RESUMO: O objetivo do presente artigo é estudar o instituto da federalização das violações aos direitos humanos, introduzido pela emenda constitucional nº 45 e previsto no artigo 109, § 5º da Constituição Federal, analisando seus fundamentos, pressupostos e os seus aspectos processuais, especialmente a competência, a legitimidade e o seu procedimento. Posiciona-se pela constitucionalidade do instituto, rechaçando as teses de que o instituto viola o princípio do juiz natural, o pacto federativo e o princípio da segurança jurídica e que é a recriação do instituto da avocatória. Conclui-se, ainda, que a partir da emenda 45 as graves violações aos direitos humanos possuem dois juízos competentes, um inicial (Estadual) e outro potencial (Federal), sendo que este só atuará quando ficar evidente que o primeiro não está apto a reprimir a violação. Com a ocorrência de uma grave violação dos direitos humanos, a Justiça estadual estará sofrendo uma pressão legítima para a apuração e repressão do fato e em razão disso, o instituto será um importante instrumento na luta contra a impunidade existente nas violações aos direitos humanos.
PALAVRAS-CHAVE: DIREITOS HUMANOS – VIOLAÇÕES – PREVALÊNCIA – DESLOCAMENTO DE COMPETÊNCIA – POSSIBILIDADE – CONSTITUCIONALIDADE.
INTRODUÇÃO:
A princípio, antes de se discutir acerca do tema principal é importante que se analise todo o processo histórico relativo aos Direitos Humanos no Brasil, discorrer a respeito de sua implantação e consolidação, para que nos próximos capítulos possamos efetivamente discutir a respeito do tema principal.
Os Direitos Humanos são os direitos e liberdades básicos de todos os seres humanos. O conceito de direitos humanos agrega também ao seu conceito principal a idéia de liberdade de pensamento e de expressão, e a igualdade perante a lei.
A primeira declaração dos direitos humanos da época moderna é a Declaração dos Direitos da Virgínia de 12 de junho de 1776, escrito por George Mason e proclamado pela Convenção da Virgínia.
Tal declaração influenciou Thomas Jefferson na declaração dos direitos humanos que existe na Declaração da Independência dos Estados Unidos da América de 04 de julho de 1776, assim como também influenciou a Assembléia Nacional francesa em sua declaração, a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, no qual esta última tratava também do direito individual e coletivo das pessoas.
Desde o nascimento da Organização das Nações Unidas em 1945, o conceito de direitos humanos tem-se universalizado, alcançando uma grande importância na cultura jurídica internacional. Em 10 de dezembro de 1948 a Declaração Universal dos Direitos Humanos foi adotada e proclamada pela Assembléia Geral das Nações Unidas em sua Resolução 217 A (III), como resposta as horrorosas heranças da Segunda Guerra Mundial e como intento de sentar as bases da nova ordem internacional.
Posteriormente foram aprovados numerosos tratados internacionais sobre a matéria.
O Direito Internacional sempre se mostrou extremamente preocupado com essas questões, se valendo de inúmeros mecanismos existentes para a solução de conflitos internacionais, baseado sempre na argumentação de que existem princípios com muito mais valia, que superam, portanto, a vontade individual do Estado.
Devido ao processo de industrialização mundial que a maioria dos países industrializados do século XX passou, surgiram imensos conflitos, que consigo trouxeram condutas impiedosas, chacinas, descriminações de toda ordem, fazendo que o mundo todo voltasse seu olhar à necessidade da defesa dos Direitos Humanos, que até neste momento era deixado em segundo plano.
Neste diapasão, a CARTA DAS NAÇÕES UNIDAS, foi uma das precursoras na defesa dos Direitos Humanos, que se objetivou em elevar a níveis indisponíveis e inegociáveis os direitos fundamentais, que outrora nem se quer eram debatidos em âmbito mundial.
Senão vejamos o que dispõe a carta em seu preâmbulo:
“Nós, os Povos das Nações Unidas, resolvidos a preservar as gerações futuras do flagelo da guerra, que por duas vezes, no espaço de nossa vida, trouxe sofrimentos indizíveis à humanidade, e a reafirmar nossa fé nos direitos fundamentais do homem, na dignidade e no valor do ser humano, na igualdade dos direitos dos homens e das mulheres, assim como das nações grandes e pequenas”.
Logo em seguida, houve a elaboração de um documento que formalizasse essa vontade mundial, que contou com a adesão das principais potências do mundo.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos foi assinada em 10 de dezembro de 1948, na famosa cidade luz, Paris[1].
De fato a Declaração Universal dos Direitos Humanos trouxe uma imensa repercussão a seu respeito em todos os cantos do mundo, sendo avaliada de forma geral,
como extremamente positiva, muito embora, tivesses países que ainda questionassem a adesão e sua efetiva aplicação regionalizada.
A verdadeira celebração se deve ao fato de que a assinatura dessa declaração, foi o primeiro passo, podemos considerar com o “grito” que humanidade deu, exigindo que fosse reconhecida a existência de Direitos universais, a qual proteção se faz pertinente qualquer que seja território que esteja o indivíduo ou nação.
Para assegurar a proteção da norma, inúmeros doutrinadores, procuraram analisar quais seriam os direitos abarcados no ordenamento jurídico internacional, dividindo-os em categorias.
Dentre os maiores especialistas no assunto, destacaremos a seguir o pensamento do mestre em Direito Internacional Público Hildebrando Accioly, vejamos:
“...na apreciação destas três categorias de direito, a doutrina tende a aborda-la através da evolução histórica em que se deu, falando assim, em direitos de primeira, segunda e terceira gerações, embora alguns autores critiquem essa denominação, alegando que o termo “geração”, daria idéia de substituição, o que não acontece, o melhor então seria a utilização do termo “dimensão”, dando idéia de acréscimo, evolução e não uma conotação negativa de decadência, como no termo anterior...”
De forma sucinta, podemos definir a primeira geração como sendo direitos relacionados as liberdades públicas, ou seja, o direto à liberdade. A segunda geração o foco principal recairia sobre os direitos econômicos, sócias e culturais.
Assim define Themistocles Brandão em sua obra:
“... O começo do nosso século viu a inclusão de uma nova categoria de direitos nas declarações e, ainda mais recentemente, aos princípios garantidores da liberdade das nações e das normas de convivência internacional. Entre os direitos chamados sociais, incluem-se aqueles relacionados com o trabalho, o seguro social, a subsistência, o amparo a doença, à velhice, etc..”
Há, contudo, outros doutrinadores que criam uma quarta geração, apontando direitos de caráter intelectual, como por exemplo, o direito à informação, à biotecnologia... ou seja, os direitos que nascem da convivência natural em sociedade, oriundos da existência de uma vida em comunidade.
No Brasil, o processo de aderência aos direitos humanos, ganhou gás a partir do início do processo de democratização do país, sobretudo com a implantação da nova Constituição de 88, que foi se solidificando cada vez mais a medida que o Brasil tornava-se signatário de inúmeros tratados internacionais de proteção aos direitos do homem[2].
Porém, se faz necessário chamar atenção ao fato de que, por mais que se tenha evoluído no mundo sobre a questão dos direitos humanos, e, sobretudo no nosso enfoque, qual seja Brasil, nós enfrentamos graves entraves diante a proteção deste direitos, em outras palavras, é muito difícil tornar factível uma realidade que estão apenas em planos dogmáticos, apesar do imenso esforço para fazerem estes mecanismos funcionarem.
Por fim, podemos concluir neste brevíssimo enfoque histórico a respeito dos direitos humanos, que, o reconhecimento mundial sobre a real necessidade de se proteger o bem mais valioso do homem que é ele mesmo, faz nascer uma nova era de concepção de proteção individual, independente de raça, religião, partido político, opção sexual, em face à proteção efetiva dos direitos humanos
1 – A FEDERALIZAÇÃO DAS VIOLAÇÕES DOS DIREITOS HUMANOS
Passaremos agora à discussão do tema principal, a FEDERALIZAÇÃO.
Podemos analisar a União Federativa sob dois âmbitos, no âmbito internacional, a União representa a República Federativa do Brasil, já em âmbito interno podemos classificá-la como pessoa jurídica de direito público e autônoma dos demais entes.
Analisando por este âmbito é que podemos entender a atribuição dada ao Presidente da República em celebrar tratados internacionais, pois é a União representado a República Federativa do Brasil, apesar que mesmo o tratado sendo celebrado é necessário que seja referendado pelo Congresso Nacional.
Então, torna-se impossível a União repassar a responsabilidade de não cumprimento aos Estados Membros, caso haja alguma violação, por que é o Brasil que está se firmando e se posicionado ao mundo no ato da celebração dos tratados, e não seus Estados Membros.
A Emenda Constitucional de 45, a chamada “Reforma do Judiciário”, teve como principal objetivo tornar mais veloz e eficaz o sistema Judiciário Brasileiro, acrescentando a competência da Justiça Federal para o julgamento de causas relativas à graves violações dos direitos humanos.
Antes dessa importante reforma no judiciário, a grande maioria dos casos grave violação dos direitos humanos, acabava sendo de competência da Justiça Estadual, e no contexto internacional a responsabilidade recaía sobre a União, ou seja, a União era responsabilizada e pouco podia fazer pra que isso não ocorresse.
Vejamos o texto:
”Art.109 – Aos juízes federais competem processar e julgar:
(...)
V – As causas relativas a direitos humanos a que se refere o §5º deste artigo:
§5º - Nas hipóteses de grave violação de direitos humanos, o Procurador Geral da República, com a finalidade de assegurar o cumprimento de obrigações decorrentes de tratados internacionais de direitos humanos do quais o Brasil seja parte, poderá suscitar, perante o Superior Tribunal de Justiça, em qualquer fase do inquérito ou processo, incidente de deslocamento de competência para a Justiça Federal.
A finalidade maior desta norma foi equiparar os tratados e convenções internacionais, dos quais o Congresso Nacional já ratificou.
Diante disso, fica claro que o principal foco da federalização e dar aquele responsável pelo cumprimento dos tratados de direitos humanos a chance de agir, reprimir, e fazer o que for necessário para se coibir os autores das violações, quando os Estados Membros não forem aptos a fazê-los.
Esta federalização dos crimes de graves violações aos direitos humanos fortalecerá e muito a responsabilidade da União, que terá em suas mãos a força para agir.
A Procuradora do Estado de São Paulo, Flávia Piovesan ressalta:
“ Com a federalização, cria-se um salutar de concorrência, encorajando-se a atuação de diferentes esferas do poder..”
E de fato, pois se movimenta diferentes esferas do poder, causando investimentos nos Ministérios Públicos, Poder Judiciário em geral.
Outro fundamento relevante e também muito positivo, é o de que se criando a possibilidade deste deslocamento, cria-se também um instrumento subsidiário, que atuará quando o Estado Membro não for suficientemente capaz de reprimir tal violação, tal instrumento já existe no contexto internacional, que se perfazem quando o Estado soberano não se mostra eficaz na repressão de determinada violação, se aciona subsidiariamente as Cortes Internacionais.
Lembrando que nesta mais recente reforma, o Brasil se tornou submisso ao Tribunal Penal Internacional, em seu artigo 5º da Constituição Federal.
Com a federalização a vítima terá mais de um caminho para a busca da responsabilização e punição dos autores das violações, buscando alem das Cortes Internacionais, terá também os órgãos federais.
Outro aspecto é que antes da federalização, a inércia dos Estados Membros na repressão as graves violações, não gerava sansão alguma ao órgão responsável, porém agora, se mantiverem a mesma postura poderão ter a federalização dos processos e inquéritos, que sob o risco de verem parte de sua competência deslocada para a Justiça Federal, agirão a fim de cumprir os tratados internacionais firmados.
Para os Estados que demonstrarem falhas e, sobretudo forem omissos, ficará configurada a hipótese de deslocamento de competência para a Justiça Federal nos casos que: a) assegurar maior proteção a vítima; b)estimulará o melhor funcionamento das instituições locais em casos futuros; c)gerará expectativa de resposta efetiva das instituições federais; e d) se ambas as intuições – estadual/federal – se mostrarem falhas ou omissa, daí, sim, poderá acionar-se a Corte Internacional, porém somente de ter dado a chance à União de reprimir tal violação.
Nota-se, portanto, que a existência do deslocamento de competência é um grande avanço na defesa dos direitos humanos no Brasil.
No Direito sempre se teve várias opiniões sobre um mesmo fato, lei, princípio, e com o deslocamento e sua federalização não seria diferente, embora a grande maioria veja com bons olhos, isso não faz unânime, portanto a federalização ainda não tem consenso entre os especialistas.
O presidente da Associação dos Magistrados do Brasil – AMB, Rodrigo Collaço invocou o primeiro caso do incidente de deslocamento, no famoso caso da Irmã Dorothy Stang, ele se diz contra a federalização deste crime, vejamos suas palavras:
“ ... Tive oportunidade de visitar o Pará, se o movimento de direitos humanos acredita que a solução para aquela realidade está no deslocamento de competência, é porque as pessoas de lá estão desistindo de enfrentar questões mais graves...”
De acordo com Collarço, o Pará vive uma situação de “absoluta ausência do estado”, onde imperam os grandes latifúndios e as grandes reservas ambientais.
De fato o sudeste do Brasil vive longe das realidades longínquas do seu imenso território, mas sabemos que a ocorre sim a ausência do estado conforme muito bem relatou o professor Collaço, porém não serve de subsídio para que o professor afirme que as pessoas estão desistindo de enfrentar questões mais graves, a situação com certeza vai além disso, acredito que o desespero da população em colocar um basta, seja pela mão do Estado Membro, a União ou a Corte Internacional, o que não poderá continuar é a lei da arma.
Temos também o Juiz Federal Flávio Dino de Castro que a tese da federalização não foi concebida apenas porque havia lacunas no plano da responsabilização, vejamos o que ele diz durante o debate a respeito do tema:
“... Há neste exato momento, doze mil trabalhadores sem-terra clamando, dentre outras coisas, pela federalização dos crimes contra os direitos humanos. Será o MST um emissário do Washington Post?...”
O juiz ainda afirma:
“...Os maiores obstáculos a serem superados quando se fala em violações aos direitos humanos, são aqueles de natureza política. Temos de exemplo o caso de Hildebrando Pascoal, no Acre, cujo julgamento foi deslocado para a Justiça Federal, o julgamento foi realizado dentro dos prazos legais, o réu foi condenado e está preso. É um caso emblemático do que a federalização pode produzir...”
O juiz ainda defende o debate de opiniões a respeito do tema, mas que tenha um foco crítico e que não seja transformado em “conservadorismo”. Segundo ele, umas das maiores conquistas do Judiciário e não precisar fingir que não existe diversidade de opiniões, que somos um bloco monolítico.
O juiz muito bem ponderou as opiniões mais exaltadas contra ao deslocamento, discutir acerca de qualquer que seja o tema, sempre gera bons frutos.
Ainda temos a opinião da já consagrada professora Flávia Piovesan:
“... as alterações trazidas pela Reforma do Judiciário devem fortalecer o combate à impunidade no país, além de endossar a responsabilidade dos estados...”
“... das 70 denúncias apresentadas contra o Brasil no Sistema Interamericano, apenas dois casos apontam responsabilidade direta da União, nos demais casos a responsabilidade direta é dos estados, a união tem responsabilidade no plano internacional, mas não tem no plano interno...”
Podemos observar que de acordo com Piovesan, o estado tem sim se mostrado omisso, e as comissões internacionais vêm apontando pra isso.
O incidente de deslocamento de competência, o IDC, tem grande semelhança com o desaforamento nos casos de competência do Tribunal do Júri, causando polêmica sob o argumento que estaria ferindo o pacto federativo e o princípio do juiz natural.
A IDC enfrenta resistência principalmente no Judiciário e no Ministério Público dos Estados. O opositores mais ferrenhos dizem que a federalização é uma espécie de “atestado prévio de incompetência dos Judiciários Estaduais nas causas que versem sobre direitos humanos.
"Não há dados científicos ou estatísticos que comprovem que a Justiça Federal é mais eficaz nas punições", diz o presidente da Anamatra (Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho), Grijalbo Coutinho.
Para o juiz do Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo Ivan Sartori, trata-se de proposta "absurda", que fere a autonomia dos Estados e o direito das pessoas de saber onde serão julgadas.
Há ainda quem ache que a Justiça estadual está mais disseminada, o que facilita as denúncias. "A federalização acarretará forte abalo no acesso à Justiça", diz o diretor de Cidadania e Direitos Humanos da Ajuris (associação de juízes do Rio Grande no Sul), João Ricardo Costa.
Na mesma linha, o coordenador da Promotoria de Direitos Humanos e Conflitos Agrários do Ministério Público de Minas Gerais, Afonso Teixeira, repudia a federalização. "Parece prestação de contas a organismos internacionais”.
O ex-ministro Nilmário Miranda (Secretaria Especial dos Direitos Humanos) rebate as críticas e afirma que a proposta traz "risco zero" para a autonomia dos Estados, pois apenas casos "bem debatidos e acompanhados pela opinião pública" deverão ser submetidos à apreciação do STJ.
"O que coloca em xeque a autonomia dos Estados é o acobertamento de crimes graves praticados por agentes públicos", disse.
O advogado e vice-prefeito de São Paulo, Hélio Bicudo (PT), militante na área de direitos humanos, também defende a proposta, encampada por entidades como as ONGs Human Rights Watch e Justiça Global e o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra). "As Justiças estaduais são absolutamente corporativas."
Contudo, a proposta atual é mais tímida do que a PEC sobre o assunto de 1996, que foi modificada no Congresso. No texto original, o deslocamento de competência poderia ser suscitado ainda por "órgão federal de defesa dos direitos humanos", e não só pelo procurador-geral da República.
"A legislação deveria ser ampliada para que outros órgãos também pudessem suscitar a federalização", diz a professora de Direitos Humanos da PUC-SP Flávia Piovesan.
2 – PRESSUPOSTOS PARA O IDC (INCIDENTE DE DESLOCAMENTO DE COMPETÊNCIA) NO PROCESSO DE FEDERALIZAÇÃO
Transcrevendo o artigo109, § 5º da Constituição Federal, temos:
“... São pressupostos do deslocamento de competência a grave violação de direitos humanos, a necessidade de assegurar o cumprimento das obrigações decorrentes de tratados internacionais de direitos humanos e a incapacidade do Estado Membro de promover a ação penal e o seu julgamento de forma satisfatória.
Estes três requisitos elencados no artigo são cumulativos e devem constar no pedido de deslocamento de competência.
Vamos a seguir tratar de cada um destes requisitos para que se tenha o completo raciocínio a respeito de suas características.
Grave violação dos direitos humanos: A princípio precisaremos realizar a distinção entre direitos fundamentais e os direitos humanos.
Direitos fundamentais estão reconhecidos na Constituição de um Estado, enquanto a expressão direitos humanos é utilizada em documentos de caráter internacional, dando como característica dele a transacionalidade e a intertemporaliedade
A respeito desta distinção Canotilho escreve:
“...Os direitos do homem arrancariam da própria natureza humana e daí seu caráter inviolável, intertemporal e universal, os direitos fundamentais seriam os direitos objetivamente vigentes numa ordem jurídica concreta...”.
Contudo, podem ser federalizados novos direitos humanos que nasça e que seja objeto de tratado internacional, não necessitando que esteja disposto no texto constitucional.
O artigo 5º, §3º diz que os tratados e convenções internacionais que versarem sobre direitos humanos, e que forem aprovados no Congresso Nacional em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, terão equivalência à emenda constitucional, tornado-se, portanto, possível o deslocamento da competência de qualquer direito que apresente as características dos direitos humanos.
Outro ponto controverso e delicado dentro das graves violações dos direitos humanos está justamente ligado à distinção do que vem a ser essa “grave” violação, principalmente por que toda violação aos direitos humanos é grave.
A análise desta da violação caberá sempre ao Superior Tribunal de Justiça, que analisará dentro de sua esfera o nível da gravidade
O que claro e pacífico é que necessário se faz a busca por critérios claros, se possível estabelecidos em diplomas legais, para que não se ponha em risco nem ao descaso o sentido da expressão “grave”.
Neste sentido José Luiz Bolzan ensina:
“... a indeterminação presente na expressão “grave violação dos direitos humanos”, o que torno o conteúdo da norma vago e impreciso, o que pode contribuir parar casuísmos descabidos em tema tão importante...”
Na busca dessa delimitação, já podemos separar o que definitivamente não é grave violação. Por exemplo, podemos trazer os crimes de menor potencial ofensivo, aqueles em que pena não excede a 02 (dois) anos de prisão, por uma razão óbvia.ele não pode ser considerado como grave violação, tendo em vista que sua nomenclatura já o classifica como menor potencial ofensivo.
Outro bom exemplo, seria também os crimes com penal igual ou inferior a 04 (quatro) anos de prisão, pois existe a possibilidade de substituição de pena privativa de liberdade para a restritiva de direito, como também é possível a concessão de regime aberto ao condenado.
Então, se o Código Penal não trata como severidade tal transgressão não há como se falar em grave violação.
A Convenção das Nações Unida contra o Crime organizado Transacional (Convenção de Palermo), concluída em 2000 e em vigor para o Brasil desde 28 de fevereiro de 2004, diz em seu artigo 2º, letra “b”:
“... é considerado crime grave todo ato que constitua infração punível com pena de privação de liverdade, cujo máximo não seja inferior a quatro anos ou com pena superior...”
Esta Convenção já possui força de Lei no Brasil, e serve como norteador para a conceituação da expressão “grave”.
Na esfera civil não existe qualquer referência para que se classifique uma grave violação, sendo, portanto, apenas o Superior Tribunal de Justiça, o único que, analisando caso a caso poderá analisar se houve ou não a grave violação.
Assegurar o cumprimento dos tratados internacionais: Neste item, não se estabeleceram todavia quais são os tratados internacionais de direitos humanos, não acatando sugestão ANPR (Associação Nacional dos Procuradores da República) para que se elaborasse um rol de quais tratados que seriam passíveis de federalização.
Redação dada pela ANPR:
“Artigo 109(...)
XII – os crimes contra os direitos humanos, assim considerados os seguintes delitos:
a) tortura;
b) homicídio doloso praticado por agente de quaisquer dos entes federados no exercício de suas funções ou por grupos de extermínio;
c) praticados contra as comunidade indígenas ou seus integrantes;
d) homicídio doloso, quando motivado por preconceito de origem, raça, sexo, opção sexual, cor, religião, opinião política, idade ou quaisquer outras formas de discriminação, ou quando decorrente de conflitos fundiários de natureza coletiva;
e) uso, intermediação e exploração de trabalho escravo ou de crianças e adolescentes, em quaisquer das formas previstas em tratados internacionais.
(...)
§5º - Serão igualmente processado na Justiça Federal as causas cíveis decorrentes dos crimes previstos no inc. XII;
§6º - A lei poderá estabelecer outras hipóteses de crime contra os direitos humanos.” (Boletim dos Procuradores da República, nº 14, junho/99).
Analisando os artigos acima citados, o constituinte foi muito feliz em não colocar uma interpretação restritiva, dando uma abertura maior aos futuros direitos humanos que possam vir a ser agregados.
Incapacidade do Estado Membro de promover a responsabilização ou reparação da violação aos direitos humanos: Isto acontece quando o Estado Membro em qualquer fase processual, seja ela julgamento, execução ou até mesmo a investigação, se mostrar incapaz de responsabilizar ou reprimir aquela violação. Há doutrinadores renomados como o professor Luiz Flávio Gomes que diz:
“... quando não há morosidade, descuido ou negligência por parte da polícia ou do poder judiciário, nem antes ou depois da grave violação, não se pode justificar o deslocamento de competência..”
Para que haja o deslocamento de competência, terá que se demonstrar em caso concreto, que as instituições policiais, Ministério Publico, Poder Judiciário, não estejam atuando de forma adequada na repressão das violações aos direitos humanos.
Porém, se a incapacidade for apenas da policia judiciária, não será o caso de deslocamento de competência, já que a legislação infraconstitucional permite que a Polícia Federal investigue as infrações penais que decorrerem da grave violação.
Neste caso, se a investigação da polícia estadual não for suficiente, a polícia federal sempre poderá atuar em conjunto, tornando desnecessária a federalização doa competência.
Logo, vale relembrar que todos estes 03 (três) requisitos são cumulativos, e todos eles devem estar presentes para que ocorra o deslocamento.
2.1 – ASPECTOS PROCESSUAIS DO INCIDENTE DE DESLOCAMENTO DE COMPETÊNCIA
2.1.1 - Competência
O Constituinte Reformador atribuiu a competência para conhecer do IDC (Incidente de Deslocamento de Competência) ao Superior Tribunal de Justiça, em seu §5º do artigo 109 da Constituição.
Apesar de não existir ainda norma regimental, o presidente do STJ editou uma Resolução, atribuindo a 3ª Seção, com os Ministros da 5ª e 6ª Turma, do qual entre eles sairá o relator.
2.1.2 – Legitimidade
Poderá propor o IDC somente o Procurador Geral da República, porém alguns autores dizem que haveria que se ampliar essa legitimidade ativa, mas temos em outro lado que esta é a forma mais sutil de intervenção da União nos Estados, não sendo razoável a abertura destes legitimados.
Apesar de a legitimidade ativa ser apenas do Procurador, qualquer interessado pode a ele solicitar a federalização das graves violações.
2.1.3 – Procedimento
Embora o Superior Tribunal de Justiça já ter fixado a competência para apreciar, ele não fixou que tipo de procedimento deverá ser adotado, portanto recaindo sobre o relator o comando de fixar o procedimento.
A petição deverá demonstrar claramente a presença dos três pressupostos já referidos anteriormente, deverá também demonstrar a total incapacidade, inércia ou negligência do Estado Membro em reprimir a violação em debate, culminando na necessidade falta de deslocamento.
O procedimento adotado poderá ser declarado de ofício ou mediante representação de qualquer interessado, não sendo possível entretanto, a apresentação de pedido liminar, já que somente o Superior Tribunal de Justiça após sua decisão definitiva é que deslocará a competência, se caso fosse permitido a liminar geraria uma grande situação de insegurança nas esferas estaduais e federais.
Quando recebido o pedido, o relator solicitará as informações que julgar necessárias ao Poder Judiciário Estadual, que deverá ser sempre endereçado ao Presidente do Tribunal de Justiça daquele estado, não importando se exista inquérito ou em que fase esteja tramitando o processo.
Neste mesmo tempo o Governador do Estado será chamado a se pronunciar a respeito deste IDC, para que se achando necessário tente evitar o deslocamento, pois o deferimento desse pedido gera de certa forma uma desmoralização dos poderes locais.
Em esfera penal, o Ministério Público também se manifestará, na pessoa do PGJ (Procurador Geral da Justiça), e também ao réu que tem interesse no pedido. Ao MP, será dada a chance de demonstrar que não houve qualquer inércia de sua competência, tampouco negligência, já que o ônus do deferimento do IDC é a retirada da atribuição do MP promover a ação penal pública.
Depois de todos terem manifestado ou já terem expirados os prazos, os autos voltarão à mesa do PGR para manifestação, caso ele se convença pelas informações recebidas que realmente não seja caso de deslocamento.
Em outras palavras, o PGR pode optar pelo indeferimento do pedido, alegando a improcedência do pedido, embora isso não vincule o Superior Tribunal de Justiça.
2.1.4 – Decisão
É vedado apresentação de pedidos genéricos no IDC, podendo apenas abranger fato determinado, cada violação deverá conter seu próprio pedido.
Se deferido o pedido de deslocamento, o caso será repassado às mãos da Justiça Federal, sempre respeitando os dispositivos constitucionais para a fixação da competência.
Em caso de crime que seja de competência do júri, por exemplo, passará ao Tribunal do Júri Federal.
O professor Luiz Flávio Gomes ainda acrescenta:
“...o agente do fato que goza de foro especial por prerrogativa de função; mesmo nessa hipótese, não obstará o deslocamento da competência (da Justiça Estadual para a Federal). Se o autor do fato é um juiz de direito, por exemplo, desde que se constante negligência do Tribunal de Justiça, nada impede que a competência seja deslocada para a Justiça Federal, (TRF) neste caso. Aliás, a idéia central do IDC consiste exatamente em atribuir a apuração de uma grave violação de direitos humanos a autoridades mais distantes, para evitar favorecimentos locais, (que possam conduzir a uma eventual impunidade)...”
2.1.5 – Recursos
Será cabível mediante da decisão de deferimento ou não do pedido de deslocamento de competência o Recurso Extraordinário, visto estar contrariando o disposto na constituição.
Se deferido for, poderá alegar a quem de direito questionar a presença de todos os pressupostos e ofensa ao juiz natural ou promotor natural. No caso de indeferimento, o PGR poderá alegar o próprio descumprimento do artigo 109, §5º.
Realmente pode se ter um conflito no caso de dois juízes competentes, que será um real e outro potencial, contudo veremos isto oportunamente no tópico a seguir.
Em se tratando de recursos na esfera penal, a saída legal em favor do réu poderá ser o habeas corpus, impetrado junto ao STF, alegando que o foro incompetente gerará grave constrangimento e ameaça à sua liberdade de locomoção.
3–CONSTITUCIONALIDADE DO INCIDENTE DE DESLOCAMENTO DE COMPETÊNCIA EM FACE AO PRINCIPIO DO JUIZO NATURAL
O IDC trouxe uma grande onda de pensamentos contrários e favoráveis a respeito de sua constitucionalidade.
No STF tramitam as ADIns 3486, de autoria da Associação dos Magistrados do Brasil (AMB) e 3492, de autoria da Associação dos Magistrados Estaduais (ANAMAGES), apontando a inconstitucionalidade nos seguintes fundamentos: violação do princípio do juiz natural ; criação do tribunal de exceção; recriação do instituto da avocatória; violação do pacto federativo, violação do princípio da segurança jurídica.
Neste trabalho buscaremos enfocar em todos os fundamentos alegados, mas com maior afinco na questão de que se ofenderia ou não o princípio do juiz natural. Antes de analisarmos a constitucionalidade do §5º do art. 109 quanto ao princípio do juiz natural, analisaremos a luz da Constituição Federal de 1988.
Segundo Alexandre de Moraes:
"...a imparcialidade do Judiciário e a segurança do povo contra o arbítrio estatal encontram no princípio do juiz natural uma de suas garantias indispensáveis" ;
Vejamos o texto constitucional:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
XXXVII - não haverá juízo ou tribunal de exceção;
LIII - ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente;
O juiz natural deve ser compreendido em sua totalidade, abrangendo seus aspectos, pelo que o juiz natural é o órgão do Poder Judiciário cuja competência, previamente estabelecida, derive de fontes constitucionais.
Podemos afirmar que existem dois juízes naturais, o federal e o estadual. O estadual se conhecerá desde o início do feito, o federal é o juiz em potencial, que poderá ser acionado no caso de inépcia da justiça estadual, não cabendo a hipótese de juiz de exceção
A competência já está pré-estabelecida na Constituição Federal, logo não foi criado para fatos ou casos específicos, o que caracterizaria a violação do princípio do juiz natural, o tribunal é de exceção quando criado sob encomenda, ou seja ex post facto, para prejudicar ou beneficiar alguém, tudo previamente acertado. Aos juízes do Tribunal faltaria a presunção de independência e imparcialidade, ao passo que o juiz natural é previsto abstratamente, em conformidade com o art. 10 da Declaração Universal dos Direitos do Homem, aprovada pela Assembléia Geral das Nações Unidas em 1948, que diz:
“Artigo X. Todo homem tem direito, em plena igualdade, a uma justa e pública audiência por parte de um tribunal independente e imparcial, para decidir de seus direitos e deveres ou do fundamento de qualquer acusação criminal contra ele.”
Essa imparcialidade do juiz natural é presumida pelas garantias constitucionais concedidas pela Constituição, que são a vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de vencimentos, pelos mecanismos infraconstitucionais de manter a imparcialidade, como o estabelecimento de hipóteses de impedimento e suspeição. A autoridade competente a que se refere o inciso LIII do art. 5º, CF, é o juiz constitucionalmente competente para processar e julgar. Se tivesse sido deixado para o legislador infraconstitucional, ao invés do constituinte, a fixação da competência jurisdicional, haveria a garantia do juiz legal, e não a do juiz natural. O juiz natural é inafastável por legislação infraconstitucional, uma vez que a distribuição de competência é estabelecida na própria Constituição.
Os direitos e garantias fundamentais consagrados no art. 5º da Constituição Federal não são ilimitados. Pelo princípio da relatividade ou convivência das liberdades públicas, esses direitos são limitados pelos demais direitos consagrados na Constituição. Portanto, não há inconstitucionalidade na atribuição do julgamento do fato a outro juiz, que não o estabelecido inicialmente na Constituição, mas que se mostrou negligente na defesa dos direitos humanos.
No julgamento do IDC 01/PA, foi citado acórdão do STF proferido no HC 67.851/GO, que traz a seguinte ementa:
"´´Habeas corpus´´. Júri. Juiz natural. Tribunal de exceção. Desaforamento. Reaforamento. 1. Não é de ser conhecido o ´´habeas corpus´´, no ponto em que se impugna o desaforamento deferido, porque pretensão idêntica já foi repelida por duas vezes pelo supremo tribunal federal. 2. Juiz natural de processo por crimes dolosos contra a vida e o tribunal do júri. Mas o local do julgamento pode variar, conforme as normas processuais, ou seja, conforme ocorra alguma das hipóteses de desaforamento previstas no art.424 do C.P. Penal, que não são incompatíveis com a constituição anterior nem com a atual (de 1988) e também não ensejam a formação de um ´´tribunal de exceção´´. 3. Não se justifica o restabelecimento da competência do foro de origem (´´reaforamento´´), se permanecem as razões que ditaram o desaforamento. ´´H.C.´´ conhecido, em parte, e nessa parte, indeferido" [13]. (sublinhado acrescentado)
Do mesmo modo que o desaforamento previsto no art. 424 do CPP não caracteriza tribunal de exceção, não há que se dizer que o deslocamento de competência o caracteriza, pois o Tribunal do Júri continuará sendo o juiz natural se o crime for de sua competência, como no caso da missionária Dorothy Stang. A mudança da Justiça Estadual para a Federal em nada comprometerá a imparcialidade do Tribunal do Júri, pois, independentemente da esfera em que este seja constituído, estará em conformidade com sua atribuição constitucional (art. 5º, XXXVIII).
O contrário também pode acontecer, com a transferência da competência federal para a estadual no julgamento de causas previdenciárias nas localidades onde não houver Vara Federal (art. 109, §3º, CF), e tampouco pode se falar em inconstitucionalidade por violação ao juiz natural.
A Conamp (Associação Nacional dos Membros do Ministério Público), na sua moção de apoio à eficiente atuação do Ministério Público do Pará, sustentou que a federalização dos crimes violaria a ampla defesa, pois a mídia poderia provocar o pré-julgamento do caso, o que demonstraria um aparente tribunal de exceção, com um juiz natural comprometido.
Tal alegação não tem fundamento, os juízes tem suas garantias constitucionais justamente para manter a imparcialidade.
É claro que todos têm suas próprias ideologias e sofrem influência de seu meio, mas o juiz tem que sempre procurar ser o mais imparcial possível, até porque tem o acusado presunção de inocência. Além disso, a Justiça Federal, assim como a Polícia Federal e o Ministério Público Federal, certamente serão menos influenciados por questões políticas e econômicas locais do que as autoridades estaduais, inspirando em muitos um condução mais justa.
Para Eugênio Pacelli de Oliveira:
“... não se pode excluir a competência da Justiça Estadual da abrangência do juiz natural, porque, embora seja residual a sua competência por ser definida pela regra da exclusão, trata-se de competência absoluta, isto é, cujo afastamento somente poderá ocorrer por força da aplicação de normas ou princípios constitucionais, quando firmada em razão da matéria (crimes estaduais)...”
Vale ressaltar que, este princípio do juiz natural, não tem caráter absoluto, temos um exemplo disso, o caso de desaforamento no procedimento do Júri. No Brasil vige o princípio da subsidiariedade, no qual o Brasil responde perante os Tribunais Internacionais no caso da não repressão das graves violações, e como acontece em menor esfera quando o Estado Membro passa a competência para União.
Portanto, mais uma vez, confirma-se que a federalização das violações dos direitos humanos não viola o princípio do juiz natural, e não cria tribunal de exceção. Porém, só será possível a federalização das graves violações contra crimes cometidos a partir da Emenda Constitucional nº45, pois ela que criou o juízo potencial.
Não há que se falar em recriação do instituto da avocatória, pois o deslocamento de competência se dá para a Justiça Federal, não existindo um órgão que irá avocar e julgar o processo, a competência continuará a ser exercida pela instância inferior, apenas deslocando o feito para a Justiça Federal.
Também não condiz com o outro argumento de que violaria o pacto federativo, por que essa “invasão” já está prevista na Constituição, através da intervenção, o dispositivo em realidade, busca uma forma de manter o federalismo diante de graves ameaças.
Violação ao pacto federativo está presente quando se tem a inércia, a negligência da justiça local, diante de uma grave violação aos direitos humanos. A federalização dos crimes contra os direitos humanos, não pode ser vista como afronta ao pacto federativo essa priorização do interesse nacional e internacional sob o local. A principal razão da competência subsidiária é ter cumprido as obrigações assumidas em Tratados Internacionais, devendo, portanto, ser associada à condição de norma constitucional a que foram elevados os Tratados e Convenções, prevalecer sobre a atribuição primária da Justiça Estadual, embora outra corrente doutrinária diga que há uma colisão com este princípio, a qual não é nada razoável diante dos argumentos aqui expostos.
Por fim, a federalização dos crimes contra os direitos humanos é medida imperativa diante da crescente internacionalização dos direitos humanos, que, por conseqüência, aumenta extraordinariamente a responsabilidade da União nesta matéria. Se qualquer Estado Democrático pressupõe o respeito dos direitos humanos e requer a eficiente resposta estatal quando de sua violação, a proposta de federalização reflete sobretudo a esperança de que a justiça seja feita e os direitos humanos respeitados.
CONCLUSÃO
Indiscutivelmente a possibilidade do Incidente de Deslocamento de Competência para a Justiça Federa, trará imensuráveis avanços para a defesa dos direitos humanos.
Com isso, esta medida melhorará a atuação das Justiças Estaduais e das polícias na repressão às graves violações aos direitos humanos. Nenhum dos poderes envolvidos, seja Pode Executivo, Poder Judiciário ou Ministério Público, não terá prazer em ver algum procedimento federalizado e não medirá esforços em realizar tudo que estiver ao seu alcance para que não se descumpra nenhum tratado internacional. O Poder executivo aprimorará sem dúvida, os instrumentos para a apuração destas violações, como também investirá em recurso para a modernização de todas suas instituições.
Em se tratando das policias Militar e Civil, Ministério Público e Justiças Estaduais, estes, mostrarão empenho em julgar de forma célere tais violações. E se por ventura isso não ocorra, temos respaldado pela nossa Constituição a possibilidade do IDC para a Justiça Federal, não compactuando para a prevalência da impunidade. Concluímos também que, não se pode falar em violação ao princípio do juiz natural pela sua própria concepção constitucional, que busca a vedação à criação de tribunais de exceção e a obrigatoriedade de ser julgado e processado pela autoridade constitucionalmente competente, através da divisão de competência da Constituição Finalizando, entendemos não ser inconstitucional o art. 109, § 5º da Constituição Federal, que, sempre buscando garantir maior efetividade da Justiça e proteção aos direitos da pessoa humana, não ferindo como vimos no presente trabalho o Princípio do Juiz Natural ou quaisquer dos outros pontos controversos. Esperamos que tal medida sirva de impulso para que as autoridades locais cumpram com eficiência seu dever legal de persecução penal, ponto um ponto final na impunidade. E sobretudo que o IDC apenas seja utilizado em casos extremamente excepcionais, como último recurso, confiando sempre na idoneidade e capacidade da Justiça Estadual.
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Advogado, formado pelo Centro Universitário de Patos de Minas/MG - UEMG, professor, ex- Procurador do Município de Araras-SP. Pós Graduado em Direito Tributário.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FERREIRA, Thiago Augusto Barbosa. A federalização das violações dos direitos humanos: à luz do princípio do juiz natural Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 03 ago 2016, 04:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/47179/a-federalizacao-das-violacoes-dos-direitos-humanos-a-luz-do-principio-do-juiz-natural. Acesso em: 23 dez 2024.
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