RESUMO: A prescrição é instituto do direito do Romano que visa evitar a insegurança jurídica, decorrente da eternização da possibilidade de se exercitar o direito. O presente artigo cinge-se a avaliar o instituto da prescrição à luz do regramento jurídico tributário, avaliando suas diferenças quanto ao instituto em sua aplicação no âmbito cível, especificando, para tanto, a função da prescrição como causa de extinção do crédito tributário.
Palavras Chave: Prescrição. Prescrição no âmbito do Direito Tributário. Extinção do crédito tributário.
1. INTRODUÇÃO.
Segundo os Romanos: “ o direito não socorre os que dormem”. À luz da segurança jurídica, o tempo é para o direito elemento intrínseco à sua operabilidade. Até quando seria possível o exercício de direitos subjetivos e a imposição da vontade estatal, sem que a demora não traga os malefícios de seu exercício tardio? Esta é uma indagação que deve ser considerada no sistema do Direito e especialmente no âmbito tributário, por se tratar, em especial, de ramo que envolve garantias individuais.
No sistema jurídico, segue-se a lógica de que, se o direito serve para solucionar de forma efetiva as incertezas jurídicas, não deverá o longo tempo para o seu exercício, ser meio para se alcançar esta solução.
A doutrina é uníssona em conceber como causa da prescrição a necessidade de se garantir a estabilidade das relações jurídicas.
Leciona Carlos Roberto Gonçalves[1] que:
“O instituto da prescrição é necessário, para que haja tranquilidade na ordem jurídica, pela consolidação de todos os direitos. Dispensa a infinita conservação de todos os recibos de quitação, bem como o exame dos títulos do alienante e de todos os seus sucessores, sem limite de tempo”.
Sem duvidar, da importância da prescrição para o direito é de relevante valor definir como esta atua no direito tributário, especialmente por trazer garantias constitucionais aos contribuintes.
DA PRESCRIÇÃO NO ÂMBITO TRIBUTÁRIO.
A prescrição da pretensão é instituto da teoria geral do direito, que não apenas alcança o direito civil, mas também tem efeitos no âmbito tributário, e é, neste ramo do direito, que a prescrição detém especificidade que lhe são próprias distintas dos outros ramos do ordenamento jurídico Brasileiro.
A necessidade de estabilidade nas relações jurídicas é fundamento da existência da prescrição e isso é deveras importante no âmbito tributário, no qual as garantias individuais dos contribuintes estão inseridas no núcleo pétreo da Constituição Federal.
Tanto é que desde a Constituição da Republica Federativa do Brasil, de 1967, a prescrição em matéria tributária é tratada obrigatoriamente por meio de lei complementar, fato que fez o STF julgar inconstitucional os prazos prescricionais previstos na lei 8212/1991 e no decreto-lei nº 1599/77, consoante súmula vinculante do STF nº 8, in verbis:
“são inconstitucionais o parágrafo único do art.5º do Decreto-lei nº 1.599/1977 e os arts. 45 e 46 da Lei nº 8212/91.”
Não é possível se garantir a alguém, por não ter exercido direito que lhe era afeto no devido tempo, a possibilidade de exercê-lo extemporaneamente.
Segundo licões Luciano Amaro:
“A certeza e a segurança do direito não se compadecem com a permanência, no tempo, das possibilidades de litígios instauráveis pelo suposto titular de um direito que tardiamente venha a reclama-lo. Dormientibus nom succurrit jus. O direito positivo não socorre a quem permanece inerte, durante largo espaço de tempo, sem exercitar seus direitos. Por isso, esgotando certo prazo, assinalado em lei, prestigiam-se a certeza e a segurança, e sacrifica-se o eventual direito daquele que se manteve inativo no que respeita a atuação ou defesa desse direito”.[2]
O Código Tributário Nacional, diversamente da solução concedida pelo Código Civil e especialmente à luz do instituto do lançamento do crédito tributário, definiu que o tempo neste ramo atua por meio da decadência e da prescrição, seguindo-se a lógica de que a consumação do primeiro impediria o Fisco de exercer o ato de constituição do crédito tributário (lançamento), e o segundo o direito de exercício de cobrança do crédito constituído.
Ocorrido o fato gerador nasce para o fisco o direito de lançar e formalizar a constituição do crédito tributário e a este ato aplica-se a decadência, nos casos em que há o transcurso do tempo legal sem que o fisco o formalize por meio de linguagem competente. Todavia, constituído o crédito tributário, exsurge para a Fazenda a possibilidade de cobrança do crédito que se extingue pela prescrição quando não promovida no correto lapso temporal.
A esse processo de ocorrência de fato gerador, inserção de norma individual e concreta no sistema jurídico por meio do lançamento do crédito, inscrição em dívida ativa e execução, é o que o professor Ricardo Lobo Torres vem denominar de processo de concreção do crédito tributário. Refere-se a um processo de positivação, o qual busca alcançar a efetividade no cumprimento do crédito tributário e é nesta linha de seguimento de ato que age a decadência e a prescrição[3].
Após a formalização do crédito corre para o Fisco prazo de prescrição para cobrança do crédito, todavia este apenas se inicia quando exigível a obrigação.
A exigibilidade do crédito é fundamento primordial para a possibilidade de início de contagem do prazo prescricional. O artigo 174 do CTN, afirma que: “A ação para a cobrança do crédito tributário prescreve em cinco anos, contados da data da sua constituição definitiva”
O conceito de definitivo é deveras discutível especialmente por não ter um sentido, em direito tributário, absoluto. Eurico Di Santi sintetizando esta afirmação, informa: “O léxico definitividade, que é substantivo que exprime a qualidade do que é definitivo, “tal qual deve ficar”, não deve ser interpretado em termos absolutos, pois contrasta com a abertura dinâmica do sistema normativo: nem normas tributárias, nem Código Tributário Nacional, nem Código Civil, nem Código de Processo Civil e nem a própria Constituição Federal são definitivos. É conceito relacional, posto que em direito toda norma jurídica é definitiva enquanto pertencer ao ordenamento”[4].
Nesta toada, Leandro Paulsen afirma que para a constituição definitiva do crédito tributário pelo lançamento haverá de se considerá-lo definitivamente constituído após esgotado o prazo para impugnação ou para recurso, ou mesmo quando da intimação da decisão irrecorrível. Desta forma, será considera constituído o crédito tributário ao final do processo administrativo fiscal.[5]
Já para Alberto Xavier:
“a noção de definitividade ajusta-se, pois, à optica procedimentalista com que o Código visualiza o lançamento, representando o momento em que esse procedimento culmina, se encerra, se finaliza, se torna “definitivo”, pela prática do seu ato conclusivo típico, o ato administrativo de lançamento, devidamente notificado[6].
Ricardo Alexandre, de forma didática, no que toca à constituição definitiva do crédito tributário, explica que:
“pode-se afirmar, portanto, que com a notificação, o crédito está constituído, mas não que ele está definitivamente constituído. Por conseguinte, tem-se uma situação em que não se conta decadência – porque a administração já exerceu seu direito – nem prescrição por conta da ausência de definitividade do lançamento efetuado. Não havendo pagamento ou impugnação ou, em havendo esta, concluído o processo administrativo fiscal e ultrapassado o prazo para pagamento do crédito tributário sem que o mesmo tenha sido realizado, começa fluir o prazo prescricional.”[7]
Outrossim, deve-se ressaltar que a constituição definitiva do crédito tributário, também poderá ocorrer por ato do contribuinte que por meio de declaração de confissão de débito ou mesmo nos tributos lançados para homologação sem acompanhamento do pagamento, constituem o crédito tributário, nascendo para o fisco a parti daí a possibilidade de sua cobrança via execução fiscal.
Assim, afirma Paulsen:
“A referência à constituição “definitiva” não tem qualquer repercussão relativamente à formalização do crédito por declaração ou confissão do contribuinte. Isso porque, provindo do próprio contribuinte o reconhecimento do débito, não há abertura de prazo para impugnação. O fisco pode encaminhar prontamente o crédito nela representado para cobrança, sem prejuízo do eventuais diferenças. Assim, quanto aos valores celerados ou confessados, considera-se definitivamente formalizado o crédito tributário no momento mesmo da apresentação da declaração, sendo que o “prazo prescricional tem início a partir da data em que tenha sido realizada a entrega da declaração do tributo e escoado o prazo para pagamento espontâneo”.[8]
Os prazos prescricionais no âmbito tributários estão, também, sujeitos a suspensão e interrupção, adotando o código circunstâncias taxativas para as referidas situações.
Deve-se ressaltar que o ponto nevrálgico da discussão acerca da prescrição no direito tributário está associado a seu efeito sobre o crédito tributário, circunstância que não aplica-se à prescrição de outros ramos do direito.
Discutimos que a prescrição fulmina a pretensão, impedindo a fruição da prestação pela via judicial. Todavia, a regra é que não atinja a prescrição o próprio direito que poderá ser exercitado por outras vias, a exemplo do cumprimento espontâneo da prestação ainda que prescrita a pretensão. Nesta lógica, a prescrição, em regra, atinge a pretensão mas não afeta o exercício do direito existente.
No âmbito tributário, é diferente, o Código adotou a prescrição como forma de extinção do crédito tributário, de modo que transcorrido o prazo para que o fisco exerça o direito a cobrança do crédito, além de fulminar a pretensão terá sido extinto o próprio crédito, não podendo o fisco nem amigavelmente exigi-lo, sob pena de repetir o que foi cobrado e pago. Ou seja, a prescrição para fisco, no âmbito tributário, atinge tanto a capacidade de impetração da ação judicial de cobrança quanto a existência do próprio objeto da relação jurídica tributária, o crédito.
Paulo de Barros de Carvalho elogia a regra adota pelo Código Tributário Nacional, afirmando que:
“ Foi oportuno o legislador do Código ao incluir a prescrição entre as modalidades extintivas da obrigação tributária. De fato, a todo o direito corresponde uma ação, que o assegura. Com o perecimento do direito à ação de cobrança, perde o credor os meios jurídicos para compelir o sujeito passivo à satisfação do débito. Acontecimento deste jaez esvazia de juridicidade o vínculo obrigacional, que extrapola para o universo das relações morais, éticas etc.”[9]
2. CONCLUSÃO
O entendimento acerca dos efeitos da prescrição no âmbito tributário é importantíssimo especialmente pelas nuances que o mesmo possuí. A avaliação do efeito da prescrição em extinguir o crédito tributário, bem como da pretensão será bastante relevante para verificar as garantias concedidas ao contribuinte em um eventual redirecionamento da execução fiscal, notadamente pelo fato de que se trata de causa de extinção da obrigação tributária..
REFERÊNCIAS
ALEXANDRE, Ricardo. Curso de Direito Tributário esquematizado. Editora Método
AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 17ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2011
CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. Editora Saraiva. 24ª Edição. 2012.
Gonçalves, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro, Volume 1.9ª Edição. São Paulo. Saraiva.
PAULSEN, Leandro. Curso de Direito Tributário Completo. Editora Livraria do Advogado. 6ª Edição.2014.
Torres, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro e Tributário.
SANTI, Eurico Marcos Diniz de. Decadência e prescrição no direito tributário. Editora Saraiva.
XAVIER, Alberto. Do lançamento: Teoria Geral do Ato do Procedimento e do Processo Tributário. Editora Forense.
[1] Gonçalves, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro, Volume 1. Pag.480
[2] AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 17ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 422.
[3] Torres, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro e Tributário. P.233
[4] SANTI, Eurico Marcos Diniz de. Decadência e prescrição no direito tributário. Editora Saraiva. Pag.213-214.
[5] PAULSEN, Leandro. Curso de Direito Tributário Completo. Editora Livraria do Advogado. 6ª Edição.2014.
[6] XAVIER, alberto. Do lançamento: Teoria Geral do Ato do Procedimento e do Processo Tributário. Editora Forense. Ano.1997.p.307
[7] ALEXANDRE, Ricardo. Curso de Direito Tributário esquematizado. Editora Método. Pag.481
[8] PAULSEN, Leandro. Curso de Direito Tributário Completo. Editora Livraria do Advogado. 6ª Edição.2014. pag. 140.
[9] CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. Editora Saraiva. 24ª Edição. 2012. Pag.417.
Oficial de Justiça do Tribunal de Justiça de Pernambuco.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MONTE, Julio Cesar Araujo. Prescrição como instrumento legal de garantia de segurança jurídica e a extinção do crédito tributário Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 05 ago 2016, 04:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/47220/prescricao-como-instrumento-legal-de-garantia-de-seguranca-juridica-e-a-extincao-do-credito-tributario. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Roberto Rodrigues de Morais
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