RESUMO: O presente artigo tem como finalidade analisar o tratamento diferenciado concedido para as microempresas e empresas de pequeno porte no âmbito do ordenamento jurídico brasileiro. Nesse cenário, a Constituição Federal de 1988 determina o estabelecimento de normas que incentivem e estimulem o crescimento das empresas de pequeno porte, como forma de promoção do próprio desenvolvimento nacional. Assim, a legislação infraconstitucional surge com mecanismos capazes de reduzir as diferenças e assim concretizar o mandamento constitucional e o princípio da igualdade. Dessa forma, o presente trabalho tem como escopo analisar os principais instrumentos que concretizam o tratamento diferenciado concedido as microempresas e empresas de pequeno porte.
Palavras-Chave: Microempresa. Empresa de Pequeno de Porte. Tratamento diferenciado. Constitucionalidade.
1 INTRODUÇÃO
A Lei Complementar n. 123, de 14 de dezembro de 2006 trata do Estatuto Nacional da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte, introduziu um tratamento diferenciado e simplificado a participação de microempresa e empresa de pequeno porte no procedimento licitatório, abrangendo tanto nas modalidades previstas pela Lei n. 8.666/1993, quanto na modalidade de pregão.
Nesse sentido, para favorecer as empresas que se enquadram nos requisitos estabelecidos pela Lei, foram instituídos novos critérios de julgamento, possibilitando que a microempresa e a empresa de pequeno porte tenham iguais condições de vencer o procedimento licitatório em relação às demais empresas.
Com efeito, a crescente participação das referidas empresas no certame licitatório tem como escopo o próprio desenvolvimento nacional sustentável, o qual é considerado um dos objetivos da licitação, nos termos do art. 3º da Lei n. 8.666.
Assim, o presente artigo irá de apresentar os aspectos que envolvem a concessão dessas vantagens a microempresa e empresa de pequeno porte, bem como abordar as diversas discussões acerca do tema, especialmente sob a ótica da Constituição Federal de 1988.
2 A CONSTITUCIONALIDADE DO TRATAMENTO DIFERENCIADO
A Lei Complementar 123, de 14 de dezembro de 2006, dispõe a respeito do tratamento diferenciado à participação das microempresas e empresas de pequeno porte no procedimento licitatório, tanto para as modalidades da Lei 8.666/1993, quanto para o pregão. No âmbito da União, esta matéria foi regulamentada pelo assim como o Decreto Federal n. 6.204/2007, o qual não se aplica para outros entes federados.
Primeiramente, não há de se falar em ofensa do princípio da igualdade em razão deste beneficio concedido as microempresas e empresas de pequeno porte. Na verdade, trata-se de uma forma de concretização do próprio dever de tratar a todos de forma paritária. Em regra, se faz necessário dispensar este tratamento equânime, sempre que exista uma correlação lógica entre a característica diferencial utilizada e a distinção de tratamento conferida em razão dela. No caso em tela, correlaciona-se o pequeno porte econômico de uma empresa com a concessão de vantagens de vantagens na sua atividade empresarial, conforme leciona o doutrinador Celso Antônio Bandeira de Melo:
Deve-se considerar estas distintas providências correspondente a um exemplo paradigmático da aplicação positiva (ou seja, não meramente negativa) do princípio da igualdade, o qual como é sabido, conforta o tratamento distinto para situações distintas, sempre que exista uma correlação lógica entre o fator discriminante e a diferença de tratamento. [1]
Ademais, a própria Constituição Federal, no seu artigo 170, IX, consagra, como princípio da ordem econômica o tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País. Observa-se, assim, que a própria Carta Constitucional prevê a necessidade de um tratamento diferenciado, capaz de reduzir as desigualdades, autorizando, portanto, a concessão de benefícios as aludidas empresas.
Ressalta-se, também, que o artigo 179 da Constituição Federal, dispõe a respeito do tratamento jurídico diferenciado que a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios. Estes dispensarão às microempresas e às empresas de pequeno porte, assim definidas em lei, com o escopo de incentivá-las pela simplificação de suas obrigações administrativas, tributárias, previdenciárias e creditícias, ou pela eliminação ou redução destas por meio de lei.
Além disso, o referido tratamento diferenciado, não visa estabelecer contratações catastróficas para a Administração Pública, pelo contrário, em nada obsta o dever do Poder Público de buscar a melhor contratação possível; entretanto, deve ser observada a peculiaridade das vantagens atribuídas às microempresas e empresas pequenas de pequeno porte para colocá-las em igualdade com as demais concorrentes, mesmo com a desigualdade que existe entre elas na prática.
3 VIGÊNCIA DOS DISPOSITIVOS
Todos os dispositivos da Lei Complementar n. 123/06, estão em vigor desde a sua data de publicação, 15 de dezembro de 2006, consoante com o previsto pelo seu artigo 88.
Entretanto, destaca-se que no tocante as licitações diferenciadas, as mesmas devem ser previstas e regulamentas por cada ente federativo. Como foi abordado no inicio deste trabalho, a União já realizou a regulamentação do tratamento diferenciado e simplificado através do Decreto Federal n. 6.204/2007. É preciso destacar, também, a existência da Lei 11.488, de 15 de junho de 2007, pela qual é determinada a aplicação da referida Lei Complementar 123/2006 às sociedades cooperativas (art. 34).
4 CONCEITOS LEGAIS
Nos termos da Lei Complementar 123/06, no seu art. 3°, incisos I e II, as microempresas e as empresas de pequeno porte são definidas como:
Art. 3º Para os efeitos desta Lei Complementar, consideram-se microempresas ou empresas de pequeno porte a sociedade empresária, a sociedade simples e o empresário a que se refere o art. 966 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002, devidamente registrados no Registro de Empresas Mercantis ou no Registro Civil de Pessoas Jurídicas, conforme o caso, desde que:
I - no caso das microempresas, o empresário, a pessoa jurídica, ou a ela equiparada, aufira, em cada ano-calendário, receita bruta igual ou inferior a R$ 240.000,00 (duzentos e quarenta mil reais);
II - no caso das empresas de pequeno porte, o empresário, a pessoa jurídica, ou a ela equiparada, aufira, em cada ano-calendário, receita bruta superior a R$ 240.000,00 (duzentos e quarenta mil reais) e igual ou inferior a R$ 2.400.000,00 (dois milhões e quatrocentos mil reais).
Assim, de forma geral, será beneficiado no procedimento licitatório pelo disposto na aludida lei, a empresa que tiver receita bruta anual inferior a R$ 2.400.000,00 (dois milhões e quatrocentos mil reais).
É essencial, para compreensão desta definição, conhecer o significado de receita bruta e ano-calendário. O próprio parágrafo 1°, do art. 3°, da Lei Complementar 123/06, conceitua como receita bruta o produto da venda de bens e serviços nas operações de conta própria, o preço dos serviços prestados e o resultado nas operações em conta alheia, não contidas as vendas canceladas e os descontos incondicionais concedidos.
Enquanto que o ano-calendário é correspondente ao ano civil; sendo o lapso temporal previsto para avaliar os limites máximos de renda bruta auferida pela microempresa ou empresa de pequeno porte.
No tocante ao ano-calendário que deve ser considerado no procedimento licitatório, de acordo com Diogenes Gasparini[2], é o anterior ao da promoção da licitação, tendo em vista que só é possível a apuração, com segurança, da receita bruta auferida por essas empresas ao final deste período.
5 QUALIFICAÇÃO E PROCEDIMENTO: LICITAÇÃO TRADICIONAL E PREGÃO
Leonardo Santiago[3] sobre o momento de qualificação das microempresas e empresas de pequeno porte coloca que o art. 11 do Decreto nº 6.204/07 prevê, nos casos de pregão eletrônico, que a indentificação só pode ocorrer após o encerramento dos lances, de modo a dificultar a possibilidade de conluio ou fraude do procedimento.
No tocante as demais modalidades não existem grandes problemas: no pregão presencial este tipo de qualificação deve acontecer no instante do credenciamento e nas outras modalidades da Lei 8.666/93, fará parte integrante do envelope de habilitação.
Quanto ao critério da forma de qualificação, tem-se que este mesmo art. 11 do Decreto nº 6.204/07, coloca que deve ser exigida das empresas a declaração, sob as penas da lei, de que cumprem os requisitos legais para a qualificação como microempresas ou empresas de pequeno porte, estando aptas a usufruir o tratamento favorecido estabelecido nos arts. 42 a 49 da Lei Complementar.
É válido esclarecer que o Estatuto Nacional de Microempresa e Empresa de Pequeno Porte, como bem coloca Gasparini[4], não promoveu alterações substanciais no procedimento da licitação previsto no art. 43 da Lei federal n. 8.666/93. Deste modo, o cumprimento das implicações trazidas para a lictação por este Estatuto, tanto por parte da entidade licitante como por parte dessas empresas, deve obedecer a este procedimento, ainda que algumas sessões públicas devam ser suspensas e reiniciadas em outra data quando a vencedora é microempresa ou empresa de pequeno porte, para que possam usufruir de seus privilégios na licitação.
No tocante ao procedimento do pregão, o qual foi inserido pela Lei Federal n. 10.520/200, adota-se o mesmo dito no parágrafo anterior, isto porque a ausência de legislação que estabeleça procediementos próprios abarcando essas modalidades específicas de empresa, faz com que o instrumento de convocação tenha forma legítima e conveniente sobre o comportamento dessas empresas e da própria Administração Pública licitante , já que assim se assegurará o princípio da igualdade.
6 TUTELA ESPECIAL DA MICROEMPRESA E DA EMPRESA DE PEQUENO PORTE NAS CONTRATAÇÕES PÚBLICAS
Outro ponto que merece destaque, introduzido pela Lei Complementar 123/06, reside na possibilidade de licitações diferenciadas, previsto nos seus artigos 47 e 48.
De acordo com o primeiro dispositivo, todos os entes federados poderão, nas contratações públicas, conceder o tratamento diferenciado e simplificado para as microempresa s e empresas de pequeno porte, visando a promoção e desenvolvimento econômico e social, tanto na esfera regional quanto municipal, a ampliação da eficiência das políticas públicas e o incentivo à inovação tecnológica, sendo necessário a previsão e a regulamentação na legislação do respectivo ente.
Para tanto, existem três possibilidades distintas de a Administração Pública realizar o procedimento licitatório, como prevê o segundo dispositivo mencionado. A primeira possibilidade, disposta no inciso I do art. 48 da Lei Complementar Federal n. 123/2006, consiste na realização de licitação em que seja exclusiva a participação de microempresa e empresa de pequeno porte, sendo até R$ 80.000,00 (oitenta mil reais) o valor da contratação. Sobre esse aspecto se faz relevante dizer que não é preciso que para sua legalidade se tenha como licitantes as três espécies empresariais, já que não representa ilegalidade se dela só participarem microempresas, sem a presença de empresas de pequeno porte ou cooperativas. Diógenes Gasparini exemplifica o conteúdo da seguinte forma:
[...] se em derteminado ano civil serão gastos R$ 1.000.000,00 com a compra de água mineral, poderá a Administração Pública licitar, mediante certaemes dos quais só participarão microempresa, empresa de pequeno porte e cooperativas, a compra de parte dessa água no valor de R$ 240.000,00, mediante a realização de três certames, cada um de R$ 80.000,00. Os restantes R$ 760.000,00 serão normalmente licitados e desta licitação poderão participar empresas comuns, microempresas, empresas de pequeno porte e cooperativas , assegurando-se a estas últimas o regime diferenciado e favorecido da Lei Complementar federal n. 123/2006. [5]
Quando a licitação for composta apenas por microempresas, empresas de pequeno porte e cooperativas estas poderam receber o benefício da apresentação posterior da documentação fiscal, contudo , em caso de empate real, não caberá qualquer favorecimento, pois caso ele ocorrá será resolvido por sorteio , sendo impraticavel o empate ficto. No tocante a modalidade licitatóra , poderá ser qualquer uma das tradicionais ou pregão. É preciso, porém, ressaltar que será pregão sempre que o objeto for bem ou serviço comum, dando-se preferência ao pregão eletrónico
A segunda possibilidade ( inciso II, do referido art.48) é de licitação normal, na qual deve ser obrigatória a subcontratação de microempresa ou de empresa de pequeno porte por parte do licitante vencedor (desde que o percentual contratado não exceda a 30% do total licitado). Lembrando que os empenhos e pagamentos do órgão ou entidade da administração pública poderão ser destinados diretamente às microempresas e empresas de pequeno porte subcontratadas (art. 48, §2º, Lei Complementar Federal n. 123/2006). Ainda sobre o conteúdo, é preciso dizer que nessa espécie de licitação diferenciada não deve haver favoreciemento à microempresas ou empresas de pequeno porte porque não estão participando do certame e se estiverem serão consideradas empresas comuns ( com exceção à documentação fiscal, conforme o art. 7º, III, do decreto regulamentador, segundo o qual, no momento da habilitação da licitante deverá ser comprovada a regularidade fiscal e trabalhista das microempresas, empresas de pequeno porte e cooperativas que serão subcontratadas ). Gasparini acredita, ainda, que “a mesma microempresa , empresa de pequeno porte ou cooperativa, não pode ser indicada como subcontratadapor dois ou mais licitantes na mesma licitação” [6] . É preciso lembrar neste ponto a figura do art. 7º,§ 1º, do decreto regulamentador que elenca os casos onde a exigência de subcontratação não será aplicavél, isto é quando o licitante for: microempresa e empresa de pequeno porte; consórcio composto em sua totalidade por microempresas e empresas de pequeno porte , respeitando o disposto no art. 33 da Lei Federal n. 8.666/93; consórcio composto parcialmente por microempresas e empresas de pequeno porte com participação igual ou superior ao percentual exigido de subcontratação.
Por fim, a terceira possibilidade ( inciso III do art. 48 do Estatuto Nacional da Microempresa e Empresa de Pequeno Porte) é o fracionamento do objeto licitado, em certames para a aquisição de bens e serviços de natura divisível, de modo que seja estabelecida a cota de até 25% (vinte e cinco por cento) para a contratação exclusivamente de microempresa e empresa de pequeno porte. Esta hipótese de licitação diferenciada, deve obedecer aos favores estabelecidos às microempresas e empresas de pequeno porte pela LC n. 123/2006, quando competem com empresas comuns para o fornecimento da cota principal do objeto licitado. A respeito do procedimento licitatório da cota reservada tem-se que deve ser o mesmo selecionado para a licitação da cota principal, logo, há de ser um só, mas a sua evolução obviamente será diversa, visto que as ofertas só podem partir de microempresa, empresa de pequeno porte ou cooperativa.
É preciso ressaltar que existe um limite de 25% do total licitado no ano civil para o emprego dos instrumentos especificos explicitados no art. 48 da referida lei federal (é o que preleciona o § 1º de tal artigo).
Os privilégios acima mencionados, contudo, encontraram alguns limites na letra da própria Lei Complementar 123/2003, que enumera em seu art. 49 as situações de não- aplicação da tutela especial. São elas: ausência de previsão no ato convocatório de tratamento diferenciado e simplificado para as microempresas e empresas de pequeno porte; ausência do minimo de três fornecedores competitivos enquadrados como microempresas ou empresas de pequeno porte sediados no local ou regionalmente e capazes de cumprir as exigências fixadas no ato convocatório; ausência de vantagem para a Administração ou existência de prejuízo ao conjunto ou complexo o objeto a ser licitado; dispensa ou inexigibilidade de licitação disciplinadas na Lei Federal 8.666/1993.
7 REGULARIDADE FISCAL DAS MICROEMPRESAS OU EMPRESAS DE PEQUENO PORTE
De acordo com a Lei Complementar nº 123/2006, a avaliação da regularidade fiscal no procedimento licitatório deve ser diferenciada para as microempresas. O art. 42 desta lei estabelece que “nas licitações públicas, a comprovação de regularidade fiscal das microempresas e empresas de pequeno porte somente será exigida para efeito de assinatura do contrato”.
Quando a microempresa ou empresa de pequeno porte participar na licitação pública, no momento da habilitação, deve entregar toda a documentação exigida no edital, incluindo sobre a sua regularidade fiscal. Isso porque o art. 43 da LC nº 123/2006 dispõe que “as microempresas e empresas de pequeno porte, por ocasião da participação em certames licitatórios, deverão apresentar toda a documentação exigida para efeito de comprovação de regularidade fiscal, mesmo que esta apresente alguma restrição”. Sobre este assunto, o doutrinador Diógenes Gasparini expõe que:
Contrariamente, essa regularidade fiscal não é exigida para participar da licitação. De modo que, mesmo sem tal regularidade a microempresa ou empresa de pequeno porte poderá participar, integrar o certame licitatório. Aí o favorecimento. Logo, o benefício diz respeito unicamente à irregularidade fiscal, cujos documentos deverão ser apresentados juntamente com os demais no momento da habilitação, ainda que portadores de restrições, sob pena de inabilitação.[7]
Se houver alguma restrição na comprovação da regularidade fiscal, o proponente da microempresa tem o prazo de dois dias úteis para regularizar a documentação, pagamento ou parcelamento do débito, e emissão de certidões negativas ou positivas com efeito de certidão negativa, de acordo com o §1º do art. 43. No que concerne ao prazo, é iniciado no momento em que o proponente for declarado vencedor da licitação, podendo ser prorrogável por igual período. Assim, a lei complementar assegura o direito de regularização da documentação fiscal para a microempresa assinar o contrato com a Administração Pública.
Mas também, deve-se ser adjudicado o objeto da licitação à microempresa ou empresa de pequeno porte e convocá-la para assinar o contrato, mesmo que ela esteja em débito para com a Fazenda Pública durante a licitação. Contudo, para que haja a formalização do contrato, esse tipo de empresa tem que preencher os mesmos requisitos fiscais exigidos para todos os licitantes. Caso contrário, o §2º do art. 43 da LC nº 123/2006 dispõe que a microempresa ou empresa de pequeno porte será sujeita ao art. 81 da Lei 8.666/93[8], além de, como ocorrerá a decadência do direito à contratação, é “facultado à Administração convocar os licitantes remanescentes, na ordem de classificação, para a assinatura do contrato, ou revogar a licitação”. Logo, este artigo estipula as consequências da não-regularização fiscal das microempresas ou empresas de pequeno porte, as quais são: a decadência do direito de contratação, juntamente com a aplicação do art. 81 da Lei 8.666/93; e a convocação de licitantes remanescentes ou, ainda, a revogação da licitação.
Em relação à convocação dos remanescentes, há divergência doutrinária quanto ao valor da contratação, já que não tem nenhuma disposição em lei sobre o assunto. Assim, a doutrina se divide na determinação do critério de valor devido para a contratação, se seria o valor de sua proposta ou o valor da primeira classificada. Assim, é essencial destacar a posição do autor Diógenes Gasparini, pois defende que:
Não nos parece adequado aplicar a regra do art. 64, §2º, da Lei federal das Licitações e Contratos da Administração Pública, ou seja, a convocada deverá ser contratada pelo valor da proposta da primeira classificada, dando que diversas são as situações. (...) Para a aplicação a está hipótese do art. 64, §2º, a Lei Complementar federal n. 123/2006 deveria ser expressa, o que, como vimos, não o é. Portanto, a solução está na contratação da licitante convocada pelo valor de sua proposta se esta for, pelos critérios admitidos no edital, aceitável pela Administração Pública.[9]
Considera-se relevante a posição doutrinária acima, já que, como há omissão legislativa sobre a matéria, não se justifica a aplicação do art. 64, §2º da Lei 8.666/93[10], mesmo que não haja diferença hierárquica entre esta lei ordinária e a Lei Complementar nº 123/2006. Portanto, defende-se que a convocação de remanescentes deve ser estabelecida pelo próprio edital da licitação, empregando o princípio da vinculação ao instrumento convocatório.
Ressalta-se que, nos casos de pregão, sendo a microempresa ou empresa de pequeno porte a vencedora, submete-se ao art. 7º da Lei nº 10.520/2002, o qual determina que:
Art. 7º. Quem, convocado dentro do prazo de validade da sua proposta, não celebrar o contrato, deixar de entregar ou apresentar documentação falsa exigida para o certame, ensejar o retardamento da execução de seu objeto, não mantiver a proposta, falhar ou fraudar na execução do contrato, comportar-se de modo inidôneo ou cometer fraude fiscal, ficará impedido de licitar e contratar com a União, Estados, Distrito Federal ou Municípios e, será descredenciado no Sicaf, ou nos sistemas de cadastramento de fornecedores a que se refere o inciso XIV do art. 4o desta Lei, pelo prazo de até 5 (cinco) anos, sem prejuízo das multas previstas em edital e no contrato e das demais cominações legais.
Desse modo, o dispositivo acima expõe certas consequências para a microempresa quando, dentre outras condutas, esta não for capaz de se regularizar, em âmbito fiscal, para a sua devida participação na modalidade de pregão.
8 EMPATE DE PROPOSTAS
Nas licitações, o critério básico de julgamento é o preço. Assim, em determinados casos, quando ocorrer a apresentação de propostas com valores idênticos, há o empate[11] de licitantes. Para estes casos, a lei estabelece alguns critérios de desempate.
Em relação à Lei 8.666/93, os critérios de desempate para decidir a proposta vencedora não são cabíveis para microempresas (ME) ou empresas de pequeno porte (EPP), nem para contratação de bens ou de serviços de informática, sendo àquelas o primeiro passo para o desempate nas licitações públicas. Desse modo, nas situações que envolvam microempresas, devem-se aplicar os critérios de desempate estipulados pela Lei Complementar nº 123/2006, a qual, em seu art. 44, estabelece que “nas licitações será assegurada, como critério de desempate, preferência de contratação para as microempresas e empresas de pequeno porte”. Então, esta lei complementar concede preferência de contratação às ME ou EPP quando houver empate entre estas e outros tipos empresas.
É essencial destacar que quando houver empate de microempresa ou empresa de pequeno porte com empresa comum por apresentarem proposta de valor idêntico, chama-se de empate real. Assim, “empate real é o que ocorre quando dois ou mais concorrentes apresentam num mesmo certame resultados nominalmente iguais” [12]. Tem-se essa forma de empate nas licitações, principalmente nos do tipo menor preço, porém seus critérios de desempate somente são utilizados quando participam ME ou EPP. Nesses casos, em relação às licitações tradicionais, a microempresa ou empresa de pequeno porte deve oferecer uma nova proposta melhor que a da empresa comum para ser a vencedora do certame. De acordo com o autor Gasparini, a solução para o empate real é:
Ao se instaurar uma dessas situações, sem que esteja presente uma hipótese de empate ficto ou uma irregularidade na habilitação fiscal a possibilitar sua ulterior correção, a microempresa, empresa de pequeno porte ou cooperativa deverá ser convidada a ofertar nova proposta, que para ser a vencedora basta ser melhor que a da empresa comum, ainda que a diferença entre as propostas da empresa comum e microempresa, empresa de pequeno porte ou cooperativa seja mínima, pois essa legislação não fez qualquer exigência nesse sentido.[13]
Na modalidade de pregão presencial não existe empate real, pois é aplicada a regra da anterioridade do lance, na qual vence quem fizer o primeiro lance da melhor proposta. Contudo, pode ocorrer esse tipo de empate no pregão eletrônico.
Além do já exposto empate real, há o empate ficto que “é a situação de dois ou mais concorrentes de um mesmo certame que em face de um dado critério legal são considerados empatados, embora suas propostas sejam nominalmente diversas” [14]. Na LC nº 123/2006, determina-se duas hipóteses desta forma de empate. A primeira, prevista no §1º do art. 44, ocorre quando as microempresas ou empresas de pequeno porte apresentam a proposta igual ou até 10% superior à proposta mais bem classificada. Então, esse dispositivo é aplicado nas licitações tradicionais quando houver o empate ficto entre ME ou EPP e empresa comum.
Já a segunda hipótese está presente no §2º do art. 44, o qual dispõe que “na modalidade de pregão, o intervalo percentual estabelecido no § 1o deste artigo será de até 5% (cinco por cento) superior ao melhor preço”. Logo, no pregão, se as microempresas apresentarem proposta igual ou superior a 5% da proposta melhor classificada, considera-se empate de propostas. Destaca-se que, nos pregões presenciais, somente tem empate após o encerramento dos lances verbais.
Vale ressaltar a pertinente observação do doutrinador Diógenes Gasparini, a qual se aplica em todas as modalidades de licitação nos casos de empate ficto:
Atente-se que não há empate ficto se essa situação envolver apenas microempresa, empresa de pequeno porte ou cooperativa. Igualmente não há essa espécie de empate se o envolvimento for somente de empresas comuns. Em ambas as hipóteses a vencedora será sempre a empresa que apresentar a melhor proposta, ou seja, a de menor preço.[15]
Além da determinação dos casos de empate, a LC nº123/2006 estabelece os procedimentos de desempate no seu art. 45. Primeiramente, é permitido que, nos casos que a melhor proposta não seja de uma ME ou EPP, a microempresa ou empresa de pequeno porte mais bem classificada apresente proposta de preço inferior àquela considerada originalmente vencedora do certame. Se cobrir a proposta, será o objeto licitado adjudicado em favor da ME ou da EPP (art. 45, I). Caso a microempresa ou empresa de pequeno porte mais bem classificada não cobrir essa proposta, pode-se convocar as remanescentes que estejam dentro dos limites percentuais dos parágrafos do art. 44, observando a ordem classificatória (art. 45, II). No caso de equivalência de propostas de ME ou EPP, situados nesses limites percentuais, realiza-se sorteio para identificar aquela que primeiro poderá apresentar melhor oferta (art. 45, III).
Portanto, a proposta originalmente vencedora somente será declarada definitivamente a vencedora do certame, quando nenhuma microempresa ou empresa de pequeno porte, situada nos limites percentuais dos §§1º e 2º do art. 44, aceitar cobrir a sua proposta. Essa solução está prevista no §1º do art. 45. Além disso, é estipulado que o art. 45 “somente se aplicará quando a melhor oferta inicial não tiver sido apresentada por microempresa ou empresa de pequeno porte” (art. 45, §2º). Por fim, o §3° do art. 45 dispõe que ME ou EPP mais bem classificada na modalidade de pregão, pode ser convocada para apresentar nova proposta até cinco minutos após os encerramentos dos lances, sob pena de preclusão.
No que concerne aos artigos 44 e 45 da Lei Complementar nº 123/2006 deve-se ressaltar que são normas autoaplicáveis, correspondendo a direito público subjetivo das microempresas e das empresas de pequeno porte. Dessa forma, as licitações que não concederem os respectivos privilégios para as ME e EPP serão invalidadas. Nesse caso, é necessário destacar a posição da jurisprudência:
Observo, aliás, que os comandos contidos nos arts. 44 e 45 são impositivos (“proceder-se-á da seguinte forma...”), ao passo que a redação conferida aos arts. 47 e 48 deixam claro seu caráter autorizativo (“a administração pública poderá...”). As regras insculpidas nos arts. 44 e 45 não são, portanto, facultativas, mas auto-aplicáveis desde o dia 15.12.2006, data de publicação da Lei Complementar 123. (Acórdão 2144/2007, Sessão Plenária do TCU, rel. AROLDO CEDRAZ, DJU 15/10/2007)
Além disso, se devido a tais privilégios, essas empresas conseguirem elevar o seu faturamento de modo que superem os seus limites conceituais, isto é, passar do valor estabelecido para a atribuição de ME (receita bruta ao ano igual ou inferior a R$ 240.000,00) ou EPP (receita bruta ao ano superior a R$ 240.000,00 e igual ou inferior a R$ 2.400.000,00), perderá a sua qualificação. Consequentemente, a empresa não terá os privilégios nas licitações futuras. Com isso, os contratos que foram realizados em decorrência de licitação são mantidos intactos, assim, o seu desenquadramento não causa efeitos retroativos. Destaca-se que, sobre esse desenquadramento, o art. 3º, §3º da Lei Complementar nº 123/2006 dispõe que:
Art. 3, §3º. O enquadramento do empresário ou da sociedade simples ou empresária como microempresa ou empresa de pequeno porte bem como o seu desenquadramento não implicarão alteração, denúncia ou qualquer restrição em relação a contratos por elas anteriormente firmados.
Desse modo, para cada situação de empate nas modalidades de licitação que envolva microempresas ou empresas de pequeno porte, deve-se observar, além da sua forma (real ou ficta), o devido procedimento para o desempate, principalmente em favorecimento a essas empresas. Isso porque a Lei Complementar nº 123/2006 proporciona os privilégios como pertencentes ao direito público subjetivo das ME e das EPP. Portanto, sem a correta observância desses requisitos, pode-se invalidar o processo licitatório. Além disso, a lei complementar garante que o desenquadramento da empresa não cause efeitos ex tunc para contratos já celebrados com a Administração Pública.
9 CONCLUSÃO
Após a análise do tema em questão se tornou perceptível a existência de um aumento significativo da teia normativa que rege o instrumento licitatório. Neste estudo, no entanto, deu-se enfâse ao incremento gerado pela Lei Complementar n. 123/ 206 (Estatuto Nacional da Microempresa e Empresa de Pequeno Porte) e pelo Decreto n. 6.204/2007 ( que regulamenta o tratamento favorecido, diferenciado e simplificado para as microempresas e empresas de pequeno porte nas contratações públicas de bens, serviços e obras, no âmbito da administração pública federal.favorecimento das Microempresas e Empresa de Pequeno Porte na atividade licitatória), que forneceu as empresas de pequeno porte e microempresas um importante benefício que as retirou de uma condição de marginalidade no âmbito das licitações e abriu um amplo leque de possiblidades de contratação, beneficiando, assim, o interesse público e, sobretudo, a sociedade.
10 REFERÊNCIAS
GASPARINI, Diogenes. Direito Administrativo. São Paulo: Saraiva, 2010.
JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Saraiva, 2010.
MAFFINI, Rafael. Direito Administrativo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.
MELO, Celso Antônio Bandeira. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2009.
FURTADO, Lucas Rocha. Curso de Licitações e Contratos Administrativos. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2007.
SANTIAGO, Leonardo Ayres. As Microempresa e a Empresa de Pequeno Porte nas Licitações. Questões Polêmicas Envolvendo a Lei Complementar nº 123/2006 e o Decreto nº 6.204/2007. Disponível em:
<http://www.valeriacordeiro.pro.br/artigos/leonardosantiago/meepp_licitacoes.pdf>. Acesso em : 8 de maio de 2014.
[1] MELO, 2009, p. 528.
[2] GASPARINI, 2010, p. 694 e 695.
[3] SANTIAGO, disponível em : http:// www.valeriacordeiro.pro.br/artigos/leonardosantiago/meepp_licitacoes.pdf
[4] GASPARINI , 2010, p. 632 e 633
[5] GASPARINI, 2010, p. 664 665
[6] GASPARINI, 2010, p.668
[7] GASPARINI, 2010, p. 645.
[8] Art. 81 (Lei 8.666/93). A recusa injustificada do adjudicatário em assinar o contrato, aceitar ou retirar o instrumento equivalente, dentro do prazo estabelecido pela Administração, caracteriza o descumprimento total da obrigação assumida, sujeitando-o às penalidades legalmente estabelecidas.
[10] Art. 64, §2º (lei 8.666/93). É facultado à Administração, quando o convocado não assinar o termo de contrato ou não aceitar ou retirar o instrumento equivalente no prazo e condições estabelecidos, convocar os licitantes remanescentes, na ordem de classificação, para fazê-lo em igual prazo e nas mesmas condições propostas pelo primeiro classificado, inclusive quanto aos preços atualizados de conformidade com o ato convocatório, ou revogar a licitação independentemente da cominação prevista no art. 81 desta Lei.
[11] De acordo com Diógenes Gasparini, o conceito de empate é: “Empate, vulgarmente falando, é a situação em que num disputa não há vencedor em razão da igualdade de resultados. Os empatados poderão ser dois ou mais dos concorrentes de um mesmo certame. Em tais casos, segundo regras previamente estabelecidas, resolve-se o empate considerando vencedores todos os empatados ou dando preferência a um deles em razão de um certo critério (...) Na falta de prévio critério de desempate deve-se dar preferência ao sorteio que for mais objetivo, embora nem sempre seja o procedimento ideal”. (GASPARINI, Diógenes. Direito Administrativo. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 648)
[12] GASPARINI, 2010, p. 650.
[13] Ibidem.
[14] Ibidem.
[15] GASPARINI, 2010. p. 651
Advogada. Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Pós-graduada em Direito e Processo Penal pela Universidade Potiguar.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: LIRA, Natália Luiza Lima Dantas. O tratamento diferenciado para microempresa e empresa de pequeno porte sob a ótica da Constituição federal de 1988 Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 30 jul 2016, 04:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/47138/o-tratamento-diferenciado-para-microempresa-e-empresa-de-pequeno-porte-sob-a-otica-da-constituicao-federal-de-1988. Acesso em: 23 dez 2024.
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