RESUMO: A Constituição Federal prevê, em seus artigos 182 e 183 a Política Urbana, estabelecendo, nesse último, a Usucapião Urbana. Para regulamentar tais artigos, foi editada a Lei nº 10.257/2001, denominada Estatuto da Cidade. Dentro das normas estabelecidas por esta lei, se encontra a Usucapião Especial Coletiva Urbana, que possui como finalidade a regulamentação fundiária dos assentamentos irregularmente construídos em razão do fenômeno, relativamente recente, da urbanização. Nesse sentido, caminhando ao lado da função social da propriedade, essa forma de Usucapião prevê elementos diferentes das demais formas de prescrição aquisitiva, regulados tanto pela Constituição quanto pelo Código Civil. Com este artigo, busca-se fazer uma breve análise sobre o tema.
PALAVRAS-CHAVE: Usucapião Especial Coletiva Urbana, função social, Estatuto da Cidade, propriedade.
1. INTRODUÇÃO
Desde os primórdios das manifestações de inteligência humana, a ideia do “meu” e do “seu” estiveram presentes, levando-se a afirmar ser inerente à natureza do homem a tendência de ter, de adonar-se, de conquistar e de adquirir. Por isso, pode-se dizer que a propriedade sempre esteve presente no curso da história humana, mesmo que em um primeiro momento como ideal de propriedade coletiva, passando a ser entendida como direito individual a partir da dissipação dos grupos e divisão de seus membros.
Foi principalmente após a Revolução Francesa que o direito à propriedade passou a categoria de direito fundamental e absoluto. Arnaldo Rizzardo (2006, p. 173) afirma com categoria que “(...) culminando com a declaração, na Revolução Francesa, dos direitos do homem, dentre os quais despontava o princípio que estabeleceu a propriedade como sagrada e inviolável, o que, não muito tempo depois, ficou incorporado no Código de Napoleão.”. Nesse momento histórico, a propriedade se estabeleceu como um dos principais direitos conquistados pelos homens, porém com um caráter de cunho extremamente privado.
No século passado, o conceito de propriedade sofreu profunda alteração, se desvinculando do conteúdo eminentemente privado e civilístico de que era dotado. Leciona José Afonso da Silva (2010, p. 272):
Demais, o caráter absoluto do direito de propriedade, na concepção da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789 (segundo a qual seu exercício não estaria limitado senão na medida em que ficasse assegurado aos demais indivíduos o exercício de seus direitos), foi sendo superado pela evolução, desde a aplicação da teoria do abuso do direito, do sistema de limitações negativas e depois também de imposições positivas, deveres e ônus, até chegar-se à concepção da propriedade como função social, e ainda à concepção da propriedade socialista, hoje em crise.
De fato, conforme afirma André Osorio Godinho, o uso da propriedade para fins meramente especulativos gera um quadro de instabilidade social, violência, criminalidade e poluição, além de contribuir para a concentração de riquezas e distribuição da miséria. E foi isso que se visualizou depois de superada a euforia da Revolução Francesa: a propriedade concentrada nas mãos de poucos, sendo que muitos ficaram à margem da sociedade, dependendo de auxílio do Estado para sobreviver.
Nesse diapasão, o direito a propriedade passa a ser relativizado em diversos aspectos, apontando-se como principal mudança a necessidade de atender-se a sua função social. Rizzardo (p. 178/179) defende que “a propriedade perde o caráter egoístico originário. (...) é possível concluir, com Aroldo Moreira: ‘Assim, os direitos sociais (...) entreabrem novo horizonte na universidade de conceitos (...) tendo em vista o bem comum, através do equilíbrio de ambos os elementos: o individual e o social, enquanto aquele não contraria este’.”.
Dessa forma, nossa Constituição Federal de 1988 estabelece como direito fundamental não só o direito à propriedade, mas também o atendimento da sua função social, conforme se verifica no art. 5º, incisos XXII e XXIII, bem como no art. 170, incisos II e III.
Surgem com isso novas concepções no direito de propriedade, que cede diante de outros direitos mais preponderantes e vitais. A própria Constituição Federal, regulamentando a Política Urbana, nos artigos 182 e 183, prevê, neste último, o instituto da Usucapião, que é uma forma de aquisição do domínio pela posse prolongada e de boa fé. Estabelecendo as diretrizes gerais da política urbana, foi editada em 10 de julho de 2001 a lei federal nº 10.257, denominada Estatuto da Cidade.
Segundo afirma Anderson Ricardo Fernandes Freire, o Estatuto da Cidade criou vários instrumentos jurídicos com a finalidade de propiciar às cidades um crescimento organizado e com respeito à função social da propriedade, fixando diretrizes gerais que colocam a gestão democrática, a sustentabilidade urbano-ambiental, a cooperação entre os vários setores sociais e a adequada distribuição dos benefícios e ônus decorrentes do processo de urbanização dentre os objetivos do pleno desenvolvimento da cidade. Dentre esses instrumentos destaca-se a usucapião coletiva, que tem o escopo de conferir uma proteção aos ocupantes de certas áreas urbanas coletivamente considerados.
Nesse sentido, visa o presente trabalho efetuar uma análise sobre a Usucapião Especial Coletiva do Estatuto da Cidade, que tem como principal escopo a regularização fundiária dos assentamentos informais.
2. O PROBLEMA DA ILEGALIDADE URBANA
Fábio Konder Comparato (1998) leciona que há um paradoxo histórico com o direito da propriedade privada:
Embora apresentada, quando da criação do Estado Constitucional Moderno, como uma garantia ‘inviolável e sagrada’ da liberdade individual, sem a qual ‘não há constituição’, como proclamou a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão em 1789, a propriedade passou a ser tratada, a partir do Século XIX, exclusivamente como instituto do direito privado, estranho, portanto, à organização política do Estado.
Diante disso, em havendo uma grande parte da população sem condições de estabelecer-se regularmente dentro das cidades, formou-se uma denominada cidade informal. José Afonso da Silva (2010, p. 26/27) ensina que a urbanização da humanidade é um fenômeno moderno, oriundo da sociedade industrializada. A Revolução Industrial gerou a urbanização, transformando centros urbanos em grandes aglomerados de fábricas e escritórios, permeados de habitações espremidas e precárias. O mesmo autor expõe que as estatísticas informam que a população urbana no Brasil era de cerca de 32% em 1940, 45% em 1960, mais de 50% em 1970, atingindo 70% na década de 80 do século passado, revelando urbanização recente, mas urbanização prematura, que decorreu de fatores nem sempre desenvolvimentistas, como êxodo rural, por causa da má condição de vida no campo e da liberação de mão de obra em razão da mecanização da lavoura ou da transformação de plantações em campos de criação de gado. Conclui afirmando que “a solução desses problemas obtêm-se pela intervenção do Poder Público, que procura transformar o meio urbano e criar novas formas urbanas”.
As formas de ilegalidade urbana relacionam-se com a falta de políticas habitacionais adequadas e ausência de opções suficientes e acessíveis oferecidas pelo mercado imobiliário, constituindo a maior consequência do processo de exclusão social e segregação. Assim, os indivíduos excluídos da cidade legal, mas que nela trabalham, seja informalmente ou em empregos cujos salários não lhes proporcionam a inserção social plena, aglomeram-se em habitações geminadas, construídas sem o devido planejamento urbanístico, sendo impossível identificar quem é o possuidor deste ou daquele terreno particular há anos ocupado sem qualquer resistência.
Como uma alternativa a esta realidade, o Estatuto da Cidade criou um instituto jurídico, previsto em seu art. 10, denominado de Usucapião Especial Coletiva. Ela difere das demais formas de Usucapião previstas no ordenamento por trazer algumas peculiaridades específicas dessa situação, como por exemplo, a área usucapienda como superior à 250m². Passa-se à análise.
3. A USUCAPIÃO
Também chamado como prescrição aquisitiva, a Usucapião, segundo Carlos Roberto Gonçalves (2011), consiste em um modo originário de aquisição da propriedade e de outros direitos reais suscetíveis de exercício continuado pela posse prolongada no tempo, acompanhada de certos requisitos exigidos pela lei.
Como pressupostos para a aquisição por meio da Usucapião, estão os seguintes elementos:
a) Coisa hábil (res habilis): nem todos os bens se sujeitam à prescrição aquisitiva. Arnaldo Rizzardo (p. 249) afirma que quaisquer bens imóveis podem ser objetos da usucapião, desde que não sejam públicos e se encontrem no comércio, bem como os bens móveis em geral. Dessa forma, apenas os bens privados podem ser usucapidos.
b) Posse (possessio): a posse é um elemento essencial à Usucapião. Em regra, é necessário que ela seja justa, ou seja, não começasse por violência, clandestinidade ou a título precário; e de boa-fé. Todavia, há espécies de usucapião que não exigem esses requisitos. De toda forma, é necessário o animus domini, que significa que o possuidor deve ter uma atitude ativa, exercendo os poderes inerentes à propriedade (usar, gozar, dispor e reaver de quem a tem injustamente, nos termos do art. 1228 do CC). Além dessa atitude ativa, deve haver a atitude passiva do proprietário, que com sua omissão colabora para que determinada situação de fato se alongue no tempo. Ou seja, a posse deve ser mansa, pacífica e sem oposição.
c) Tempo (tempus): o tempo é divergente nas diferentes espécies de Usucapião. Para que a posse se transforme em propriedade, é necessário que o lapso temporal fixado na legislação deve ser contínuo, não interrompido e sem impugnação.
d) Justo título (justa causa possessionis): é todo o ato formalmente adequado a transferir o domínio ou direito real de que trata, mas que possui algum defeito de validade, não constituindo, por si só, o direito à propriedade. Ele não exigido na Usucapião Extraordinária e nem na Usucapião Especial.
e) Boa-fé (fides): existe quando o possuidor ignora o vício ou o obstáculo que lhe impede a aquisição da coisa.
Presentes os citados elementos, será viável a declaração judicial do direito à propriedade, que servirá de título para registro em cartório. Cabe ressaltar que o direito já existirá no momento em que os requisitos forem vislumbrados, restando ao Judiciário apenas a declaração e formalização da propriedade já adquirida.
4. A USUCAPIÃO ESPECIAL COLETIVA DO ESTATUTO DA CIDADE
A Usucapião Especial Coletiva não tem as mesmas características das demais formas de prescrição aquisitiva, previstas para casos individuais. Esse instrumento é de grande importância para a regularização fundiária das favelas, loteamentos clandestinos e cortiços, estando voltado para a promoção da justiça e para a redução das desigualdades sociais. Ela possui peculiaridades tanto nos requisitos quanto na parte processual, as quais serão ora expostas.
4.1 Elementos constituintes
Os requisitos visualizados no art. 10, que diferem das demais formas de Usucapião, são a área urbana com metragem superior à 250m²; a ocupação por população de baixa renda; destinação à moradia; posse quinquenária, ininterrupta e sem oposição; impossibilidade de identificação dos terrenos ocupados por cada possuidor; e a não propriedade de outros imóveis, urbanos ou rurais, pelos possuidores.
4.1.1 Área usucapienda
A área a ser usucapida deve encontrar-se no perímetro urbano, em oposição à área rural. Isto porque na Usucapião Especial Urbano, a destinação da propriedade é residencial, enquanto o Estatuto da Cidade prevê que as áreas rurais, na Usucapião, devem ser destinadas unicamente à culturas agrícolas ou criação de animais.
Ademais, o terreno deve ter metragem superior à 250 m², tendo em vista que a finalidade é a regularização de grandes aglomerados urbanos formados irregularmente na cidade. Não há um limite legal, todavia, conforme disciplina Gonçalves (p. 270),
Tendo em vista os parâmetros constitucionais, não se admite que cada um dos ocupantes receba parte ideal, conquanto possa ser diferenciada (Estatuto da Cidade, art. 10, §3º), superior a duzentos e cinquenta metros quadrados, extensão estipulada para moradia urbana, consoante se infere do preceito contido no caput do mencionado art. 183 da Constituição Federal.
Cabe referir que há discussão doutrinária acerca da constitucionalidade desse artigo em razão da Constituição Federal trazer um limite à Usucapião, qual seja, justamente os 250m². Todavia, a jurisprudência tem se utilizado dessa previsão, presumindo-se a constitucionalidade do instituto.
4.1.2 População de baixa renda
O instituto da Usucapião Coletiva foi elaborado para pessoas carentes, ou seja, de baixo poder aquisitivo, que não conseguiria efetivar seu direito de propriedade de outra maneira. A Usucapião é uma forma de pessoas que não possuem condições de comprar um imóvel na “cidade legal” regularizem o seu direito. Todavia, o conceito de baixa renda não é determinado em lei, ficando a cargo do Juiz a sua definição segundo o caso concreto, comparando com a renda das demais pessoas que vivem naquele local. Anderson Ricardo Fernandes Freire destaca com propriedade que:
Cumpre lembrar que o Estatuto da Cidade estabelece que a usucapião coletiva é destinada à população de baixa renda, mas não define o que deve ser considerado como tal. Destarte, a lei atribui ao juiz a tarefa de determinar, no caso concreto, se os possuidores podem ou não ser considerados de baixa renda. Se por um lado, a utilização pelo legislador de um conceito indeterminado pode gerar insegurança jurídica, por outro, confere ao juiz uma liberdade maior para definir se os possuidores são ou não de baixa renda, de acordo com a realidade econômica e social do lugar onde ocorre o conflito, o que tem grande importância num país de enormes desigualdades regionais como o Brasil.
Cabe ressaltar, como lembra Gonçalves (p. 270, 2011), que o conceito de baixa renda é distinto daquele adotado pela Lei de Assistência Judiciária Gratuita, não devendo ser confundido com a definição de população de renda ínfima ou com o conceito jurídico de pobre.
4.1.3 Destinação à moradia
O objetivo dessa Usucapião é propiciar residência com fins de moradia aos usucapiendos, por isso a lei exige como requisito essa finalidade. No entanto, pequenos comércios efetuados pela própria família, muitas vezes oferecido em uma peça da própria residência, como, por exemplo, serviços de manicure ou pequenos bares, não afastam a viabilidade da concessão desse instituto.
Isabela Aguilar Martini Rio preleciona que “convém entretanto evidenciar, que o fato de algum ou alguns dos usucapientes, exercerem módica atividade comercial em suas moradias, com pequenos pontos de comércio conhecidos como “barracas” ou “tendinhas”, para venda de mercadorias populares diversas, não desfigura a natureza do usucapião coletivo urbano, nem desatende o requisito de ocupação para fins de “moradia”.”
4.1.4 Posse quinquenária, ininterrupta e sem oposição
A posse deve atender o prazo mínimo de 05 (cinco) anos, ininterruptos e sem oposição do proprietário da área a ser usucapida. Isso significa que não pode ocorrer nenhuma das causas de interrupção ou de suspensão previstos na legislação civil.
Ademais, cabe salientar que esse prazo deve ser considerado coletivamente, ou seja, não se analisará a situação de cada postulante, mas o tempo que aquele grupo está ocupando a área. Isto porque a propriedade a ser reconhecida é o condomínio, e não os territórios particulares, pois nesse último caso estar-se-ia falando de usucapião especial individual. Ainda, o período que os antecessores ficaram no local será contabilizado no total a ser atingido (art. 10, §1º, da Lei 10.257/2011).
4.1.5 Impossibilidade de identificação dos terrenos ocupados por cada possuidor
Considerando que o instituto da Usucapião Coletiva foi criado para regularização de áreas de favelas ou de aglomerados residenciais sem condições de legalização ou domínio, a lei estabeleceu que na área não haverá possibilidade de destacar as parcelas individuais.
Convém ressaltar que se houver terrenos identificáveis, os espaços devem ser regularizados pela via da usucapião individual com outros prazos e com limite de área.
4.1.6 Não possuir propriedade de outros imóveis, urbanos ou rurais, pelos possuidores
Conforme já explanado acima, a Usucapião social coletiva é uma saída para quem não tem possibilidade de adquirir outra propriedade, principalmente, por serem pessoas que baixa renda. De tal forma, seria ilógico que tais pessoas pudessem ter outros imóveis, não necessitando viver na “cidade ilegal”.
Pensando nisso, a lei estabeleceu como um dos requisitos indispensáveis a não propriedade de outros imóveis, urbanos ou rurais, pelos usucapiendos. Destaca Isabela Aguilar Martini Rio:
Soma-se aos requisitos anteriores, o que veda que possam pleitear o usucapião especial coletivo urbano, aqueles compossuidores, pessoas físicas, que já sejam titulares de domínio de outro imóvel urbano ou rural.
Celso Augusto Coccaro Filho assevera que: “o caráter social é patente, ao exigir que o prescribente não seja proprietário de outro imóvel (durante o prazo da prescrição aquisitiva). Diante dos escopos da lei, a limitação deve ser entendida de forma ampla, abarcando o promissário comprador, nos compromissos irretratáveis e não resolvidos pelo inadimplemento. Sob tal ótica, também é óbice a pendência de ação de usucapião de imóvel diverso, mesmo que sobre outro fundamento.” (op. cit., p. 5).
4.2 Elementos processuais
O Estatuto da Cidade estabeleceu algumas especificidades para esse tipo de Usucapião. A primeira é a legitimidade ativa, que deverá ser, nos termos do artigo 12, possuidor isoladamente ou em litisconsórcio; os possuidores, em estado de composse; e a associação de moradores da comunidade regularmente constituída com personalidade jurídica como substituto processual. Não é pacífico o entendimento de que pode o possuidor individualmente postular pela Usucapião, tendo em vista o interesse coletivo do grupo. Dessa forma, prevalece o entendimento pela necessidade de litisconsórcio.
Para quem possuí este último posicionamento, se alguns poucos moradores, cujas posses estejam no interior da gleba, recusarem-se a litigar no pólo ativo, eles devem ser citados para integrarem a lide. Se comparecerem e o Juiz verificar que a recusa é justificada, o processo será extinto. Caso entenda injustificada, prosseguirá o feito, em situação semelhante à de suprimento de outorga de cônjuge.
Quando o pólo ativo for composto pela associação de moradores da comunidade, deverá ser explicitamente autorizada pelos representados o ingresso de Ação de Usucapião.
No mesmo artigo, ainda está prevista a obrigatoriedade da intervenção do Ministério Público, e que o autor terá os benefícios da justiça e da assistência judiciária gratuita, inclusive perante o Cartório de Registro de Imóveis.
O Juízo e foro competentes serão, em regra, na Justiça Estadual, devendo a ação ser proposta no local da situação do imóvel. Entretanto, caso haja interesse da União, entidade autárquica ou empresa pública federal, na qualidade de rés, assistentes ou opoentes, a competência da Justiça Federal (artigo 109, inciso I). Além disso, foi editada pelo Superior Tribunal de Justiça uma súmula que dispõe sobre o assunto: “Súmula 11 – A presença da União ou de qualquer de seus entes, na ação de usucapião especial, não afasta a competência do foro da situação do imóvel”.
Em sede de contestação, a Usucapião pode ser arguida em matéria de defesa (Súmula 237 do Supremo Tribunal Federal). Ademais, o artigo 11 do Estatuto da Cidade dispõe que na pendência da Ação de Usucapião Especial Urbano, ficarão sobrestadas quaisquer outras ações, petitórias ou possessórias, que venham a ser proposta, posteriormente, relativo ao imóvel usucapiendo.
A sentença declarará a Usucapião Especial Coletivo de imóvel urbano, a qual servirá de título para registro no Cartório de Registro de Imóveis. Tal sentença terá arbitrada pelo Juiz fração ideal de terreno igual a cada possuidor, independentemente da dimensão de terreno que cada um ocupe, salvo hipótese de acordo escrito entre os condôminos, estabelecendo frações ideais.
5. CONDOMÍNIO ESPECIAL
A sentença de Usucapião Especial Coletivo estabelecerá um condomínio especial obrigatório. Carlos Roberto Gonçalves (2011, p. 272) ensina que “o intento da legislação ao aprovar o Estatuto da Cidade foi o de reconhecer direito aos favelados ou grupos desprovidos de um teto para morarem, ou ainda moradores em habitações precárias, sem infraestrutura e sem condições viáveis. Assim, foi que institui o condomínio especial passível de extinção (...)”.
Esse condomínio possui como característica a possibilidade de extinção apenas com a aprovação de dois terços dos condôminos e seja feita a regularização necessária, tal como sucede nos loteamentos (abertura de ruas, implantação de infraestrutura, etc.), mesmo a unanimidade dos condôminos não consegue extinguir a comunhão se não for realizada a urbanização.
Verifica-se que não se trata do condomínio especial previsto na Lei n.º4.591/1964 (condomínio edilício), tampouco do condomínio comum previsto nos artigos 1314 a 1330 do Código Civil, uma vez que condomínio e edificações é divido em partes ideais e certas e com destaque das unidades autônomas. Além disso, o condomínio comum pode ser divido ou extinto a pedido de qualquer dos condôminos.
As deliberações relativas à administração do condomínio especial serão tomadas pela maioria de votos dos condôminos presentes, obrigando também os demais, discordantes ou ausentes.
O condomínio especial, inclusive, é um dos possíveis problemas ressaltados pela doutrina, visto que o estabelecimento de condomínio gera discussões entre os condôminos, especialmente se imposto obrigatoriamente. Ademais, em se tratando de uma favela esse problema pode ser agravado, gerando conflitos, muitas vezes, desnecessários.
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O direito da pós-modernidade relativizou o conceito de propriedade, vinculando a ele a necessidade do atendimento às funções sociais, sobrepondo o interesse coletivo ao meramente individual. Dessa forma, nossa Constituição Federal de 1988 estabelece como direito fundamental tanto o direito à propriedade, quanto o atendimento da sua função social, conforme se verifica no art. 5º, incisos XXII e XXIII, bem como no art. 170, incisos II e III.
Ao mesmo tempo, logo após o fenômeno da urbanização, grande parte das pessoas não conseguiu se estabelecer regularmente nas cidades, formando a cidade informal. Assim, surgiram conglomerados urbanos, como favelas, construídas sem o devido planejamento urbanístico, sendo impossível identificar quem é o possuidor deste ou daquele terreno particular há anos ocupado sem qualquer resistência.
Dessa forma, entra em vigor, no ano de 2001, a lei do Estatuto da Cidade, que visa estabelecer diretrizes gerais da Política Urbana, regulamentando as previsões dos artigos 182 e 183 da Constituição Federal. Tal lei inova o ordenamento jurídico, criando uma nova forma de aquisição da propriedade, denominada Usucapião Especial Coletiva Urbana.
Essa modalidade de Usucapião tem por finalidade regularizar os supracitados aglomerados urbanos surgidos nas cidades, e para tanto, possui requisitos específicos, como área mínima, população de baixa renda e impossibilidade de determinação das áreas individuais. Tudo isso para atender a função social prevista na nossa atual Constituição.
Todavia, subsiste uma questão controversa na lei, que é a obrigatoriedade de estabelecimento de condomínio após o deferimento da Usucapião. Isto porque, os condomínios hoje são grandes fontes de discussões, pois estabelecem uma convivência obrigatória entre pessoas que muitas vezes, não são próximas. E ainda, por tratar-se de uma favela, pessoas diferentes serão obrigadas a ter a propriedade conjunta da área usucapida.
De qualquer forma, a Usucapião Especial Coletiva é um instituto que está plenamente de acordo com os princípios fundamentais do Estado Democrático de Direito Brasileiro, que pode ser melhor explorada em benefício da coletividade.
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Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: PSZEBISZESKI, Rafaela Fernanda Fontoura. A Função social da propriedade e a regularização das cidades informais pela usucapião especial coletiva urbana do estatuto da cidade Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 03 ago 2016, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/47187/a-funcao-social-da-propriedade-e-a-regularizacao-das-cidades-informais-pela-usucapiao-especial-coletiva-urbana-do-estatuto-da-cidade. Acesso em: 23 dez 2024.
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