RESUMO: o presente trabalho pretende investigar o tratamento tributário conferido à alienação de crédito de precatório por pessoa física, mais especificamente a possibilidade de incidência de imposto de renda sobre a cessão de crédito de precatório realizada com deságio.
Palavras-chave: Precatório. Cessão de crédito. Deságio. Configuração de ganho de capital. Incidência de imposto de renda.
1. INTRODUÇÃO
É de conhecimento público que os entes políticos, em especial os Estados, vem enfrentando sérias dificuldades para realizar o pagamento de seus precatórios no prazo estabelecido pela Constituição da República, ocasionando longa espera por parte daqueles que se sagraram vencedores em demandas em face do Poder Público e, agora, aguardam para receber os valores que lhe são devidos.
Em razão desse fato, tornou-se comum a cessão de crédito de precatórios, realizada, em regra, por quantia inferior ao do referido direito, com o nítido propósito de antecipar o recebimento de valores por parte do beneficiário.
Questiona-se, portanto, qual seria a repercussão tributária dessa cessão. Há, nas cessões realizadas com deságio, ganho de capital que configure a hipótese de incidência tributária do imposto de renda? Analisemos a matéria à luz da jurisprudência e do tratamento legal do tema.
2. DA CONFIGURAÇÃO DE GANHO DE CAPITAL NA ALIENAÇÃO DE CRÉDITO DE PRECATÓRIO
Nos termos do art. 43 do Código Tributário Nacional, o fato gerador do imposto de renda corresponde à aquisição de disponibilidade econômica ou jurídica de renda ou de proventos de qualquer natureza. Confira-se:
Art. 43. O imposto, de competência da União, sobre a renda e proventos de qualquer natureza tem como fato gerador a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica:
I - de renda, assim entendido o produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos;
II - de proventos de qualquer natureza, assim entendidos os acréscimos patrimoniais não compreendidos no inciso anterior.
§ 1o A incidência do imposto independe da denominação da receita ou do rendimento, da localização, condição jurídica ou nacionalidade da fonte, da origem e da forma de percepção. (Incluído pela Lcp nº 104, de 2001)
§ 2o Na hipótese de receita ou de rendimento oriundos do exterior, a lei estabelecerá as condições e o momento em que se dará sua disponibilidade, para fins de incidência do imposto referido neste artigo. (Incluído pela Lcp nº 104, de 2001)
Como elemento central dos conceitos de renda e proventos de qualquer natureza, tem-se a noção de “acréscimo patrimonial”, o qual, conforme lição do eminente Leandro Paulsen, “significa riqueza nova, de modo que corresponde ao que sobeja de todos os investimentos realizados e despesas efetuadas para a obtenção do ingresso...” [1].
A legislação federal do imposto de renda, ao tratar do assunto, considera como ganho de capital decorrente da alienação de direitos a diferença positiva entre o valor da transmissão do direito e o respectivo custo de aquisição. Vejamos os termos da Lei nº 7.713/88:
Art. 1º- Os rendimentos e ganhos de capital percebidos a partir de 1º de janeiro de 1989, por pessoas físicas residentes ou domiciliadas no Brasil, serão tributados pelo imposto de renda na forma da legislação vigente, com as modificações introduzidas por esta Lei.
Art. 2º- O imposto de renda das pessoas físicas será devido, mensalmente, à medida em que os rendimentos e ganhos de capital forem percebidos.
Art. 3º- O imposto incidirá sobre o rendimento bruto, sem qualquer dedução, ressalvado o disposto nos arts. 9º a 14 desta Lei.
(...)
§ 2º- Integrará o rendimento bruto, como ganho de capital, o resultado da soma dos ganhos auferidos no mês, decorrentes de alienação de bens ou direitos de qualquer natureza, considerando-se como ganho a diferença positiva entre o valor de transmissão do bem ou direito e o respectivo custo de aquisição corrigido monetariamente, observado o disposto nos arts. 15 a 22 desta Lei.
§ 3º- Na apuração do ganho de capital serão consideradas as operações que importem alienação, a qualquer título, de bens ou direitos ou cessão ou promessa de cessão de direitos à sua aquisição, tais como as realizadas por compra e venda, permuta, adjudicação, desapropriação, dação em pagamento, doação, procuração em causa própria, promessa de compra e venda, cessão de direitos ou promessa de cessão de direitos e contratos afins.
§ 4º- A tributação independe da denominação dos rendimentos, títulos ou direitos, da localização, condição jurídica ou nacionalidade da fonte, da origem dos bens produtores da renda, e da forma de percepção das rendas ou proventos, bastando, para a incidência do imposto, o benefício do contribuinte por qualquer forma e a qualquer título.
A base de cálculo do imposto, portanto, no caso da cessão de crédito objeto de precatório, é a diferença positiva entre o valor da alienação e o respectivo custo de aquisição. Ocorre que, para o beneficiário original do crédito, o custo de aquisição do precatório corresponde a zero, pois não houve, em verdade, custo algum na aquisição do direito.
Nesse sentido, milita o quanto disposto no art. 16, §4º, da Lei nº 7.713/88:
Art. 16. O custo de aquisição dos bens e direitos será o preço ou valor pago, e, na ausência deste, conforme o caso:
§ 4º O custo é considerado igual a zero no caso das participações societárias resultantes de aumento de capital por incorporação de lucros e reservas, no caso de partes beneficiárias adquiridas gratuitamente, assim como de qualquer bem cujo valor não possa ser determinado nos termos previsto neste artigo.
Dessa forma, a base de cálculo do imposto de renda na alienação de crédito de precatório é o próprio preço do negócio, independentemente da configuração ou não de deságio no negócio jurídico celebrado. A alíquota aplicável, por seu turno, encontra previsão no art. 21 da Lei nº 7.713/88.
Na esteira do entendimento ora defendido, confira-se os seguintes precedentes dos Tribunais Regionais Federais da Segunda e Quinta Regiões:
TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE RENDA. CESSÃO DE DIREITO DE CRÉDITO OBJETO DE PRECATÓRIO. CONFIGURAÇÃO DE GANHO DE CAPITAL. INOCORRÊNCIA DE BIS IN IDEM.
1. Na cessão de crédito de precatório, por se tratar de um negócio jurídico cuja natureza pressupõe a manutenção intacta do vínculo obrigacional originário: (a) o devedor/Fazenda Pública deverá cumprir a prestação ajustada em favor do cessionário, da mesma forma como cumpriria em prol do credor e (b) o terceiro/cessionário assume a situação jurídica do credor com todos os seus direitos e obrigações, inclusive no que tange ao recolhimento de tributos.
2. Embora as convenções particulares não produzam efeitos em face da Administração Pública, ante o preceituado no art. 123 do Código Tributário Nacional, nada impede que cláusulas contratuais determinem atribuição de sujeito passivo da obrigação tributária a uma das partes contratantes.
3. No caso da cessão de crédito do precatório, a isenção ou a retenção do imposto de renda na fonte decorre da relação jurídica subjacente existente entre a Fazenda e o beneficiário originário. Portanto, se houver imposto de renda a ser retido, deverá o ônus da tributação, em princípio, recair sobre o cessionário, por força da aquisição que realizou.
4. Eventuais incongruências operacionais decorrentes do negócio jurídico celebrado entre credor/cedente e terceiro/cessionário deverão, no momento oportuno, ser motivo de esclarecimento ou ajuste perante o fisco.
5. Quando o credor recebe, antecipadamente, o valor negociado com o terceiro na cessão de crédito, aufere um ganho, decorrente de um negócio jurídico. Esse ganho advém da diferença entre o patrimônio que possuía anteriormente à cessão de crédito e o que resultou do acréscimo quando do efetivo recebimento do montante negociado, sendo tal diferença compreendida como renda para fins de incidência do imposto, à alíquota de 15%.
6. Nos termos do § 4º do art. 16 da Lei nº 7.713/88, caso não haja por parte do credor nenhum dispêndio monetário na obtenção do crédito do precatório, objeto da cessão, o custo de aquisição é igual a zero.
7. Não há que se falar em bis in idem ante a existência de dois fatos geradores distintos que atraem a incidência do imposto de renda: (a) o recebimento dos valores negociados na cessão de crédito, por configurar ganho de capital, oportunidade em que se tributa o cedente e (b) o pagamento do precatório judicial, momento no qual o cessionário suportará o tributo.
8. Apelação não provida.
(Processo: AC 201351010076881, Relator(a): Desembargadora Federal LANA REGUEIRA, Julgamento: 24/06/2014, Órgão Julgador: TERCEIRA TURMA ESPECIALIZADA – TRF2, Publicação: 16/07/2014).
TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE RENDA. CESSÃO DE CRÉDITO DE DIREITO OBJETO DE PRECATÓRIO. GANHO DE CAPITAL. INCIDÊNCIA DA ALÍQUOTA DE 15%. APELOS PROVIDOS. 1. "A alienação de direitos de crédito objeto de precatório, mediante cessão onerosa em favor de terceiro, configura ganho de capital, na forma do art. 21 da Lei 8.981/95, não mais podendo o respectivo valor ostentar colorido remuneratório, uma vez que sua quitação não é realizada pelo ente político que tem a obrigação de remunerar o servidor. Em assim sendo, é devido o montante do imposto de renda, numa só vez, independentemente de ajuste anual, mediante a incidência da alíquota de 15%, ao invés daquela de 27,5%". (AC475390/AL, RELATOR P/ ACÓRDÃO: DESEMBARGADOR FEDERAL EDÍLSON NOBRE, Quarta Turma, PUBLICAÇÃO: DJE 19/04/2011) 2. De sorte que, o que na realidade se observa são dois fatos geradores distintos a atrair a incidência do imposto de renda: a cessão de crédito, momento no qual se tributa o cedente; e o pagamento do precatório judicial, oportunidade na qual será tributado o cessionário, pela Fazenda Pública titular do respectivo crédito tributário. 3. Apelações providas, para condenar a Fazenda Pública de Alagoas a restituir o valor indevidamente retido, com correção monetária e juros previstos em lei.
(AC 00049363120124058000, Desembargadora Federal Margarida Cantarelli, TRF5 - Quarta Turma, DJE - Data::12/07/2013 - Página::160.)
No mesmo sentido, há resposta da Receita Federal a consulta[2] a ela formulada, cuja ementa é a seguinte:
ASSUNTO: IMPOSTO SOBRE A RENDA DE PESSOA FÍSICA – IRPF PRECATÓRIO. CESSÃO DE DIREITO. GANHO DE CAPITAL. INCIDÊNCIA.
A cessão de direitos representados por créditos líquidos e certos contra a Fazenda Pública (precatório) está sujeita à apuração de ganho de capital, sobre o qual incidirá imposto de renda na forma da legislação pertinente à matéria.
Nesse caso, a tributação ocorre em separado, não integrando a base de cálculo do imposto na declaração de rendimentos. O valor de alienação será o montante recebido pelo cedente do cessionário e o custo de aquisição na cessão original será igual a zero, apurando-se o ganho de capital pela diferença entre esses dois valores.
Dispositivos Legais: Lei n.º 7.713, de 1988, artigos 1º a 3º e 16; Lei n.º 8.134, 27 de dezembro de 1990, artigos 2º e 18; Lei n.º 8.383, de 30 de dezembro 1991, artigos 12 e 52; Lei n.º 8.981, de 20 de janeiro de 1995, artigo 21; e Lei n.º 8.850, de 28 de janeiro de 1994, artigo 2º.
Caso o cessionário do crédito objeto do precatório efetue nova cessão, o ganho de capital será obtido da diferença positiva entre o custo de alienação e o custo de aquisição. Nesta hipótese, tendo em vista a real existência de um custo de aquisição, torna-se relevante se a operação ocorreu ou não com deságio, pois este será aferido em relação ao preço do negócio primitivo, e não em relação ao valor do crédito transferido.
Em outros termos, quer-se dizer que, caso o cessionário efetue nova cessão, e esta ocorra com deságio em relação ao custo de aquisição do crédito, então nada será devido a título de imposto de renda.
No momento da quitação do precatório pela Fazenda Pública, poderá haver nova tributação pelo imposto de renda a depender da natureza da causa que originou o precatório, independentemente da cessão do referido crédito, pois a realização do aludido negócio jurídico não modifica a natureza da verba a ser recebida.
Deve-se ressaltar, todavia, que há entendimento no sentido de que a alienação de crédito de precatório, caso realizada com deságio, configura prejuízo de capital, e não ganho de capital, ainda que o deságio seja aferido em relação ao valor objeto do precatório.
Nessa linha, caso o credor original efetue a cessão de crédito objeto de precatório por valor inferior ao do direito transferido não haveria incidência do imposto de renda. A propósito do tema, confira-se o seguinte julgado proferido pelo Tribunal Regional Federal da Primeira Região:
TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE RENDA. PRECATÓRIO ORIUNDO DE AÇÃO TRABALHISTA MOVIDA CONTRA O GOVERNO DO DISTRITO FEDERAL. VENDA COM DESÁGIO. OCORRÊNCIA DO FATO GERADOR QUANDO HOUVER GANHO DE CAPITAL. QUITAÇÃO DO PRECATÓRIO. INCIDÊNCIA NORMAL DO IMPOSTO DE RENDA. 1. A venda de precatório com deságio submete-se à previsão legal de ocorrência de fato gerador do imposto de renda, quando houver ganho de capital, nos termos do art. 51 da Lei 7.450/1985 e dos arts. 798, 799, 802, 809, 812 e 816 do RIR. 2. Se com a venda do precatório houve prejuízo de capital e não ganho de capital, não há de se falar em incidência do imposto de renda, que se justificaria apenas no caso de diferença positiva entre o valor da alienação e o custo de aquisição. 3. Quando da efetiva quitação do precatório deverá incidir normalmente o imposto de renda, nos termos do art. 792, § 2º, do RIR. 4. Se não ocorreu a retenção na fonte do tributo, apesar da especificação do valor na escritura de cessão do título referente ao precatório, muito menos o recolhimento, que somente ocorrerá com o pagamento do precatório, inadmissível o aproveitamento do valor como crédito para restituição do imposto de renda. 5. Invertidos os ônus da sucumbência. 6. Apelação e remessa oficial, tida por interposta, a que se dá provimento.
(AC 00334700320044013400, JUIZ FEDERAL OSMANE ANTÔNIO DOS SANTOS (CONV.), TRF1 - OITAVA TURMA, e-DJF1 DATA:22/06/2012 PAGINA:981.)
Portanto, conforme entendimento proferido pelo Tribunal Regional Federal da Primeira Região, a cessão primitiva de crédito de precatório, se efetuada com deságio, não realiza a hipótese de incidência do imposto de renda. Somente haveria a incidência do imposto em cessões ulteriores, caso o preço de alienação seja superior ao custo de aquisição, bem assim quando do pagamento do crédito pela Fazenda Pública, a depender da natureza da causa que originou a dívida.
3. CONCLUSÃO
Vê-se que a matéria não se encontra pacificada. Defende-se, entretanto, com todas as vênias à posição divergente, que a cessão primitiva de crédito objeto de precatório, ainda quando realizada com deságio em relação ao valor do direito, dá ensejo à incidência do imposto de renda, conforme entendimento de parcela relevante da jurisprudência e à luz da melhor interpretação dos dispositivos legais pertinentes à matéria.
Entende-se como equívoca a afirmação de que haveria prejuízo de capital nessas hipóteses, pois a aferição do deságio justificador da não incidência do imposto deve ser realizada, conforme a legislação de regência, em relação ao custo da aquisição do direito, e não em relação ao valor do direito em si mesmo considerado.
Portanto, como o custo da aquisição no caso da cessão primitiva é zero, a consequência é que há configuração de ganho de capital na hipótese, o qual corresponde ao preço da cessão de crédito.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Lei nº 7.713, de 22 de dezembro de 1998.
PAULSEN, Leandro. Curso de Direito Tributário Completo. 7ª ed. rev. atual. e ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2015.
PAULSEN, Leandro; MELO, José Eduardo Soares de. Impostos federais, estaduais e municipais. 9ª ed. rev. e atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2015.
[1] PAULSEN, Leandro; MELO, José Eduardo Soares de. Impostos federais, estaduais e municipais. 9ª ed. rev. e atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2015, p. 69-70.
[2] Disponível em: http://www.receita.fazenda.gov.br/publico/Legislacao/SolucoesConsultaCosit/2014/SCCosit1532014.pdf. Acesso em 03 de agosto de 2016.
Formado em Direito pela Universidade Federal do Maranhão e Especialista em Direito Constitucional pela Faculdade Internacional Signorelli. Atualmente sou Analista Judiciário (Área Judiciária), lotado na Seção Judiciária do Estado do Maranhão, em São Luís/MA.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MONTEIRO, Augusto Batalha. Incidência de imposto de renda sobre o ganho de capital na alienação de crédito de precatório por pessoa física Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 10 ago 2016, 04:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/47280/incidencia-de-imposto-de-renda-sobre-o-ganho-de-capital-na-alienacao-de-credito-de-precatorio-por-pessoa-fisica. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Roberto Rodrigues de Morais
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