RESUMO: A igualdade ou equivalência formal, aquela que afirma todos serem iguais perante a lei sem distinção de qualquer natureza, não é suficiente para que no, mundo real, haja paridade de armas das partes contratantes nos contratos consumeristas, dada a diferença de poder econômico e de capacitação técnica entre os dois lados. A partir dessa constatação, chegou-se ao conceito de equivalência material, entendida como a presunção normativa de que uma das partes da relação jurídica é hipossuficiente. Desta feita, o Ordenamento Jurídico brasileiro estabeleceu diversas normas protetivas da parte mais fraca, em uma tentativa de se alcançar a igualdade de fato. Isto posto, abordar-se-á os instrumentos normativos existentes para a promoção da equivalência material nos contratos de seguro.
PALAVRAS-CHAVE: Seguro. Consumidor. Equivalência material. Vulnerabilidade. Finalismo Mitigado. Instrumentos de Proteção. SUSEP. Autarquia fiscalizadora.
INTRODUÇÃO
O mercado de seguro vem sendo cada vez mais representativo para a economia do país, aumentando sua participação no PIB de 2,81% em 2001 para 3,67% em 2013, segundo dados da SUSEP, o que representa um incremento percentual de mais de 30%. Ademais, considerando que apenas pequena parcela da população tem acesso a este tipo de produto, o potencial de crescimento é enorme.
Esse mercado é fiscalizado pela Superintendência de Seguros Privados (SUSEP), autarquia federal vinculada ao Ministério da Fazenda, integrante do Sistema Nacional de Seguros Privados, criado pelo Decreto-Lei nº 73/1966, tendo como objetivo e prerrogativa, dentre outros, baixar instruções e expedir circulares relativas à regulamentação das operações de seguro, de acordo com as diretrizes do Conselho Nacional de Seguros Privados (CNSP), bem como fixar condições de apólices.
Assim, o Estado exerce seu poder de polícia nesse mercado, através da fiscalização realizada pela SUSEP, evitando abusos e garantindo a solvência das companhias, de forma que os segurados não tenham falta de cobertura por insolvência econômico-financeira das mesmas. Dessa forma, o CNSP e a SUSEP editam normas e instruções a fim de garantir o cumprimento do que está determinado no Decreto-Lei nº 73/1966.
Além da regulação e fiscalização realizada pela SUSEP, o Código de Defesa do Consumidor (CDC) é outra forma de proteção aos contratantes de seguros, sendo estes enquadrados no conceito de consumidor, previsto no artigo 2º do citado diploma legal: “Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final”.
Ademais, o artigo 3º, § 2º estatui que as atividades securitárias estão inseridas no conceito de serviço.
Dado a relevância desse mercado consumidor, torna-se essencial a previsão de instrumentos de proteção da parte mais fraca nessa relação de consumo.
No entanto, o tema é um desafio ao Poder Judiciário, tendo em vista que, mesmo o segurado sendo a parte mais fraca na referida relação de consumo, não se deve protegê-lo quando encontrar-se de má fé, sob pena de se onerar excessivamente a seguradora, e, em última análise, toda a coletividade contratante desse tipo de serviço.
Por esta razão, tem-se que o desenvolvimento de todo o potencial do mercado segurador depende também da segurança jurídica nas relações de consumo para as partes contratantes: o segurador, que não terá que desembolsar quantias não previstas inicialmente; e o segurado, que poderá se utilizar de um instrumento indispensável para a manutenção do seu patrimônio.
Inicialmente, há de se delimitar quem de fato é considerado destinatário do Código de Defesa do Consumidor e quais são os instrumentos de proteção mais importantes aplicáveis às relações contratuais na área de seguros.
O Código de Defesa do Consumidor possui normas que visam promover a equivalência material entre o consumidor e o fornecedor de produtos e serviços, tais como a proteção contra publicidade abusiva (art. 6°, IV), a facilitação da defesa de seus direitos, através da inversão do ônus da prova (art. 6°, VIII), a continuidade dos serviços públicos essenciais (art. 22), dentre outros.
Há controvérsia na doutrina e jurisprudência pátrias acerca da abrangência do conceito de consumidor, e de quem é alcançado por suas normas protetivas, podendo-se destacar três teorias principais, a seguir analisadas.
Diante do que dispõe o artigo 2°, caput do CDC, o ordenamento jurídico brasileiro adotou a corrente subjetiva ou finalista, ao dispor no citado dispositivo que: "consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final".
Segundo Marques (2010, p. 85), final é o destinatário fático e econômico do bem ou serviço, seja pessoa física ou jurídica. Logo, segundo essa interpretação teleológica, não basta que o consumidor seja o destinatário fático do produto, retirando-o da cadeia de produção, levando-o ao seu escritório ou residência – é necessário também ser destinatário econômico do bem, não o adquirindo para revenda ou para uso profissional. Desta feita, a teoria finalista restringe a figura do consumidor àquele que adquire (utiliza) um produto ou serviço para uso próprio e de sua família, de modo a suprir uma necessidade ou satisfação pessoal, e não para o desenvolvimento de outra atividade de cunho profissional, não se admitindo, portanto, que a aquisição ou a utilização de produto ou serviço propicie a continuidade da atividade econômica, já que o fim do CDC é tutelar de maneira especial um grupo da sociedade considerado mais vulnerável.
Por sua vez, uma segunda teoria, denominada objetiva ou maximalista identifica como consumidor a pessoa física ou jurídica que adquire o produto ou utiliza o serviço na condição de destinatário final (destinatário fático), não importando se haverá uso particular ou profissional do bem, tampouco se terá ou não a finalidade de lucro.
Por fim, surge uma terceira corrente doutrinária, chamada de finalismo mitigado, que, suavizando as duas teorias supramencionadas, reconhece a figura do consumidor na pessoa física ou jurídica que adquire o produto ou utiliza o serviço, mesmo que em razão de sua profissão, na forma de equipamentos ou serviços que sejam auxiliadores de sua atividade econômica, desde que reconhecida a sua vulnerabilidade. Dentre suas diversas espécies, pode-se citar a vulnerabilidade técnica, que é a que decorre do fato de o consumidor não possuir conhecimentos específicos sobre os produtos ou serviços que está adquirindo, ficando sujeito aos imperativos do mercado e à confiança depositada na boa fé da outra parte; a vulnerabilidade jurídica, que se manifesta nas dificuldades que o consumidor enfrenta na luta para a defesa de seus direitos na esfera administrativa ou judicial; a vulnerabilidade econômica e social, definida como o resultado das disparidades de força entre os agentes econômicos e os consumidores, dentre outras. .
Adotando-se a corrente finalista mitigada, Novaes (2001, p. 165) afirma que o CDC é aplicável também aos contratos de adesão, enquadrando-se no conceito de consumidor todas as pessoas expostas às práticas previstas em seus Capítulos V e VI, tendo em vista que tal exposição já é suficiente para gerar uma situação de insegurança e de vulnerabilidade. .
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) adota a teoria do finalismo mitigado, como se depreende do seguinte julgado:
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL CIVIL. PROCESSO CIVIL. RECURSO MANEJADO SOB A ÉGIDE DO CPC/73. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. RECURSO ESPECIAL. PESSOA JURÍDICA. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. APLICAÇÃO DO CDC. TEORIA FINALISTA MITIGADA. PRESCRIÇÃO QUINQUENAL. ART. 27 DO CDC. SÚMULA Nº 83 DO STJ. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO.
1. (...)
2. A jurisprudência desta Corte tem mitigado os rigores da teoria finalista para autorizar a incidência do CDC nas hipóteses em que a parte (pessoa física ou jurídica), embora não seja tecnicamente a destinatária final do produto ou serviço, se apresente em situação de vulnerabilidade. Tem aplicação a Súmula nº 83 do STJ. Agravo regimental não provido. AgRg no AREsp 646466 / ES
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL
2014/0338709-7, Terceira Turma, DJe 10/06/16, Rel. Min. Moura Ribeiro.
Faz-se necessário considerar que o próprio CDC tem como um dos princípios basilares da política nacional de consumo o reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor, conforme se evidencia no art. 4º, inciso I do referido codex: "A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios: I - reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo".
Desta feita, ao se fazer o uso das interpretações sistemática e teleológica, extrai-se que o finalismo deve se harmonizar à presunção de vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo.
O CDC inovou a época de sua edição, ao prever o instituto da desconsideração da personalidade jurídica, em seu artigo 28, nas hipóteses em que o fornecedor de produto ou serviço incorrer em abuso de direito, excesso de poder, infração de lei, fato ou ato ilícito ou violar o estatuto ou contrato social da empresa. Desta forma, a fim de evitar que a personalidade da sociedade empresária seja usada para o cometimento de crimes ou abusos, permite-se que o patrimônio dos seus sócios seja atingido, protegendo-se a parte hipossuficiente da relação contratual, conforme ensina Tartuce e Neves (2014, p. 327):
Visando a coibir tais abusos, surgiu no Direito Comparado a figura da teoria da desconsideração da personalidade jurídica ou teoria da penetração (disregard of the legal entity). Com isso, alcançam-se pessoas e bens que se escondem dentro de uma pessoa jurídica para fins ilícitos ou abuso, além dos limites do capital social (responsabilidade ultra vires).
Diferentemente do Código Civil de 2002, que em seu artigo 50 adotou a Teoria Maior, o CDC adota a chamada Teoria Menor da desconsideração da personalidade jurídica, mais benéfica ao consumidor, já que não exige a demonstração de fraude ou de abuso de direito, e nem prova da confusão patrimonial entre os bens da pessoa jurídica e de seus sócios, bastando, nesse sentido, que o consumidor demonstre o estado de insolvência do fornecedor ou, ainda, o fato de a personalidade jurídica representar um obstáculo ao ressarcimento dos prejuízos a ele causados.
O CDC possui capítulo próprio para proteção do consumidor, estabelecendo dispositivos gerais, definindo quais tipos de cláusulas são consideradas abusivas e dispondo sobre os contratos de adesão.
Nos contratos de seguro, que, em regra, são de adesão, o artigo 46 do CDC tem especial importância, pois as especificidades técnicas deste mercado podem dificultar a sua compreensão por parte do consumidor. Sendo o seguro um instrumento altamente especializado, é necessário que as suas cláusulas sejam claras e compreensíveis, respeitando-se os princípios da função social e da boa fé objetiva, inerentes a qualquer relação negocial. Além disso, caso haja divergência em sua interpretação, deve ser adotada a que for mais favorável ao consumidor, conforme estabelece o artigo 47.
O artigo 54 do CDC define o que é considerado um contrato de adesão nos seguintes termos:
Contrato de adesão é aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo.
Como se pode perceber pela própria definição legal, o contrato de adesão é aquele imposto pelo estipulante, independentemente se pessoa jurídica de direito público ou de direito privado, geralmente o detentor do domínio ou poderio contratual. Resta ao aderente, portanto, apenas aceitar ou não o conteúdo do negócio, já que a ele não é dada a oportunidade de discutir as cláusulas contratuais. Por esta razão, as normas consumeristas possuem relevante importância e devem ser estritamente respeitadas nesse tipo de contratação.
Outra regra protetiva consiste na possibilidade de se estabelecer a chamada garantia contratual, modalidade de decadência convencional, complementar à legal, prevista no artigo 50 do CDC. Um exemplo bastante elucidativo é o seguro de garantia estendida, modalidade bastante utilizada no varejo para vendas de bens de consumo duráveis.
Ademais, tem-se também o reconhecimento, pelo legislador consumerista, da nulidade de pleno direito de determinadas cláusulas contratuais, consideradas abusivas e prejudiciais ao consumidor, previstas em um rol exemplificativo, no artigo 51 do CDC.
O Decreto-lei nº 73/1966 criou o Sistema Nacional de Seguros Privados, do qual fazem parte o Conselho Nacional de Seguros Privados (CNSP), a Superintendência de Seguros Privados (SUSEP), os resseguradores, as sociedades autorizadas a operar em seguros privados e os corretores habilitados, conforme artigo 8º da citada norma.
O CNSP é o órgão responsável pela regulamentação técnica do setor, fixando as diretrizes e normas da política de seguros privados, regulando a constituição, organização, funcionamento e fiscalização das entidades do mercado, fixando as características gerais dos contratos de seguro, dentre outras atividades, de acordo com o artigo 32 do referido Decreto-lei.
À SUSEP, autarquia federal, vinculada ao Ministério da Fazenda, compete implementar e fiscalizar as normas expedidas pelo CNSP, como dispõe o artigo 36, caput do Decreto-lei nº 73/1966.
A Circular SUSEP nº 292 de 2005 disciplina o atendimento de demandas dos consumidores do mercado por ela supervisionado e a transformação de suas denúncias em Processos Administrativos Sancionadores (PAS).
A supracitada norma estabelece os procedimentos que deverão ser adotados pela SUSEP no atendimento aos consumidores do mercado de seguros.
No caso de denúncias que demandem a realização de cálculos atuariais, estes serão efetuados pela referida autarquia, somente sendo aberto o procedimento de atendimento ao consumidor (PAC), o qual poderá ser convertido em processo administrativo sancionador, caso o problema não se resuma ao simples não entendimento do consumidor aos cálculos técnicos.
Uma vez instruído o PAC, este deverá ser encaminhado para a fiscalização direta da SUSEP para que haja a abertura efetiva do processo sancionador (PAS), o qual poderá culminar na aplicação de sanção prevista na Resolução CNSP nº 243/2011.
Nesse processo administrativo, como em qualquer outro, deverão ser respeitados o contraditório e ampla defesa, bem como os demais ditames da lei de processo administrativo (Lei nº 9.784/99).
Já para as seguradoras, é a Resolução CNSP nº 279 de 2013 que dispõe sobre as ouvidorias que as mesmas deverão instituir. As companhias deverão dar ampla divulgação da existência da ouvidoria, garantindo o acesso aos seus consumidores, seja através de atendimento pessoal, seja através de atendimento telefônico, devendo responder as demandas no prazo estabelecido.
A referida Resolução dispõe que essas ouvidorias terão atribuições de receber, registrar, analisar e dar tratamento formal e adequado às demandas dos seus clientes, bem como prestar os esclarecimentos necessários e dar ciência aos reclamantes do andamento de seus pleitos, informando o prazo previsto para a resposta final, o qual não poderá exceder quinze dias, contados da protocolização da reclamação.
Uma das normas da SUSEP, cujo objeto é a fiscalização in loco, é a Circular SUSEP nº 239 de 2003, que estabelece regras sobre o pagamento dos prêmios de seguro. O seu Anexo I possui os preceitos a serem observados quando da contratação do seguro e o seu Anexo II possui a tabela de curto prazo, a qual é definida como a cobertura mínima em termos temporais, considerando o pagamento de determinado percentual em relação ao total do prêmio.
O artigo 1º e seus parágrafos da citada norma dispõe que não poderá haver cobrança de valor adicional a título de custo administrativo por parcelamento do prêmio. É, no entanto, permitido, a cobrança de um valor adicional, no caso de parcelamento, para fins de compensação financeira, por não ter a seguradora disponibilidade do valor total do prêmio. Tal compensação financeira deverá ser abatida quando houver a possibilidade de antecipação de parcelas futuras por parte do segurado.
Um dispositivo que protege o consumidor contra a acumulação de dívidas de seguro é o artigo 2º desta circular, já que a mesma não permite que a última parcela do prêmio não tenha data de vencimento superior ao término da vigência da apólice.
A supracitada norma prevê um prazo mínimo para que o segurado possa efetuar o pagamento do prêmio de seguro, dispondo que a sociedade seguradora encaminhará o documento de cobrança diretamente ao segurado ou seu representante legal, ou, ainda, por expressa solicitação de qualquer um destes, ao corretor de seguros, observada a antecedência mínima de cinco dias úteis, em relação à data do respectivo vencimento, nos termos do seu art. 4º, § 1º.
Uma regra importante disposta na referida norma é a que dispõe sobre o não pagamento das demais parcelas quando o segurado opta pelo fracionamento do prêmio (parcelamento) e sobre a influência disso na vigência da apólice, já que, em certos ramos, é normal que o número de parcelas mensais seja menor que o número de meses de vigência do contrato. Seu artigo 6º, caput assim dispõe:
No caso de fracionamento do prêmio e configurado a falta de pagamento de qualquer uma das parcelas subsequentes à primeira, o prazo de vigência da cobertura será ajustado em função do prêmio efetivamente pago, observada, no mínimo, a fração prevista na tabela de prazo curto constante do anexo II desta Circular.
A tabela de prazo curto referida no dispositivo acima dispõe de prazos mínimos de cobertura que deverá ser dada ao segurado de acordo com o percentual do prêmio que ele já tenha adimplido. Nada impede que a seguradora estipule prazos maiores para as mesmas proporções de prêmios pagas. É importante observar que a proporção do prazo comparada ao prêmio pago é inferior, em razão dos custos que as companhias têm ao emitir a apólice, faturar, pagar comissão ao corretor e demais custos iniciais de contratação.
Dessa forma, à medida que a proporção do prêmio pago se aproxima de 1 (um), a proporção do prazo de cobertura aumenta mais rápido do que nas faixas iniciais da tabela, também se aproximando de 1 (um). Isso ocorre porque quanto mais se paga do valor total do prêmio, mais a companhia terá diluído seus custos iniciais de contratação, fazendo com que o segurado faça jus a uma proporção de vigência bem próxima a do prêmio pago nas últimas faixas da tabela.
Uma vez verificada a inadimplência do cliente com relação às demais parcelas, e aplicada a tabela de prazo curto, a seguradora deverá informar ao segurado ou ao seu representante legal, por meio de comunicação escrita, o novo prazo de vigência ajustado, conforme dispõe o art. 6º, § 1º da norma em análise.
No caso de o segurado voltar a pagar as parcelas inadimplentes com os encargos contratuais dentro do novo prazo de vigência ajustado, retomar-se-á o prazo de vigência original da apólice. Porém, findo este, caso o segurado não retome o pagamento do prêmio, surge para a seguradora o direito de cancelar o contrato de seguro, desde que haja expressa previsão contratual ou o de se utilizar do princípio da exceção ao contrato não cumprido. Caso assim não o fosse, a companhia seria extremamente onerada, prejudicando, em última análise os demais segurados, pois aumentaria a sinistralidade da seguradora (relação entre despesas de sinistros e prêmios), sendo repassado ao preço dos demais segurados.
No caso de fracionamento em que a aplicação da tabela de curto prazo não resultar em alteração do prazo de vigência da cobertura, a sociedade seguradora poderá cancelar o contrato ou suspender sua vigência, sendo vedada a cobrança de prêmio pelo período de sua suspensão, em caso de restabelecimento do contrato, nos termos do art. 6º, § 1º da legislação em epígrafe.
O artigo 8º desta Circular traz outra importante proteção ao consumidor, ao vedar o cancelamento do contrato de seguro cujo prêmio tenha sido pago à vista, mediante financiamento obtido junto a instituições financeiras, nos casos em que o segurado deixar de pagar o financiamento. Trata-se, portanto, de duas relações jurídicas independentes, a primeira, decorrente de um contrato de mútuo entre o indivíduo e o banco, e a segunda, de um contrato de seguro entre o segurado e a seguradora.
Cabe esclarecer, ainda que a aceitação da proposta por parte da seguradora é considerada o termo ‘a quo’ da vigência da apólice, podendo o pagamento do prêmio ser efetuado em momento ulterior. Dessa forma, já se considera como coberto o risco objeto do contrato de seguro. É o que dispõe o artigo 10 da norma em comento: “Se o sinistro ocorrer dentro do prazo de pagamento do prêmio à vista ou de qualquer uma de suas parcelas, sem que tenha sido efetuado, o direito à indenização não ficará prejudicado”.
Por fim, há situações em que o pagamento da indenização encerra o contrato, como é o caso de perda total de veículo automotor, já que o objeto do seguro será substituído por outro semelhante ou indenizado na forma de dinheiro. Nesses casos, ou seja, quando o pagamento da indenização acarretar o cancelamento do contrato de seguro, nos ditames do artigo 10, parágrafo único da Circular SUSEP nº 239/2003, as parcelas vincendas do prêmio deverão ser deduzidas do valor da indenização, excluído o adicional de fracionamento.
CONCLUSÃO
O seguro, que é um instrumento essencial para a proteção do patrimônio dos indivíduos, sendo, em sua maioria, objeto de contratos de adesão, merece atenção especial da sociedade e das instituições a fim de que o consumidor realmente tenha seu bem protegido.
Verificou-se que o CDC possui diversos instrumentos de proteção ao consumidor, aplicáveis aos contratos de seguro, como o instituto da desconsideração da personalidade jurídica (‘disregard of the legal entity’), possibilitando-se atingir o patrimônio pessoal dos sócios em casos de fraudes, abusos, insolvência do fornecedor ou prestador de serviços ou quando sua personalidade jurídica constituir obstáculo à satisfação dos direitos do consumidor. Além deste instituto, o diploma em comento possui disposição de não vinculação do consumidor à cláusulas das quais não teve conhecimento prévio ou àquelas incompreensíveis , devendo-se adotar a interpretação mais favorável ao aderente. Essas proteções têm destaque nos contratos de seguro, por se tratar de um mercado altamente técnico. Nesse bojo, prevalece o princípio da função social do contrato, limitador da liberdade contratual, o qual veda o estabelecimento de prestações desproporcionais entre as partes, tendentes a desrespeitar as finalidades econômicas e sociais do seguro.
Do ponto de vista das instituições, o governo conta com importantes instrumentos de fiscalização e controle do mercado securitário, fazendo valer suas determinações através da Superintendência de Seguros Privados – SUSEP, autarquia federal, a qual desempenha importante papel, possuindo, inclusive, procedimento específico para inspeção de normas voltadas ao consumidor (fiscalização direta do módulo consumidor – Circular SUSEP nº 239/2003).
BIBLIOGRAFIA
BRASIL. Circular SUSEP nº 239/2003. Disponível em <http://www2.susep.gov.br/bibliotecaweb/docOriginal.aspx?tipo=1&codigo=13877>. Acesso em 05 jul.2016.
_____. Circular SUSEP nº 292/2005. Disponível em <http://www2.susep.gov.br/bibliotecaweb/docOriginal.aspx?tipo=1&codigo=18620>. Acesso em 05 jul.2016.
_____. Resolução CNSP nº 243/2011. Disponível em <http://www2.susep.gov.br/bibliotecaweb/docOriginal.aspx?tipo=2&codigo=28856>. Acesso em 05 jul.2016.
_____. Resolução CNSP nº 279/2013. Disponível em <http://www2.susep.gov.br/bibliotecaweb/docOriginal.aspx?tipo=2&codigo=30624>. Acesso em 05 jul.2016.
MARQUES, C. L.; BENJAMIN, A. H. V.; BESSA, L. R. Manual de Direito do Consumidor. 3ª ed. São Paulo: RT, 2010.
NOVAES, Alinne Arquette Leite. A teoria contratual e o Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: RT, 2001.
TARTUCE, F.; NEVES, D. A. A. Manual do Direito do Consumidor - Direito Material e Processual - Volume Único. 3ª ed. São Paulo: Método - Grupo GEN, 2014.
Advogada. Graduada pela Universidade de Fortaleza-UNIFOR.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: COSTA, Natalia Quezado. Normas de proteção do consumidor nos contratos de seguro Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 28 jul 2016, 04:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/47106/normas-de-protecao-do-consumidor-nos-contratos-de-seguro. Acesso em: 23 dez 2024.
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