RESUMO: O presente estudo trata do instituto da desapropriação, forma supressiva de intervenção na propriedade privada que, como prerrogativa da Administração Pública, assegura a consecução do interesse público. A desapropriação é regulada de forma geral pelo Decreto-lei 3.365/41, o qual traça as linhas básicas sobre o seu procedimento, marcado pela declaração de necessidade pública, utilidade pública ou interesse social, a impugnação pelo expropriando, a discussão do valor da indenização e a imissão provisória na posse, situação autorizada pelo artigo 15 do já mencionado Decreto Expropriatório.
Palavras-chave: intervenção do Estado na propriedade privada, desapropriação, procedimento, necessidade pública, utilidade pública, interesse social, prévia e justa indenização, imissão provisória na posse.
INTRODUÇÃO
O presente artigo tem por objetivo a análise do procedimento expropriatório, ao fim do qual ocorre a transferência compulsória da propriedade ao agente expropriante.
A desapropriação é regulada, em sua maior parte, pelo Decreto-lei 3.365/41, consistindo no procedimento administrativo por meio do qual a Administração Pública, usando de suas prerrogativas, transfere para si, mediante prévia indenização e declaração de necessidade pública, utilidade pública ou interesse social.
Para entendermos o procedimento expropriatório, devemos partir de seus princípios autorizadores: a supremacia do interesse público sobre o interesse privado e a necessidade do atendimento à função social da propriedade.
Após o esclarecimento dos conceitos inerentes à pesquisa desenvolvida, tais como os sujeitos envolvidos pelo procedimento expropriatório, o objeto de tal procedimento e o seu desenvolvimento, serão discutidos alguns momentos importantes que marcam o processo, como a declaração de necessidade pública, utilidade pública ou interesse social, a impugnação pelo expropriando, a discussão do valor da indenização e a imissão provisória na posse, situação autorizada pelo artigo 15 do já mencionado Decreto Expropriatório.
1. PROCEDIMENTO EXPROPRIATÓRIO
Estando regulada, como já visto anteriormente, pelo Decreto-lei 3.365/41, a desapropriação ocorre por meio de um processo judicial, de uma ação. A natureza de ação do processo expropriatório é demonstrada pelos artigos 11, 17 e 39 do próprio Decreto-lei, o que não permite, atualmente, divergência doutrinária, não restando dúvidas a respeito de tal caráter. Importante ressaltar que é ação especial, uma vez que é regulada por normas próprias.
Urge relembrar a tradicional distinção entre processo e procedimento. Em breves palavras, o processo é o meio, o instrumento mediante o qual se obtém a prestação judicial, é o conjunto de atos necessários para que se aplique a providência jurisdicional no caso concreto. Já o procedimento é o rito processual, é o modo em que se executam tais atos processuais. Neste contexto, esclarece Ernane Fidélis dos Santos:
A movimentação do processo, que não se confunde com ele próprio, tem ideia de forma, de tramitação, é o rito. O nome que se lhe dá é “procedimento”. “Processo” e “procedimento” são termos que não se confundem. O primeiro é soma de atos que tem fim determinado, não importando a marcha que toma para atingi-lo. O segundo é o modo pelo qual o processo se forma e se movimenta, para atingir respectivo fim[1].
Embora o processo expropriatório obedeça ao procedimento especial declarado pelo Decreto-lei 3.365/41, após a citação, a ação se sujeitará ao procedimento ordinário, observando-se o disposto no art. 282 e ss. do CPC.É o que proclama o artigo 19 da referida norma especial, in verbis: Art. 19. Feita a citação, a causa seguirá com o rito ordinário.
No entanto, se houver omissão da Lei de Desapropriações, utilizar-se-á o Código de Processo Civil de forma subsidiária, quando não houver contradição, pelo que expõe o artigo 42 da própria Lei.
1.1. HIPÓTESES DE OCORRÊNCIA
Como já exposto, o inciso XXIV do artigo 5º da Carta Constitucional de 1988 elenca os casos que legitimam a desapropriação, tendo esta como requisito a ocorrência de necessidade ou utilidade pública, ou, ainda, de interesse social.
Embora os procedimentos de necessidade pública ou de interesse social sejam, consequentemente, de utilidade pública, estes conceitos não se confundem. Seabra Fagundes delimita de forma clara tais conceitos:
A necessidade pública aparece quando a Administração se encontra diante de um problema inadiável e premente, isto é, que não pode ser removido nem procrastinado e para cuja solução é indispensável incorporar no domínio do Estado o bem particular.
A utilidade pública existe quando a utilização da propriedade privada é conveniente e vantajosa ao interesse coletivo, mas não constitui um imperativo irremovível.
Haverá motivo de interesse social quando a expropriação se destine a solucionar os chamados problemas sociais, isto é, aqueles diretamente atinentes às classes pobres, aos trabalhadores e à massa do povo em geral pela melhoria nas condições de vida, pela mais equitativa distribuição da riqueza, enfim, pela atenuação das desigualdades sociais.
Com base nele terão lugar as expropriações que se façam para atender a plano de habitações populares ou de distribuição de terras, à monopolização de indústrias ou nacionalização de empresas quando relacionadas com a política econômico-trabalhista do governo, etc[2].
Hely Lopes Meirelles, por sua vez, diferencia os três casos de ocorrência da desapropriação nestes termos:
A necessidade pública surge quando a Administração defronta situações de emergência que, para serem resolvidas satisfatoriamente, exigem a transferência urgente de bens de terceiros para o seu domínio e uso imediato.
A utilidade pública se apresenta quando a transferência de bens de terceiros para a Administração é conveniente, embora não seja imprescindível. A Lei Geral das Desapropriações (Dec.-Lei 3.365/41) consubstanciou as duas hipóteses em utilidade pública, pois só emprega essa expressão em seu texto.
O interesse social ocorre quando as circunstâncias impõem a distribuição ou o condicionamento da propriedade para seu melhor aproveitamento, utilização ou produtividade em benefício da coletividade, ou de categorias sociais merecedoras de amparo específico do Poder Público. Esse interesse social justificativo de desapropriação está indicado em norma própria (Lei 4.132/62) e em dispositivos esparsos de outros diplomas legais. O que convém assinalar, desde logo, é que os bens desapropriados por interesse social não se destinam à Administração ou a seus delegados, mas sim à coletividade ou mesmo a certos beneficiários que a lei credencia para recebê-los e utilizá-los convenientemente[3].
Desta forma, forçoso é o reconhecimento de que, embora sejam motivações para um mesmo instituto, as causas legitimadoras da desapropriação não se confundem. Portanto, diferenciando em breves palavras, a necessidade pública ocorre quando há uma situação atual e urgente na qual é imprescindível à solução incorporar bem particular ao domínio do Estado, enquanto a utilidade pública se mostra quando tal transferência é conveniente à Administração Pública, sendo extremamente vantajosa ao interesse público. Por fim, o interesse social se configura quando, com a distribuição da propriedade, ensejar grandes benefícios à propriedade, procurando solucionar problemas sociais e atenuando as desigualdades.
Há ainda que se averiguar se os casos de desapropriação por utilidade pública, necessidade pública ou interesse social, elencados pela lei, constam em um rol taxativo ou exemplificativo. Quanto a tal discussão, nada melhor que a lição do emérito professor Pontes de Miranda para elucidá-la:
A desapropriação exige sacrifício da propriedade privada. Por isso mesmo, o desapropriante tem de afirmar e provar os pressupostos do seu direito a desapropriar, in casu. Se a lei ordinária, no enumerar dos casos que se reputam de necessidade pública, de utilidade pública, ou de interesse social, foi demasiado limitativa, de jeito que haja casos de necessidade pública, ou de utilidade pública, ou de interesse social, que não cabem na enumeração legal, é de discutir-se se pode a entidade desapropriante alegar a inconstitucionalidade da lei, ou se tem de se ater a essa enumeração deficiente. (...). Dir-se-á que, assim, é supérflua a enumeração, uma vez que se atribui à justiça explorar, diretamente, o conteúdo dos conceitos constitucionais (necessidade pública, utilidade pública, interesse social).
Conclui-se, desta feita, pelo caráter exemplificativo do rol das situações de necessidade pública, utilidade pública ou interesse social, pois caso contrário, o direito de desapropriar do Estado seria limitado em demasiado, restringindo assim importante instrumento da Administração Pública.
1.2. CONFIGURAÇÃO DE UTILIDADE OU NECESSIDADE PÚBLICA OU INTERESSE SOCIAL
Os casos de utilidade pública, em se tratando de desapropriação, estão elencados no artigo 5º do Decreto Expropriatório.
Nos termos do citado artigo, são casos de utilidade pública a segurança nacional; a defesa do Estado; o socorro público em caso de calamidade; a salubridade pública; a criação e melhoramento de centros de população, seu abastecimento regular de meios de subsistência; o aproveitamento industrial das minas e das jazidas minerais, das águas e da energia hidráulica; a assistência pública, as obras de higiene e decoração, casas de saúde, clínicas, estações de clima e fontes medicinais; a exploração ou a conservação dos serviços públicos; a abertura, conservação e melhoramento de vias ou logradores públicos; a execução de planos de urbanização; o parcelamento do solo, com ou sem edificação, para sua melhor utilização econômica, higiênica ou estética; a construção ou ampliação de distritos industriais; o funcionamento dos meios de transporte coletivo; a preservação e conservação dos monumentos históricos e artísticos, isolados ou integrados em conjuntos urbanos ou rurais, bem como as medidas necessárias a manter-lhes e realçar seus aspectos mais valiosos ou característicos e, ainda, a proteção de paisagens e locais particularmente dotados pela natureza; a preservação e a conservação adequada de arquivos, documentos e outros bens móveis de valor histórico ou artístico; a construção de edifícios públicos, monumentos comemorativos e cemitérios; a criação de estádios, aeródromos ou campos de pouso para aeronaves; a reedição ou divulgação de obra ou invento de natureza científica, artística ou literária; e, por fim, os demais casos previstos por leis especiais.
Como visto anteriormente, há que se relembrar que é forçoso o reconhecimento de que tal rol não é taxativo, pois caso assim fosse, haveria restrição injustificada ao direito de desapropriação por parte da Administração Pública, preceito constitucionalmente consagrado.
Apesar da tricotomia constitucional: utilidade pública, necessidade pública e interesse social; o Decreto-lei referiu-se apenas à utilidade pública. No entanto, como já mencionado, os três casos podem ser reduzidos à utilidade pública, uma vez que a finalidade geral da desapropriação é satisfazer o interesse público.
Teceremos agora breves considerações sobre as hipóteses de utilidade pública mencionadas pelo dispositivo em foco, na tentativa de realizar uma discriminação mais apurada entre os casos.
A alínea “a” do artigo 5º da Lei de Desapropriações faz referência à segurança nacional. Hely Lopes Meirelles, em seus ensinamentos, explica que a
segurança nacional, atualmente denominada defesa nacional, é a situação de garantia individual, social e institucional que o Estado assegura a toda a Nação, para a perene tranquilidade de seu povo, pleno exercício dos direitos e realização dos objetivos nacionais, dentro da ordem jurídica vigente[4].
Já José Carlos de Moraes Salles entende, em sua principal obra sobre a desapropriação, que
defesa nacional são os meios, os instrumentos, de que o Estado lança mão ou dispõe para resguardar a segurança nacional, nas ocasiões em que esta última for ameaçada ou agredida. (...) a defesa do Estado ou defesa nacional, embora relacionadas diretamente com a segurança nacional, não se confundem com esta, uma vez que são os instrumentos pelos quais o Estado garante a segurança nacional[5].
Por fim, a segurança nacional é também definida legalmente, apesar das críticas doutrinárias, pelos artigos 2º e 3º do Decreto-lei n. 898, de 29.08.1969, o qual define os crimes contra a segurança nacional e a ordem política e social:
Art. 2º. A segurança nacional é a garantia da consecução dos objetivos nacionais contra antagonismos, tanto internos como externos.
Art. 3º. A segurança nacional compreende essencialmente medidas destinadas à preservação da segurança externa e interna, inclusive a prevenção e repressão da guerra psicológica adversa e da guerra revolucionária ou subversiva.
A alínea “b”, por sua vez, elenca a Defesa do Estado como configuração de utilidade pública para a desapropriação. A Defesa do Estado não se confunde com a segurança pública, apesar de manter estreita relação, pois esta é, como visto, uma garantia individual, social e institucional proporcionada pelo Estado e aquela compreende os meios utilizados pelo próprio Estado para assegurar tal garantia.
Assim, sempre que os meios necessários à segurança nacional forem propriedades do administrado, o Poder Público poderá usar da desapropriação para que passe a ser o detentor de tais instrumentos e possa garantir de maneira eficaz a Segurança Nacional.
Na alínea “c”, o legislador enumera como caso de utilidade pública o socorro público em caso de calamidade.
É importante ressaltar que compete à União o planejamento e a promoção da defesa permanente contra as calamidades públicas, especialmente as secas e as inundações (artigo 21, inciso XVIII, CF).
O Decreto 97.274 de 16.12.88 dispõe na alínea “b” do parágrafo único de seu artigo 1º que o estado de calamidade pública é
a situação anormal provocada por fatores adversos que privem a população do atendimento de suas necessidades básicas e afetem as atividades comunitárias, a preservação de vidas humanas e a segurança de bens materiais”. Já a alínea “c” determina que a situação de emergência é “a configuração de indícios que revelem a iminência de fatores anormais adversos que possam vir a provocar calamidade pública.
José Carlos de Moraes Salles, em sua obra “A desapropriação à luz da doutrina e da jurisprudência”, elenca como fatores anormais e adversos citados pelo dispositivo referido
os temporais, terremotos, maremotos, granizos, geadas, nevascas, furacões, inundações, incêndios, epidemias, secas e outras causas que, por proporção e intensidade, afetem, gravemente, as coletividades atingidas, privando-as, em parte ou totalmente, do mínimo indispensável às suas necessidades ou as ameaçando no tocante à integridade física dos elementos que as compõem[6].
Portanto, sempre que ocorrerem tais anormalidades e adversidades, estará a Administração Pública legitimada para desapropriar bens particulares que possam diminuir os efeitos causados pela calamidade pública, socorrendo os atingidos e restaurando, pouco a pouco, a ordem anterior.
Outro caso listado como utilidade pública para fins desapropriatórios é a salubridade pública (alínea “d”). Salubridade pública é a reunião das condições que tornam propícia a saúde pública, é o atendimento de medidas que tornem possíveis as condições naturais de vida, visando à saúde perfeita.
Várias são as situações em que se justificaria a utilidade pública em foco, pois tudo quanto for favorável à higiene e à saúde é meio de se garantir a salubridade pública. Como exemplo de desapropriação por salubridade pública, podemos citar o seguinte acórdão proferido pela 2ª- Turma do Superior Tribunal de Justiça:
ADMINISTRATIVO. DESAPROPRIAÇÃO. UTILIDADE PÚBLICA. CONSTRUÇÃO DE FEIRA COBERTA MUNICIPAL. NULIDADES PROCESSUAIS. RECURSO NÃO CONHECIDO. JUROS COMPENSATÓRIOS. IMISSÃO APÓS A DECISÃO LIMINAR NA ADIN 2.332/DF. FIXAÇÃO EM 12% AO ANO. PROVIMENTO. PAGAMENTO IMEDIATO DA INDENIZAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. ARTIGO 100 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.
PRECATÓRIOS.
1. Trata-se, na origem, de ação de desapropriação por utilidade pública ajuizada pelo Município de Almenara-MG com a finalidade de obter o domínio de imóvel urbano para a instalação de Feira Coberta Municipal.
(...)
3. O decisório atacado concluiu que "a inicial da ação de desapropriação veio acompanhada de cópia do decreto, sendo certo que a utilidade pública pode ser observada no referido instrumento pois o objetivo da desapropriação é justamente regular a salubridade pública e propiciar meios adequados de funcionamento da feira local" (fl. 348). Para se infirmar essa conclusão, isto é, para averiguar se a motivação contida naquele normativo efetivamente se apresenta no mundo fenomênico, faz-se necessário o exame do contexto fático probatório da demanda, o que não é possível no âmbito do apelo nobre. Incidência da Súmula 7/STJ.[7].
A alínea “e” do Decreto-lei 3.365/41 cita a criação e o melhoramento de centros de população e seu abastecimento regular de meios de subsistência como outro caso de utilidade pública que pode ensejar a desapropriação. Centros de população são povoados criados pela Administração Pública para a colonização de regiões subdesenvolvidas por não serem razoavelmente povoadas.
Como o dispositivo determina, a utilidade pública em foco não tem como único objetivo a criação de tais centros de população, mas também o melhoramento e o abastecimento regular dos meios de subsistência das povoações criadas. Portanto, o Poder Público pode desapropriar para criar, ampliar ou aperfeiçoar as edificações, abastecer e prover o sustento dos centros populacionais.
Embora atualmente não seja usual a criação desses centros de população, nada impede que o Estado incentive a povoação de áreas com baixo índice populacional se utilizando de seu poder expropriatório para garantir o desenvolvimento dos núcleos populacionais.
A Lei de desapropriações faz ainda previsão, como situação de utilidade pública, do aproveitamento industrial das minas e jazidas minerais, das águas e da energia hidráulica em seu artigo 5º, alínea “f”.
Jazida é a reserva mineral com algum valor econômico, enquanto a mina é a própria jazida, mas em lavra, é a exploração da jazida, estando ou não suspensa a mineração. Deve-se relembrar que a propriedade particular se restringe ao solo, não atingindo as jazidas e minas, pois a posse da superfície não gera qualquer direito sobre o subsolo quando houver minério. Deste modo, a desapropriação pode ser realizada fundamentando-se na exploração mineral de minas ou ainda na preservação de jazidas para futura lavra, expropriando terrenos adjacentes que possibilitam ou facilitam a exploração pretendida.
No que tange às águas e à energia hidráulica, o inciso IV do artigo 22 da Constituição Cidadã de 1988 determina que compete privativamente à União legislar sobre águas e energia, apesar da possibilidade de lei complementar autorizar aos Estados a legislação sobre questões específicas sobre a matéria.
O art. 8º do Código das Águas, Decreto nº 24.643 de 10.07.1934 define o que são águas particulares as nascentes e todas as águas situadas em terrenos que também o sejam, quando as mesmas não estiverem classificadas entre as águas comuns de todos, as águas públicas ou as águas comuns.
Como as quedas-d’água, por serem potenciais de energia hidráulica, são propriedades que não se confundem com a do solo, para efeito de exploração ou aproveitamento industrial, pertencendo à união, conforme dispõe o artigo 176 da Lei Maior, tem-se que o titular das águas detém a propriedade do potencial hidráulico. Portanto, poderá haver desapropriação das águas sempre que se verificar a possibilidade de seu aproveitamento industrial, sendo que, quanto aos potenciais de energia hidráulica, não há necessidade de expropriação, uma vez que já são pertencentes à União conforme disposição constitucional.
Em sua alínea “g” do artigo 5º, o Decreto-lei 3.365/41 traz a assistência pública, as obras de higiene e decoração, casas de saúde, clínicas, estações de lama e fontes medicinais, como hipóteses de configuração de utilidade pública para fins de desapropriação.
Assistência pública é o exercício, por parte da Administração Pública, da prestação de socorro ao administrado incapacitado de munir-se das necessidades imprescindíveis à sua vida. O inciso II do artigo 23 da Carta Constitucional de 1988 prescreve que cuidar da saúde e da assistência pública é competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, sendo um caso, portanto, de competência concorrente. Dispõe ainda a Lei Magna, em seu artigo 203, que a assistência social será prestada a todos os necessitados, independentemente de contribuição à seguridade social, tendo por objetivos a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice; o amparo às crianças e adolescentes carentes; a promoção da integração ao mercado de trabalho; a habilitação e a reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção de sua integração à vida comunitária; e, por fim, a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família.
Deste modo, o Estado pode utilizar-se do instituto da desapropriação sempre que o bem expropriado atender, de alguma forma, à prestação de assistência pública.
Há que mencionar que as obras de higiene citadas pela alínea “g” estão inclusas na previsão da alínea “d”, que trata da salubridade pública, não havendo necessidade da dupla disposição por parte do artigo, uma vez que já foram tratadas anteriormente.
Considerando-se que decoração é a arte de ornar ou adornar algo, escolhendo elementos que de algum modo o enfeitem, segue-se que, embora, no caso concreto, seja bastante discutível a necessidade real de desapropriar algum bem para que se embeleze alguma praça ou avenida, por exemplo, o dispositivo torna possível a sua ocorrência.
Também a instalação ou construção de casas de saúde e clínicas imprescindíveis à prestação de assistência social autoriza a desapropriação.
Já o termo estações de clima, por sua vez, faz referências aos lugares onde a condição atmosférica possa propiciar a convalescência de determinadas doenças ou até mesmo a preservação da saúde, o que se aproxima da ideia de estância de fontes medicinais, onde há substâncias que possam curar ou auxiliar no tratamento de moléstias.
Percebe-se que a preocupação maior do dispositivo em comento é garantir os meios propícios de se fornecer a devida assistência pública aos indivíduos que dela necessitem, devendo o Poder Público zelar pela correta prestação social, ainda que tenha que expropriar bens particulares.
A exploração ou conservação dos serviços públicos também foi prevista pelo artigo 5º do Decreto Expropriatório, em sua alínea “h”. O vocábulo serviço público empregado neste dispositivo significa tanto os serviços públicos propriamente ditos quanto os serviços de utilidade pública, podendo estes serviços públicos ser executados, diretamente, pela própria Administração Pública (União, Estados, Distrito Federal, Territórios ou Município) ou pela indireta (concessionárias, entidades paraestatais, autarquias e fundações). Assim, o Poder Público é legitimado para efetuar a desapropriação sempre que houver justo interesse em explorar ou conservar os serviços públicos, exercidos pela Administração direta ou indireta.
Também são elencadas como casos de utilidade pública (art. 5º-, alínea “i”, Lei 3.365/41), a abertura, conservação e melhoramento das vias ou logradouros públicos; a execução de planos de urbanização; o parcelamento do solo, com ou sem edificação, para sua melhor utilização econômica, higiênica ou estética; a construção ou ampliação de distritos industriais (redação dada pela Lei 9.785, de 1999).
De intenso emprego, o termo via tem o sentido de estrada, caminho, enquanto logradouro público é tudo o que pode ser fruído ou logrado pelo povo, o que é de uso do povo, podendo ser uma rua, uma praça, uma área de utilização pública, por exemplo. Até mesmo as vias públicas podem ser incluídas no conceito de logradouro público.
Urbanização, por sua vez, é o processo de criação ou desenvolvimento de organismos urbanos, ou seja, de cidades, levando em consideração as medidas necessárias para dotar a área de infraestrutura e serviços urbanos.
O parcelamento do solo, com ou sem edificação, para melhor aproveitamento econômico, higiênico e estético, também enseja desapropriação. Entendendo-se por estético o que tem características de beleza, é o que é relativo à estética, ao sentimento de belo, enquanto que higiene é o conjunto de medidas que buscam conservar a saúde e garantir a prevenção contra doenças. Por seu turno, utilização econômica, é a gestão visando à economia. Em resumo, então, quaisquer destes fins possibilitará a expropriação dos bens por parte do Poder Público, para que haja maior aproveitamento dos bens expropriados.
A Lei nº 9.785/99 acrescentou o §3º ao artigo 5º- da Lei de Desapropriação, determinando que ao imóvel desapropriado para implantação de parcelamento popular, destinado às classes de menor renda, não se dará outra utilização nem haverá retrocessão.
A construção e ampliação de distritos industriais, também prevista na alínea “i” em comento, é a criação ou melhoramento das áreas destacadas administrativamente para que se exerça a indústria. O artigo 5º da Lei 3.365/41 apresenta, ainda, dois parágrafos referentes aos distritos industriais. Dispõe o §1º que a construção ou ampliação de distritos industriais inclui o loteamento das áreas necessárias à instalação de indústrias e atividades relacionadas, bem como a revenda ou locação dos respectivos lotes a empresas já qualificadas. Por sua vez, o §2º prescreve que a efetivação da desapropriação para fins de criação ou ampliação de tais distritos está condicionada à aprovação do projeto de implantação, prévia e expressa, do Poder Público competente.
A alínea “j” autoriza a desapropriação também para o funcionamento dos meios de transporte coletivo. O transporte coletivo é serviço de utilidade pública, podendo ser executado pela Administração direta, ou indireta, ou seja, entidades ou particulares, mediante delegação do Estado. Portanto, sempre que prestado pela Administração indireta, o que é mais comum, o efetivo funcionamento dos meios de transporte coletivo deverá ser garantido pelo Poder Público, o qual, poderá se valer da desapropriação até mesmo de bens das empresas prestadoras para que o serviço seja devidamente prestado.
A alínea “k”, por sua vez, contempla como caso de utilidade pública para fins de desapropriação, a preservação e conservação dos monumentos históricos e artísticos, isolados ou integrados em conjuntos urbanos ou rurais, bem como as medidas necessárias a manter-lhes e realçar seus aspectos mais valiosos ou característicos e, ainda, a proteção de paisagens e locais particularmente dotados pela natureza. Dessa forma, poder-se-á decretar a desapropriação, sempre que for possível, e necessária adoção de medidas que conservem, melhorem ou realcem as características de monumentos históricos, artísticos, paisagens ou locais particularmente dotados pela natureza. No entanto, a expropriação não pode ser usada indiscriminadamente em relação a tais casos, devendo haver um cauteloso juízo sobre a real necessidade e utilidade da sua utilização para preservação dos monumentos.
A preservação e a conservação adequada de arquivos, documentos e outros bens móveis de valor histórico ou artístico, mantendo estreita relação com a alínea “k”, também é situação que justifica a desapropriação, o que se depreende da alínea “l” do artigo 5º do Decreto expropriatório. Em vista da importância de certos objetos (arquivos, documentos ou qualquer outro bem), gravados de grande valor histórico ou artístico, o Poder Público pode desapropriá-los e tomar para si a sua propriedade, por presumir-se que, assim, estariam mais protegidos e haveria maior garantia de sua efetiva conservação. A finalidade das alíneas “k” e “l” é comum, no entanto, aquela faz alusão, normalmente, a bem imóveis, enquanto esta faz referência aos bens móveis.
No mesmo sentido a alínea “m”, por sua vez, lista a construção de edifícios públicos, monumentos comemorativos e cemitérios como utilidade pública para fins expropriatórios.
Edifícios públicos são bens de uso especial, como edifícios ou terrenos destinados a serviço ou estabelecimento da administração federal, estadual, e territorial ou municipal, inclusive os de suas autarquias, o que se depreende do inciso II do artigo 99 do Código Civil, como os quartéis e os museus. Já os monumentos comemorativos são obras em memória de fato ou pessoa importante, sob a ótica histórica, artística ou cultural, os quais poderão ser desapropriados desde que haja interesse público devidamente comprovado.
No que tange aos cemitérios, cumpre dizer que podem ser públicos ou privados, sendo que a desapropriação de áreas para a construção de cemitério só é autorizada quando se tratar de cemitério público, ou seja, os edificados pela União, Estado-membro, Território, Distrito Federal ou Município.
Muito em voga, atualmente, em nosso país, em virtude da próxima Copa do Mundo de Futebol, em 2014, a criação de estádios, aeródromos ou campos de pouso para aeronaves também é prevista como utilidade publica legitimadora da atividade expropriatória, como determinado pela alínea “n” do artigo 5º- em comento.
Sendo que estádios são os campos de jogos esportivos, lugares aonde há eventos esportivos. Já os aeródromos sãos as áreas delimitadas, na terra, na água, ou ainda, flutuantes, para pouso e decolagem de aeronaves, o que o próprio dispositivo explica. Desta feita, o ordenamento jurídico permite a desapropriação toda vez que se verificar a necessidade de construção de estádios ou pistas de pouso ou decolagem de aeronaves, permitindo o desenvolvimento de determinadas áreas, desde que se trate de estádios e aeródromos públicos, não sendo permitidos quando a finalidade for a edificação de obras privadas.
Já por seu turno, a alínea “o” contempla como situação de utilidade pública, que possibilita a desapropriação, a reedição ou divulgação de obra ou invento de natureza científica, artística ou literária. Importante ressaltar que a lei fez previsão apenas da reedição, o que pressupõe edição anterior, podendo ocorrer quando o autor se negar a reeditar ou divulgar a sua própria obra seja ela científica, artística ou literária.
Por fim, a alínea “p” do artigo 5º- da Lei de Desapropriação dispõe ser possível a desapropriação nos demais casos previstos por leis especiais, o que demonstra a não taxatividade do rol apresentado, pois sempre que os requisitos do inciso XXIV do artigo 5º da Constituição federal de 1988 estiverem preenchidos, poderá ocorrer a desapropriação.
1.3. RELEVÂNCIA DO PRINCÍPIO DA MOTIVAÇÃO
Diante da obrigatoriedade da ocorrência da situação de utilidade pública, necessidade pública ou interesse social, insurge-se a necessidade de comprovação de tal situação no caso concreto, uma vez que é pressuposto imprescindível para a legitimação da desapropriação. Vale lembrar que a expropriação só pode ocorrer quando restar provada a ocorrência de um dos três requisitos constitucionais, o que se depreende do inciso XXIV do artigo 5º- da nossa Lei Maior.
Em vista de tal exigência, é forçoso o reconhecimento da relevância do Princípio da Motivação, pois é imperioso que se declare o motivo que enseja a desapropriação, estando o ato devidamente fundamentado e justificado.
O termo motivação advém do latim motus, “movimento, que deriva do verbo movere, mover”. Motivação é aquilo que impulsiona o agir. Motivar é expor motivos, explicar as razões de algum fato, devendo o agente mencionar o dispositivo legal aplicável ao caso concreto, relacionando os fatos que concretamente levaram à aplicação daquele dispositivo legal. Portanto, a fundamentação deve se embasar na lei, ter como finalidade o bem coletivo, e estar exposta a todo e qualquer cidadão que tiver o interesse de conhecê-la, o que se justifica pelo Princípio da Publicidade dos atos da Administração Pública.
Podemos definir o Princípio da Motivação como a obrigação da Administração Pública de motivar todos os atos que edita, sejam gerais ou de efeitos concretos, ao atuar representando os interesses da coletividade. Embora alguns doutrinadores afirmem ser a motivação imprescindível apenas em relação aos atos vinculados, como Hely Lopes Meirelles, há que se reconhecer a necessidade de motivar também os atos discricionários, pois estes envolvem o juízo de conveniência e oportunidade, o que, sem a fundamentação explicitada, poderia ensejar abusos por parte do Poder Público. Ademais, o artigo 50 da Lei nº 9.784/98 exige a motivação para todos os atos listados nele, figurando entre tais atos, os atos discricionários e os vinculados.
O desatendimento ao Princípio da Motivação leva à invalidação e ilegitimidade do ato, pois inviabiliza a ampla defesa e o contraditório, uma vez que dificulta o controle do Poder Judiciário. Sem a motivação, não há o devido processo legal, pois o embasamento do ato é um meio de interpretação da decisão que levou à sua prática, é a explicação do ato, sendo extremamente importante para que seja possível o efetivo controle da legalidade dos Atos Administrativos. Ora, se não se conhece a motivação do ato, não se sabe o que impugnar ou do que se defender, o que fatalmente fere o áureo princípio da ampla defesa e do contraditório e, consequentemente, a segurança jurídica propiciada pelo Estado Democrático de Direito. O Poder Judiciário, ao exercer o controle dos atos administrativos, analisa justamente as razões de tais atos, o que demonstra a importância da observação da motivação.
Embora o artigo 9º do Decreto-lei 3.365/41 proíba ao Poder Judiciário decidir se é ou não caso de utilidade pública no processo de desapropriação, o artigo 20 do mesmo diploma permite tal discussão mediante ação direta. Não poderia ser diferente, pois a lei não pode vedar o controle do Judiciário em casos de lesão ou ameaça de lesão, função que é constitucionalmente prevista. Não fosse assim, injustificadas ações poderiam ser praticadas pela Administração Pública em face da desapropriação sem que o particular pudesse se socorrer de alguma forma.
Em função dos fatos expostos, conclui-se que o Princípio da Motivação deve ser copiosamente observado para que a Desapropriação não seja maculada por alguma nulidade, uma vez que se deve garantir a ampla defesa e o contraditório ao expropriado e a possibilidade de controle da legalidade dos atos da Administração Pública pelo Poder Judiciário.
1.4. A IMPUGNAÇÃO DAS HIPÓTESES PELO PROPRIETÁRIO DO BEM
Frente à aplicação da legislação concernente à desapropriação ao caso concreto, forçoso é o reconhecimento de que podem ocorrer certos abusos por parte do Poder Público, reconhecendo este a utilidade pública em casos que esta não é, de fato, verificável, prejudicando o expropriado e maculando, desta forma, o direito à propriedade, tão protegido pelo Estado Democrático de Direito.
Sabe-se que a análise do caso concreto, ou seja, a apreciação se tais casos configuram ou não situação de utilidade pública, é vedada ao Poder Judiciário, de acordo com o artigo 9º do Decreto-lei 3.365/41, o qual proíbe expressamente tal análise no processo de desapropriação. Por sua vez, o artigo 20 do referido diploma dispõe que a contestação em ação expropriatória só poderá versar sobre vício do processo judicial ou impugnação do preço, podendo alegar apenas matéria processual ou referente em ação e, no mérito, questões sobre o preço.
O doutrinador Ernane Fidélis dos Santos faz importante análise das possibilidades de ocorrência de falta de interesse para a instauração do processo, um dos vícios elencados pelo artigo 20 do Decreto-lei 3.365/41, a qual trazemos à baila como forma de ilustração:
Quando o decreto de utilidade pública estiver formalmente nulo, há falta de interesse para a instauração do processo, porque o nulo, não gerando efeitos, não pode dar margem a qualquer iniciativa de desapropriação judicial. Nulo, por exemplo, seria o decreto sem motivação, o que fosse baixado por autoridade incompetente (o município desapropriando terras situadas em outra circunscrição é um exemplo), o que não estivesse rigorosamente dentro dos limites do poder expropriatório dos concessionários, dos estabelecimentos públicos e dos de função delegada, ou ainda quando referidos decretos não obedecessem aos requisitos da lei (art. 4º). Falece também interesse ao desapropriante que se fundamenta em decreto caduco, sem renová-lo (lei n.º 3.365/41, art. 10, e lei n.º 4.132/62, art. 3º)[8].
No entanto, o expropriado que se sentir prejudicado também poderá pedir a proteção jurisdicional mediante “ação direta”, a qual está prevista no artigo 20 da Lei das Desapropriações. Deste modo, entende-se que o interessado poderá utilizar-se das vias ordinárias, ou seja, demais procedimentos cabíveis que não sejam o da desapropriação, fazendo cessar o ato inquinado de defeito.
O próprio Supremo Tribunal Federal, acompanhado do Superior Tribunal de Justiça fundamentando-se no artigo 20 da Lei das Desapropriações, entendem possível a impugnação do objetivo da expropriação, desde que seja feita por “ação direta”, como se depreende dos dois casos concretos a seguir:
Se a desapropriação for ilegal, cabe mandado de segurança, ou com efeito restaurador, depois de iniciada a execução, ou com efeito preventivo, antes dela. Por outro lado, a ‘ação direta’ a que se refere o art. 20 da lei das desapropriações não exclui o mandado de segurança, pois o que caracteriza este remédio processual é o direito líquido e certo violado ou ameaçado por ato de autoridade[9].
Administrativo. Ato administrativo. Moralidade. Exame pelo judiciário. – Art. 37 da Constituição Federal. Desapropriação. Art. 20 do Decreto-lei 3.365/41. É lícito ao poder judiciário examinar o ato administrativo sob o aspecto da moralidade e do desvio de poder. Com o princípio inscrito no art. 37, a Constituição Federal cobra do administrador, além de uma conduta legal, comportamento ético. O art. 20 do Decreto-lei 3.365 permite que, em ação direta, o poder judiciário examine qualquer questão relativa à desapropriação[10].
Como largamente difundido, a análise e proteção do Poder Judiciário em casos de lesão ou ameaça a direito é preceito constitucional, estando consagrada no inciso XXXV do artigo. 5º da CF de 1988, o que torna inconstitucional qualquer lei que venha vedar a apreciação do Judiciário nestes casos.
Há ainda corrente doutrinária no sentido de que se deve admitir a discussão do interesse público na própria ação desapropriatória, uma vez que tal vedação é maculada de inconstitucionalidade, por ir de encontro ao dispositivo mencionado, que proíbe qualquer vedação legal à apreciação do Poder Judiciário em casos de lesão ou ameaça de direito. Plausível é o raciocínio dos doutrinadores que sustentam tais ideias, uma vez que o interesse público, por ser o fundamento e a finalidade da desapropriação, deve ser amplamente discutido e demonstrado, caso contrário, poderá se desviar da finalidade principal da Administração Pública, que é perseguir o interesse coletivo.
Portanto, sempre que a Administração reconhecer caso de utilidade pública, necessidade pública ou interesse social, não previsto expressamente em lei, é direito do expropriado recorrer ao Poder Judiciário, que deverá apreciar o caso, controlando o ato, caso este seja considerado inconstitucional.
1.5. O DESENROLAR DO PROCEDIMENTO EXPROPRIATÓRIO.
Ao se discursar sobre como se desenvolve o processo expropriatório, deve-se analisar primeiramente qual será o juízo competente para a desapropriação. O artigo 11 do Decreto Expropriatório dispõe que a ação, quando a União for autora, será proposta no Distrito Federal ou no foro da Capital do Estado onde for domiciliado o réu, perante o juízo privativo, se houver; sendo outro o autor, no foro da situação dos bens. Da simples leitura do dispositivo em tela, tem-se que a regra geral é que a ação seja proposta no foro da situação dos bens, comportando exceção quando a União for autora.
O artigo 12 da Lei 3.365/41, por sua vez, prescreve que somente os juízes que tiverem garantia de vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de vencimentos poderão conhecer dos processos de desapropriação. Vitaliciedade é uma garantia de permanência concedida aos juízes, que só poderão ser afastados se houver uma sentença judicial transitada em julgado. Já inamovibilidade é a prerrogativa que os magistrados gozam de não serem removidos dos cargos que ocupam, sem prévio consentimento, desde que não haja interesse público ou decisão tomada pelo voto de dois terços do respectivo Tribunal, observada a ampla defesa.
Por fim, a irredutibilidade de vencimentos é a impossibilidade de redução da remuneração à qual fazem direito. Percebe-se claramente que a finalidade do artigo é resguardar a imparcialidade do magistrado frente ao processo desapropriatório, uma vez que o autor é a própria Administração Pública, o que poderia ensejar diversos abusos não fossem as garantias mencionadas.
Estabelecidas tais considerações sobre o foro competente e o magistrado apto a presidir a desapropriação, adentremos na análise do próprio processo. O processo expropriatório, naturalmente, será iniciado mediante a apresentação de petição inicial apresentada pela parte autora no intuito de ver a sua pretensão satisfeita.
Dispõe o artigo 13 da Lei de Desapropriação que:
Art.13. A petição inicial, além dos requisitos previstos no Código de Processo Civil, conterá a oferta do preço e será instruída com um exemplar do contrato, ou do jornal oficial que houver publicado o decreto de desapropriação, ou cópia autenticada dos mesmos, e a planta ou descrição dos bens e suas confrontações.
Parágrafo único. Sendo o valor da causa igual ou inferior a dois contos de réis, dispensam-se os autos suplementares.
Assim, observa-se que a petição deverá apresentar a oferta do preço e um exemplar do contrato ou do jornal oficial que publicou o decreto de desapropriação, planta ou descrição dos bens e suas confrontações, além dos requisitos genéricos exigidos pelo artigo 282 do Código de Processo Civil.
O parágrafo único do artigo 13 perdeu a sua eficácia, uma vez que após várias alterações no sistema monetário brasileiro a quantia determinada por ele é de pouca monta, não tendo, praticamente, mais efeito no processo judicial da desapropriação.
Como exposto anteriormente, a desapropriação tem como requisito a indenização prévia e justa. Tal ressarcimento, para ser justo, deverá ser cautelosamente analisado. Insurge-se, de tal fato, a necessidade incontestável de realização da perícia.
Por seu turno, o artigo 14 preceitua que ao despachar a inicial, o juiz já deverá nomear perito, ou, sendo possível, um técnico para avaliar os bens o que demonstra imprescindibilidade da realização de perícia, a qual será, portanto, regulada nos termos apresentados.
O fato é que a lei 3.365/41 permite em seu artigo 15 a imissão provisória na posse do bem expropriando pelo expropriante, podendo este se investir provisoriamente na posse do bem objeto da desapropriação, devendo ser observados certos requisitos. Como será desenvolvida uma análise mais detida sobre o tema no próximo capítulo, nos limitamos aqui a mencionar a possibilidade da imissão provisória na posse antes ou depois da citação do expropriando.
Após deferir a petição inicial nos termos do Código de Processo Civil, o juiz competente para a desapropriação ordenará a citação do expropriado, ou seja, o chamamento do réu ao processo para que possa se defender.
A defesa do réu, como já exposto, limita-se ao valor e aos vícios processuais (artigo 20, Lei 3.365/41), sendo que a revelia não gera os seus efeitos na ação de desapropriação, não acarretando ônus para a parte revel. O artigo 23 do Decreto Expropriatório determina que findo o prazo para a contestação e não havendo concordância expressa quanto ao preço, o perito apresentará o laudo em cartório, até cinco dias, pelo menos antes da audiência de instrução e julgamento. Deste modo, ainda que o prazo para a contestação se esgote sem manifestação do expropriando, dever-se-á realizar a prova pericial, devendo o laudo ser apresentado pelo perito designado pelo juiz ao despachar a inicial, realizando-se a audiência de instrução e julgamento normalmente, vez que não houve anuência expressa do expropriando quanto ao preço oferecido pelo expropriante.
Outra particularidade existente é que o processo de desapropriação é ininterrupto, não se suspendendo nem mesmo nas férias forenses (artigo 21, primeira parte, Lei 3.365/41).
Antes da fase instrutória, havendo concordância sobre o preço, o juiz homologará por sentença no despacho saneador (artigo 22, Decreto-Lei. 3.365/41), dispondo o artigo 30 que as custas serão pagas pelo autor se o réu aceitar o preço oferecido; em caso contrário, pelo vencido, ou em proporção, na forma da lei. Como já explicitado, tal concordância deve ser obrigatoriamente expressa, não havendo possibilidade de concordância tácita.
A audiência de instrução e julgamento é o ato processual no qual há a instrução, a discussão e a decisão da causa. Nos termos do artigo 24 do Decreto-Lei 3.365/41, a audiência de instrução em julgamento obedecerá ao Código de Processo Civil:
Art. 24. Na audiência de instrução e julgamento proceder-se-á na conformidade do Código de Processo Civil. Encerrado o debate, o juiz proferirá sentença fixando o preço da indenização.
Parágrafo único. Se não se julgar habilitado a decidir, o juiz designará desde logo outra audiência que se realizará dentro de dez dias, a fim de publicar a sentença.
O artigo 27 da Lei de Desapropriação, quando dispõe sobre a sentença, determina que ela deverá apresentar os fatos que motivaram o convencimento do magistrado, além de demonstrar o modo de fixação do valor da indenização, já abordada em discussões anteriores. Tem-se, portanto, que uma das principais funções da sentença é fixar a indenização devida. Cumpre ressaltar que a sentença vale, ainda, como título hábil para a transcrição no registro de imóveis, segundo determinação do artigo 29 do mesmo diploma.
É curial que a sentença que fixar o preço da indenização poderá ser desafiada por recurso de apelação, no entanto, a esta se concederão os efeitos devolutivo e suspensivo apenas quando o apelante for o expropriante, pois quando o expropriado for quem interpôs o recurso, ele deverá ser recebido apenas no efeito devolutivo, é o que dispõe o artigo 28 do Decreto-lei objeto de nosso estudo.
Consoante o exposto, esta é uma ligeira visão geral do processo expropriatório. A seguir adentraremos na imissão provisória na posse, importante situação jurídica que poderá ocorrer no transcorrer deste procedimento, desde que atendidos alguns requisitos.
CONCLUSÃO
Por meio do estudo apresentado sobre o procedimento expropriatório, é possível perceber as suas nuances e peculiaridades, o que tornam a ação de desapropriação um importante instituto de direito processual público.
Como visto, o procedimento expropriatório visa assegurar o respeito aos direitos do particular e estabelecer a prévia e justa indenização garantida constitucionalmente, bem como permitir ao Poder Público o ingresso antecipado na posse no bem por meio da imissão provisória na posse.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 15ª ed. S. Paulo: Malheiros, 2002.
_________________. Novos aspectos da função social da propriedade no Direito Público, P. 44. Escrito sob a égide da antiga CF.
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 23ªed. Rio de Janeiro: Lumen Juris Editora, 2010.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 14ª ed. S. Paulo: Atlas, 2002.
FAGUNDES, Miguel Seabra. Da desapropriação no Direito Brasileiro, 2ª ed. Rio, Freitas Bastos, 1949.
FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Curso de Direito Administrativo. 6ª ed. São Paulo: Malheiros, 2003.
GASPARINI, Diogenes. Direito Administrativo / Diogenes Gasparini – 14 ed. rev. – São Paulo: Saraiva, 2009.
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro, volume 5: direito das coisas / Carlos Roberto Gonçalves – 6 ed. – São Paulo: Saraiva, 2011.
JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010.
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 3ª ed. (1975), 4ª ed. (1976), 5ª ed. (1977), 6ª ed. (1978), 15ª ed. (1990). São Paulo: RT.
MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Comentários à Constituição de 1967 (com a Emenda 1/69) – 2ª ed.; t. V, São Paulo: Ed. RT, 1971.
MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Curso de Direito Administrativo. 14ªed. Rio de Janeiro: Forense, 2005.
MALUF, Carlos Alberto Dabus, 1947 – Teoria e prática da desapropriação / Carlos Alberto Dabus Maluf. – 2 ed. rev., atual. E ampl. – São Paulo: Saraiva, 1999.
SALLES, José Carlos de Moraes, 1928 – A desapropriação à luz da doutrina e da jurisprudência / José Carlos de Moraes Salles – 2. Ed. ver. E ampl. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1992.
SANTOS, Ernane Fidélis dos, 1940 – Manual de direito processual civil, volume 1: processo de conhecimento / Ernane Fidélis dos Santos – 12. Ed. ver., atuali. E ampl. – São Paulo: Saraiva, 2007.
__________________ Manual de Direito Processual Civil, volume 3, 5ª edição. São Paulo: Saraiva, 1997).
[1] SANTOS, Ernane Fidélis dos, 1940 – Manual de direito processual civil, volume 1: processo de conhecimento / Ernane Fidélis dos Santos – 12ª. Ed. ver. atuali. e ampl. – São Paulo: Saraiva, 2007.
[2] FAGUNDES, Seabra – Da desapropriação no Direito Constitucional brasileiro. RDA 14/3 e 4.
[3] Ob. Cit. P. 554.
[4] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 15ª- ed. (1990). São Paulo: RT. P. 632.
[5] SALLES, José Carlos de Moraes, 1928 – A desapropriação à luz da doutrina e da jurisprudência / José Carlos de Moraes Salles – 2. Ed. ver. E ampl. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1992. P. 125 e 126.
[6] Ob. Cit. P. 128
[7] REsp 1126912/MG, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, Superior Tribunal de Justiça, 2ª TURMA, julgado em 14/06/2011, DJE 30/06/2011.
[8] SANTOS, Ernane Fidélis dos. Manual de Direito Processual Civil, volume 3, 5ª edição. São Paulo: Saraiva. 1997. P. 385.
[9] STF - RDA 84/165.
[10] 1ª Turma do STJ, REsp 21.923-5-MG, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros.
Advogado da União. Bacharelado em Direito pela Universidade Federal de Uberlândia. Pós-graduado em Direito Constitucional pelo Complexo Educacional Damásio de Jesus.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FERREIRA, Eduardo Henrique. O procedimento expropriatório Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 01 ago 2016, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/47147/o-procedimento-expropriatorio. Acesso em: 09 nov 2024.
Por: Danilo Eduardo de Souza
Por: maria edligia chaves leite
Por: MARIA EDUARDA DA SILVA BORBA
Por: Luis Felype Fonseca Costa
Por: Mirela Reis Caldas
Precisa estar logado para fazer comentários.