá adiante, a denunciação da lide não é apenas uma comunicação acerca da existência de um processo, mas é de fato, uma verdadeira demanda incidental de garantia.
1. CONCEITO
Quem melhor conceitua a denunciação da lide é Athos Gusmão Carneiro, in verbis:
[...] uma ação regressiva, "in simultaneus processus", proponível tanto pelo autor como pelo réu, sendo citada como denunciada aquela pessoa contra quem o denunciante terá uma pretensão indenizatória, pretensão "de reembolso", caso ele, denunciante, venha a sucumbir na ação principal. (grifos do autor).[1]
Nesta esteira, Humberto Theodoro Júnior: “consiste em chamar o terceiro (denunciado) que mantém vínculo de direito com a parte (denunciante), para vir responder pela garantia do negócio jurídico, caso o denunciante saia vencido no processo”.[2]
Ainda sobre o conceito do instituto da denunciação da lide, Ovídio Batista da Silva assim aduz:
Denunciação da lide é o ato pelo qual o autor ou o réu chama ajuízo um terceiro a que se liguem por alguma relação jurídica de que decorra, para este, a obrigação de ressarcir os prejuízos porventura ocasionados ao denunciante em virtude de sentença que reconheça a algum terceiro direito sobre a coisa por aquele adquirida, ou para que este o reembolse dos prejuízos decorrentes da demanda. Sempre que uma das partes possa agir, em demanda regressiva, contra seu garante, para reaver os prejuízos decorrentes da eventual sucumbência na causa, estará autorizada a chamar para a ação esse terceiro a que a mesma se liga.[3] (grifos do autor)
Em suma, pode acontecer que, em certo processo, alguma das partes se vendo em situação de vencida, terá direito de regresso contra terceiro, que por algum motivo é seu garante, tendo o dever de reembolsá-lo pelo que tiver perdido. Caberá, portanto, à parte, fazer a denunciação da lide, com o objetivo de assegurar o direito de regresso em sede do mesmo processo em que será julgada a demanda original.
Para Humberto Theodoro Júnior, o objetivo do incidente é:
[...] enxertar no processo uma nova lide, que vai envolver o denunciante e o denunciado em torno do direito de garantia ou de regresso que um pretende exercer contra o outro. A sentença, de tal sorte, decidirá não apenas a lide entre autor e réu. Mas também a que se criou entre a parte denunciante e o terceiro denunciado.[4]
Em outras palavras, os objetivos de trazer alguém para o processo, por força de garantia prestada, é exatamente vincular o terceiro ao quanto decidido na causa e a condenação do denunciado à indenização, sendo nula a sentença que não julga também a denunciação. [5]
Com isso, percebe-se que a denunciação da lide apesar de ser uma demanda nova, ela não originará um novo processo, mas sim, uma hipótese de ampliação objetiva, isto é, um verdadeiro incidente processual.
2. LEGITIMAÇÃO
Pela própria finalidade do instituto, só pode denunciar a lide quem seja parte legítima, quer ativa, quer passiva. Com efeito, não se pode admitir que alguém que esteja alegando sua ilegitimidade e, pois, pretendendo que seja reconhecida a inexistência de relação jurídica com a parte contrária, possa denunciar a lide a terceiro.
Arruda Alvim explica que:
[...] quem é (ou pretende ser) parte ilegítima passiva ad causam na ação principal, ipso facto, sê-lo-á parte ilegítima ativa na denunciação. Tratar-se-ia de exceção, portanto, ao princípio da eventualidade da defesa, se a denunciação fosse matéria de defesa, mas, em realidade, configura ela a propositura de ação do denunciante contra o denunciado.[6]
O Superior Tribunal de Justiça, através da Terceira Turma firmou entendimento que a denunciação da lide não é admissível:
“[...] quando o reconhecimento da responsabilidade do denunciado suponha seja negada a que é atribuída ao denunciante. Em tal caso, se acolhidas as alegações do denunciante, a ação haverá de ser julgada improcedente e não haverá lugar para regresso.”[7]
Pode a denunciação partir tanto do autor como do réu, nos termos do art. 70 do Código de Processo Civil. Contudo, a figura que se verifica com mais frequência é quando o réu é o denunciante. Entretanto, a parte autora também poderá se valer dessa qualidade, como, por exemplo, quando ajuíza ação reivindicatória e, ao passo que, denuncia a lide àquele que lhe tenha vendido a coisa.
Vale salientar ainda, que apesar da denunciação da lide ser dirigida a um estranho à relação processual, tem-se admitido que, alguém que já figure como parte, venha ser denunciado, como por exemplo, na hipótese em que ocorre relação de garantia entre os réus, restando que um dos litisconsortes denuncie a lide ao outro.
3. CASOS DE ADMISSIBILIDADE
O art. 70 do Código de Processo Civil, em seus incisos, estabelece três circunstâncias nas quais admite-se a denunciação da lide no ordenamento jurídico brasileiro, in fine:
Art. 70. A denunciação da lide é obrigatória:
I - ao alienante, na ação em que terceiro reivindica a coisa, cujo domínio foi transferido à parte, a fim de que esta possa exercer o direito que da evicção Ihe resulta;
II - ao proprietário ou ao possuidor indireto quando, por força de obrigação ou direito, em casos como o do usufrutuário, do credor pignoratício, do locatário, o réu, citado em nome próprio, exerça a posse direta da coisa demandada;
III - àquele que estiver obrigado, pela lei ou pelo contrato, a indenizar, em ação regressiva, o prejuízo do que perder a demanda.
Antes de tecer comentários acerca da noção de obrigatoriedade presente no caput do excerto acima, o que será feito em momento oportuno, convém analisar os casos em que a denunciação da lide se mostra cabível.
3.1 A hipótese do inciso I
A circunstância do inciso I trata de denunciação da lide ao alienante, para garantir o adquirente dos riscos da evicção. O terceiro a que faz referência o dispositivo é quem não figurou no negócio de direito material, mas figura como parte na demanda.
Neste sentido é o magistério de Vicente Grego Filho:
[...] quando aquele que adquiriu um bem está sendo acionado em ação de reivindicação e corre o risco de perder o bem em virtude de algum motivo jurídico anterior à sua aquisição, caso em que deverá, então, chamar para acompanhar a demanda aquele de quem adquiriu a coisa para que possa, posteriormente, obter o ressarcimento resultante da perda da coisa;[8]
Isto é, quando o adquirente estiver sendo acionado, correndo o risco de perder a coisa, em decorrência de acontecimento jurídico anterior, deverá denunciar a lide àquele de quem adquiriu o bem para que possa, então, ser ressarcido.
A evicção é tratada nos artigos 447 a 457 do Novo Código Civil, e na lição de Clóvis Beviláqua, “é a perda total ou parcial de uma coisa, em virtude de sentença, que a atribui a outrem, por direito anterior ao contrato, de onde nascera a pretensão do evicto”.[9] Isto posto, tem-se que, se o adquirente não se valer da denunciação da lide e por ventura vier a sucumbir perante a reivindicação da outra parte, não poderá exercitar, contra o transmitente, o direito de garantia que da evicção lhe resultaria nos termos do artigo 456 do Novo Código Civil.
Para boa parte da doutrina, a inércia do evicto, deixando de dar ciência ao alienante do litígio, gera a perda do direito de regresso. Logo, a denunciação da lide com fundamento na evicção, é o único, entre os incisos do artigo 70, que sanciona a omissão em denunciar com a perda do direito à indenização. Vale salientar que o Superior Tribunal de Justiça tem decisões que afirmam, mesmo nos casos de evicção sem denunciação da lide, não há perda do direito de regresso (desnecessidade de denunciação da lide), mas isso não é unânime.
3.2 A hipótese do inciso II
A segunda hipótese do art. 70 se refere à denunciação da lide ao proprietário ou possuidor indireto quando a ação versar sobre bem em poder do possuidor direto e só este for demandado. Em outras palavras, aplica-se o instituto da denunciação da lide contida no inciso II, nos casos em que a posse esteja dividida em posse direta e posse indireta, para que o possuidor direito e o possuidor indireto, se façam presentes na demanda contra terceiro que a pleiteie, para ao fim, também se verifique a responsabilidade entre os possuidores. São casos de posse indireta, por exemplo, os do credor pignoratício, os do locatário e os do usufrutuário, sendo este último, hipótese raríssima devido à razão de gratuidade do negócio jurídico, sendo, portanto, incabível a indenização.
Para compreender melhor a hipótese em tela, é válido o ensinamento de Arnoldo Wald sobre a diferença entre a posse direita e a posse indireta; “posse direta ou imediata, que pertence a quem está direta ou imediatamente em contato com a coisa, e a posse mediata ou indireta daquele que transferiu o objeto ao possuidor imediato ou direto”.[10]
Com isso, tem-se que o proprietário ao ceder a posse direta à outra pessoa, assume o encargo de fazer com que o exercício normal dela, por aquele que passa a ser o possuidor direito, seja efetuado de forma eficaz. Caso essa posse venha a ser reivindicada por terceiro, suscita-se a denunciação da lide para que o denunciante, ora possuidor direto, possa garantir, se por ventura venha a sucumbir na demanda original, a condenação do possuidor indireto, na forma de perdas e danos, pelos prejuízos advindos pela falha na garantia da posse cedida, nos termos do artigo 76 do Código de Processo Civil.
Por fim, alguns doutrinadores visualizam alguma semelhança entre essa hipótese de denunciação da lide e o incidente da nomeação à autoria, ao argumento de que ao possuidor indireto assiste interesse idêntico ao do possuidor direto em contestar a demanda. A semelhança, entretanto, é só aparente. Na nomeação à autoria, o demandado é mero detentor, ao ponto que nessa espécie de denunciação a parte denunciante é possuidora. De outra forma, na nomeação à autoria, quando aceita, o nomeante é excluído da lide, enquanto o denunciante permanece podendo defender a posse, no pólo passivo ou ativo, em litisconsórcio com o denunciado.
Neste sentido, Humberto Theodoro Júnior leciona que,
[...] possuidor indireto, não se confunde com mero detentor, ou servidor da posse de outrem. Não tendo direito à posse, o mero detentor não tem direito de indenização a resguardar contra o verdadeiro possuidor. A ele quando demando pessoalmente, compete apenas nomear à autoria o legítimo possuidor.[11]
3.3 A hipótese do inciso III
A terceira hipótese do artigo 70 prevê que a denunciação da lide é cabível “àquele que estiver obrigado, pela ou pelo contrato, a indenizar, em ação regressiva, o prejuízo do que perder a demanda.” Este é o dispositivo entre os demais que tratam da denunciação da lide, que causa maior controvérsia tanto doutrina com na jurisprudência dos tribunais.
O embate hermenêutico gira em torno da obrigatoriedade/facultatividade de denunciar o terceiro garante para a demanda originária a fim de garantir seu direito de regresso. É sob tal problemática que, em capítulo a parte, será discutida a possibilidade do Estado, em demanda em que busca sua responsabilização civil, com base no disposto no artigo 37, §6º, da Constituição da República, denunciar a lide ao seu agente, causador do dano cuja reparação é pretendida.
4. DENUNCIAÇÕES SUCESSIVAS
O artigo 73 do novel codificado processualista civil trata das “denunciações sucessivas”:
Art. 73. Para os fins do disposto no art. 70, o denunciado, por sua vez, intimará do litígio o alienante, o proprietário, o possuidor indireto ou o responsável pela indenização e, assim, sucessivamente, observando-se, quanto aos prazos, o disposto no artigo antecedente.
Uma parcela considerável da doutrina considera que o denunciado poderá promover nova denunciação contra o proprietário e demais responsáveis pela indenização e assim sucessivamente. Tal interpretação enseja que as denunciações posteriores englobem também a simultânea proposição de ação regressiva.
Contudo, a expressão “intimará do litígio” contida no artigo em comento, fomenta um interpretação diversa. Para essa segunda corrente, a faculdade que a lei concede ao denunciado se limitaria a lhe permitir o conhecimento do litígio, informando-o, para que possa buscar a indenização em ação posterior.
Pontes de Miranda, admitindo as denunciações sucessivas, coloca:
Se o autor litisdenunciou e o litisdenunciado por sua vez litisdenunciou, há três litisconsortes: o autor, o litisdenunciado pelo autor e o litisdenunciado pelo que fora litisdenunciado. Para o litisconsórcio, não importa qual o número de litisdenunciados. Qualquer deles pode aditar à petição inicial, procedendo em seguida à citação do réu e dos autores litisdenunciados. Se houve litisdenunciação pelo réu e litisdenunciações sucessivas quanto a cada litisdenunciado incide o art. 75. [12]
Coadunando-se com a segunda corrente, Sidney Sanches:
Importa notar que no artigo 73 não se diz que, para os fins do art. 70, o denunciado poderá citar o alienante, o proprietário, o possuidor direto ou o responsável pela indenização e, assim sucessivamente, observando-se, quanto aos prazos, o disposto no artigo antecedente. Diz-se, isto sim, que o poderá intimar do litígio. Ora, o código faz categórica distinção entre “citação” e “intimação”. “Citação” é o ato pelo qual se chama a juízo o réu ou o interessado a fim de se defender (art. 213). “Intimação” é o ato pelo qual se dá ciência a alguém dos atos e termos do processo, para que faça ou deixe de fazer alguma coisa. Ora, se esses são os conceitos do Código a respeito de citação e intimação e se usou no art. 73 da expressão “intimará do litígio”, a conclusão, a que se chega, é que, nele, não pretendeu admitir sucessivas denunciações incidentais de garantia ou indenização (sucessivas “denunciações da lide”), mas apenas sucessivas intimações de terceiros para que fiquem cientes da existência da lide. [13]
Respeitado o ponto de vista do ilustre doutrinador Sanches, prevalece o entendimento que é possível a denunciação sucessiva e que somente depois da última denunciação é que o processo correrá normalmente, encerrando assim, a suspensão prevista no art. 72. Entretanto, ultrapassada tal problemática, eis que surge uma nova, a figura da denunciação per saltum,que nada mais é do que denunciar a lide à alguém que não seja o alienante imediato. Ocorre que antes do Novo Código Civil, cada denunciado teria que promover a denunciação regressivamente em face de cada transmitente imediato, isto é, para se chegar ao verdadeiro “responsável” era necessário que se denunciasse todos os sujeitos pertencentes à cadeia até encontrar o garantidor. Contudo, com a entrada em vigor do art. 456 do Código Civil de 2002, passou-se a admitir a notificação do litígio diretamente ao “responsável” sem, portanto, obedecer a ordem rigorosa dos sucessivos potenciais denunciados.[14]
5. PROCEDIMENTO
A denunciação da lide pode ser feita tanto pelo autor como pelo réu, nos termos do artigo 71 do Código de Processo Civil:
Art. 71. A citação do denunciado será requerida, juntamente com a do réu, se o denunciante for autor; e, no prazo para contestar, se o denunciante for o réu.
De acordo com o disposto acima, convém-se distinguir quando a denunciação é feita pela parte autora e quando é feita pela parte ré, a fim de analisar as particularidades individualmente
5.1 Denunciação promovida pelo autor
Quando feita pelo autor, a denunciação será requerida na própria peça exordial, devendo constar nos pedidos a citação do réu juntamente com a citação do denunciado. Nesse caso, cita-se primeiramente o denunciado, para que ele possa apresentar defesa no tocante à ação regressiva ou aditar a peça vestibular, integrando a posição de litisconsorte do denunciante. Transcorrido o lapso temporal para que o denunciado conteste a ação regressiva ou adite a petição inicial o réu deverá ser citado.
Neste sentido, rechaçando qualquer dúvida, Athos Gusmão Carneiro:
Será feita, em primeiro lugar, a citação do denunciado, o qual poderá defender-se quanto à ação regressiva e poderá, também, assumindo a posição de litisconsorte do autor (pois seu interesse é na procedência da ação principal), aditar a petição inicial (CPC, art. 74). [...] Somente depois de citado o denunciado, e de transcorrido o prazo para contestar a demanda regressiva e aditar a inicial da ação principal, proceder-se-á à citação do réu.[15]
A citação deve ser realizada no prazo de dez dias, se o denunciado residir na mesma comarca onde foi ajuizada a ação; ou em trinta dias, quando residente em outra comarca, ou em lugar incerto.[16] Não se procedendo à citação no prazo marcado, a ação prosseguirá unicamente em relação ao denunciante.[17]
A falta de pedido expresso na exordial, referente à ação de regresso, ocasiona preclusão consumativa, isto é, somente através de ação autônoma, se couber, poderá ser questionada a pretensão regressiva.
Algumas palavras sobre a denunciação da lide promovida pelo autor, Cândido Rangel Dinamarco:
Pensando bem, a denunciação da lide promovida pelo autor é um falso caso de intervenção de terceiro, porque o litisdenunciado já ingressa no processo desde o início, tanto quanto o réu da demanda principal. A rigor, ele não intervém, ou seja, não é integrado na relação processual depois de já inteiramente formada em sua estrutura tríplice.[18] (grifos do autor)
Enfim, concretizado o incidente da denunciação, poderá o denunciado: a) nada fazer, esperando a decisão da ação apenas entre o autor e o réu; b) se fazer presente assumindo a posição de “litisconsorte”, aditando a petição inicial e; c) negar-se como tal, prosseguindo o autor com a lide contra o réu, tendo assegurado o direito a ver solucionado na sentença final o direito decorrente da evicção, ou da responsabilidade por perdas e danos a cargo do denunciado.
5.2 Denunciação promovida pelo réu
Quando o denunciante for o réu, deverá requerer a denunciação no prazo para contestar. Entretanto, feita a denunciação da lide, o réu não se verá obrigado a apresentar concomitantemente a contestação, devendo ser aberto prazo para responder, somente depois de solucionado o incidente, pois a figuração do denunciado ou não na lide, deverá ser levada em conta no momento da formulação de sua defesa. Contudo, a recíproca não se faz verdadeira, caso conteste, não poderá posteriormente, se valer da denunciação, em face da preclusão. É nesse sentido que vem se posicionando a melhor doutrina baseada numa interpretação sistemática do CPC.
A citação do denunciado pelo réu deve ser feita nos mesmos moldes da denunciação feita pelo autor como visto no tópico anterior. Da mesma forma, em qualquer das duas hipóteses tratadas neste tópico, quando o juiz indeferir o pedido entendendo não ser caso de denunciação da lide, caberá recurso de agravo de instrumento endereçado ao tribunal ad quem nos termos do artigo 522 do CPC. Aceitando o juiz o incidente, o processo principal ficará suspenso, até que se proceda à citação do denunciado. Ocorre que, se o incidente só for apreciado na sentença, seja acolhendo ou rejeitando a denunciação da lide, o recurso cabível, neste caso, será a apelação nos moldes do artigo 513, CPC.
Depois de citado, o denunciado poderá: a) aceitar a denunciação e contestar o pedido no prazo legal de 15 dias; b) ser revel, prosseguindo o denunciante com a defesa até o final e; c) se fazer presente e reconhecer os fatos alegados pelo autor, também prosseguindo denunciante na defesa até o julgamento final.
Transcorrido o prazo para a citação e posteriormente para a(s) resposta(s), a demanda principal e secundária correrão simultaneamente, sendo decididas numa única sentença.
6. EFICÁCIA DA SENTENÇA
Antes do Código Processual Civil de 1973, a doutrina e a jurisprudência muito se preocupavam com a situação do vencedor da demanda principal, quando o vencido não cumpria a condenação a que lhe foi imposta. Pois, o entendimento à época era que a parte principal vencedora não tinha legitimidade para executar o denunciado, sob a alegação de inexistência de relação material entre os dois.
Com a evolução da ideia de garantia de efetividade e do devido processo legal que se espera da atividade jurisdicional, o artigo 76 do CPC inovou ao dizer que “a sentença, que julgar procedente a ação, declarará, conforme o caso, o direito do evicto, ou a responsabilidade por perdas e danos, valendo como título executivo.”
De carona com Aroldo Plínio Gonçalves,
[...] com este dispositivo é que se saiu do sistema romano, em que denunciar a lide era simplesmente notificar do litígio, e que se passou para a dos povos bárbaros germânicos antigos, significando o instituto a propositura antecipada, eventual ou condicionada, de demanda de regresso.[19]
Ainda sobre a mudança, nobre é o ensinamento de Ruy Rosado de Aguiar, em julgado no STJ:
Sempre me pareceu que o instituto da denunciação da lide, para servir de instrumento eficaz à melhor prestação jurisdicional, deveria permitir ao juiz proferir sentença favorável ao autor, quando fosse o caso, também e diretamente, contra o denunciado, pois afinal ele ocupa posição de litisconsorte do denunciante.[20]
Dessa forma, a sentença que é proferida no processo é unitária, pondo fim, simultaneamente, as duas demandas propostas.
Com isso, é fator fundamental na sentença a apreciação da denunciação, acolhendo-a, há que julgá-la procedente ou não, sempre levando em conta a prejudicialidade da ação originária, no sentido de que só entrará no mérito da denunciação se nessa primeira ação o denunciante for vencido.
É nula a sentença que não julga também a denunciação da lide, conforme julgados a seguir:
EMENTA: PROCESSUAL CIVIL. REMESSA NECESSÁRIA E APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE RESPONSABILIDADE CIVIL. DENUNCIAÇÃO DA LIDE. NÃO APRECIAÇÃO. SENTENÇA INFRA PETITA. NULIDADE CONFIGURADA.
I - É sabido que a denunciação da lide instaura uma nova demanda no mesmo processo, devendo ambas ser apreciadas por ocasião da sentença, nos termos do art. 76 do CPC, sob pena de nulidade.
II - a sentença que não analisa todas as questões submetidas pelas partes é infra petita, padecendo de nulidade, por infringir os arts. 128, 458 e 460, todos do CPC.
III - Recurso conhecido e provido.[21]
EMENTA: AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS MORAIS E MATERIAIS. ELETROCUSSÃO. DENUNCIAÇÃO DA LIDE. FALTA DE APRECIAÇÃO E DECISÃO DA LIDE SECUNDÁRIA. NULIDADE DA SENTENÇA.
I - Com a denunciação da lide, instaura-se uma segunda lide no mesmo feito, entre o réu-denunciante e o denunciado.
II - É nula a sentença proferida em processo em que houve denunciação da lide, se não decide a lide secundária, devendo a nulidade ser pronunciada ex offício.[22]
Entretanto, Theotonio Negrão ressalva que “o interessado pode embargar de declaração, para que a omissão seja suprida”.[23]
Por fim, ressalta-se que, ao valer como título executivo em face do denunciado, a sentença da denunciação tem natureza condenatória, não importando o art. 76 quando se refere a “declarar” o direito do evicto. Na lição de Cândido Rangel Dinamarco, “art. 76 do CPC estatui que [...] a sentença fará uma declaração e valerá como título executivo em face do denunciado. Isso quer dizer que se tratará, na realidade, de uma sentença condenatória e não meramente declaratória [...].”[24]
CONCLUSÃO
Vimos que a denunciação da lide é um instituto processual que tem natureza jurídica de modalidade de intervenção de terceiros. Analisamos suas peculiaridades e suas hipóteses de cabimento de acordo com o artigo 70 do Código de Processo Civil. Vimos que é um instrumento de celeridade processual que visa trazer o terceiro garante para participar da demanda originária a fim garantir a pretensão indenizatória, caso o denunciante venha a sucumbir no processo principal.
Consideramos que após escalonada evolução jurisprudencial e doutrinária, o entendimento que tem prevalecido é que houve uma mutação na interpretação do art. 70, caput do Código de Processo Civil para consignar que a denunciação da lide não é obrigatória em nenhum dos três casos elencados no mencionado dispositivo, isto é, a ausência de denunciação não implica em preclusão do direito de regresso na via própria, podendo o interessado resguardar sua pretensão para o momento que julgar mais oportuno, respeitados os prazos prescricionais correspondentes.
REFERÊNCIAS
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NEGRÃO, Theotonio. Código de processo civil e legislação processual em vigor. 29a ed. São Paulo: Saraiva, 1998;
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________________ Comentários ao Código de Processo Civil. Tomo II. Rio de Janeiro: Forense, 3ª edição, 1997;
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THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil – Teoria geral do direito processual civil e processo de conhecimento. Rio de janeiro: Forense, 2009
[1] CARNEIRO, Athos Gusmão. Intervenção de terceiros. 11a ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2000. p 69
[2] THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil – Teoria geral do direito processual civil e processo de conhecimento. Rio de janeiro: Forense, 2009 p. 125
[3] SILVA, Ovídio Baptista da. Curso de Direito Processual Civil. Vol. I. 6. Ed. São Paulo: RT. 2002. P.293
[4] THEODORO JÚNIOR, op cit. p 129
[5] RT 498/89
[6] ARRUDA ALVIM, Manual de direito processual civil. 6a ed. v. 2. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1997. p 151
[7] REsp 58.080, Min. Eduardo Ribeiro, DJU de 29.04.96, p. 13413
[8] GRECO FILHO, Vicente. Direito processual civil brasileiro. São Paulo: Sairava, 1995. p 139
[9] BEVILÁQUA, Clóvis. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil comentado por Clóvis Beviláqua. Vol. IV. Ed. Histórica, 3. tir. Rio de Janeiro: Ed. Rio, 1979; Coment. ao art 1107
[10] WALD, Arnoldo. Direito das coisas. 10a ed. rev., aum. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995, p. 64
[11] THEODORO JÚNIOR, op cit. P. 126
[12] PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Comentários ao Código de Processo Civil. Tomo I. Rio de Janeiro: Forense, 3ª edição, 2000, p. 152/153.
[13] SANCHES, Sidney. Denunciação da lide no direito processual civil brasileiro. São Paulo, 1984: Editora Revista dos Tribunais, P. 182/183.
[14] Enunciado n.29 das I Jornadas de Direito Civil do STj/Conselho da Justiça Federal: “ a interpretação do art. 456 do novo Código permite ao evicto a denunciação da lide de qualquer dos responsáveis pelo vício”.
[15] CARNEIRO, Op. cit. p. 126.
[16] Art. 72 §1º
[17] Art. 72 §2º
[18] DINAMARCO, Op. cit., p. 398.
[19] GONÇALVES, Aroldo Plínio. Da denunciação da lide. Rio de Janeiro: Forense, 1987. P 299
[20] STJ, 4ª Turma, REsp 97590/RS, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, AC. De 15.10.1996.
[21] Apelação Cível Nº 2005.001092-7/RN Rel. Des. Virgílio Fernandes. Publicado Dj no dia 21.09.2006
[22] Apelação Cível nº 2.0000.00.508748-7/MG Rel. Des. Pedro Bernades. Publicado Dj no dia 21.01.2006
[23] NEGRÃO, Theotonio. Código de processo civil e legislação processual em vigor. 29a ed. São Paulo: Saraiva, 1998. p. 137
[24] DINAMARCO, op. cit., p. 149
Analista Judiciário no Tribunal de Justiça de Pernambuco. Especialista em Direito Constitucional pela Universidade Anhanguera Uniderb. Bacharel em Direito pela Universidade Federal da Paraíba.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: GOUVEIA, Henanh Meireles. Denunciação da lide: análise das questões controversas à luz do Código de Processo Civil de 1973 Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 26 jul 2016, 06:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/47072/denunciacao-da-lide-analise-das-questoes-controversas-a-luz-do-codigo-de-processo-civil-de-1973. Acesso em: 23 dez 2024.
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