RESUMO: O presente trabalho visa analisar os institutos da prescrição e da decadência, demonstrando seus conceitos e suas diferenças. Visa partir da análise da teoria das espécies dos direitos subjetivos, apresentada por CHIOVENDA e utilizada na doutrina pátria pelo professor Agnelo Amorim para apresentar suas especificidades. Ademais, por fim, analisa o início do prazo da prescrição segundo a teoria da actio nata.
Palavras chave: Prescrição; decadência; teoria da actio nata.
1. INTRODUÇÃO
A segurança jurídica é vetor dos mais importantes do sistema jurídico. A crença nele e em sua eficácia é o que legitima o Direito e nos faz aceitar as decisões judiciais.
A prescrição e a decadência são instrumentos essenciais de estabilização social e de garantia de certeza jurídica de forma que suas adequações e limitações devem ser bem definidas.
Definir o prazo para início da contagem da prescrição é essencial para garantir a estabilização das relações jurídicas e a previsibilidade do direito. Na mesma, senda é necessário se diferenciar os institutos da prescrição e da decadência, demonstrando seus âmbitos de atuação e a influência da teoria das espécies de direitos subjetivos, segundo CHIOVENDA.
2. A PRESCRIÇÃO NO DIREITO BRASILEIRO.
2.1 FUNDAMENTO DA PRESCRIÇÃO
À luz da segurança jurídica, o tempo é para o direito elemento intrínseco a sua operabilidade.
Até quando seria possível o exercício de direitos subjetivos e a imposição da vontade estatal, sem que a demora não traga os malefícios de seu exercício tardio? Esta é uma indagação que deve ser considerada no sistema do Direito e especialmente no âmbito tributário, por se tratar, em especial, de ramo que envolve garantias individuais.
A noção de prescrição, segundo lições de Savigny citado por Agnelo Amorim Filho[1], fora a um tempo um instituto totalmente dissociado ao direito romano, o qual, todavia, a partir do direito pretoriano surgiu para constituir uma exceção à regra das ações imprescritíveis e se tornou, em pouco tempo, a regra geral.
Segue-se a lógica de que, se o direito serve para solucionar de forma efetiva as incertezas jurídicas, não deverá o longo tempo para o seu exercício, ser meio para se alcançar esta solução.
A doutrina é uníssona em conceber como causa da prescrição a necessidade de se garantir a estabilidade das relações jurídicas. O professor Câmara Leal, em comento ao fundamento do instituto, especialmente à luz da filosofia romana vem afirmar que:
O interesse público, a estabilização do direito e o castigo à negligência; representando o primeiro o motivo inspirador da prescrição; o segundo, a sua finalidade objetiva; o terceiro, o meio repressivo de sua realização. Causa, fim e meio, trilogia fundamental de toda instituição, devem constituir o fundamento jurídico da prescrição [2].
Nesse mesmo sentido, é o posicionamento do professor Carlos Roberto Gonçalves, para quem:
O instituto da prescrição é necessário, para que haja tranquilidade na ordem jurídica, pela consolidação de todos os direitos. Dispensa a infinita conservação de todos os recibos de quitação, bem como o exame dos títulos do alienante e de todos os seus sucessores, sem limite de tempo”[3].
Se, quanto a prescrição, sua causa é o interesse público na estabilização das relações jurídicas, sua sanção será, consequentemente, impedir o exercício tardio e desidioso de quem não observou as cautelas necessárias para sua efetivação. Para aqui vale o brocardo jurídico: “dormientibus non sucurrit ius” , ou seja, o direito não socorre o que dorme.
Tem a prescrição a inércia como seu principal fundamento, de modo que seu conceito, para o direito civil, gravita em torno do não exercício do direto pelo titular da pretensão.
De acordo com Pontes de Miranda, a prescrição seria uma exceção que alguém tem contra o que não exerceu, durante um lapso de tempo fixado em norma, sua pretensão ou ação[4].
Para Carvalho Santos, a prescrição é:
um modo de se extinguir os direitos pela perda da ação que o assegurava, devido à inércia do credor durante um decurso de tempo determinado pela lei e que só produz seus efeitos, em regra, quando invocada por quem dela se aproveita[5].
É importante se observar, a fim de se alcançar o entendimento acerca da atuação da prescrição, que pelos conceitos apresentados não é possível delimitar, unicamente nela, a ação do tempo no direito, posto que não é apenas à luz da prescrição, mas, também, sob a ótica do instituto da decadência que o tempo modifica situações jurídicas. Razão esta pelo que se deve haver elemento suficiente para a diferenciação da aplicação dos referidos institutos.
2.2 DIFERENÇAS ENTRE PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIA.
Diferenciar prescrição e decadência não é uma das tarefas mais fáceis no direito. A questão é tão intricada, que o professor Agnelo Amorim chegou afirma que:
A questão referente a distinção entre prescrição e decadência tão velha quanto os dois velhos institutos de profunda raízes romanas – continua a desafiar a argúcia dos juristas. As dúvidas, a respeito do assunto, são tantas, e vêm se acumulando de tal forma através dos séculos, que ao lado de autores que acentuam a complexidade da matéria, outros mais pessimistas, chegam até negar – é certo que com indiscutível exagero – a existência de qualquer diferença entre as duas principais espécies de efeito do tempo sobre as relações jurídicas.” Mesmo assim diante da dificuldade, com um certo otimismo, afirma que: “é incontestável, porém, que as investigações doutrinárias, confirmada pela grande maioria da jurisprudência, já conseguiram, pelo menos chegar a uma conclusão: a de que os dois institutos se distinguem[6].
Cumpre ressaltar, que um dos primeiros critérios que a doutrina utiliza para diferenciar prescrição e decadência está evidenciado na ideia de que enquanto esta extingue o direito, aquela extingue propriamente a ação.
O fato é que inobstante haver a partir daí um critério de descrimine, não existe, segundo crítica da doutrina, na referida classificação, efetivamente diferenciação, tendo em vista que a mesma apenas avalia a consequência ou efeito dos institutos, que seria a extinção do direito e da ação, o que não resolve a origem, a causa para tais situações, mas apenas seu efeito.
No Brasil, a doutrina de forma maciça adota o critério de classificação dos prazos prescricionais e decadenciais estabelecido por Agnelo Amorim, o qual a partir da classificação de direitos elaborada por Chiovenda, especialmente ligada a ideia de direitos protestativos, estabelece os quais são extinguíveis pela prescrição e os que são pela decadência[7].
De acordo com CHIOVENDA[8], os direitos subjetivos se dividem em duas categorias: os direitos a uma prestação e os direitos potestativos.
A primeira refere-se aos direitos em que se busca um “bem de vida”, objetiva uma prestação positiva ou negativa de um sujeito passivo. Busca-se uma prestação, isto é, a prática de uma conduta de fazer, de entregar, de pagar, de não fazer, entre outras, que depende da atuação do sujeito passivo para sua conformação. Alcança tanto os direitos pessoais, como o direito a cobrar determinado crédito, exemplo as ações executivas fiscais, como também os direitos reais, a exemplo da conduta de se abster em prejudicar o imóvel vizinho.
A segunda classificação encontra-se no que se denominada de direitos potestativos, que se refere a aptidão que a lei defere a certas pessoas, de a partir do exercício de unicamente de sua vontade em influírem na situação jurídica de outrem, independentemente de sua aceitação. O referido poder é exercido, por uma faculdade legal, que possibilita a imposição de um querer a um terceiro ainda que este não o aceite, exercida unicamente por a vontade do agente que, por si só, modifica situações jurídicas ou por meio do judiciário, impõe a vontade do detentor do direito potestativo a outrem.
A regra geral é de que as alterações de esferas jurídicas sejam exercidas pela manifestação de vontade das pessoas envolvidas nesta relação, todavia, quanto aos direitos potestativo, a concessão deferida pela lei impõe a desnecessidade de elemento volitivo de terceiro para sua conformação, o que vem a se denominar de estado de sujeição.
São exemplos de direitos potestativos: o direito de revogação que tem o doador em relação aos bens doados; o de anular casamento; o direito que tem o vendedor em resgatar o imóvel quando vendido com a cláusula de retrovenda, bem como o de revogação de mandato ou mesmo aceitação de herança.
A classificação estabelecida por CHIOVENDA fora de grande importância para a classificação dos direitos que estão sujeitos à prescrição e aqueles que sofrem efeito da decadência, de forma que a partir daqui se verifica a origem da atuação dos referidos institutos, notadamente quando observarmos a correlação de tais direitos prestacionais ou potestativos e as ações que as dão guarida.
Na releitura da actio romana, o Jurista Italiano, classifica a ação em três principais grupos: a) ação condenatória; b) ações constitutivas e c) ações declaratórias.
Nas ações condenatórias, há o direito a uma prestação, uma conduta positiva ou negativa do sujeito passivo a se conformar ao dispositivo da decisão. Impõe um dever que visa garantir ao sujeito ativo determinado bem de vida almejado. Nestas ações não são exercíveis “direitos potestativos”, tendo em vista que não há nelas estado de sujeição exercíveis por força originária da própria lei, que é indiferente à vontade do sujeito passivo.
Quanto às ações constitutivas, nestas não se requer uma prestação positiva ou negativa do sujeito passivo, ao contrário o que se busca é originar um estado jurídico, modifica-lo ou mesmo extingui-lo. Estas ações são fundamentadas na garantia dos direitos potestativos, exigíveis de per si, criadores de estado de sujeição e independente da vontade do sujeito passivo.
Nas ações constitutivas, a contrário das ações condenatórias, deve-se está claro que não pressupõem a lesão a direito, a se perquirir a reparação por uma prestação, o que se busca é definição de estado jurídico, derivado do exercício de um direito potestativo, que por ora é necessário ser exercido pelas vias judicias (ações constitutivas necessárias, v.g. anulação de casamento) ou que são exercíveis independentemente de recurso às tais vias, sendo esta subsidiária.
Neste sentido, em tais ações, não se busca exigir de outrem uma prestação, o que por consequência não faz surgir a “pretensão”, possa se dizer, ordinária, aquela que visa a exigir de um terceiro uma prestação, ainda que haja em relação ao Estado a pretensão à tutela jurisdicional, ou seja, uma pretensão especial.
No que toca as ações declaratórias, visam estas resolverem situações de incerteza. Nestas ações não se buscam um direito a prestação, nem a constituição, modificação ou extinção de situações jurídicas, mas apenas declaração da existência ou inexistência de relações jurídicas, a fim de afastar a “crise de incerteza”.
No cotejo da classificação de CHIOVENDA acerca das espécies dos direitos e das ações que lhe seriam correlatas e necessidade da existência da prescrição e da decadência, observa-se que embora tenham o mesmo fundamento, controle do tempo no direito e segurança jurídica, as suas diferenças se estabelecem quanto aos seus efeitos e objetos.
A doutrina é consistente quanto aos efeitos dos referidos institutos, já comentados neste texto, enquanto a decadência visa a extinguir o próprio direito, busca a prescrição fulminar a pretensão e por via de consequência o direito de ação.
Já em relação ao objeto, a classificação dos direitos aqui adotada, deixa claro que a decadência atingirá o exercício dos direitos potestativos, enquanto a prescrição os que buscam a efetivação da prestação.
Isto resta claro, tendo em vista a própria lógica dos direitos potestativos de gerarem em relação a terceiro um estado de sujeição indefinido. A insegurança jurídica, quanto a tais direitos, se encontra na existência do próprio direito, que pode ser exercido por vontade livre e insubordinada. Há, nestas circunstâncias, um interesse que perpassa um mero interesse individual, no controle da indefinição quanto ao exercício deles, sendo de interesse público, a exemplo do controle do direito potestativo à ação rescisória.
Se enquanto, a decadência visa atingir, portanto, os direitos potestativos com a fulminação do próprio direito, a prescrição, diferentemente, busca controlar a indefinição do exercício do direito a uma prestação, que depende da implementação da prestação de um terceiro. Assim sendo, a prescrição atingirá a pretensão à uma prestação e se relacionará as ações condenatórias, enquanto a decadência alcançará o próprio direito e se relacionará as ações constitutivas, já a ações declaratórias, conforme a doutrina, serão imprescritíveis.
Essa é a conclusão que chega Agnelo Amorim Filho ao afirmar que: “1ª) estão sujeitas a prescrição (indiretamente, isto é, em virtude da prescrição da pretensão a que correspondem): - todas as ações condenatórias, e somente ela; 2ª) Estão sujeitas a decadência (indiretamente, isto é, em virtude da decadência do direito potestativo a que correspondem) - as ações constitutivas que têm prazo especial de exercício fixado em lei; 3º) – São perpetuas (imprescritíveis): -a) as ações constitutivas que não tem prazo especial de exercício fixado em lei; e b) todas as ações declaratórias, Também é a tese adotada pelo Código Civil de 2002, que em seu artigo 189 afirma que: “violado o direito, nasce para o titular a pretensão, a qual se extingue, pela prescrição, no prazos a que aludem os arts. 205 e 206”.
Importante é, também, além de conceituar e limitar o âmbito de atuação dos institutos que afetam o direto em decorrência do transcurso do tempo, é definir a partir de quando é o marco inicial para a sua contagem.
Neste trabalho, é relevante para nós, definirmos o termo a quo do prazo de prescrição e, somente deste, que será válido para entendemos mais a acerca da influência da teoria ou do princípio da actio nata no redirecionamento da execução fiscal em face do sócio-gerente e sua correlação com a jurisprudência do STJ.
2.3 DO INÍCIO DO PRAZO PRESCRICIONAL SEGUNDO PRINCÍPÍO DA ACTIO NATA.
Saber apenas o efeito da prescrição e quando aplicá-la não permite compreender de forma plena a dimensão deste instituto, uma vez que a noção tempo, início e fim, que permeia este instituto é essencial para sua efetivação.
Em seu sentido etimológico “actio nata” representa o nascimento da ação. Partindo para a perspectiva jurídica, a teoria “actio nata” representa o direito de ação cujo curso do prazo prescrional começa a incidir no momento da violação do seu direito facultando ao titular direito subjetivo.
Nesse sentido argumenta Câmara Leal:
“(…) sem exigibilidade do direito, quando ameaçado ou violado, ou não satisfeita sua obrigação correlata, não há ação a ser exercitada; e, sem o nascimento desta, pela necessidade de garantia e proteção ao direito, não pode haver prescrição, porque este tem por condição primária a existência da ação. Duas condições exige ação, para se considerar nascida (nata), segundo a expressão romana: a) um direito atual atribuído ao seu titular; b) uma violação desse direito, a qual tem ela por fim remover. O momento do início do curso da prescrição, ou seja, o momento inicial do prazo é determinado pelo nascimento da ação – actioni nondum natae non praescribitur.”[9]
Percebe-se que sem a violação do seu direito subjetivo não haveria a faculdade do direito de ação, tampouco, não haveria prescrição.
O Código civil de 2002, em seu art.189, acolhe a Teoria “Actio Nata”:
“Art. 189. Violado o direito, nasce para o titular a pretensão, a qual se extingue, pela prescrição, nos prazos a que aludem os arts. 205 e 206.”
Apesar da obviedade, esse postulado é o cerne principal para a fixação do curso inicial do prazo prescricional nas demandas judiciais, posto que, de regra, este coincide com o nascimento da pretensão.
REFERÊNCIAS
CÂMARA LEAL, Antônio Luís da. Da Prescrição e da decadência. 4.ed. atual por Aguiar Dias. Rio de Janeiro: Forense
FILHO, Agnelo Amorim. Critério científico para distinguir a prescrição da decadência e para identificar as ações imprescritíveis. http://www.direitocontemporaneo.com/wp-ontent/uploads/2014/02/prescricao-agnelo1.pdf.
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro, Volume 1. 2011.
MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Tratado de Direito Privado.v.6.
SANTOS, J.M. de Carvalho. Código Civil Brasileiro Interpretado, Vol III, 8º Edição, Ed. Freitas Bastos.
[1] FILHO, Agnelo Amorim. Critério científico para distinguir a prescrição da decadência e para identificar as ações imprescritíveis. http://www.direitocontemporaneo.com/wp-ontent/uploads/2014/02/prescricao-agnelo1.pdf. Acesso em: 8/09/2015.
[2] CÂMARA LEAL, Antônio Luís da. Da Prescrição e da decadência. 4.ed. atual por Aguiar Dias. Rio de Janeiro: Forense. P.16.
[3] GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro, Volume 1. 2011. Pag.513.
[4] MIRANDA, Pontes. Tratado de Direito Privado.v.6. pag.100
[5] SANTOS, J.M. de Carvalho. Código Civil Brasileiro Interpretado, Vol III, 8º Edição, Ed. Freitas Bastos, pág. 371.
[6] FILHO, Agnelo Amorim. Critério científico para distinguir a prescrição da decadência e para identificar as ações imprescritíveis. http://www.direitocontemporaneo.com/wp-ontent/uploads/2014/02/prescricao-agnelo1.pdf. Acesso em: 8/09/2015.
[7] Idem.
[8] ibidem
[9] CÂMARA LEAL, Antônio Luís da. Da Prescrição e da decadência apud FILHO, Agnelo Amorim. Critério científico para distinguir a prescrição da decadência e para identificar as ações imprescritíveis.http://www.direitocontemporaneo.com/wp-ontent/uploads/2014/02/prescricao-agnelo1.pdf. < Acesso em: 8/09/2015.
Oficial de Justiça do Tribunal de Justiça de Pernambuco.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MONTE, Julio Cesar Araujo. Diferença entre os institutos da prescrição e da decadência e o início da contagem do prazo prescrição segundo a teoria da actio nata Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 08 ago 2016, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/47250/diferenca-entre-os-institutos-da-prescricao-e-da-decadencia-e-o-inicio-da-contagem-do-prazo-prescricao-segundo-a-teoria-da-actio-nata. Acesso em: 23 dez 2024.
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