RESUMO: O presente trabalho tem como objetivo a analise acerca da possibilidade de configuração da multiparentalidade quando da coexistência de múltiplos vínculos de filiação, abordando seus reflexos jurídicos no atual ordenamento brasileiro. Neste passo, buscou-se apresentar as novas interpretações do direito de família com um viés eminentemente constitucional, pautado, sobretudo, nos princípios da dignidade da pessoa humana e da afetividade. Tratou-se da evolução estrutural do conceito de família, o que também refletiu nas relações de filiação, surgindo diversos conflitos, principalmente no que concerne aos seus diferentes critérios de fixação (biológico, registral e socioafetivo). Diante desses impasses, trouxe à baila os elementos específicos de caracterização da multiparentalidade e seus relevantes efeitos. Para tanto, utilizou-se o método dedutivo, aliado a pesquisa bibliográfica e jurisprudencial, analisando, ainda, casos concretos em que houve a utilização do famigerado instituto.
PALAVRAS-CHAVE: Parentalidade Socioafetiva. Multiparentalidade. Direito de Família. Filiação.
SUMÁRIO: 1 Considerações Iniciais; 2 Definição de Família: Aspecto Clássico e Contemporâneo; 3 Princípios do Direito de Família; 3.1 Princípio da Dignidade da Pessoa Humana; 3.2 Princípio da Solidariedade Familiar; 4 Afetividade; 5 Filiação; 5.1 Filiação Legal e Registral; 5.2 Filiação Biológica; 5.3 Filiação Socioafetiva; 6 Multiparentalidade; 6.1 Caracterização; 6.2 Efeitos; 6.3 Decisões Recentes de Aplicação da Multiparentalidade; 7 Considerações Finais; Referências.
1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS
A Constituição Federal de 1988 estabelece em seu artigo 226 que “a família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado”. Neste ponto, o legislador constituinte positivou a proteção do instituto essencial para a evolução da sociedade.
Tem-se por família um grupo de pessoas formadas por um vínculo biológico/afetivo, em busca da realização plena e felicidade de seus componentes.
Contudo, a família, como estrutura social, sofreu diversas mudanças ao longo do tempo. Na Roma antiga, por exemplo, o conceito de família tinha um caráter econômico, abrangendo não só aqueles ligados por laços biológicos e civis, bem como os bens, escravos e produtos do pater (aquele que possuía o poder).
Modernamente, apesar do conceito de família no Brasil descender do direito romano, qual seja, o de família monogâmica, patriarcal, hierárquica, com fins reprodutivos e preocupação acerca da preservação patrimonial, com o advento do Estado Social, ao longo do século XX, houve o surgimento de novos valores, culminando na constitucionalização do Direito das Familias.
Neste cenário, observa-se que a Constituição Federal deu especial atenção à filiação, inclusive dando absoluta prioridade na proteção de seus direitos, evidenciando uma preocupação em garantir o pleno desenvolvimento físico, psíquico e moral de todos os filhos.
Partindo destas premissas, e tendo em vista as conceituações e direitos presentes na legislação infraconstitucional, especialmente no Código Civil de 2002, surgem novas demandas a serem dirimidas pelo judiciário, como é o caso da multiparentalidade.
O objetivo do presente artigo é analisar a possibilidade da configuração da multiparentalidade e seus reflexos jurídicos, tendo como base a posição doutrinária e jurisprudencial.
Trata-se de uma discussão nova no ordenamento jurídico, pois, até então, tinha-se que um critério de fixação de filiação excluiria o outro. Contudo, em determinadas situações, tem-se que poderá haver uma complementação de um critério pelo outro, proporcionando uma multiplicidade de parentalidades, ou seja, a multiparentalidade.
Para a elaboração do presente artigo, dividiu-se o estudo em três capítulos. No primeiro capítulo, buscou-se analisar os atuais contornos e princípios do Direito das Famílias, especialmente à luz da Constituição Federal. No segundo capítulo, identificou-se os critérios de fixação da filiação, abordando-se, em especial, o critério da parentalidade socioafetiva. E por fim, no terceiro capítulo, abordou-se a configuração da multiparentalidade, destacando seus requisitos, efeitos e características.
Para tanto, utilizou-se do método dedutivo, aliado a pesquisa bibliográfica, documental, doutrinária, analisando casos concretos em que houve a aplicação da multiparentalidade em decisões por diversos tribunais do território brasileiro.
2 DEFINIÇÃO DE FAMÍLIA: ASPECTO CLÁSSICO E CONTEMPORÂNEO
A família é alicerce fundamental da sociedade. Por ela, entende-se como relação jurídica/afetiva formada por indivíduos que se ligam por laços biológicos ou afetivos, visando a evolução de todos seus membros dentro de uma sociedade livre e igual.
Para Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald (2010, p. 02) família – estrutura básica social – é onde se inicia a moldagem da potencialidade do ser humano, com proposito da convivência em sociedade e da busca de sua realização social.
No entanto, para a melhor compreensão do instituto, faz-se necessário a abordagem de sua evolução histórica, abordando, principalmente, as conceituações do Código Civil de 1916 e as alterações realizadas com a promulgação da Constituição Federal de 1988 e, posteriormente, pelo Código Civil de 2002.
O CC/16 tinha uma visão extremamente tipificada do conceito de família. Por família entendia-se apenas aquela matrimonializada, ou seja, só se considerava família aquela advinda do casamento. Ainda, detinha-se da figura do homem o chefe da família, hierarquicamente superior a todos os outros indivíduos. Não se admitia por família qualquer outra espécie se não a heteroparental (aquela formada por pessoas de sexo diferentes). Ressalta-se, em relação à filiação, que a adoção não estabelecia vínculo definitivo de parentesco, aliás, a morte do adotante restabelecia o vínculo biológico. Por fim, a família era uma instituição indissolúvel, um fim em si mesmo.
Com o advento do Estado Social (pós-modernidade), acima de tudo, com a promulgação da CF/88, houve uma evolução conceitual no instituto familiar.
Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald (2010, p. 06) lecionam que a transição da família como unidade econômica para uma compreensão igualitária, tendente a promover o desenvolvimento da personalidade de seus membros, reafirma uma nova feição, agora fundada no afeto. Afirmam ainda, que a evolução conceitual permitiu entender família como uma organização subjetiva fundamental para a construção individual de felicidade.
Nesse passo, temos na CF/88 e no CC/02, com fundamento no afeto, que a família passou a ser uma instituição pluralizada, ou seja, deixa de existir um único meio de constituir a família. O casamento deixa de ser o único meio de constituir família (a exemplificar: possibilidade de configuração da família monoparental e união estável). Ainda, passa ser uma instituição democrática, onde o homem, mulher e os filhos passam a ser iguais perante a lei, inexistindo hierarquia familiar. Ressalta-se que esta igualdade é uma igualdade substancial, admitindo-se tratamento desigual onde houver desigualdade. A sua configuração deixa de ser necessariamente heteroparental, surgindo a possibilidade de famílias homoparentais ou monoparentais. Seus laços de constituição deixam de ser obrigatoriamente biológicos, admitindo-se constituição socioafetiva. Desta forma, o conceito familiar deixa de ser um fim em si mesmo, passando a ter um conceito gravitacional no mundo jurídico, onde a sua constituição visa proteger os seus integrantes.
Consagrando esse entendimento, Maria Berenice Dias (2011, p. 55) afirma que a busca da felicidade, a supremacia do amor, a vitória da solidariedade ensejam o reconhecimento do afeto como único modo eficaz de definição da família e de preservação da vida. Esse, dos novos vértices sociais, é o mais inovador.
3 pRINCÍPIOS DO DIREITO DE FAMÍLIA na constituição federal
Com o advento da Constituição Federal de 1988, houve a consagração de diversos princípios norteadores das interpretações jurídicas no Brasil. Trata-se de uma evolução conceitual, característica do Estado Social em que nos encontramos, onde o legislador busca intervir em setores da vida privada como forma de proteger o cidadão.
Conforme preleciona a doutrinadora Maria Berenice Dias (2011, p. 36-37), o direito civil, como não poderia deixar de ser, afastou-se da concepção individualista, tradicional e conservadora da época das codificações do século passado. Agora, qualquer norma jurídica de direito das famílias exige a presença do fundamento de validade constitucional.
Neste sentido, a CF/88 trouxe significativas mudanças ao Direito das Famílias, ao promover a igualdade plena entre os filhos havidos ou não da constância do casamento ou adoção (art. 227, §6º); ao estabelecer o planejamento familiar em observância ao princípio da dignidade da pessoa humana e paternidade responsável (art. 226, §5º); ao reconhecer a união estável e a família monoparental (art. 226, §§ 3º e 4º); e ao estabelecer o dever do estado, da sociedade e da família de garantir a criança e ao adolescente os direitos inerentes a sua personalidade (art. 227, §§ 1º a 5º e 7º).
Na CF/88 há uma enormidade de princípios implícitos e explícitos do Direito das Famílias. Na presente pesquisa serão abordados os que são importantes para a compreensão do tema em questão.
O Direito das Famílias atual rege-se, principalmente, pelos princípios do respeito à dignidade da pessoa humana, da solidariedade e da afetividade. A seguir será analisado cada um desses princípios.
3.1 PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA
Expressamente positivado pela CF/88, em seu artigo 1º, inciso III, o princípio da dignidade da pessoa humana é um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito.
Dada sua generalidade, a conceituação tende a ser a mais abrangente possível, pois trata-se de princípio nuclear da ordem constitucional.
Maria Berenice Dias (2011, p. 62) explica que o princípio da dignidade da pessoa humana é o mais universal de todos os princípios. É um macroprincípio do qual se irradiam todos os demais: liberdade, autonomia privada, cidadania, igualdade e solidariedade, uma coligação de princípios éticos.
Os doutrinadores Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald (2009, p. 124), ensinam que a dignidade da pessoa humana é um postulado fundamental da Constituição, por elevar o ser humano ao centro do sistema jurídico, reunindo todos os valores e direitos reconhecidos à pessoa, tanto à integridade física quanto a psíquica. Além disso, garante a autonomia e o livre desenvolvimento da personalidade da pessoa, sendo, portanto, o mais precioso valor da ordem jurídica.
Nesse mesmo sentido, Carlos Roberto Gonçalves (2009, p. 7) aduz que o princípio da dignidade forma a base da comunidade familiar, já que garante o pleno desenvolvimento de todos os seus membros, especificamente da criança e do adolescente.
Diante de tais explanações, observa-se houve que houve uma personificação dos institutos jurídicos, de modo que a pessoa humana é o centro da proteção do direito.
Assim, no tocante ao Direito das Famílias, a repercussão deste princípio se dá substancialmente na concepção de aceitação das mais variadas formas de família. Pontua com absoluta propriedade Maria Berenice Dias (2011, p. 63) ao afirmar que a dignidade da pessoa humana encontra na família o solo apropriado para florescer. A ordem constitucional dá-lhe especial proteção independentemente de sua origem. A multiplicação das entidades familiares preserva e desenvolve as qualidades mais relevantes entre os familiares – o afeto, a solidariedade, a união, o respeito, a confiança, o amor, o projeto de vida comum –, permitindo o pleno desenvolvimento pessoal e social de cada partícipe com base em ideais pluralistas, solidaristas, democráticos e humanistas.
Pelo exposto, observa-se que o princípio, ao abranger e proteger toda e qualquer tipo de entidade familiar, protegeu também os filhos, repudiando qualquer tipo de diferenciação entre eles, principalmente quando se tratar de suas origens.
3.2 PRINCÍPIO DA SOLIDARIEDADE FAMILIAR
O princípio da Solidariedade Familiar, previsto na CF/88 em seu artigo 3º, inciso I, é um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil.
Trata-se de princípio abalizadamente advindo dos vínculos afetivos entre os membros de uma entidade familiar. Por ele, membros de uma família devem prestar auxílio mútuo, convivendo em um meio de fraternidade e reciprocidade.
Conforme explica Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald (2010, p. 27), a solidariedade repercute nas relações familiares, já que é tendente a promover o desenvolvimento da personalidade de seus membros. O disposto no artigo 229 da CF prova tal afirmação, ao revelar o dever dos pais de dar assistência aos filhos e no dever da família, da sociedade e do Estado em dar proteção à criança e ao adolescente.
A título de exemplo, observa-se que a obrigação de alimentos decorre deste princípio, onde não só os ascendentes devem prestar assistência aos seus descentes, bem como o seu inverso. Deste caso, extrai-se o viés de reciprocidade da solidariedade.
Urge salientar que a solidariedade não é só patrimonial, é também afetiva e psicológica. Neste vértice, o princípio deve ser compreendido de uma maneira mais abrangente, abordando tanto o aspecto material, como é o caso dos alimentos, como também na acepção fraternal, viabilizando o pleno desenvolvimento dos membros de uma família, aliado ao conceito de aceitação das mais variadas formas de configuração de unidades familiares.
Neste ponto, o princípio da solidariedade familiar se faz imprescindível na aplicação ao instituto da multiparentalidade, objeto de estudo em capítulo posterior.
4 AFETIVIDADE
A CF/88, nossa Carta Política, trouxe diversos princípios, implícitos ou explícitos em seu texto. Dentre os princípios implícitos na norma constitucional, encontra-se o princípio da Afetividade, decorrente da interpretação sistêmica do ordenamento jurídico pátrio.
Trata-se de verdadeira divergência doutrinária. Da interpretação da obra de Canotilho, extrai-se que o princípio da afetividade, em verdade, não se trata de um princípio, pois princípios tem força normativa. Cuida-se de um valor jurídico, paradigmas referenciais, almejados pelo direito de família.
Contudo, Tartuce e Simão (2010, p. 47) afirmam que o afeto talvez seja apontado, atualmente, como o principal fundamento das relações familiares. Mesmo não constando a expressão afeto do texto maior como sendo um direito fundamental, pode-se afirmar que ele decorre da valorização constante da dignidade da pessoa humana.
Desta forma, inicialmente, observa-se que este princípio decorre do macroprincípio da dignidade da pessoa humana e está diretamente ligado aos princípios da convivência familiar e solidariedade familiar.
Por ele, observa-se que o afeto é a relação de sentimento e solidariedade, com o objetivo de garantir a felicidade, existente entre os membros de uma instituição familiar, garantindo-lhes plena igualdade. Trata-se de princípio norteador do direito das famílias.
Maria Berenice Dias (2012, p. 71) aponta ainda que, na esteira da evolução do princípio do afeto, o direito das famílias instalou uma nova ordem jurídica para a família, atribuindo valor jurídico ao afeto.
Tendo o princípio da afetividade como base, extrai-se um importante instituto para, posteriormente, conceituarmos a filiação socioafetiva: a posse do estado de filho.
A posse do estado de filho nada mais é do que uma relação afetiva, íntima e duradoura, caracterizada pela reputação diante de terceiro como se filho fosse, e pelo tratamento existente na relação paterno-filial, em que há o chamamento de filho e a aceitação do chamamento de pai.
Mesmo não previsto expressamente no ordenamento jurídico brasileiro, a aplicação do referido instituto extrai-se do artigo 1.605, inciso II, do Código Civil, que determina:
Art. 1.605. Na falta, ou defeito, do termo de nascimento, poderá prova-se a filiação por qualquer modo admissível em direito:
[...]
II – quando existirem veementes presunções resultantes de fatos já certos.
Reforçaremos a conceituação do instituto ao tratar da filiação socioafetiva.
5 FILIAÇÃO
Trata-se de instituto jurídico que vincula a figura dos sujeitos de uma instituição familiar. Maria Berenice Dias (2012, p. 357) exalta que a absoluta impossibilidade do ser humano sobreviver de modo autônomo – eis que necessita de cuidados especiais por longo período – faz surgir um elo de dependência a uma estrutura que lhe assegure o crescimento e pleno desenvolvimento.
Cumpre salientar que, historicamente, a filiação era caracterizada de forma discriminatória, diferenciando os filhos de acordo com sua origem: em filhos legítimos (advindos da relação matrimonial) ou ilegítimos (havidos fora do casamento). Tal classificação tinha o viés de preservar o patrimônio familiar.
Ressalta-se que, na esteira deste entendimento, o Código Civil de 1916 trazia um repudiado dispositivo (artigo 16) afirmando que os filhos incestuosos e os adulterinos não podem ser reconhecidos.
Com o advento do Estado Social, mormente com a promulgação da CF/88, houve a proibição do tratamento discriminatório quanto à filiação, independente da origem dos filhos ou da espécie de filiação, conforme positivado pelo artigo 227, §6º, da CF, e reproduzido pelo artigo 1.596 do CC/02.
Passemos, então, a explanação sobre os diferentes critérios de constituição dos vínculos de parentalidade, ressaltando que não existe qualquer espécie de graduação entre eles.
5.1 FILIAÇÃO LEGAL E REGISTRAL
Por filiação legal entende-se hipóteses em que a parentalidade é presumida, de forma relativa, aos casos expressamente previstos em lei, aplicando-se, contudo, também aos casos equiparados, como por exemplo à União Estável.
Noutro vértice, a filiação registral é meio de reconhecimento de parentalidade. Nos termos do artigo 1.609 do CC/02, faz-se por meio de escritura pública, escrito particular, testamento ou declaração manifestada perante o juiz.
Salienta-se que, por ser obtido através de ato voluntário, é irrevogável, podendo, contudo, ser invalidado por erro ou falsidade.
Maria Berenice Dias (2011, p. 365) leciona, ainda, que o impedimento à busca de estado contrário ao que consta do registro não obstaculiza o direito fundamental do filho de vindicar a origem genética, pois trata-se de direito imprescritível. Assim, mesmo quem é registrado como filho de alguém não está inibido de intentar ação declaratória de paternidade para conhecer sua ascendência biológica.
Por fim, em relação a este critério de constituição da filiação, importante ressaltar o instituto conhecido como “adoção à brasileira”. Trata-se de prática comumente perpetrada nas pequenas cidades brasileiras onde, um sujeito, ciente de que não possui qualquer vínculo biológico com a criança, a registra como se seu filho fosse, de modo livre e voluntário, movido por sentimentos de afeto e generosidade, não cabendo, posteriormente, qualquer tipo de alegação quanto a erro ou falsidade para a desconstituição do vínculo. Contudo, tal atitude configura-se crime (artigo 242 do Código Penal), além de não ser estimulado pela doutrina. Por outro lado, não se pode ignorar o fato de que este ato gera efeitos decisivos na vida da criança adotada, como a futura formação da parentalidade socioafetiva.
5.2 FILIAÇÃO BIOLÓGICA
Trata-se de critério objetivo de fixação da parentalidade, onde a relação se estabelece por laços de sangue, gerando uma herança genética do genitor ao seu filho.
Julga-se como critério objetivo, pois, com os avanços científicos na área da medicina genética, os exames de DNA são plenamente constituídos de certeza jurídica e biológica.
Abordando tal certeza dos exames de DNA, STJ firmou entendimento, inclusive editando a súmula 301, de que em ação investigatória, a recusa do suposto pai a submeter-se ao exame de DNA, induz a presunção juris tantum de paternidade.
Contudo, em que pese a certeza deste critério de fixação da filiação, o juiz tem liberdade de apreciação dos meios de prova, em sendo o caso de que mesmo se conhecendo o verdadeiro genitor biológico (seja pela realização do exame de DNA ou pela negação do suposto pai à realiza-lo), a decisão pode pautar-se no próximo critério a ser estudado, qual seja, o da parentalidade afetiva.
5.3 FILIAÇÃO AFETIVA
Inicialmente, temos que a previsão legal que possibilita a configuração desta espécie de filiação está no artigo 1.593 do Código Civil, ao passo de que esclarece que o parentesco pode resultar da consanguinidade ou de outra origem:
Art. 1.593: O parentesco é natural ou civil, conforme resulte de consanguinidade ou outra origem.
Desta forma, a doutrina tem identificado elementos para que a jurisprudência possa interpretá-lo de forma mais ampla, abrangendo, também, as relações de parentesco socioafetivas.
Por permitir outra origem de parentesco, caso galgada substancialmente no afeto, o art. 1.593 autoriza que se reconheça a parentalidade socioafetiva como forma de parentesco, consoante o que se pode observar no enunciado 256 do CJF:
Enunciado 256 do CJF – Art. 1.593: a posse do estado de filho (parentalidade socioafetiva) constitui modalidade de parentesco civil.
Assim, extrai-se que a filiação sociafetiva pode ser definida como o vínculo de parentesco que não possuem entre si um vínculo biológico, mas que vivem como se fossem, em decorrência do forte vínculo afetivo existente entre elas. Este forte vínculo afetivos de que trata a conceituação é o que chamamos de posse do estado de filho e deve perdurar por razoável duração de tempo.
Como requisitos para a caracterização da parentalidade socioafetiva, a doutrina ressalta os seguintes: a nominatio, a tractatus e a reputatio. Assim sendo, a nominatio corresponde ao nome; a tractatus é ser tratado como filho, e nessa qualidade lhe seja dado educação, meios de subsistência, etc.; já a reputatio é que o público o tenha sempre como tal. Observa-se que o requisito da nominatio é dispensado pelo entendimento de certos autores.
Em razão disso, e tendo em vista as vedações constitucionais à diferenciação das diversas formas de filiação, temos que os filhos socioafetivos devam possuir os mesmos direitos dos demais.
Por oportuno, ressalta-se um caso importante de configuração da parentalidade socioafetiva: as relações com padrastos e madrastas.
Modernamente, após a evolução das famílias e superação de sua configuração eminentemente patriarcal, além do advento da Lei do Divórcio, a sociedade passou a aceitar o divorciado como se solteiro fosse, ou seja, sem excluí-lo do grupo em que vive. Dessa forma, quando um casamento não dá certo, as pessoas se divorciam e se casam novamente, levando filho de outros relacionamentos, que acabam sendo criados pelo outro cônjuge. Existindo laços de afetividade entre o padrasto/madrasta com seu enteado, nada impede a constituição da parentalidade socioafetiva, devendo, nesta hipótese, ser incluída a paternidade ou maternidade no assento de nascimento, sem a retirada do pai ou mãe biológico, consignando-se verdadeiro caso de multiparentalidade, objeto de estudo do próximo capítulo.
6 MULTIPARENTALIDADE
Preliminarmente, necessário se faz conceituar o instituto da multiparentalidade. Trata-se da possibilidade de coexistência de múltiplos vínculos de filiação, sem que um exclua o outro, especialmente no caso da parentalidade socioafetiva e biológica.
Como já explicitado em outros tópicos, a multiparentalidade é resultado de uma mudança conceitual que se deu no conceito de família. Atualmente, a instituição familiar está pautada fundamentalmente na afetividade, reciprocidade e igualdade entre seus membros.
Porém, a aplicação do instituto da multiparentalidade ainda é polêmica, sendo certo que as primeiras decisões nos tribunais brasileiros sobre o tema foram no sentido de que seria impossível sua aplicação, ante a impossibilidade de que ninguém poderia ser filho de dois pais ou duas mães, dada a ausência de previsão legal.
Tal entendimento foi o aplicado neste acórdão de TJRS:
“APELAÇÃO CÍVEL. RECURSO ADESIVO. INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE CUMULADA COM ANULAÇÃO DE REGISTRO CIVIL. ADOÇÃO À BRASILEIRA E PATERNIDADE SOCIOAFETIVA. ALIMENTOS A SEREM PAGOS PELO PAI BIOLÓGICO. IMPOSSIBILIDADE. Caracterizadas a adoção à brasileira e a paternidade socioafetiva, o que impede a anulação do registro de nascimento do autor, descabe a fixação de pensão alimentícia a ser paga pelo pai biológico, uma vez que, ao prevalecer a paternidade socioafetiva, ela apaga a paternidade biológica, não podendo coexistir duas paternidade para a mesma pessoa. Agravo retido provido à unanimidade. Apelação provida, por maioria. Recurso adesivo desprovido à unanimidade. (TJRS; Apelação Cível 70017530965; 8ª Câmara; Rel. Des. José S. Trindade; julgado em 28/06/2007; publicado em 05/07/2007).”
Por certo, os posicionamentos jurisprudenciais estão se alterando, pois é possível encontrar mais decisões que aplicam o instituto do que decisões que o negam validade jurídica. Decisões favoráveis serão explicitadas em capítulo próprio.
Diante do exposto, se faz necessário delinear com clareza os contornos da multiparentalidade, para ao final concluir se é possível ou não a aplicação do instituto, bem como aferir quais são seus efeitos.
6.1 CARACTERIZAÇÃO
Para o melhor entendimento do instituto, devemos partir da premissa, já abordada, de que uma parentalidade não deve prevalecer sobre a outra. Contudo, necessário deixar consignado que, em havendo conflito entre a parentalidade socioafetiva e a biológica, por aquela envolver o aspecto sentimental criado entre parentes não biológicos, temos que os atos de convivência, vontade e amor devam prevalecer em relação à biológica.
Ressalta-se que o ideal para o pleno desenvolvimento do filho seria a concentração de todas as espécies de fixação da filiação em uma única pessoa. Ou seja, busca-se que o pai biológico seja também o registral e afetivo. No entanto, não é sempre desta forma que acontece. Excluindo-se as hipóteses onde o litígio prevalecerá na decisão da fixação da parentalidade, tem-se que pode haver a simultaneidade dos critérios.
Por conseguinte, em havendo uma pacífica aceitação entre as diversas formas de fixação da filiação, tendo em vista o melhor interesse da criança e a atual sistemática de proteção constitucional, as parentalidade são iguais, não havendo prevalência de nenhuma delas. Desta forma, a coexistência se faz necessária para melhor atender a conveniência da criança.
Ora, imaginemos o caso em que uma criança, desde a sua criação, tenha no pai afetivo a sua principal referência, tendo ele exercido todos os deveres de assistência moral, afetiva e patrimonial. Posteriormente, com o crescimento da criança e a evolução gradativa de sua personalidade, suponhamos que o pai biológico tome ciência deste seu filho e empenhe-se em se aproximar e criar laços afetivos. Após uma convivência harmoniosa com o pai afetivo e com o pai biológico, teria o filho que escolher entre qual dos dois deveria constar em seu assento de nascimento? Deveria o filho promover uma ação de destituição da paternidade registral daquele que sempre lhe ofertou afeto e assistência? Por óbvio, não seria razoável obrigar o filho a realizar tal escolha, devendo ser reconhecido o instituto da multiparentalidade, garantindo-lhe todos direitos de filiação em relação a ambos os pais (pai afetivo e pai biológico).
Póvoas (2012, p.78) esclarece ainda que não há como negar que fere a dignidade do pai afetivo e viola o princípio da afetividade simplesmente extirpar a relação parental entre ele e aquela pessoa que sempre teve como filho, por não haver entre eles liame biológico. Conclui ainda, Póvoas (2012, p. 79), aduzindo que não se pode negar que ao pai biológico foi sonegada a possibilidade de tentar ter relação afetiva com seu filho, pois se omitiu dele a informação de eu havia tido um filho. Essa relação afetiva, não há dúvida, pode ser estabelecida posteriormente.
Ex positis, extrai-se de todo já explanado neste artigo que não existe, atualmente no ordenamento jurídico, qualquer vedação legal para a configuração da multiparentalidade, sendo imprescindível a possibilidade de sua constituição para melhor atender os interesses da criança ou adolescente, além de preservar o princípio da dignidade da pessoa humana de cada indivíduo envolvido.
No próximo tópico serão analisados os principais efeitos causados pela declaração da multiparentalidade.
6.2 EFEITOS
Temos que, para a declaração da multiparentalidade, forçoso se faz que seja através de decisão judicial devidamente fundamentada, determinando que seja adicionado ao registro de nascimento o nome do novo pai ou mãe, dando-se publicidade para produzirem, de forma mais efetiva, todos os regulares efeitos de filiação. Além do mais, nos temos do art. 1.603, facilitará a prova da filiação, já que a certidão expedida pelo cartório fará prova plena do que já ocorreu no processo judicial.
Desta forma, os efeitos gerados serão os mesmos de qualquer espécie de filiação, produzindo reflexos em relação a todos os pais. Ressalta-se que, como toda e qualquer modalidade de filiação, os efeitos produzidos serão ex tunc, ou seja, retroagem à data do nascimento ou concepção do filho, a depender do caso.
Avançando, de modo a individualizar alguns efeitos, quanto aos direitos/deveres de direção, temos que todos os pais possuirão o exercício do poder familiar, inclusive é assegurado a cada um deles recorrer ao juiz para a solução de desacordo, por força do parágrafo único do art. 1.631 do Código Civil, que estabelece:
1.631. [...].
Parágrafo único. Divergindo os pais quanto ao exercício do poder familiar, é assegurado a qualquer deles recorrer ao juiz para solução do desacordo.
Observa-se que deve se aplicar a aludida previsão legal ainda que pelo desacordo instaurado haja a decisão da maioria dos pais em algum dos sentidos, sendo certo que o juiz verificará o que é melhor para o filho.
Devemos ressaltar, ainda, que vários artigos do Código Civil estabelecem previsões fixando no “pai e mãe” a decisão de questões relacionadas aos filhos. Nesta hipótese, a interpretação deduzida seria a de que este conceito, no caso da multiparentalidade, deve englobar todos os pais declarados pela decisão.
No tocante aos direitos patrimoniais, notadamente relacionados a alimentos e herança, temos que serão os mesmos critérios já previstos na legislação pátria, ressaltando que, em relação aos alimentos, deve-se observar o binômio necessidade-possibilidade.
Configurada a multiparentalidade e estabelecido seus principais efeitos, passemos então à casos práticos onde houve a aplicação do instituto.
6.3 DECISÕES RECENTES DE APLICAÇÃO DA MULTIPARENTALIDADE
Por derradeiro, oferta-se, neste tópico, decisões judiciais onde há a aplicação prática do instituto da multiparentalidade pelos diversos estados brasileiros.
Como primeiro exemplo, temos uma das inovadoras decisões de configuração da multiparentalidade. Trata-se de sentença proferida em sede de primeiro grau pela juíza de direito da 1ª Vara Cível da Comarca de Ariquemes/Rondônia Deisy Cristhian Lorena de Oliveira Ferraz.
Neste caso, temos que a filha, representada por sua genitora, ingressou com ação de investigação de paternidade cumulada com anulação de registro civil em desfavor de seu pai biológico e de seu pai registral (afetivo). A autora alegou que sua genitora tornou-se companheira do seu pai biológico ainda na adolescência, cuja união perdurou por 04 anos, tempo de sua concepção. Sustentou que antes de tomar conhecimento de sua gestação, sua genitora separou-se do seu pai biológico e passou a conviver com seu pai registral (afetivo), que ciente da situação, decidiu reconhecer juridicamente sua paternidade, convivendo juntos até seus 04 meses de vida. Ao tomar conhecimento da possibilidade de alterar seu registro de nascimento, sua genitora decidiu ajuizar a demanda para lançar o nome do pai biológico em seu assento de nascimento em substituição do pai registral (afetivo). Realizado estudos no caso, constatou-se que a filha mantém relações de estreita afetividade com seu pai biológico e seu pai registral (afetivo). Extrai-se também que não houve qualquer erro ou coação ao pai registral (afetivo) reconhecer a paternidade da autora, mormente porque tinha ciência e era sabedor que não se trava de sua filha biológica. Com o nascimento da autora, o pai registral (afetivo) efetuou o registro como se sua filha fosse e com ela estabeleceu forte vínculo afetivo, desde sempre se considerando como pai dela. E a recíproca é verdadeira. O estudo realizado revelou que a autora nutre fortes laços de amor pelo pai registral (afetivo).
Noutro giro, a autora conheceu seu pai biológico somente na audiência de coleta do material para exame de DNA, e com seus 11 anos de idade, mostrou-se feliz em contatar seu possível pai biológico. Com o resultado positivo da paternidade, o pai biológico se aproximou da autora, presenteando-a e levando-a para conhecer a família paterna.
Neste contexto, dessume-se que restou evidente o amor e carinho que a autora mantem com seu pai registral (afetivo) e com seu pai biológico.
Desta forma, a pretendida declaração de inexistência do vínculo parental entre a autora e o pai registral (afetivo) fatalmente prejudicará seu interesse, que diga-se, tem prioridade absoluta, e assim também afronta a dignidade da pessoa humana. Não há motivo para ignorar o liame socioafetivo estabelecido durante anos de vida de uma criança que cresceu e manteve o estado de filha com outra pessoa que não seu pai biológico, sem atentar para a evolução do conceito jurídico de filiação.
Diante de todo o exposto e a singularidade da causa, ponderou a juíza de direito por considerar a manifestação de vontade da autora no sentido de que possui dois pais, aliado ao fato de que o pai registral (afetivo) não deseja negar a paternidade afetiva e o pai biológico pretende reconhecer seu critério de paternidade, e acolhendo a proposta do Ministério Público, reconheceu a dupla paternidade (multiparentalidade) da autora, decretando que seja registrado em seu assento de nascimento, também o nome do pai biológico na condição de genitor, sem prejuízo da paternidade já reconhecida pelo pai registral (afetivo).
Outro caso importante a se destacar, trata-se do que reconheceu a necessidade de coexistência das parentalidades biológica e afetiva em respeito à memória da mãe falecida.
O caso em tela foi julgado pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, em sede de Apelação Cível, interposta contra sentença proferida pelo juiz Cássio Henrique Dolce de Faria, da 2ª Vara Cível da Comarca de Itu/SP.
Trata-se de ação declaratória de maternidade socioafetiva, cumulada com retificação de assento de nascimento, que foi julgada parcialmente procedente, apenas para incluir no assento de nascimento do requerente o patronímico da coautora, porém, foi afastado o reconhecimento da filiação socioafetiva. Consta da inicial que o autor, nascido em 26.06.1993, perdeu sua mãe biológica três dias depois do parto, em decorrência de um acidente vascular cerebral. Meses após, seu pai conheceu a apelante e se casaram quando a criança tinha dois anos, e foi por ela criada como filho, com quem convive até o presente.
A autora poderia simplesmente adotar o enteado, mas por respeito à memória da mãe, vítima de infortúnio, que comoveu toda a comunidade, que a homenageou, atribuindo seu nome a uma rua e a um Consultório Odontológico Municipal, e por carinho à família dela, com quem mantém estreito relacionamento, optou pela ação declaratória para que não fosse retirado da criança esse vínculo de parentesco.
O desembargador relator, Dr. Alcides Leopoldo e Silva Júnior, cita em seu voto que a filiação não decorre unicamente do parentesco consanguíneo, pois o art. 1.593 do Código Civil e expresso no sentido de que “o parentesco é natural ou civil, conforme resulte de consanguinidade ou outra origem”, motivo pelo qual a expressão de “outra origem”, sem dúvida alguma, pode ser a filiação socioafetiva, que decorre da posse do estado de filho, fruto de longa e estável convivência, aliado ao afeto e considerações mútuos, e sua manifestação pública, de forma a não deixar dúvida, a quem não conhece, de que se trata de parentes.
No caso dos autos, o magistrado afirma que as fotografias anexadas mostram a autora, durante muitos anos, participando efetivamente de fatos e momentos importantes na formação da criança, nos seus aniversários, nas reuniões da escola, nos passeios, viagens, festas, mas também na reclusa do lar, sobressaindo em todas as imagens, desde aquelas em que ainda está seguro no colo, até as mais recentes, já adulto e estudante de Direito, mesma profissão da requerente, a expressão de felicidade.
Justifica o ilustre julgador que a formação da família moderna não consanguínea tem sua base na afetividade, haja vista o reconhecimento da união estável como entidade familiar (art. 226, §3º, CF), a proibição de designações discriminatórias relativas à filiação (art. 227, §6º, CF), e o fato de as relações familiares deitarem raízes na Constituição da República, que tem como um dos princípios fundamentais, a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III), além da formação de uma sociedade solidária (art. 3º). O recurso foi provido.
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Considerando o explanado no presente artigo, o conceito atual de família é resultado das transformações sociais que ocorreram ao longo dos anos, que passaram a impor um modelo familiar descentralizado, democrático e igualitário, fundado precipuamente no melhor interesse da criança e do adolescente.
A Constituição Federal de 1988 também contribuiu para as evoluções ocorridas no instituto familiar, trazendo importantes princípios de interpretação das normas, como é o caso do princípio da dignidade da pessoa humana, afetividade e solidariedade.
Ficou evidenciado nas mudanças ocorridas na sociedade e consequentemente nas normas jurídicas, que a parentalidade socioafetiva ganhou força nos últimos anos, sendo, inclusive, patamar para desconsideração da filiação biológica.
Neste vértice, com a valorização do afeto e da parentalidade socioafetiva, a possibilidade de configuração de múltiplas paternidade ou maternidades é aceita e reconhecida por vários doutrinadores e julgados.
Não foi sempre assim, as decisões iniciais a respeito do tema detinham o entendimento de que não havia a possibilidade de coexistência de múltiplos vínculos de parentalidade.
Contudo, tendo como base os princípios da dignidade da pessoa humana, da solidariedade e do afeto, temos que a aplicação da multiparentalidade se faz necessária, tendo em vista o melhor interesse do filho.
Assim, os efeitos gerados pela decisão serão semelhantes aos da parentalidade normal, sendo apenas necessária a interpretação para o caso da multiparentalidade. Logo, a legislação pátria deve adaptar-se à situação em tela, como é o caso do Código Civil e Lei de Registros Públicos (Lei nº 6.015/73).
Pelo exposto, conclui-se que, diante da ausência da hipótese ideal onde os vínculos de filiação se concentram em uma só pessoa, temos que, com base nos princípios e ditames constitucionais, a configuração da multiparentalidade é a melhor medida possível para compatibilizar a coexistência dos múltiplos vínculos parentais.
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Advogado, formado pelo Centro Universitário de Patos de Minas/MG - UEMG, professor, ex- Procurador do Município de Araras-SP. Pós Graduado em Direito Tributário.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FERREIRA, Thiago Augusto Barbosa. A possibilidade de configuração da multiparentalidade e seus reflexos no ordenamento jurídico brasileiro Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 04 ago 2016, 04:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/47195/a-possibilidade-de-configuracao-da-multiparentalidade-e-seus-reflexos-no-ordenamento-juridico-brasileiro. Acesso em: 23 dez 2024.
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