Resumo: O presente artigo trata da simulação no Direito Tributário, no intuito de delimitar um conceito para esse instituto, a partir da análise das teorias do negócio jurídico. Nesse sentido, examina-se a existência de dois conceitos de simulação e a repercussão disso diante de um caso concreto. Além disso, também são analisadas questões relativas às provas.
Palavras-chave: Simulação, Planejamento Tributário, Prova.
Abstract: This article deals with the simulation in Tax Law, in order to define a concept for this institute, from the analysis of the theories of the legal business. In this sense, it examines the existence of two concepts of simulation and the impact of this on a case. Moreover, they are also analyzed issues related to proofs.
Keywords: Simulation, Tax Planning, Proof
Sumário: 1. Introdução. 2. A construção do conceito de simulação. 2.1. Teoria voluntarista do negócio jurídico. 2.2. Teoria causalista do negócio jurídico. 2.3. Pouco importância da contraposição entre as teorias. 3. A prova da simulação no Direito Tributário. 3.1. Pontos importantes na prova da simulação e elementos probatórios recorrentes na jurisprudência do CARF. 3.2. Análise do conjunto probatório de um caso de “incorporação às avessas”. 4. Considerações finais. 5. Bibliografia.
1. INTRODUÇÃO
Trata-se de artigo que pretende analisar criticamente o conceito de simulação para aplicação nos casos de planejamento tributário.
Assim, na segunda parte desse artigo, é realizada a construção do conceito de simulação a partir da contraposição indicada especialmente pela doutrina tributária entre a concepção voluntarista e causalista do negócio jurídico. Desse modo, pretende-se demonstrar a pouca importância dessa ideia para a definição do instituto.
Na terceira parte, passa-se a analisar a quest ão da prova da simulação, examinando fundamentos recorrentes na jurisprudência administrativa fiscal. Além disso, também é realizada uma análise detida de um caso de “incorporação às avessas”, julgado no âmbito administrativo e judicial.
Por fim, são listadas algumas conclusões a partir dos estudos feitos para a consecução desse trabalho.
2. A CONSTRUÇÃO DO CONCEITO DE SIMULAÇÃO
Nessa segunda parte do artigo, pretendo construir o conceito de simulação a partir da análise das teorias do negócio jurídico baseadas na vontade e na causa. É que parte da doutrina, especialmente a focada no ramo tributário, enxerga uma contraposição das teorias voluntarista e causalista do negócio jurídico que implicaria dois conceitos distintos da simulação.
Desse modo, analisarei criticamente cada uma dessas teorias e os distintos conceitos de simulação decorrentes, indicando pontos em comum e em discordância. Nesse sentido, tenho os seguintes objetivos: (I) analisar se a adoção da teoria voluntarista ou causalista do negócio jurídico tem real importância para a delimitação do conceito de simulação e (II) indicar o conceito de simulação vigente em nosso ordenamento jurídico.
2.1. Simulação e teoria voluntarista do negócio jurídico
A teoria voluntarista do negócio jurídico valoriza a autonomia da vontade na formação do negócio jurídico, na medida em que considera que cada indivíduo tem liberdade para melhor definir como estabelecer suas relações jurídicas.
De acordo com Ubaldo Miranda (1980, p. 1-2), o negócio jurídico decorre da manifestação da vontade para criar efeitos jurídicos determinados (modificando, extinguindo ou criando relações jurídicas). A concepção voluntarista do negócio jurídico foi muito difundida no Brasil pela adoção de civilistas tradicionais, como Pontes de Miranda[1]. Assim, o negócio jurídico seria formado a partir da conjugação dos elementos vontade e declaração.
Com base nessa concepção, a doutrina civilista, de modo geral, trata a simulação como a discrepância entre a vontade interna do agente e a declaração emitida. Pontes de Miranda trata como divergência entre a exteriorização e a volição (2012, p. 502). No mesmo sentido, Washington de Barros Monteiro conceitua como intencional desacordo entre a vontade interna e a declarada[2]. José Carlos Moreira Alves (2003, p. 11) fala em divergência entre vontade interna e manifestada.
Além disso, os autores adeptos dessa concepção acrescentam que existe a criação de uma aparência falsa no intuito de enganar terceiro, de modo que a falta de seriedade do ato demonstra que as partes do negócio jurídico simulado nunca tiveram intenção de cumprir tal acordo.
Autores com obras tradicionais sobre planejamento tributário como Alberto Xavier[3] e Sampaio Dória[4] seguem essa linha. As palavras de Xavier elucidam bem a adoção da concepção considerada subjetivista da simulação: “A simulação é um caso de divergência entre a vontade (vontade real) e a declaração (vontade declarada), procedente de acordo entre o declarante e o declaratário e determinada pelo intuito de enganar terceiros” (2001, p. 52).
2.2. Simulação e teoria causalista do negócio jurídico
A teoria causalista do negócio jurídico, por outro lado, relativiza a importância da vontade na formação do negócio jurídico. Dessa forma, a vontade das partes tem importância até o momento em que é externada.
O negócio jurídico é caracterizado pela declaração realizada nos moldes definidos pelo ordenamento jurídico como apto a produzir efeitos. O extremo dessa concepção é a existência do negócio jurídico ainda que não exista vontade nesse sentido, ainda que sua nulidade, anulabilidade ou ineficácia deva ser declarada, como explica Fábio Piovesan Bozza[5].
Baseado nessa concepção, a simulação deixa de ser conceituada a partir da divergência entre vontade interna e declaração, passando à contraposição entre causa abstrata e causa concreta do negócio jurídico, ou seja, o fim relacionado ao desenho jurídico de determinado negócio jurídico e a intenção prática buscada pelas partes concretamente.
Essa ideia vem sendo repercutida por autores importantes do ramo tributário. Heleno Taveira Torres[6], Tércio Sampaio Ferraz Junior[7] (em artigo tratando sobre a simulação e o negócio jurídico indireto em matéria tributária), Luís Eduardo Schoueri[8] e Marciano Seabra de Godoi (em artigo escrito conjuntamente com Andréa Karla Ferraz)[9] seguem essa linha.
Ferraz Junior explica que o Código Civil alterou o regramento da matéria, já que fala em invalidade do negócio jurídico e não em defeito e complementa (2010, p. 13):
Ou seja, o problema não está na vontade séria, mas na causa, substancial e formal, do negócio: o “vício” não está na vontade, mas na causa do negócio. Por consequência, a subsistência do negócio dissimulado também não está na vontade real (séria) das partes, mas na causa que motivou o negócio e que, nessa condição, obedece aos requisitos de validade. (grifo nosso)
Godoi e Ferraz, após tecerem explicações sobre o ajustamento entre essa teoria e os negócios típicos, bem como sobre o desenvolvimento, por Emilio Betti, do conceito de tipicidade social para justificar a aplicação a negócios atípicos, explicam a ocorrência da simulação na perspectiva da teoria causalista: “as partes , combinadas entre si, estabelecem um regramento de interesses diverso daquele que pretendem observar nas suas relações, procurando atingir um objetivo divergente da causa típica do negócio escolhido” (2012, p. 366).
2.3. Pouca importância da contraposição entre as teorias do negócio jurídico para a delimitação do conceito de simulação
Nos tópicos anteriores, procurei explanar sucintamente as distinções conceituais acerca da simulação sustentadas por alguns autores a partir das concepções voluntarista e causalista do negócio jurídico.
Assim, enquanto os adeptos da teoria voluntarista conceituam a simulação como a divergência entre a vontade interna e a declaração emanada, com a finalidade de enganar terceiros, os autores que defendem a conceituação da simulação a partir da teoria causalista do negócio jurídico entendem a simulação como a discrepância entre a causa abstrata do negócio jurídico e a intenção prática das partes na concretização desse negócio.
Particularmente, não enxergo grande importância na adoção de uma das teorias do negócio jurídico indicadas para a conceituação da simulação. Embora tenha convicção de que a simulação não ocorre por conta da vontade viciada das partes na formação, a explicação não melhora a partir da diferenciação entre causa abstrata e causa concreta.
Ricardo Mariz de Oliveira[10] também critica a contraposição das teorias voluntarista e causalista para a definição do conteúdo jurídico da simulação (2012, p. 570):
Em suma, na simulação nós temos um só fato, em que pessoas não se comportam de acordo com o que querem e fazem perante o direito, unindo-se a teoria objetiva ou causalista com a subjetiva. (...) As teorias são maravilhosas e podem ser consistentes, mas não se pode dizer que enfeixem verdades imutáveis e de amplitude total. Assim, é verdade que o comportamento incompatível com a causa denuncia a existência de simulação. Tanto quanto é verdade que o ato simulado não corresponde à intenção subjetiva das partes quanto ao que querem fazer.
O que caracteriza a simulação é a divergência entre o ato ou negócio jurídico declarado pelas partes e aquele negócio que realmente ocorre. Trata-se, portanto, de um vício de existência, já que o negócio informado pelas partes não é verdadeiro, tendo intuito de enganar terceiro.
Humberto Ávila[11] também entende dessa forma (2013, p. 140):
Os vícios atinentes à verdade dizem respeito à ocorrência, efetiva ou exata, dos atos ou negócios jurídicos declarados pelas partes, Quando aquilo que as partes declararam ter feito simplesmente não ocorreu, diz-se ter havido simulação. Simular é não fazer o que se declara fazer. Quando aquilo que as partes declararam ter feito não ocorreu como elas declararam, diz-se ter havido dissimulação. Dissimular é fazer algo diferente do que se declara fazer.
É interessante destacar que vontade, declaração e o desenho jurídico são aspectos relevantes na formação do negócio jurídico e a identificação de cada um desses elementos auxilia na comprovação da ocorrência da simulação. No entanto, na minha visão, não existe modificação do conceito de simulação a partir da teoria do negócio jurídico adotada.
Destaque-se que tanto os autores que conceituam a simulação concedendo destaque à autonomia da vontade quanto os autores que defendem uma visão causalista do instituto tratam da contraposição entre o que as partes declaram e o que efetivamente acontece, ou seja, entre o negócio simulado e a verdade (que pode revelar negócio jurídico algum ou negócio jurídico diverso).
Washington de Barros Monteiro, por exemplo, destaca que (2009, p. 263):
Como o erro, simulação traduz uma inverdade. Ela se caracteriza pelo intencional desacordo entre a vontade interna e a declarada, o sentido de criar, aparentemente, um ato jurídico que, de fato, não existe, ou então, oculta, sob determinada aparência, o ato realmente querido. Como diz Clóvis, em forma lapidar, é a declaração enganosa de vontade, visando a produzir efeito diverso do ostensivamente indicado. (grifo nosso)
Marciano Seabra de Godoi, por exemplo, entende que “Em conclusão, tanto na concepção causalista quanto na concepção voluntarista de simulação, o negócio simulado é visto como não verdadeiro” (2012, p. 367).
Tércio Ferraz Junior, embora defenda a mudança do conceito de simulação a partir da vigência do novo Código Civil e sua conjugação com os dispositivos do Código Tributário Nacional para aplicação em matéria tributária, também acaba por destacar que o relevante para considerar a simulação ocorrida é a diferenciação entre o declarado e o ocorrido (2010, p. 24):
Nos dos casos é preciso levar em conta a efetiva condução do negócio, pois o importante é a contradição entre o resultado econômico simulado e o resultado econômico efetivo. Isto porque a questão não está na escolha da forma prescrita ou da forma atípica, mas em se as partes, na forma escolhida, declaram algo diferente daquilo que efetivamente realizam. (grifo nosso)
Pois bem, até aqui destacou-se que parte da doutrina tributária critica a construção do conceito de simulação considerando a teoria voluntarista do negócio jurídico e entende que a simulação deve ser analisada a partir da perspectiva causalista. Além disso, foi apontado que existem pontos em comum nas definições dos autores (que adotam as duas teorias indicadas) e que, na minha avaliação, a contraposição entre essas duas visões tem pouca importância.
Daqui em diante, pretendo apontar algumas incongruências na construção da simulação a partir das teorias do negócio jurídico indicado e indicar uma definição de simulação. Nesse sentido, é importante também tratar da visão de alguns autores acerca da existência de um conceito amplo e um restrito de simulação.
Como já mencionado, a doutrina majoritária civilista e boa parte dos autores tributaristas definem simulação como a divergência deliberada entre a vontade interna das partes envolvidas no negócio e a declaração expressada. Assim, a simulação seria um vício de vontade.
De certa forma, a própria disposição da seção que tratava da simulação no Código Civil de 1916 junto com defeitos da vontade como erro e coação acabava por incentivar a doutrina a tratar a simulação dessa forma. Naturalmente, a influência de importantes civilistas já tratados que expressamente destacavam a importância da vontade na formação do negócio jurídico também influenciava os estudos sobre o tema.
Entretanto, ao analisar detidamente o instituto da simulação, é possível verificar que não há vício na manifestação da vontade. Quando as partes deliberadamente declaram que pactuaram uma compra e venda para enganar terceiro, mas, na realidade, uma das partes doa o bem para a outra, não há qualquer defeito na vontade. O que houve foi a ocultação do que realmente aconteceu através de uma compra e venda meramente aparente, irreal, inexistente.
Por esse motivo, a definição de simulação não deve ser construída a partir de um pretenso vício na vontade declarada pelas partes (numa comparação com a vontade interna). As partes queriam, desde a formação do negócio jurídico, emitir uma declaração não condizente com a realidade (ou, em alguns casos, emitir uma declaração apenas parcialmente verdadeira), seja para ocultar outro negócio jurídico (simulação relativa), seja para se beneficiar do próprio negócio jurídico aparente, diante da inexistência do negócio real (simulação absoluta).
Por outro lado, seguindo a linha dos doutrinadores tributários que valorizam a teoria causalista para a determinação do conceito de simulação, a divergência entre causa abstrata e causa concreta é o que caracteriza o instituto.
Nesse sentido, existe um problema teórico bem evidente: não há qualquer proibição no ordenamento jurídico brasileiro de utilizar determinado negócio jurídico típico para alcançar qualquer resultado lícito, desde que as partes efetivamente realizem tal negócio.
E é justamente por esse motivo que todos os autores que definem simulação como a discrepância entre causa abstrata e causa jurídica entram necessariamente na distinção entre simulação e negócio jurídico indireto.
Tércio Sampaio Ferraz Junior, por exemplo, trata da distinção entre esses dois institutos da seguinte maneira (2010, p. 22-23):
Nestes termos, para demonstrar a ocorrência de simulação não basta demonstrar que, mediante a utilização de negócio de típico sejam alcançados resultados atípicos, mas é indispensável examinar a ocorrência de “ações simuladoras”, isto é, ações que apenas simulam determinadas consequências de fato. Ou seja, que as partes, ao eleger um negócio jurídico típico frustram suas consequências e, com isso, mostram que verdadeiramente não queriam o negócio que escolheram, mas outro. Com isso, o negócio jurídico e sua execução econômica se mostram apartados. (...) Se as partes querem as consequências jurídicas do negócio e realizam efetivamente as consequências econômicas, cuja tributação é regularmente suportada, mas visam a outras consequências econômicas e as obtêm por meio das primeiras, não há simulação, mas negócio jurídico indireto. (grifo nosso)
O negócio jurídico indireto é caracterizado justamente pela utilização de uma estrutura negocial típica para alcançar resultados não usuais. Aqui o negócio é efetivamente praticado, mas as partes intentam uma finalidade prática diversa da normalmente objetivada pelas partes que realizam tal negócio.
É muito interessante observar que a disseminação do conceito de simulação através da divergência entre causa abstrata e causa concreta se deve ao fato de que o principal meio de evasão tributária ocorre por meio da dissimulação ou simulação relativa, vício no qual um negócio jurídico é declarado no intuito de ocultar outro negócio jurídico efetivamente existente.
Naturalmente, como são distintos (ainda que um seja irreal), terão causas abstratas diferentes, ou seja, em toda dissimulação, é possível verificar uma divergência entre uma causa abstrata (do negócio irreal declarado) e a causa concreta (do negócio dissimulado existente).
A recíproca, no entanto, não é verdadeira. Nem toda verificação de divergência entre causa abstrata e causa concreta implica dissimulação, já que o negócio jurídico indireto é caracterizado por tal distinção.
O exemplo mais repetido de negócio jurídico indireto é utilização da compra e venda, cuja estrutura jurídica foi concebida para a transmissão onerosa de propriedade , para alcançar fins de garantia. É importante destacar: não é que a transmissão onerosa de propriedade não ocorra, o negócio existe (a propriedade é transmitida e o preço é pago). Mas a concretização do negócio com uma cláusula de retrovenda permite a utilização do bem como uma garantia (para uma capitalização, por exemplo).
Desse modo, se existe negócio jurídico válido mesmo diante da discrepância entre causa concreta e causa abstrata, não é possível definir a simulação com base nessa distinção. Além disso, o Código Civil expressamente permite a realização de contratos atípicos (artigo 425) que são caracterizados justamente pela liberdade das partes na definição da estrutura, de modo que não há causa abstrata a ser comparada à intenção prática das partes (na verificação da simulação).
Resta evidente que, tendo em vista a importância do refinamento na definição dos institutos, não é interessante conceituar a simulação nem a partir da manifestação da vontade, nem a partir da causa abstrata dos negócios jurídicos. O foco da definição de simulação deve a existência ou não dos negócios jurídicos declarados pelas partes.
Por toda a análise realizada nessa parte do artigo, entendo que simulação é divergência deliberada entre a declaração das partes e o que efetivamente é praticado, no intuito de enganar terceiro. Desse modo, se o que foi declarado pelas partes simplesmente não ocorreu, estamos diante da simulação absoluta. Por outro lado, se o que foi declarado pelas partes ocorreu de modo diverso, estamos diante da simulação relativa (ou dissimulação)
Para acabar a segunda parte desse artigo, é importante fazer mais uma observação. Como os autores em geral faziam referência à contraposição entre aparência e realidade (além da vontade e da causa, a depender da teoria do negócio jurídico adotada), a questão da definição seria uma preocupação meramente com o rigor linguístico da doutrina.
No entanto, alguns autores, a partir dessa contraposição, entendem existir uma ampliação ou redução do conceito de simulação a partir da perspectiva voluntarista ou causalista adotada e relacionam essa visão com a evolução no entendimento jurisprudencial sobre a matéria.
É interessante destacar as análises de Fábio Piovesan Bozza (2015, p. 274):
A nosso ver, o “pomo da discórdia” encontra-se na insuficiente delimitação conceitual e normativa do principal vício que separa o planejamento lícito do ilícito: a simulação. (...) Prova dessa assertiva é a existência dos sentidos amplo e restrito do instituto, já discorridos nos capítulos anteriores, a dividir o entendimento dos juristas pátrios. Os frutos desse dissenso podem ser colhidos na jurisprudência administrativa tributária, com julgados expressando posições antagônicas sobre os mesmos fatos.
No mesmo sentido, Marciano Seabra de Godoi e Andrea Karla Ferraz que, ao analisarem determinado julgado tratando da matéria, se manifestaram da seguinte forma: “Mas o conceito de simulação adotado pelo acórdão foi um conceito amplo, que leva em conta as condições econômicas e operacionais da operação como um todo. Vale dizer, um conceito causalista de simulação, e não um conceito voluntarista”.
Como já destacado ao longo dessa segunda parte, não partilho da opinião que a adoção de uma visão voluntarista ou causalista tem grande influência para a delimitação do conceito de simulação. Na minha avaliação, os autores questões probatórias relativas à simulação com o próprio conceito do instituto. Sendo assim, deixo para aprofundar a questão no próximo tópico.
3. A PROVA DA SIMULAÇÃO NO DIREITO TRIBUTÁRIO
Como destacado no tópico anterior, a simulação é a divergência deliberada entre a declaração do ato ou negócio jurídico pelas partes e o que realmente ocorreu, no intuito de enganar terceiro. Desse modo, a ocorrência da simulação passa a ser uma questão eminentemente probatória, dependendo essencialmente da definição da verdade.
Existem diversas teorias acerca da verdade, relacionando-a à correspondência, ao consenso e à coerência, dentre outras. No entanto, aqui não há espaço para essa discussão, de modo que pretendo ter uma visão mais voltada para a prática, com base em decisões administrativas e judiciais.
Nesse sentido, inicialmente pretendo analisar os principais fundamentos indicados pela jurisprudência administrativa tributária para sustentar a ocorrência da simulação e relacionar com a definição já mencionada desse instituto.
Posteriormente, reconhecendo a dificuldade de indicar elementos probatórios da simulação que permitam abarcar as diversas possibilidades de configuração, analisarei um caso de “incorporação às avessas” que foi julgado no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais como simulação e, posteriormente, foi confirmado pelo Poder Judiciário.
O caso é muito relevante por alguns motivos: (I) havia farto conjunto de elementos probatórios, (II) é possível analisar os fundamentos das decisões no âmbito administrativo juntamente com as razões expostas nas decisões judiciais e (III) o caso foi examinado por Marciano Seabra de Godoi e Andrea Karla Ferraz, no sentido de fundamentar a adoção de um “conceito causalista de simulação”.
Desse modo, será possível analisar (I) quais os elementos probatórios presentes nos autos e como foram valorados pelos diferentes julgadores, e (II) se é possível identificar a adoção de um conceito amplo (definido a partir da concepção causalista do negócio jurídico) em contraposição a um conceito restrito (baseado na teoria voluntarista) como destacado pelos doutrinadores.
3.1. Pontos importantes na prova da simulação e elementos probatórios recorrentes na jurisprudência do CARF- Conselho Administrativo de Recursos Fiscais
Antes de adentrar na análise dos elementos de prova que mais são considerados para a demonstração da ocorrência de simulação, é interesse fazer algumas breves considerações sobre a estrutura desse instituto e sobre a finalidade, objeto, valoração, limites e ônus da prova nos casos de simulação.
Na simulação, as partes deliberadamente declaram algo diverso do ocorreu (seja porque nada ocorreu, seja porque outro negócio ocorreu), com intuito de enganar terceiro. E é justamente com base nessa declaração que o terceiro é enganado. Para frustrar o credor, as partes declaram uma compra e venda, mas realizam uma doação. Para enganar a administração tributária, declaram que houve prestação de serviços médicos, quando nada existiu.
Desse modo, é necessário demonstrar que o ato ou negócio jurídico informado pelas partes não passa de mera aparência, divergindo da realidade. A partir disso, é interessante observar que as partes que simulam um negócio jurídico têm três opções para fazer isso.
(I) As partes declaram um ato ou negócio jurídico mas simplesmente não o fazem. Desse modo, declaram uma compra e venda, mas não há transferência onerosa de propriedade (se a transferência foi gratuita, há doação dissimulada; se não há sequer transferência de propriedade, há simulação absoluta).
(II) As partes declaram ato ou negócio jurídico, realizam o que foi dito mas desfazem posteriormente (por ato subterrâneo ou abertamente). Assim, declaram uma compra e venda e o preço efetivamente é pago, mas depois, às escondidas, o valor é devolvido. Ou as partes formam uma sociedade com imóvel e dinheiro e, posteriormente, há o desfazimento de modo que quem entrou com o dinheiro sai com o imóvel e quem entrou com o imóvel sai com o dinheiro (ÁVILA, 1998, p. 76).
(III) As partes declaram algo e realmente o fazem, mas omitem a realização conjunta de outro ato ou negócio jurídico. Desse modo, as partes realizam um contrato de compra e venda com preço bem inferior e esse preço efetivamente é pago, mas há omissão deliberada da doação de parte do objeto do negócio.
A partir dessas observações, é interessante observar que nem sempre existirá uma declaração enganosa das partes que fazem a simulação, embora sempre visem a enganar terceiro. Ou seja, o engano nem sempre se dá por uma mentira evidente (a omissão de parte do negócio ou o desfazimento do ato declarado têm o condão de enganar).
Justamente por isso é que não é interessante fazer referência à declaração enganosa das partes no conceito de simulação. E isso tem aspectos muito importantes para a finalidade, o objeto e a valoração da prova da simulação.
Não há obrigatoriedade, por parte da administração tributária, de demonstrar uma declaração enganosa isoladamente para a configuração da simulação, ou seja, a finalidade da prova não é comprovar a existência de uma declaração enganosa. Na realidade, existem casos em que tal elemento probatório é extremamente difícil de ser alcançado e há casos em que sequer existe.
Além disso, não há necessidade de existência de uma prova material e cabal que demonstra a criação da aparência pelos simuladores, como, por exemplo, o acordo simulatório entre as partes que declaram o ato ou negócio. O acordo simulatório é a combinação realizada pelas partes, contemporaneamente ao negócio simulado e normalmente de modo secreto, de que não haverá cumprimento do declarado.
Desse modo, o objeto da prova na simulação, de modo recorrente, é o conjunto de indícios de que não houve o negócio jurídico declarado (simulação absoluta) ou que a ocorrência se deu de forma diversa (simulação relativa).
O indício é o fato provado (ou ao menos dispensado de ser provado, por ser notório, por exemplo) que indica a existência de outro fato, do qual é causa ou efeito, ou seja, o indício é o meio de prova, tendo em vista que induz o fato que efetivamente importa demonstrar, mas também é o objeto da prova (já que, em geral, precisa ser provado).
Para o conhecimento do fato relevante, é preciso, assim, que o indício exista nos autos do processo e que, por meio de presunções de acordo com as regras de experiência, seja possível aferir, de modo razoavelmente seguro, o nexo de causalidade entre o fato probante (indício) e o fato a ser provado.
E justamente por se tratar de uma prova indireta, a conclusão sobre a ocorrência do fato a ser provado está sujeita a diferentes graus de segurança acerca da verdade. Como bem destaca Fábio Piovesan Bozza (2015, p. 193), “se o fato desconhecido pode ter uma multiplicidade de causa, ou ser causa de muitos efeitos, o indício isolado perde a força e impede o emprego da presunção”.
Portando, na valoração das provas indiciárias, é preciso considerar que o conjunto de indícios deve ser (I) preciso, já que permite, de modo seguro, extrair consequências claras; (II) grave, já que resulta numa probabilidade forte que permite uma persuasão racional; e (III) harmônico, de modo que os indícios não sejam contraditórios, convergindo para uma mesma direção e permitindo um alto grau de confirmação.
Em relação aos limites na prova da simulação, é importante destacar que o julgador deve necessariamente se ater às provas constantes dos autos do processo administrativo ou judicial, motivar a decisão de modo controlável e racional, atendendo às regras de validade da argumentação e raciocínio jurídico e respeitando as regras de experiência na valoração das provas.
Como estamos tratando da simulação no Direito Tributário, é importante fazer um destaque em relação a quem compete trazer os elementos probatórios para a demonstração desse vício de existência do negócio jurídico.
Com esse intuito, é interessante trazer uma lição de Mizabel Abreu de Machado Derzi (2001, 227): “a presunção de legitimidade é inerente aos atos jurídico em geral. A lei, a sentença, o ato administrativo, o contrato e o negócio jurídico presumem-se legítimos (portanto válidos) em geral até que sejam declarados não válidos ou nulos”.
Desse modo, quando contribuintes declaram que praticaram determinado negócio jurídico, deve-se considerar que isso efetivamente aconteceu. Por outro lado, se, a partir da fiscalização, a administração tributária conclui que o negócio informado não ocorreu ou ocorreu de outra forma, é permito realizar o lançamento de ofício, como prescreve o artigo 149, VII, do Código Tributário Nacional.
Portanto, é muito importante ressaltar que é a administração tributária que tem ônus de demonstrar que o negócio declarado não passa de uma aparência, seja para ocultar outro negócio jurídico com maior tributação, seja se beneficiar diretamente de algum benefício fiscal resultante do negócio simulado.
Vale ressaltar: se não é possível constatar, a partir dos elementos probatórios reunidos pela fiscalização, que não houve o negócio jurídico como declarado pelas partes, não há como sustentar a ocorrência de simulação.
Humberto Ávila explicita essa situação ao analisar a prestação de serviços personalíssimos por pessoa jurídica: “o problema é que é possível que a pessoa jurídica e o sócio autuado tenham feito exatamente aquilo que declararam ter feito”.
Ultrapassados esses pontos importantes no que toca à prova da simulação, vale trazer elementos probatórios recorrentes nas decisões do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais que sustentam a ocorrência da simulação.
Tomando por base o exposto por Fábio Piovesan Bozza (2015, p. 233-246), vou mencionar (I) a existência de acordo simulatório em documento firmado pelas partes, (II) desfazimento ou neutralização dos efeitos do ato simulado, (III) proximidade temporal na realização de atos negociais sucessivos, (IV) interposição simulada de pessoas, (V) participação de pessoas vinculadas, (VI) ausência de propósito negocial, e (VII) ausência de motivação extratributária.
(I) A existência de acordo simulatório firmado entre as partes pode ser considerado prova direta e cabal da existência da simulação, já que demonstra claramente que o negócio jurídico declarado era meramente aparente.
(II) No caso de desfazimento ou neutralização dos efeitos do ato simulado, pode-se apontar duas situações distintas.
Quando o desfazimento do ato declarado ocorre de modo transparente, esse elemento probatório deve ser considerado como um indício da ocorrência da simulação (a ser sopesado em conjunto com outros indícios para a definição do que realmente ocorreu).
Por outro lado, quando a fiscalização verifica que o desfazimento do ato ou negócio jurídico foi realizado de modo oculto (como, por exemplo, a devolução do preço realizado às escondidas num contrato de compra e venda), pode ser considerado prova cabal da simulação.
Além disso, é preciso considerar se o desfazimento tinha sido previamente acertado entre as partes ou não, de forma dolosa.
(III) Na consideração da proximidade temporal na realização de atos sucessivos, os julgadores do CARF entendem que há um indício de que havia preordenação e unidade de objetivo, de modo que vários atos negociais devem ser considerados conjuntamente para a definição do que efetivamente ocorreu. Os casos de “casa-separa”, em que diferentes empresas se associam e, logo depois, encerram a sociedade sem qualquer modificação efetiva na realidade. Há simulação porque foi possível verificar que a associação foi meramente declarada, não tendo ocorrido na verdade.
(IV) Na interposição simulada de pessoa de pessoas, a simulação ocorre nas partes do negócio jurídico, de modo que sempre estarão presentes o interponente, a interposta pessoa e o terceiro contratante.
É importante destacar que o caso de interposição simulada deve ser diferenciado da realização de um negócio jurídico com a participação de um intermediário, de modo que os indícios, na verificação da simulação, devem apontar para inexistência de participação desse intermediário (ou participação meramente aparente, declarada).
(V) A participação de pessoas vinculadas é um indício de que pode ter havido o conluio das partes para enganar o terceiro, característica importante da simulação. Deve ser tratada meramente como um indício de um possível acordo simulatório, já que o essencial é a inexistência do ato ou negócio jurídico declarado.
(VI) A ausência de propósito negocial é um conceito de difícil delimitação, baseado na doutrina estadunidense do business purpose. Na minha avaliação, desde que seja analisada separadamente da exigência de uma motivação extratributária, pode servir como indício da simulação.
Ricardo Mariz de Oliveira[12] faz interessantes observações para a consideração desse conceito no âmbito do nosso sistema tributário, indicando a impossibilidade de análise da ausência de propósito negocial como exigência ou requisito de validade, além de considerar que a busca pela economia tributária tem supedâneo constitucional. No sentido indicado pelo autor, “o motivo extratributário somente pode ser considerado na perspectiva de ter ou não ter havido alguma alteração no patrimônio da pessoa ou no seu modo de negociar, ou seja, não no sentido da inexistência do business purpose, mas de inexistência de business”.
(VII) Por fim, a ausência de motivação extratributária, fundamento recorrente na jurisprudência do CARF, para a declaração de que houve simulação deve ser totalmente afastada. O nosso sistema constitucional tem por característica a proteção à liberdade de exercício de atividade econômica, que possibilita a busca pela redução dos custos negociais, inclusive os meramente tributários.
3.2. Análise do conjunto probatório de dois casos de “incorporação às avessas”
Nessa parte do artigo, analisarei um caso de “incorporação às avessas” que teve grande repercussão na doutrina tributário: o caso Rexnord. A escolha desse caso se deu por conta das seguintes vantagens: quadro comprobatório robusto, possibilidade de análise dos fundamentos administrativos e judiciais e existência de análise de autores que entendem que existem dois conceitos de simulação a partir da teoria do negócio jurídico adotada.
Inicialmente farei breve explicação do caso para, posteriormente, transcrevendo os fundamentos relevantes de cada decisão, analisar criticamente a partir das questões conceituais e relativas às provas já tratadas ao longo do artigo.
A administração tributária federal desconsiderou as incorporações sucessivas, precedidas de cisões parciais, da empresa Rexnord por empresas deficitárias e inativas. As incorporações eram seguidas de modificações na razão social, no objeto social e no endereço das incorporadoras, que passavam a ficar idênticos aos das incorporadas.
Como, na época, o Regulamento do Imposto de Renda – RIR/1980 não permitia a compensação dos prejuízos de empresas incorporadas com os lucros da empresa incorporadora, a realização dos sucessivos atos nos casos em questão resultavam na compensação dos prejuízos das incorporadoras com os lucros das incorporadas.
As alegações da empresa eram centradas na legalidade de todas as operações, que eram registradas na junta comerciai, e na inexistência de qualquer norma jurídica que proibisse a incorporação de uma sociedade superavitária por uma empresa inativa e deficitária.
Vamos analisar então o Acórdão nº 01-02.107 proferido pela Câmara Superior de Recursos Fiscais, do CARF, e a Apelação Cível 2002.04.01.014021-6/RS, da 1ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região.
No âmbito administrativo, é importante ressaltar que o recurso do contribuinte tinha por objetivo a reforma do acórdão já proferido pelo CARF, sob o argumento de que havia dissonância com outras decisões proferidas pelo próprio tribunal administrativo.
Nesse sentido, é interessante observar como o relator Verinaldo Henrique da Silva começa o seu voto tratando de diferenciar as decisões utilizadas como parâmetro para a admissibilidade do recurso do contribuinte, a partir das provas carreadas aos autos administrativos. Tanto é assim que deixa claro que conhece do recurso “a fim de propiciar ao litigante o exercício do mais amplo direito de defesa”.
O relator, então, delimita o cerne do litígio da seguinte maneira:
O que se discute é a possibilidade, ou não, de, após sucessivas incorporações, se compensar prejuízos fiscais de titularidade de uma empresa (no entender da Câmara recorrida, incorporada; para o recorrente, incorporadora) com o lucro de outra (para a Câmara "a quo", incorporadora; na ótica do reclamante, incorporada). O cerne da questão, portanto, está em se saber se houve, ou não, à luz das provas trazidas aos autos, as incorporações preconizadas pela recorrente, isto é, se em todas as operações descritas nos autos, a empresa REXNORD CORRENTES LTDA. foi de fato e de direito incorporada pelas demais pessoas jurídicas envolvidas. (grifo nosso)
Desse modo, fica evidente que, no voto do relator, não se tratou propriamente da diferenciação entre conceitos distintos de simulação, mas foi realizada uma valoração das provas existentes nos autos do processo administrativo, de modo a se concluir as incorporações declaradas pela empresa realmente existiram ou não.
O seguinte trecho da fundamentação da decisão demonstra bem o raciocínio do julgador administrativo, já que indica quais os elementos de prova foram considerados relevantes para a demonstração do que realmente ocorreu:
a) após as sucessivas operações de incorporação, a empresa remanescente sempre foi a REXNORD CORRENTES LTDA. (com outro CGC), mantendo seu objeto social, razão social, os mesmos sócios e o mesmo patrimônio e o local de suas atividades;
b) em todas as ocasiões, foram extintas a razão social, o objeto social e o estabelecimento sede das demais empresas envolvidas, que na documentação constaram com sendo incorporadoras;
c) se isso não bastasse, nas duas últimas operações, o pagamento referente à aquisição do patrimônio remanescente das empresas parcialmente cindidas (PRODUTOS ALIMENTÍCIOS KELLOGC'S LTDA. e UNIÃO MINAS EMPREENDIMENTOS S.A, que após mudarem a razão social para REXNORD DO RIO GRANDE LTDA. e UNIÃO MINAS EMPREENDIMENTOS LTDA., respectivamente, incorporaram a REXNORD CORRENTES LTDA.), foi efetuado pela própria REXNORD CORRENTES LTDA., em data anterior ao ato de incorporação (cheques microfilmados de fls. 705 e 707).
Analisando essa decisão, Marciano Seabra de Godoi e Andréa Karla Ferraz (2012, p. 368) entenderam que “essa nova jurisprudência tem um viés nitidamente causalista em sua visão sobre a simulação”. Nessa visão, a análise da simulação pautou-se na distinção entre a causa abstrata prevista no ordenamento jurídico e a “finalidade concreta da operação”, que era a compensação dos prejuízos acumulados pela incorporadora. Com base nisso, o conceito de simulação teria sido ampliado.
Como já destaquei anteriormente, não entendo dessa forma. O conceito de simulação não é ampliado a partir de uma visão causalista do negócio jurídico. O que realmente foi importante foi o farto conjunto probatório existente nos autos administrativos que permitiu concluir que a operação de incorporação não havia ocorrido como na declaração do contribuinte.
Tanto é assim que na decisão não se tratou em momento algum de uma mudança de jurisprudência para declarar a ilegalidade de todas as operações de incorporações de empresas lucrativas por empresas deficitárias. O que efetivamente pesou foi a possibilidade de, com base nos elementos probatórios constantes dos autos, verificar a ocorrência da dissimulação.
A conclusão do relator do processo deixa bem clara essa visão:
A meu ver, os fatos descritos no relatório não deixam nenhuma dúvida: "a empresa rica (REXNORD CORRENTES LTDA.) sistematicamente incorporou de fato as empresas pobres". Nunca a REXNORD deixou de existir. Extintas foram as outras empresas, cindidas parcialmente e por ela incorporadas. (grifo nosso)
Na Apelação 2002.04.01.014021-6, a relatora desembargadora federal Maria Lúcia Luz Leiria também tratou o ponto de discórdia como uma questão de prova relativa ao que efetivamente aconteceu. O seguinte trecho da decisão deixa bem claro a posição da julgadora:
A análise dos fatos ocorridos parece dar conta do inverso: sob o nome de incorporação, a empresa incorporada sempre tendo prejuízos remanesce com seu nome, sócios, objeto social, desparecendo, justamente, a empresa incorporadora, tudo sob a alegação de que a razão social da incorporada é mais conhecido e, por isto, deve ser mantida. (grifo nosso)
Como já mencionado, não há uma ampliação do conceito de simulação, que continua sendo construído a partir da contraposição entre o que as partes do negócio declaram e o que efetivamente ocorre.
A possibilidade de uma “avaliação global” (como dizem Godoi e Ferraz, p. 370) não decorre do conceito de simulação, mas dos elementos probatórios presentes nos autos. Para esses autores, o TRF da 4ª Regiao aplicou um conceito causalista de simulação já que a relatora destaca que “não é lícito que se realizem cisões, incorporações ou fsões levadas não pelo conteúdo próprio desses negócios, mas sim de modo diferente da forma que tais negócios normalmente se realizam”.
Numa leitura atenta, no entanto, se percebe que esse trecho da decisão apenas tem o condão de reforçar a conclusão de que não houve o negócio como declarado pelas partes, já que a relatora destaca:
Se, portanto, não existe a incorporação, tal como alegada pela recorrente, porque justamente, no plano fático, é a incorporada que remanesce, sendo extinta a incorporadora, o que ocorre é sempre a possibilidade de compensarem-se os prejuízos da "incorporada" com os lucros da incorporadora, que, com isto, tem a base de cálculo para tributação reduzida. (grifo nosso)
Na minha visão, fica evidente que não há qualquer modificação no conceito de simulação a partir de uma análise detida das decisões em questão.
4. CONCLUSÕES FINAIS
A principal conclusão decorrente dos estudos expostos nesse artigo é de que a contraposição entre as teorias do negócio jurídico (visão voluntarista ou causalista) não é de grande importância para a delimitação do conceito de simulação, como sustentam alguns autores do ramo tributário.
Na realidade, os estudos acerca da simulação devem estar centrados nas controvérsias a respeito da prova da não ocorrência do negócio como indicado pelas partes. Desse modo, a análise global de atos sucessivos e a proximidade temporal, o exame do desfazimento de ato realizado pelas partes, dentre outras questões relacionadas, não repercutem na delimitação do conceito de simulação.
Portanto, com base nessas conclusões, a definição de simulação é a divergência deliberada entre o ato ou negócio jurídico declarado pelas partes e o que realmente acontece. Se nenhum negócio jurídico ocorreu, trata-se de simulação absoluta. Se negócio jurídico diverso ocorreu, trata-se de dissimulação.
5. BIBLIOGRAFIA
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[1] PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito privado: parte geral. Tomo I. São Paulo: RT, 2012, p. 81.
[2] BARROS, Washington de Monteiro; PINTO, Ana Cristina de Barros Monteiro França. Curso de Direito Civil 1. Parte geral. 42ª edição. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 263.
[3] XAVIER, Alberto. Tipicidade da tributação, simulação e norma antielisiva. São Paulo: Dialética, 2001, p. 52.
[4] DÓRIA, Antônio Roberto Sampaio. Elisão e evsão fiscal. São Paulo: LAEL, 1971
[5] BOZZA, Flávio Piovesan. Planejamento tributário e autonomia privada. Série Doutrina Tributária v. XV. São Paulo: Quartier Latin, 2015.
[6] TORRES, Heleno Taveira. “Teoria da simulação de atos e negócios jurídicos”. In: TEPEDINO, Gustavo; FACHIN, Luiz Edson (Org.). Obrigações e contratos: obrigações: funções e eficácia. Coleção Doutrina Essenciais, v. 2. São Paulo: RT, 2011.
[7] FERRAZ JUNIOR, Tércio Sampaio. “Simulação e negócio jurídico indireto no direito tributário e à luz do novo código civil”. Revista Fórum de Direito Tributário, v. 48, Belo Horizonte: Fórum, 2010, p. 9-25.
[8] SCHOUERI, Luís Eduardo. “Planejamento Tributário: limites à norma antiabuso”. Revista Direito Tributário Atual, v. 24. São Paulo: Dialética, 2010, p. 353-354.
[9] GODOI, Marciano Seabra de; FERRAZ, Andréa Karla. “Planejamento tributário e simulação: estudo e análise dos casos Rexnord e Josapar” Revista Direito GV, v. 15. São Paulo, Jan-junho, 2012.
[10] OLIVEIRA, Ricardo Mariz de. “A simulação no Código Tributário Nacional e na prática”. Revista de Direito Tributário Atual, v. 27. São Paulo: Dialética, 2012.
[11] ÁVILA, Humberto. A Prestação de Serviços Personalíssimos por Pessoas Jurídicas e sua Tributação: o Uso e Abuso do Direito de criar Pessoas Jurídicas e o Poder de desconsiderá-las. In: ROCHA, Valdir de Oliveira (Coord). Grandes questões atuais do direito tributário, v. 17. São Paulo: Dialética, 2013.
[12] OLIVEIRA, Ricardo Mariz de. “Reflexões sobre a vontade, a intenção e o motivo (e objeto e causa) no mundo jurídico. In: PARISI, Fernanda Drummond; TORRES, Heleno Taveira; MELO, José Eduardo Soares de. Estudos de Direito Tributário em homenagem ao professor Roque Antonio Carrazza, v. 3. São Paulo: Malheiros, p. 160.
formada em Direito pela Universidade Federal de Sergipe, com pós-graduação em Direito do Estado pela Ciclo - Renovando Conhecimento, Servidora Pública do Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BARBOSA, Marina de Almeida Menezes. Simulação relativa no Direito Tributário Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 28 jul 2016, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/47104/simulacao-relativa-no-direito-tributario. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Roberto Rodrigues de Morais
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