Resumo: A feitura da Lei 11.804/2008 trouxe inovações quanto ao deferimento de alimentos em período gestacional sem a necessidade de comprovação de vínculo de parentesco com o réu, ficando essa comprovação após o nascimento do nascituro. Entretanto, abriu precedentes para uma injusta imposição àqueles que não são os verdadeiros pais do feto, visto que os condiciona a diminuir o seu patrimônio, culminando na violação ao princípio do enriquecimento sem causa. Na busca da solução desse conflito existente no âmbito familiar, é que minoritária corrente doutrinária se posiciona no sentido da possibilidade de restituição do débito alimentar, ou sua indenização em razão do dano moral e material porventura sofridos pela parte ré na ação que deferiu os alimentos gravídicos.
Palavras-chave: alimentos, nascituro, enriquecimento sem causa, restituição, indenização.
Introdução
Este trabalho tem por objetivo geral analisar a viabilidade da repetibilidade dos alimentos gravídicos em cotejo com o atual ordenamento jurídico brasileiro, direcionando-se à luz da Lei 11.804/2008, a qual prescreve os alimentos ao nascituro, desde a sua concepção. Observar-se-á o princípio utilizado pela doutrina e jurisprudência atual denominado Princípio da Irrepetibilidade dos Alimentos, voltando-se a atenção para a relativização de tal de princípio e a possibilidade de repetição e restituição do indébito alimentar.
Os objetivos específicos da monografia alinham-se no sentido de caracterizar as relações sociais que implicam na obrigação de prestar alimentos; identificar a formação do ônus probandi para a configuração dos alimentos gravídicos; averiguar o tratamento doutrinário e jurisprudencial da (ir)repetibilidade de alimentos, com enfoque principal nos alimentos gravídicos e após a comprovação da negativa de paternidade.
A hipótese circulante no trabalho insurgiu-se quanto à viabilidade de serem repetidos os alimentos gravídicos perante o nosso ordenamento jurídico atual, ainda que na forma de indenização ao lesado, em razão do dano moral e material sofridos, independentemente da má-fé da genitora.
A metodologia do trabalho formou-se através método hipotético-dedutivo e bibliográfico documental. Sendo assim, a pesquisa foi bibliográfica e baseando-se em obras literárias de diversos doutrinadores, bem como em diversos posicionamentos (jurisprudenciais) do poder judiciário brasileiro.
1. Da (ir) repetibilidade dos alimentos
A lei 11.804/2008 é bastante conhecida no meio jurídico. Através também dela é que o nascituro tem resguardado pelo ordenamento jurídico os direitos basilares da necessidade humana, como a vida e o direito a alimentos para não ter a sua dignidade como pessoa afetada. Destaca-se que quanto a isso em nada se pretende contrariar.
Em continuação, demonstra-se que mesmo sem a certeza da paternidade indicada na petição inicial e por estar baseado em indícios, o juízo defere os alimentos ao nascituro e o suposto genitor, então, é compelido aos pagamentos até que o feto nasça. A partir desse momento, será convertida a obrigação em pensão alimentícia até que seja revista, conforme prevê o artigo 6º da lei de alimentos gravídicos.
A comprovação da não paternidade dar-se-á por prova cabal de exame pericial, porém é aconselhado pela doutrina e jurisprudência que somente seja realizada após o nascimento com vida, em razão dos riscos a ambos, mãe e prole.
O nascituro é perfeitamente legítimo para postular a ação de alimentos gravídicos, entretanto, no período gestacional, cabe à mãe representá-lo. Com a finalidade de melhor esclarecer o assunto em tela, vislumbra-se abaixo ementa da decisão proferida pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal, o qual defere a representante do autor e mãe do nascituro, pedido de reforma da sentença de 1º grau e, ainda, a legitimidade do nascituro, por ora criança, em razão de seu nascimento, a fim de que seja executado o acordo judicial com força de sentença, em desfavor do possível pai alimentante.
Tem-se em seus termos parte da referida decisão:
“EXECUÇÃO DE ALIMENTOS GRAVÍDICOS. EXTINÇÃO DO PROCESSO. LEGITIMIDADE ATIVA DO NASCIDO. TÍTULO EXECUTIVO. ACORDO JUDICIAL. ART. 6º, PARÁGRAFO ÚNICO, LEI 11.804/08. I- NOS TERMOS DO PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 6º DA LEI 11.804/08, OS ALIMENTOS GRAVÍDICOS, INICIALMENTE REQUERIDOS PELA GENITORA, SÃO CONVERTIDOS EM PENSÃO ALIMENTÍCIA EM FAVOR DO NASCIDO, QUE PASSA A SER O TITULAR DO DIREITO AOS ALIMENTOS. II - O NASCIDO, PORTANTO, TEM LEGITIMIDADE ATIVA, REPRESENTADO POR SUA MÃE, PARA AJUIZAR EXECUÇÃO, CUJO TÍTULO EXECUTIVO É O ACORDO JUDICIAL HOMOLOGADO. III - APELAÇÃO PROVIDA. (TJDF, APELAÇÃO CÍVEL Nº 20090810061229, 13/01/2010)”.
Ressalta-se que a obrigação alimentar pode ser exigida judicialmente do indigitado pai, tanto antes quanto após o nascimento da prole.
E, neste diapasão, Farias e Rosenvald explicam que “os alimentos gravídicos são devidos desde a concepção, afastando-se a regra geral de que seriam devidos desde a citação, a fim de se evitar condutas artificiosas do devedor para obstar ou atrasar a sua citação, em detrimento do credor”. (apud SOUZA e CARVALHO, 2012). Portanto, se os alimentos são devidos desde a concepção, significa que retroagem a esse instante, então, em nada se contradirá quem afirmar que é extremamente possível também a execução alimentar a partir da data da constatação do concepto no ventre materno.
Superada tal fase, e nascida a criança, passa-se à realização do exame genético. Uma vez comprovada a negativa da paternidade indicada, eis a pergunta: o que poderá fazer o homem que até ali se viu compelido a cumprir com uma obrigação que não deveria realizar, por não ser o devido titular, vindo a pagar a conta no lugar de outrem?
Uma solução indicada seria a devolução desses valores, mas a doutrina e a jurisprudência dominante não permitem tal atitude em razão da incidência do princípio da irrepetibilidade dos alimentos. Para esse princípio, uma vez oferecidos os alimentos, não podem eles ser repetidos ou devolvidos, pois se destinam a utilização de consumos necessários ao feto, para que ele se desenvolva sadiamente, não tendo tal obrigação caráter patrimonial, mas sim alimentar, assistencial.
Nos termos abaixo, Dias demonstra sua admissão ao princípio elencado ao demonstrar a impossibilidade do credor de devolver os valores efetuados ao devedor. Tem-se em suas fiéis palavras as seguintes linhas:
“Como se trata de verba que serve para garantir a vida, destina-se à aquisição de bens de consumo para assegurar a sobrevivência. Assim, inimaginável pretender que sejam devolvidos. Esta verdade é tão evidente que até é difícil sustentá-la. Não há como argumentar o óbvio. Provavelmente por esta lógica ser inquestionável é que o legislador sequer preocupou-se em inseri-la na lei. Daí que o princípio da irrepetibilidade é por todos aceito, mesmo não constando do ordenamento jurídico.” (apud Gnoatto, 2010, p. 74).
Como já dito, a jurisprudência manifesta-se contrária à repetição dos alimentos e, nessa direção, tem-se o julgado da corte gaúcha nos moldes que se seguem abaixo:
“REPETIÇÃO DE INDÉBITO. ALIMENTOS PAGOS PELA GENITORA EM FAVOR DE FILHOS. ALTERAÇÃO DA GUARDA FÁTICA. DESCABIMENTO. PRESCRIÇÃO. 1. O fato de ter o filho destinatário da pensão alimentícia ter passado a residir de fato com a genitora, sem que esta tenha providenciado na imediata revisão dos alimentos, pois passou a prestar a ele alimentos in natura, não legitima a cobrança dos descontos indevidos, pois o genitor exercia ainda a guarda de dois outros filhos do casal, não se vislumbrando hipótese de má-fé. 2. A pretensão, de qualquer sorte, foi corretamente fulminada pela prescrição, pois transcorreu lapso de tempo superior a três anos entre a data da última prestação cobrada e a propositura da ação, pois o crédito está sendo cobrado pela genitora contra o genitor do alimentado. Incidência do art. 206, §3º do CPC. 3. Com relação ao pleito referente aos alimentos da filha, que foi deduzido pela genitora, não ficando comprovado que houve alteração fática da guarda e que os alimentos pagos reverteram para a filha, a ação é manifestamente improcedente. Recurso desprovido. (Apelação Cível Nº 70057884587, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves, Julgado em 29/01/2014).”
Importante salientar que nessas situações a balança não está alinhada, mas pendendo apenas para um lado e favorecendo outro, fundando-se em um princípio característico das prestações alimentares, mas não prescrito em lei.
Outro motivo ensejador do juiz não reconhecer o direito ao ressarcimento do ofendido assenta-se no entendimento de que é possível a continuação das prestações alimentares, por ter-se formado um vínculo afetivo entre o suposto pai e a criança.
Fundamentam as cortes que existe afeto entre as partes, homem e criança, as quais fazem os papéis de pai e filho na relação estabelecida. E ainda que falte a relação de parentesco, persiste o entrelace afetivo e é, portanto, caracterizador de exigência alimentar.
A corte gaúcha, firme neste sentido, mais uma vez entendeu estar correto o exposto no parágrafo anterior. É o que se extrai da Apelação Cível nº 70039710645, julgada no ano de 2011.
“APELAÇÃO. DECISÃO MONOCRÁTICA. AÇÃO DE DISSOLUÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL. VERBA ALIMENTAR PROVISÓRIA. EXONERAÇÃO DE ALIMENTOS. IMPOSSIBILIDADE. Ainda que o exame de DNA tenha concluído pela ausência de parentesco entre as partes, o laudo não tem o condão de afastar possível vínculo sócio afetivo, questão que depende de ampla dilação probatória, para oportuna sentença. Não estando afastada a paternidade sócio afetiva, devem ser mantidos hígidos os deveres parentais, dentre os quais o de prestar alimentos ao filho, mormente recém iniciada a ação negatória da paternidade. APELAÇÃO DESPROVIDA. (Apelação Cível Nº 70039710645, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Roberto Carvalho Fraga, Julgado em 11/05/2011)”.
Na justiça mineira, prevalece o mesmo entendimento explanado pelo tribunal supracitado:
“AGRAVO DE INSTRUMENTO. PROCESSUAL CIVIL. NEGATÓRIA DE PATERNIDADE. EXONERAÇÃO DE ALIMENTOS. PATERNIDADE SÓCIO-AFETIVA. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. REQUISITOS. AUSÊNCIA. Enquanto pendente de julgamento a ação negatória de paternidade, ainda que exista exame de DNA afastando a paternidade biológica, persiste o dever do alimentante de prestar os alimentos. A relação sócioafetiva é fato que não pode ser, e não é, desconhecido pelo Direito. (TJMG. Agravo de Instrumento nº. 1.0024.09.538367-5/001 (1). Relator: ANTÔNIO SÉRVULO. Julgamento: 20/10/2009. Publicação: 11/12/2009)”.
Sabe-se que os alimentos podem ser revistos a qualquer tempo, mas segundo o artigo 13, da lei 5.478/68, desde que haja alteração na “situação financeira” (BRASIL, 1968) da parte que postulou os alimentos ou da parte que os recebeu. A lei 11.804/2008 também prescreve nesse sentido em seu artigo 6º, parágrafo único, porém, estabelece que somente depois do nascimento com vida do nascituro é que poderá ser pleiteada a revisão.
Além do artigo acima, outro dispositivo legal admite a revisão da obrigação alimentar. Trata-se do artigo 1.699[1], do CC/2002, segundo o qual na revisão pode ser postulada a “exoneração, redução ou majoração do encargo”.
Salienta-se que não está isolado na doutrina tal entendimento acima disposto, pois se têm, nesse sentido, as palavras de Freitas, o qual corrobora as informações prestadas nas linhas abaixo descritas:
“Independentemente do reconhecimento da paternidade, por serem os critérios fundantes da fixação do quantum da pensão de alimentos e dos alimentos gravídicos diferentes, não sendo suficientes ou demasiados, urge revisá-los nos mesmos moldes do que informa o artigo 1.699 da Lei Civil de 2002” (apud DONA, 2012, p. 2).
Apegando-se à redação literal do artigo 1.699, do CC/2002, denota-se que ele não manifesta um momento fixo para se propor a ação revisional, e a lei 11.804/2008 não proíbe que sejam revisados antes do nascimento da criança, mas apenas assevera que após o nascimento com vida podem as partes solicitar a sua revisão.
Sendo assim, alguns estudiosos do direito entendem que os alimentos podem ser reanalisados desde o período gestacional, uma vez que tenha havido mudança na remuneração percebida por quem fornece os alimentos, ou na de quem os recebe. Destaca-se que é a posição defendida por Manenti, segundo a qual relata que: “a revisão poderá ser realizada durante a gestação, embora pela morosidade processual, dificilmente se verá o fecho da demanda antes do nascimento do menor”. (apud, DONA, 2012, p. 2).
Portanto, não é por costume ser ajuizada tal demanda, pois em razão do atopetamento de processos existentes no Poder Judiciário brasileiro, o pedido correria o risco de ser analisado somente depois que a criança já estivesse fora do corpo materno, por decorrência de seu nascimento, o que, consequentemente, frustraria o intuito proposto na petição inicial.
Em continuidade ao assunto, uma vez postulada a revisão, independentemente do caráter do alimento definido anteriormente, diz-se provisório, provisional ou definitivo, o efeito da reanálise será o mesmo, ou seja, o efeito ex nunc. Significa dizer que o dever da obrigação majorada ou minorada não retroagirá, cumprindo-se a obrigação revisada a partir da data da nova sentença que definir mais ou menos valores financeiros prestados ao alimentado. Reforça explicando Cahali que “ocorrendo a redução da pensão pela sentença definitiva, o melhor entendimento orienta-se no sentido de que, uma vez reduzida a pensão provisional [cautelar ou provisória], a redução prevalece desde a data da sentença contra a qual houve apelação [...]”. (apud MIRANDA S R, 2010, p. 70).
E, por fim explica-se que a repetibilidade dos alimentos não é aceita pela doutrina e jurisprudência dominante e seu efeito não volta à data da citação, pois poderia abrir precedente ao inadimplemento da obrigação por parte do devedor, caso fosse minorada ou extinta na ação revisional, pois na expectativa de ter a obrigação modificada, deixaria o devedor de cumprir com a obrigação ou a efetuaria em quantia que ele imaginasse ser justa.
Nesse sentido entende a doutrina:
“A irrepetibilidade também se impõe para desestimular o inadimplemento. A exclusão dos alimentos ou a alteração para menor do valor da pensão não dispõe de efeito retroativo. O ingresso da demanda revisional intentada pelo alimentante não pode servir de incentivo a deixar de pagar alimentos ou a proceder à redução do seu montante do modo que melhor lhe aprouver. O novo valor passa a vigorar tão-somente com referência às parcelas vincendas. Caso assim não fosse, fixados os alimentos, simplesmente deixaria o devedor de proceder ao pagamento na esperança de ver-se desonerado. Portanto, a redução ou extinção do cargo alimentar dispõe sempre de eficácia ex nunc, ou seja, alcança somente as parcelas futuras. (DIAS, apud GNOATTO, 2010, p.75)” (grifo existente na redação original).
Neste subitem, tentou-se abordar acerca da irrepetibilidade dos alimentos gravídicos, conceituando e explicando o seu significado e aplicação dentro do ordenamento jurídico doutrinário e jurisprudencial. No próximo passo, convida-se para atentar-se aos danos indenizáveis face aos pais biológicos, ou em quais situações poderiam ser indenizados os devedores que cumpriram indevidamente no lugar de outrem a obrigação alimentar, em razão de sentença judicial imposta a eles.
2 Dos danos indenizáveis face aos pais biológicos.
Inicialmente, gostar-se-ia de abordar a respeito de Isaac Newton, um conceituado físico inglês presente na história da comunidade científica e que em “1967 publicou uma obra de três volumes denominada Philosophiae Naturalis Principia Mathematica. As leis explicavam vários comportamentos relativos ao movimento de objetos físicos e foi um extenso trabalho no qual ele dedicou-se”. (REIS, 2013, p. 80). Dentre as três teorias formuladas por Newton, a última é a que se deseja aplicar um maior destaque nesta fase da monografia.
Introdutoriamente, a forma fiel da terceira lei formulada pelo físico pode ser vislumbrada com a seguinte redação: “Actioni contrariam semper et aequalem esse reactionem: sine corporum duorum actiones in se mutuo semper esse aequales et in partes contrarias dirigi”.(REIS, 2013, p. 80). Mencionada teoria é muito conhecida até os dias atuais, porém com a nomenclatura de teoria da ação e reação, parte tal princípio da premissa de que sempre haverá um retorno igual a toda força praticada entre corpos conflitantes. Ou segundo Reis, “a toda ação há sempre oposta uma reação igual, ou, as ações mútuas de dois corpos um sobre o outro são sempre iguais e dirigidas a partes opostas”. (REIS 2013, p. 80)
Ao se mencionar a teoria da ação e reação, destaca-se que não se projeta causar dúvida quanto a interpretação presente nas duas searas citadas. No campo da física, a palavra “ação” é empregada com o sentido de manifestação de uma força, e no âmbito jurídico processual civil, significa “a faculdade, concedida ao titular de um direito, de vir pleiteá-lo em juízo” (SILVA P, 2010, p. 29).
Apesar de ser também uma força, essa não é humana, física, mas subjetiva, um desejo, que paira no campo das palavras, exteriorizando-se por meio da escrita a qual é direcionada a um juiz.
Retoma-se a intenção de mostrar que a física já constatou que pode e irá haver consequências de todo ato praticado. Fazendo-se um paralelo com a nova lei de alimentos, entende-se que a Presidência da República não demonstrou o mesmo entendimento ao vetar o artigo 10 da lei 11.804/2008, por ocasião de sua aprovação.
Esclarece-se que o dispositivo em tela trazia a possibilidade de indenização ao suposto pai, na própria ação de alimentos gravídicos, desde que tivesse o exame pericial genético resultado negativo[2].
Entende-se que uma possível causa para o veto seria porque muitas gestantes poderiam deixar de buscar os direitos de sua prole, em razão de se verem compelidas futuramente ao pagamento indenizatório ao homem indicado por elas na petição inicial, ante a negativa do exame genético.
O veto pode ser observado nos seguintes moldes:
“Trata-se de norma intimidadora, pois cria hipótese de responsabilidade objetiva pelo simples fato de se ingressar em juízo e não obter êxito. O dispositivo pressupõe que o simples exercício do direito de ação pode causar dano a terceiros, impondo ao autor o dever de indenizar, independentemente da existência de culpa, medida que atenta contra o livre exercício do direito de ação.” (BRASIL, 2008).
Entretanto, enfatiza-se que com tal atitude, muito mais do que simplesmente proteger a gestante, a Presidência da República ao vetar o artigo 10, vetou também o direito do homem de reaver a sua dignidade recomposta ao ser ressarcido moral e materialmente de todo o dano sofrido.
Quanto à dignidade pessoal violada pelo gravame sofrido, a jurisprudência tem admitido o ressarcimento do réu, e com a finalidade de provar o que se afirma é que se visualiza o julgado proferido pela 6ª Câmara de Direito do Tribunal de Justiça paulista nas verbetes abaixo transcritas:
“A atitude da ré, sem dúvida alguma, constitui uma agressão à dignidade pessoal do autor, ofensa que constitui dano moral, que exige a compensação indenizatória pelo gravame sofrido. De fato, dano moral, como é sabido, é todo sofrimento humano resultante de lesão de direitos da personalidade, cujo conteúdo é a dor, o espanto, a emoção, a vergonha, em geral uma dolorosa sensação experimentada pela pessoa. Não se pode negar que a atitude da ré que difundiu, por motivos escusos, um estado de gravidez inexistente, provocou um agravo moral que requer reparação, com perturbação nas relações psíquicas, na tranquilidade, nos sentimentos e nos afetos do autor, alcançando, desta forma, os direitos da personalidade agasalhados nos inc. V e X do art. 5° da CF. (6ª Câmara de Direito Privado do TJSP, apel. 272.221-112, 10.10.1996). (apud DONA, 2012, p. 3)”.
Segundo explicação presente no veto, ao prever a possibilidade de ação indenizatória contra a gestante, o artigo inadmitido trouxe “norma intimidadora que atenta contra o livre exercício do direito de ação”, fazendo a Presidência direta ligação com o inciso XXXV, do artigo 5º, da CF/88, o qual define que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”[3].
Todavia, ao proteger o direito de ação do feto, representado pela mãe, o que pretendeu o Executivo foi desamparar o direito do indigitado pai de acionar judicialmente a responsável pelo seu dano.
A Carta Magna também assevera a igualdade entre todos, é o que se extrai do caput do artigo mencionado anteriormente[4]. Porém, essa igualdade não foi respeitada pelo detentor do poder de aceitar ou não o artigo 10, da lei 11.804/2008. Entende-se haver um conflito entre princípios constitucionais[5] com a mesma força legal, e que devem ser levados a análise com o mesmo peso constitucional que possuem.
Aqui se encontra o paralelo feito entre as duas disciplinas citadas, a física e a jurídica, pois à mulher que provoca o Poder Judiciário e injustamente obriga outrem a cumprir o que não é seu dever legal, de certa forma impulsionou-se a praticar uma ação (não física, mas jurídica com resultados no mundo real) e, em contrapartida deveria sofrer a reação, ou seja, as consequências por seus atos praticados de forma ilícita e danosa ao homem, réu da demanda e falsamente indicado como pai do menor.
Diz-se ilícita a atitude da mulher. Contrário ao entendimento da jurisprudência e doutrina dominantes, o direito positivo prevê a reparação ao dano causado, é o caso do artigo 186, do CC/2002, o qual evidencia a base da possível indenização postulada judicialmente e destacada nessa parte do texto. Os termos do artigo legal citado anteriormente vislumbram-se nos seguintes moldes: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”. (BRASIL, 2002)
Nesse mesmo diapasão manifestou-se Silva T, ao concordar com a possibilidade de a mãe indenizar o suposto pai, acrescenta a civilista suas considerações nos trechos a seguir:
“Pronuncia-se pelo dever de a autora indenizar o réu invocando, para tanto, o art. 186 do Código Civil, que prevê a responsabilidade subjetiva, isto é, condicionada a presença do dolo ou culpa, argumentando que o veto visou eliminar apenas a responsabilidade objetiva da autora, o que lhe imporia o dever de indenizar independentemente da apuração da culpa e atentaria contra o livre exercício do direito de ação.” (apud SILVA D G, 2013, p. 21).
Caso não se convença o juiz com o artigo mencionado alhures para a procedência da demanda, outro dispositivo poderá amparar a petição direcionada com o fim reparatório, cita-se o artigo 927, do Código Civil, que assim assevera que: “Aquele que por ato ilícito causar dano a outrem fica obrigado a indenizá-lo”. (BRASIL, 2002)
Argumenta-se ainda que o erro causado pelo Executivo, no passado, é mantido pelos aplicadores do direito até os dias atuais, uma vez que se resiste em admitir a repetibilidade dos alimentos ou sua indenização moral e material.
No entanto, louvável corrente doutrinária, ainda que minoritária, vem pronunciando-se no sentido de que é possível haver uma relativização do princípio da irrepetibilidade dos alimentos. Segundo essa vertente “o princípio da irrepetibilidade não é, todavia, absoluto e encontra limites no dolo em sua obtenção, bem como na hipótese de erro no pagamento dos alimentos” (GONÇALVES, apud FERREIRA FILHO, 2010).
Une-se ao posicionamento do doutrinador supracitado por tratar-se de total equidade com as partes, não oportunizando direitos desproporcionais a nenhuma delas, por não deixar que uma tenha máxima proteção e a outra se veja desamparada. Ao agir dessa forma, alinhar-se-á a balança da lei.
A jurisprudência apega-se ao evento de os alimentos gravídicos possuírem o condão de preservar o nascituro, e por isso não observa com muita cautela os indícios caracterizadores da provável paternidade.
Notório é o fato de esse ser em formação não poder ser prejudicado em razão de incongruências judiciais e, por isso, correto é o deferimento das prestações alimentares impostas ao réu. No entanto, o que se visa mostrar, aqui, é a situação de o indigitado pai não poder ser reparado através dos meios judiciais pelos danos imputados a ele, por ocasião de uma gestação a qual ele não tinha laço de parentesco algum.
Em uma análise superficial, arrisca-se a dizer que, na vista de terceiro que não é parte da relação jurídica existente na demanda, nota-se que o magistrado não amplia a sua visão quanto ao alcance das consequências danosas trazidas ao suposto pai, ou no mínimo as ignora. Fonseca, com suas nobres escritas melhor esclarece a esse respeito ao explicar que: “Uma imputação de paternidade indevida, poderá destruir casamentos, uniões estáveis, bem como possibilitar o desembolso de quantia alimentar muitas vezes irrecuperável”. (apud SILVA D G, 2013, p. 21-22).
Significa dizer que ao bater na porta do Poder Judiciário e compelir o hipotético genitor ao pagamento de verbas alimentares gravídicas, a genitora não afeta somente o réu da demanda, pois se esse houver constituído casamento ou união estável com outra mulher, respingarão os danos também em sua família, que pode vir até mesmo a se desfazer em virtude de tal imposição.
Com a finalidade de provar tal erro cometido pela parte autora, o réu, certamente, requererá a realização de exame que certifique o contrário afirmado pela gestante na petição inicial, ou seja, que ele não é o verdadeiro pai do feto gerado.
Ressalta-se que se a situação estivesse invertida e o exame houvesse sido solicitado pela mãe, mas o indigitado genitor resistisse em realizá-lo, aplicaria o magistrado o que diz a súmula 301[6], do Superior Tribunal de Justiça, segundo prescreve que: “Em ação investigatória, a recusa do suposto pai a submeter-se ao exame de DNA induz presunção juris tantum de paternidade”. Ou seja, ao homem que negar-se em fazer o exame de DNA será presumido como pai e ficará, da mesma forma, obrigado a efetuar os alimentos ao menor.
No entanto, neste ponto específico abre-se precedente para uma situação que, por vezes, ocorre nessas ações alimentícias, e é pouco conhecida pela sociedade, é o caso de a mãe negar-se em liberar o filho para a realização do exame genético. Qual será o posicionamento da justiça a esse respeito?
Entendeu a 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, no ano de 2009, que a recusa da mãe em realizar o exame gera a presunção de que o indigitado pai não é o verdadeiro genitor do menor. Trata-se do Recurso Especial nº 786312 / RJ o qual se vislumbra ementado abaixo:
“RECURSO ESPECIAL. AÇÃO NEGATÓRIA DE PATERNIDADE. PRESUNÇÃO DEPATERNIDADE NÃO INCIDENTE NA HIPÓTESE. RECUSA REITERADA DA MÃE ASUBMETER O MENOR A EXAME GENÉTICO. QUADRO PROBATÓRIO. EXISTÊNCIA DE LAUDO NOS AUTOS NEGANDO A PATERNIDADE. AUSÊNCIA DE VÍNCULO DE PARENTESCO ENTRE AS PARTES. RECONHECIMENTO. POSSIBILIDADE. FILIAÇÃO AFETIVA NÃO CONFIGURADA. ESTADO DE FILIAÇÃO. DIREITO PERSONALÍSSIMO. 1. A presunção de paternidade prevista no art. 1597 do Código Civil não é aplicável à espécie, porquanto esta vige nos casos em que acriança nasce depois de 180 dias do início da convivência conjugal. Na espécie, a criança foi gerada um mês após o matrimônio. 2. A persistente recusa ao exame pericial perpetrada pela mãe da criança, conjugado à existência de um laudo nos autos atestando a ausência de vínculo de parentesco entre as partes, somado, ainda, à conduta do autor, se dispondo a realizar por diversas vezes novo teste genético em juízo e à ausência de prova testemunhal em sentido diverso, dá ensejo a que seja reconhecido o alegado maltrato ao art. 232 do Código Civil. 3. É preciso advertir que não se está a dizer que a simples recusa da mãe à submissão do menor ao exame de DNA faz presumir a inexistência de vínculo filial. 4. Não há, a princípio, vínculo entre as partes suficiente a configurar, mesmo que fosse, a filiação afetiva, definida pela estabilidade dos laços afetivos construídos no cotidiano de pai e filho. 5. A manutenção de um vínculo de paternidade a toda força impede a criança de conhecer seu verdadeiro estado de filiação, direito personalíssimo, nos termos do art. 27 do Estatuto da Criança e do Adolescente. 6. Recurso especial conhecido e provido. (STJ, Resp. nº 786312 / RJ, 21/05/2009).”
Concorda-se com o julgado acima, visto que a mãe não pode negar-se de realizar o exame e, ainda favorecer-se com isso, pois se opõe totalmente ao disposto no artigo 231, do CC/2002, o qual prescreve que: “Aquele que se nega a submeter-se a exame médico necessário não poderá aproveitar-se de sua recusa”. Pois é a perícia a prova mais contundente que pode se valer o devedor para provar o erro cometido contra ele.
Portanto, a mãe que não permitir o cumprimento da prática da perícia genética poderá sofrer com as consequências de suas atitudes, segundo as quais tentam cercear a defesa do suposto pai para provar a falsa paternidade incumbida a ele.
Entende-se que após a comprovação da não paternidade do alimentante por meio de perícia genética, o homem lesado juridicamente poderá pleitear anulação do registro de filiação do menor culminada com a exoneração dos alimentos. É o que julgou a jurisprudência do Tribunal de Justiça gaúcho no ano de 2010.
“APELAÇÃO CÍVEL. ANULATÓRIA DE REGISTRO CIVIL CUMULADA COM EXONERAÇÃO DE ALIMENTOS. É passível de anulação o registro civil de nascimento de menor quando efetuado mediante declaração exclusiva da mãe, que aponta paternidade do ex-cônjuge, de quem estava separado há mais de três anos. Verificado o erro do registro, mais o exame de DNA que exclui a possibilidade da paternidade e, ainda, indemonstrada a relação de sócioafetividade, merece provimento a ação que pede a anulação do assento de nascimento. Desfeito o registro de nascimento, e afastada a paternidade sócioafetiva, não subsiste a obrigação alimentar. RECURSO PROVIDO. (Apelação Cível Nº 70035257005, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Claudir Fidelis Faccenda, Julgado em 10/06/2010)”.
Retomando o raciocínio, explica-se que a responsabilidade objetiva da gestante fora excluída da apreciação do Poder Judiciário através do veto do artigo 10, da lei 11.804/2008, porém outra tese poderia ser seguida, caso o suposto pai e autor da ação de reparação de danos tenha interesse em demandar judicialmente.
Refere-se à responsabilidade subjetiva da gestante, que diz respeito aos danos morais e materiais, perfazendo-se esse último nos valores desembolsados pelo alimentante até o julgamento do mérito da ação citada que também possui a nomenclatura de ação de repetição de indébito.
Pois bem, mas de que forma poderiam ser reavidas essas quantias, visto que da mãe somente poderão ser buscadas se restar provado o dolo ou a culpa, o que na realidade é de difícil comprovação.
Nesse padrão, uma corrente não acompanhada em sua maioria, posiciona-se no sentido de que o suposto pai pode pleitear do verdadeiro genitor do alimentado a reparação pelo dispêndio financeiro efetuado erroneamente. “A norma adotada pelo nosso direito é destarte a seguinte: quem forneceu os alimentos pensando erradamente que os devia, pode exigir a restituição do valor dos mesmos do terceiro que realmente devia fornecê-los”. (WALD, apud DONA, 2012, p. 3).
Quanto aos alimentos previstos pela lei 5.478/68, a jurisprudência já se manifestou procedente, é o que se extrai da ementa observada abaixo:
“ALIMENTOS. REPETIÇÃO DE INDÉBITO. INDUÇÃO EM ERRO. Inexistência de filiação declarada em sentença. Enriquecimento sem causa do menor inocorrente. Pretensão que deve ser deduzida contra a mãe ou contra o pai biológico, responsáveis pela manutenção do alimentário. Restituição por este não é devida. Aquele que fornece alimentos pensando erradamente que os devia pode exigir a restituição do seu valor do terceiro que realmente devia fornecê-los. (Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, Apelação 248/25 Luiz Antonio de Godoy. 1ª Câmara de Direito Privado. 24/01/207). (apud FERNANDES, 2010, p. 7)”.
Conforme dito em outra oportunidade, a doutrina não é das mais amplas quanto a admitir a repetição do indébito, dentre os poucos doutrinadores adeptos à relativização do princípio da irrepetibilidade dos alimentos, destaca-se além de Gonçalves, o posicionamento de Cahali, o qual em suas louváveis palavras ensina que:
“Todo o suposto pai que foi lesado, por não ser pai e realizou o pagamento de tais alimentos no período da gravidez e até mesmo após o parto, de todo não fica desamparado, apesar da irrepetibilidade de alimentos, este pode pleitear a restituição a aquele que realmente os deve.” (apud SOUSA R T, 2010, p. 41).
Em suma, ensina o autor citado que o verdadeiro pai pode ser compelido judicialmente a restituir os alimentos a aquele que pagou em seu lugar. O que em nada parece distanciar-se do que se entende por justo.
Das linhas apresentadas compreende-se, ainda, que a restituição pecuniária alimentar origina-se desde a concepção, ou seja, a partir do primeiro pagamento efetuado ao alimentando, estendendo-se até o período posterior ao seu nascimento, que se extinguirá quando cessar a obrigação de prestar os alimentos.
Mostra-se evidente a resistência dos tribunais atuais em determinar a repetição dos alimentos ou ainda o dano moral sofrido pelo indigitado pai. Apesar disso, vislumbram-se algumas decisões positivas no sentido de deferir ao homem indenização moral por ter sido enganado pela mulher, mãe da criança.
Dentre os poucos, porém inovadores julgados existentes cita-se a decisão proferida pela 48º Vara Cível da Capital do Estado do Rio de Janeiro, sob o processo nº 0208251-35.2011.8.19.0001, que no ano de 2012, condenou uma mulher ao pagamento no valor de R$35.000,00 (trinta e cinco) mil reais, a título de indenização material. Segundo o portal eletrônico do Tribunal, a ex-mulher agiu de má-fé ao receber alimentos de seu ex-marido, o qual ela sabia não ser o verdadeiro pai de seu filho. Não satisfeita, moveu contra ele, ação de alimentos que, na época ficou estipulada em 20% da sua remuneração[7].
Ainda que a jurisprudência se mostre resistente em proporcionar ao homem prejudicado o direito de ser reparado quanto aos erros suportados por ele em consequência da má-fé de outrem. Por vezes, os intérpretes da lei acertam ao julgar favoravelmente o pedido constante nas demandas de caráter indenizatório.
Entretanto, não são chamados os deferimentos de repetição de indébito, mas sim apenas reparação de dano moral, entende-se como se fosse dada uma nova roupagem ao termo para que não transgrida o princípio da irrepetibilidade dos alimentos.
Com o fim de aliar-se ao que fora destacado acima, menciona decisão existente na jurisprudência, que também concedeu indenização ao homem prejudicado pela má-fé da mãe da criança.
No julgado abaixo, a mãe foi condenada por ter omitido do esposo, durante cerca de 20 (vinte) anos a verdadeira paternidade do filho menor do casal, que somente tinha filiação genética da mãe. Segue ementa do Superior Tribunal de Justiça, o qual julgou o processo citado.
“Direito civil e processual civil. Recursos especiais interpostos por ambas as partes. Reparação por danos materiais e morais. Descumprimento dos deveres conjugais de lealdade e sinceridade recíprocos. Omissão sobre a verdadeira paternidade biológica. Solidariedade. Valor indenizatório. - Exige-se, para a configuração da responsabilidade civil extracontratual, a inobservância de um dever jurídico que, na hipótese, consubstancia-se na violação dos deveres conjugais de lealdade e sinceridade recíprocos, implícitos no art. 231 do CC/16 (correspondência: art. 1.566 do CC/02). - Transgride o dever de sinceridade o cônjuge que, deliberadamente, omite a verdadeira paternidade biológica dos filhos gerados na constância do casamento, mantendo o consorte na ignorância. - O desconhecimento do fato de não ser o pai biológico dos filhos gerados durante o casamento atinge a honra subjetiva do cônjuge, justificando a reparação pelos danos morais suportados. - A procedência do pedido de indenização por danos materiais exige a demonstração efetiva de prejuízos suportados, o que não ficou evidenciado no acórdão recorrido, sendo certo que os fatos e provas apresentados no processo escapam da apreciação nesta via especial.- Para a materialização da solidariedade prevista no art. 1.518do CC/16 (correspondência: art. 942 do CC/02), exige-se que a conduta do "cúmplice" seja ilícita, o que não se caracteriza no processo examinado.- A modificação do valor compulsório a título de danos morais mostra-se necessária tão-somente quando o valor revela-se irrisório ou exagerado, o que não ocorre na hipótese examinada. Recursos especiais não conhecidos. (STJ, REsp. nº 742137 (2005/0060295-2 - 29/10/2007)”.
Neste subitem dedicou-se a análise dos danos sofridos pelo indigitado pai, bem como a sua reparação pela mãe, que agiu de má-fé, ao exigir a obrigação de quem não devia. Citou-se, ainda, a responsabilidade do verdadeiro pai da criança, que ante a sua omissão, outrem foi prejudicado, ao assumir obrigatoriamente a sua posição de ascendente do nascituro e, após o nascimento, criança, ou menor.
No tópico a seguir, dedicar-se-á a análise da proibição da violação ao princípio do enriquecimento sem causa e os dispositivos que se coadunam para o fortalecimento de tal afirmação.
3. Da proibição da violação ao princípio do enriquecimento sem causa
O Código Civil de 1916, outrora vigente no ordenamento jurídico brasileiro já tratava sobre o ressarcimento daquele que pagou indevidamente a outrem, porém a isso era dado o nome de “Pagamento Indevido”, tal disciplinamento apresentava-se na forma dos artigos 964 a 971, da Seção VII, constante no Capítulo II e Título II do Livro III do Código revogado. No mesmo sentido, o atual Código, dedicou um capítulo especial a esse instituo dando-lhe uma nova nomenclatura denominada “Enriquecimento sem Causa”, e que está expressamente elencado através dos artigos 884 a 886, do CC/2002.
Ser o consumidor compelido a pagar dívida já solvida (Código de Defesa do Consumidor, artigo 42, parágrafo único) e/ou alguém efetuar o pagamento resultante de negócio jurídico como, por exemplo, de compra e venda com pessoa que ele desconheça ser incapaz (artigo 310, CC/2002), são fatos ensejadores ao enriquecimento sem causa. A isso a lei e a doutrina manifestam repúdio, entendendo que aquele que recebeu o valor indevido deverá devolvê-lo para quem o efetuou.
Em linhas bem gerais conceitua-se que enriquece sem causa aquele que através do esforço financeiro de outrem, beneficia-se sem justo e coerente motivo, agregando ao seu patrimônio os frutos da capacidade alheia, sem que tenha concorrido para tal vantagem.
Em sua obra, França melhor explica acerca do assunto, ao asseverar que “enriquecimento sem causa, enriquecimento ilícito ou locupletamento ilícito é o acréscimo de bens que se verifica no patrimônio de um sujeito, em detrimento de outrem, sem que para isso tenha um fundamento jurídico”. (apud, SOUSA V E S, 2011).
Afunilando-se o entendimento e direcionando-se mais precisamente ao campo dos alimentos decorrentes de vínculo de parentesco, poderia dizer-se que enriquece sem causa aquele que percebe verbas alimentares de quem não os devia prestar, vindo a obter obrigatória vantagem judicial daquele que atua como vítima da lei por imposição sentencial.
Recapitulando-se um pouco do que fora dito anteriormente, realizada a perícia após o nascimento e constatada a não paternidade, o homem prejudicado poderá buscar judicialmente o ressarcimento das finanças desembolsadas por ele, em razão da imputação de suposta paternidade do alimentado.
Enfatiza-se que enriquecer não é errado, como, por exemplo, a pessoa que foi beneficiada com uma doação. Na verdade, o errado é enriquecer com os proventos de outrem, sem que haja um motivo jurídico lícito pata tal enriquecimento, e é por isso que se invoca a flexibilização do princípio da irrepetibilidade dos alimentos gravídicos, adicionada conjuntamente com a violação ao princípio do enriquecimento sem causa. Adepto a essa corrente, tem-se as palavras do doutrinador Coelho F U a seguir destacadas:
“O enriquecimento, em si, nada tem de imoral ou ilegal. Ao contrário, quando fundado em causa jurídica legítima, é sempre objeto de proteção pelo direito. A vítima de danos morais, ao ser indenizada, experimenta necessariamente um enriquecimento patrimonial, já que o dinheiro recebido não repõe nenhuma perda de bem; destina-se, isto si m, a atenuar a dor causada por acidente ou conduta culposa de outrem. ada há de reprovável nesse enriquecimento, nem no resultante de trabalho honesto e dedicado, de rendimento de valores mobiliários ou investimento, de prêmios lotéricos etc. A juridicidade da causa torna o enriquecimento digno de amparo na ordem jurídica.” (apud MEDEIROS FILHO, 2010, p. 41).
O artigo 877[8], do CC/2002, prevê que para invocar o ressarcimento de tais verbas deve ser provado o erro, que no caso significa a má-fé da mãe ao indicar inverídico pai para seu filho. Então, evidenciada a falha, adicionada a maldade da genitora em auferir lucros com a gravidez, o homem, indigitado pai poderá solicitar a devolução do que pagou fundamentando-se que houve violação ao princípio do enriquecimento sem causa.
Por certo que os alimentos gravídicos são necessários para a manutenção da vida, entretanto, não podem servir de base para o enriquecimento da mãe, pois assim, abrem-se precedentes para tornar-se a gravidez um negócio altamente lucrativo, ante a facilidade do Poder Judiciário em deferi-los, com rasos fundamentos, sem uma análise mais profunda de cada situação.
Cita-se, a título exemplificativo, o caso do homem que foi compelido a pagar os alimentos gravídicos por ter ele efetuado a compra de um berço infantil a gestante. Questiona-se a fragilidade da prova trazida ao processo pela mulher. A ementa do julgado mencionado pode ser vislumbrada nas linhas abaixo:
“AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE ALIMENTOS GRAVÍDICOS. POSSIBILIDADE, NO CASO. 1. O requisito exigido para a concessão dos alimentos gravídicos, qual seja, "indícios de paternidade", nos termos do art. 6º da Lei nº 11.804/08, deve ser examinado, em sede de cognição sumária, sem muito rigorismo, tendo em vista a dificuldade na comprovação do alegado vínculo de parentesco já no momento do ajuizamento da ação, sob pena de não se atender à finalidade da lei, que é proporcionar ao nascituro seu sadio desenvolvimento. 2. No caso, a nota fiscal relativa à aquisição de um berço infantil em nome do agravado, juntada ao instrumento, confere certa verossimilhança à indicação da insurgente acerca do suposto pai, o que autoriza, em sede liminar, o deferimento dos alimentos gravídicos postulados, no valor de 30% do salário mínimo, quantia significativamente módica. AGRAVO DE INSTRUMENTO PROVIDO. (Agravo de Instrumento Nº 70046905147, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ricardo Moreira Lins Pastl, Julgado em 22/03/2012)”
Conforme interpretação literal do artigo 876, do CC/2002, segundo o qual disciplina que “todo aquele que recebeu o que não lhe era devido fica obrigado a restituir[9]”. Entende-se que por analogia, persiste, aqui, que se não for ressarcido o lesado, estará o lesante enriquecendo-se sem justo motivo para fazê-lo.
O artigo 884, do CC/2002, o qual disciplina tal princípio, prevê que: “Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários”. Demonstra o dispositivo com dada redação, total repúdio àquele que tenta beneficiar-se às custas dos ganhos percebido por outra pessoa.
O enriquecimento estabelece-se em razão de o indivíduo ter o seu patrimônio diminuído, no caso o indigitado pai, para aumento do patrimônio de outrem, a mãe e o nascituro. Tal situação é vedada pelo direito positivo. Portanto ao pagar o homem alimentos gravídicos a um ser que não é o seu filho, no lugar do verdadeiro pai, por má-fé da mãe, o princípio em tela é totalmente violado.
A doutrina é clara ao enfatizar que para haver fundamento para a invocação da inviolabilidade de tal princípio é necessário estarem presentes quatro requisitos, quais sejam: “a) o enriquecimento de alguém; b) o empobrecimento de outrem; c) o nexo de causalidade entre o enriquecimento e o empobrecimento; e d) a falta de causa ou causa injusta”. (GOMES, apud HENZ, p.1).
Dos requisitos acima se extrai a conclusão de que nas ações de alimentos o enriquecimento é da mãe e sua prole; o empobrecimento é do homem lesado financeiramente; o nexo de causalidade é o favorecimento do credor, frente a obrigação imputada ao devedor; e por fim, a ausência de justa causa dá-se na comprovação pericial negatória da paternidade.
Nos trechos alhures tentou-se destacar acerca da violação ao princípio do enriquecimento sem causa existente nas prestações alimentícias gravídicas quando da comprovação da inverídica paternidade anunciada pela mãe na petição inicial, do processo que deferiu os alimentos.
Considerações Finais
O acesso à justiça deve ser possibilitado a todos que se sentirem lesados nos seus direitos, independentemente do sexo, raça, religião, ou etnia a que pertencerem. O Poder Judiciário, uma vez provocado, sempre analisará os motivos que levam o autor a tal provocação judicial. Entretanto, nota-se que uma parcela da sociedade está ficando sem a devida atenção.
Trata-se dos que efetuaram quantias referentes a verbas alimentares sem serem efetivamente genitores do alimentado. Dessa forma, viram-se prejudicados moral e materialmente ao serem compelidos a pagar alimentos gravídicos a um ser em potencial expectativa de vida, que é geneticamente incompatível com o indigitado genitor.
Pode-se observar após a pesquisa da doutrina e jurisprudência brasileira que muitos tribunais resistem na concessão desse pedido, e que o Tribunal de Justiça do estado do Rio Grande do Sul é o mais conservador nesse sentido.
Apegam-se os magistrados e a doutrina fervorosamente em um princípio que se descobriu não estar sedimentado na lei. Trata-se do princípio da irrepetibilidade dos alimentos, sejam eles comuns ou gravídicos. Para os que adotam esse entendimento, os alimentos são necessários para a subsistência do nascituro, o que de certa forma está correto. Entretanto, o que se tentou observar ao longo das páginas antecedentes foi a possibilidade de ser reparado aquele que sofreu em seu estado psíquico, sua honra e ainda em seu patrimônio pelo erro de outrem, independentemente de má-fé.
Entende-se que não há lei que discipline tal matéria, apenas um princípio que se formou ao longo dos anos. Portanto, se a lei é omissa quanto a sua concessão, possível é a abertura de precedentes positivos nesse sentido. Basta que exista um precursor, um iniciante que compreenda o alcance da lesão provocada ao falsamente indicado pai.
Após a gravidez, a única coisa a se fazer é criar e sustentar o novo ser a caminho. Entretanto, não é justo alguém sustentar um filho que não é seu e, mais injusto ainda é não poder ser ressarcido por isso depois.
Diante dessa problemática, intencionou-se dissertar sobre o assunto. Embora a proposta não possua muitos apoiadores, ainda assim, acredita-se na possibilidade de que a tese sustentada seja seguida majoritariamente pelos tribunais, de modo que se decida pela possibilidade de repetibilidade dos alimentos gravídicos, independentemente da má-fé da genitora.
Referências Bibliográficas
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[1] “Art. 1.699. Se, fixados os alimentos, sobrevier mudança na situação financeira de quem os supre, ou na de quem os recebe, poderá o interessado reclamar ao juiz, conforme as circunstâncias, exoneração, redução ou majoração do encargo”.
[3] Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em 07/06/2014.
[4] “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade [...]”. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em 07/06/2014.
[5] Robert Alexy no intuito de solucionar o conflito de princípios estabeleceu em sua obra que “diante do caso concreto os princípios possuem pesos diferentes e que aquele que tiver o maior peso deve prevalecer”. (apud Sapucaia, 2011). Entende-se, aqui, que o princípio da igualdade, presente no caput do artigo 5º, da CF/88, deve sobressair-se em relação ao princípio do direito de ação, previsto no inciso XXXV, do mesmo dispositivo constitucional. Visto que, ou é concedida a faculdade de postular seus direitos para ambas as partes, ou a nenhuma delas, pois no caso concreto, apenas a lesão ou ameaça de direito da genitora e sua prole são analisadas para a concessão dos alimentos. Restando o indigitado pai sem proteção legal, em virtude do dano sofrido por ele.
[6] A lei 8.560 de 29 de dezembro de 1992 sofreu, em 2009, por meio da lei 12.004, inclusão do artigo 2º-A, o qual dispõe de forma parecida com o que diz a súmula 301, STJ. Rege-se o novo dispositivo nas seguintes palavras: Na ação de investigação de paternidade, todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, serão hábeis para provar a verdade dos fatos. (BRASIL, 2009).
[7] As informações a respeito dessa sentença podem ser visualizadas através do portal de notícias do TJ/RJ, constante no endereço eletrônico sítio: <http://portaltj.tjrj.jus.br/web/guest/home/-/noticias/visualizar/78501>. Acesso em 22/06/2016.
[8] Art. 877. Àquele que voluntariamente pagou o indevido incumbe a prova de tê-lo feito por erro. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em 12/06/2014.
[9] Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em 12/06/2014.
Acadêmica da Faculdade Anhanguera do Rio Grande
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SOUZA, Andressa Peres de. A Possibilidade Jurídica de Relativização do Princípio da Irrepetibilidade dos Alimentos Gravídicos Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 09 ago 2016, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/47274/a-possibilidade-juridica-de-relativizacao-do-principio-da-irrepetibilidade-dos-alimentos-gravidicos. Acesso em: 23 dez 2024.
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