Resumo: O objeto do presente trabalho é discorrer acerca da incumbência do Ministério Público na tutela das áreas de preservação permanente como garantidor do direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.
Palavras-chave: área de preservação permanente; Ministério Público; meio ambiente.
A Constituição da República Federativa do Brasil dedicou especial atenção à temática da proteção do meio ambiente, reservando-lhe um capítulo específico (Capítulo IV), repleto de normas que almejam um meio ambiente ecologicamente equilibrado e o uso sustentável dos recursos naturais.
O caput do primeiro dispositivo do Capítulo IV da Constituição Federal, vale dizer, do art. 225, dispõe que:
Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
Como é cediço, esse preceptivo constitucional estabelece duas faces de uma mesma moeda: de um lado, o direito de uma coletividade indeterminada ao meio ambiente ecologicamente equilibrado; de outro, a obrigação desta coletividade e do Poder Público de defender o meio ambiente ecologicamente equilibrado e de preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
Para o cumprimento desses deveres e a garantia desse direito, as formas são variadas e infinitas. No entanto, a Constituição, no mesmo dispositivo, § 1º, estabeleceu, exemplificativamente, medidas a serem tomadas pelo Poder Público para o cumprimento a contento de sua parcela de responsabilidade:
I - preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas;
II - preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético;
III - definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção;
IV - exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade;
V - controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente;
VI - promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente;
VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade. (grifos nossos)
Neste passo, a Lei nº 12.651/2012 estabeleceu normas gerais sobre a proteção da vegetação, áreas de Preservação Permanente e as áreas de Reserva Legal; a exploração florestal, o suprimento de matéria-prima florestal, o controle da origem dos produtos florestais e o controle e prevenção dos incêndios florestais, e prevê instrumentos econômicos e financeiros para o alcance de seus objetivos (art. 1º, caput).
Neste trabalho, trataremos especificamente das áreas de preservação permanente (APP), definidas na aludida lei como:
área protegida, coberta ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica e a biodiversidade, facilitar o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas (art. 3º, III).
Esse espaço territorial especialmente protegido deve ser mantido pelo proprietário da área, possuidor ou ocupante qualquer título, pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, nos termos do art. 7º, caput, da Lei nº 12.651/2012. Colaciono interessante constatação de Oliveira:
Nota-se que a incidência de Áreas de Preservação Permanente em propriedades públicas ou privadas, assim como a obrigação de manter a vegetação, são tanto do proprietário como do possuidor ou mesmo do ocupante a qualquer título (2014, p. 258).
Assim, à luz dos princípios do poluidor-pagador e do usuário-pagador, em caso de supressão da vegetação situada na área de preservação permanente é obrigado a promover a recomposição da vegetação o proprietário, o possuidor ou o ocupante a qualquer título correspondente. Ainda segundo Oliveira, essa obrigação possui natureza real, sendo transmitida, portanto, ao sucessor no caso de transferência de domínio ou posse do imóvel rural, nos termos do art. 7º, §§ 1º e 2º, do Código Florestal.
Nos termos da referida legislação, as áreas de preservação permanente são aquelas expressamente estabelecidas no seu art. 4º, denominadas APP por força de lei, e aqueloutras decorrentes de declaração de interesse social pelo Chefe do Poder Executivo, também conhecida como administrativa, previstas no art. 6º da Lei nº 12.651/2012. A APP por força de lei é definida por sua simples localização, isto é, é APP aquela área que estiver nos espaços mencionados no art. 4º. Por outro lado, a APP administrativa depende de declaração de interesse social por ato do Chefe do Poder Executivo.
Com efeito, a instituição da áreas de proteção permanente visa a concretizar o comando constitucional de definição de espaços territoriais e seus respectivos componentes especialmente protegidos (art. 225, § 1º, III), bem como estabelecer as condições necessárias para preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas.
Assim, tendo em vista o regramento jurídico desse tipo de espaço territorial, a inserir-se no conceito de bem ambiental, incumbe ao Ministério Público zelar para que órgãos competentes realizem a fiscalização que lhes incumbe, bem como impedir qualquer ato, seja do particular ou do Poder Público, tendente a suprimir ou degradá-lo.
As áreas de preservação permanente constituem-se bens de uso comum do povo, imprescindíveis à manutenção e à promoção do meio ambiente ecologicamente equilibrado, pois destinam-se a garantir aspectos ambientais sem os quais a vida se tornaria impossível, tais como a proteção das matas ciliares, da vegetação no entorno de nascentes de olhos d’água, etc.
Nessa senda, considerando que o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado constitui-se direito fundamental difuso, pois sem ele não há que se falar em existência digna, na perspectiva do princípio da dignidade da pessoa humana, a exigir um conjunto mínimo de direitos indispensáveis à existência humana com dignidade, o Ministério Público, como guardião dos direitos constitucionais, difusos, coletivos e individuais homogêneos caracterizados por relevância social, é legitimado para atuar na tutela das áreas de preservação permanente.
O art. 129, III, da Constituição Federal prevê expressamente o dever do Ministério Público de promover o inquérito civil e a ação civil pública para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos.
Assim, o membro do Ministério Público que se deparar com uma degradação, supressão ou destruição de área de preservação permanente pode instaurar inquérito civil, para a colheita dos elementos imprescindíveis à propositura da ação civil pública, bem como, quando colhidos elementos suficientes, ajuizar essa ação na busca pela recomposição da área degradada e, não sendo possível, por sua compensação e indenização.
Com efeito, uma das finalidades expressas da ação civil pública é a defesa do meio ambiente, conforme se verifica do art. 1º, I, da Lei nº 7.347/85 (Lei da Ação Civil Pública – LACP).
No seu âmbito de atuação, o Ministério Público poderá valer-se, ainda, da utilização de meios resolutivos extrajudiciais como a recomendação aos infratores (art. 27, IV, da Lei nº 8.625/93 e art. 6º, XX, da Lei Complementar nº 75/93), para que recomponham a área de preservação permanente degradada ou suprimida ou adotem outras medidas cabíveis, e a formalização de termo de ajustamento de conduta (art. 5º, VI, da LACP), onde o infrator se submeterá à recuperação do meio ambiente ou à adoção das medidas para minorar ou compensar o dando ambiental provocado.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Constituição, 1988. Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em: 11 jul. 2015.
BRASIL. Lei nº 12.651, de 25 de maio de 2012. Dispõe sobre a proteção da vegetação nativa; altera as Leis nos 6.938, de 31 de agosto de 1981, 9.393, de 19 de dezembro de 1996, e 11.428, de 22 de dezembro de 2006; revoga as Leis nos 4.771, de 15 de setembro de 1965, e 7.754, de 14 de abril de 1989, e a Medida Provisória no 2.166-67, de 24 de agosto de 2001; e dá outras providências. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/l12651.htm>. Acesso em: 11 jul. 2015.
BRASIL. Lei nº 8.625, de 12 de fevereiro de 1993. Institui a Lei Orgânica Nacional do Ministério Público, dispõe sobre normas gerais para a organização do Ministério Público dos Estados e dá outras providências. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8625.htm>. Acesso em: 11 jul. 2015.
BRASIL. Lei Complementar nº 75, de 20 de maio de 1993.
Dispõe sobre a organização, as atribuições e o estatuto do Ministério Público da União. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/LCP/Lcp75.htm>. Acesso em: 11 jul. 2015.
OLIVEIRA, Fabiano Melo Gonçalves de. Manual de Direito Ambiental. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2014.
Técnico do Ministério Público da União, Bacharel em Direito pela Faculdade Católica do Tocantins.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: NETO, Erotides Martins Reis. O Ministério Público na tutela das APP'S Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 03 ago 2016, 04:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/47180/o-ministerio-publico-na-tutela-das-app-s. Acesso em: 23 dez 2024.
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