RESUMO: O presente trabalho busca demonstrar que o objetivo de evitar a guerra fiscal entre os Estados-membros proposto pelo §2° do art. 2° da LC 24/75 (norma que regula a concessão isenções, incentivos e benefícios fiscais de ICMS), não foi atingido. A exigência de unanimidade de votos para aprovação de Convênio no âmbito do CONFAZ, para concessão de benefícios de ICMS, tem como finalidade evitar a denominada guerra fiscal, mas não é o que se observa na pratica. O tema é de suma importância, pois muitos Estados, principalmente os mais carentes, não conseguem implantar seus projetos de desenvolvimento por não conseguirem a referida unanimidade de votos.
Palavras-chave: ICMS. LC 24/75. Votação unânime. Guerra fiscal. Estados-membros.
ABSTRACT: This study aims to demonstrate that the purpose of avoiding “fiscal war” between Member-countries proposed by §2 of art. 2º of the LC 24/75 (standard which regulates the granting exemptions, incentives and benefits of ICMS) was not reached. The requirement of a unanimous vote to approve the Agreement in the CONFAZ to grant benefits of ICMS, aims to avoid the so-called “fiscal war”, but it is not what is observed in practice. The theme is very important because many countries, especially the neediest, cannot implement their development projects for failing to said unanimous vote.
Keywords: ICMS. LC 24/75. Unanimous vote. Fiscal war. Member-countries.
SUMÁRIO: Introdução. A tentativa fracassada do §2º do art. 2º da LC 24/75 em evitar a guerra fiscal entre estados-membros. Conclusão. Referências.
O art. 155, §2°, XII, “g” da CF/88 exige lei complementar para regular a forma como, mediante deliberação dos Estados e do Distrito Federal, isenções, incentivos e benefícios fiscais serão concedidos e revogados do tributo ICMS.
Atualmente, a lei complementar que regula o tema é a 24/75, especificamente o disposto no §2° do art. 2°. O referido dispositivo exige a votação unânime dos Estados no âmbito do CONFAZ para aprovação de Convênio ICMS, quando da concessão de benefícios fiscais do tributo desejado por determinado Estado-membro.
A previsão constitucional acima, ao impor deliberação conjunta entre os Estados-membros, tem a finalidade de evitar, ao menos em tese, a guerra fiscal entre eles, evitando concessões de benefícios fiscais abusivas. Entretanto, não é o que se observa na prática.
Isto posto, busca-se demonstrar que tal norma não consegue evitar a guerra fiscal entre os Estados.
Ao contrário do que se pensa, não são recentes os incentivos fiscais concedidos pelos entes federativos que municiam a tão famigerada guerra fiscal.
Tais incentivos são concedidos pelos entes tributantes desde a década de 60. Todavia, somente no início da década de 90, eles se generalizaram, em parte pela nova sistemática tributária nacional, introduzida pela Carta Magna de 1988.
Se de um lado existem fiéis defensores dos incentivos fiscais, como mecanismos de desenvolvimento econômico e social, noutra banda existem os céticos em relação aos efeitos gerados por tal medida, como nocivos à sociedade nacional.
Fato é que tal discussão não pode se esvair as esferas políticas ou empresariais, mas sim à luz de um referencial teórico, com base em estudos jurídico-tributários, sempre com base na legislação em vigor.
Frisa-se que a guerra fiscal pode ocorrer no plano municipal (em regra relacionada ao Imposto Sobre Serviços – ISS), estadual (em regra relacionada ao ICMS) e até mesmo no plano internacional (em regra com políticas aduaneiras acirradas no comércio internacional). No que interessa ao presente estudo, faz-se a análise da guerra fiscal entre os Estados, via concessões unilaterais de ICMS.
No âmbito dos Estados, a expressão guerra fiscal significa a luta predatória travada entre eles “para atraírem para seus respectivos territórios investimentos internos e externos capazes de promover o desenvolvimento industrial, comercial e social de suas regiões”[1].
Essa disputa cria desarmonia e desproporção na sistemática tributária pátria, o que exige a adoção de mecanismos para evitar a guerra fiscal. A existência de tal fenômeno no tocante ao ICMS demanda a criação de lei complementar nacional disciplinando-o, conforme se observa do texto constitucional.
Nessa linha, em obediência ao art. 155, §2°, XII, g da CF, a Lei Complementar 24/75 regula a matéria. Exige-se que a concessão de benefícios fiscais de ICMS seja precedida de deliberação conjunta dos Estados e do Distrito Federal. Atualmente, a deliberação conjunta possui a forma de Convênio celebrado no âmbito do Conselho Nacional de Política Fazendária – CONFAZ, órgão inserido na estrutura do Ministério da Fazenda, com participação dos titulares das fazendas Estaduais/Distrital e um representante do Governo Federal.
De acordo com a LC 24/75, a concessão de benefícios fiscais de ICMS dependerá sempre de decisão unânime dos Estados-membros representados. In verbis:
Art. 1º - As isenções do imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias serão concedidas ou revogadas nos termos de convênios celebrados e ratificados pelos Estados e pelo Distrito Federal, segundo esta Lei.
Art. 2º - Os convênios a que alude o art. 1º, serão celebrados em reuniões para as quais tenham sido convocados representantes de todos os Estados e do Distrito Federal, sob a presidência de representantes do Governo federal.
[...]
§ 2º - A concessão de benefícios dependerá sempre de decisão unânime dos Estados representados; a sua revogação total ou parcial dependerá de aprovação de quatro quintos, pelo menos, dos representantes presentes.
Posto a previsão legal, analisa-se sua compatibilidade com a realidade prática enfrentada pelos Estados-membros.
Não se discute que o Brasil é um país de dimensão continental e em decorrência de sua peculiar formação histórica econômica e política, sempre existiu e ainda existe enorme desproporção na distribuição das riquezas entre os Estados-membros.
Como reflexo de tal situação, os Estados menos desenvolvidos não possuem a mesma capacidade competitiva apta a atrair investimentos ante os mais desenvolvidos. Não conseguem oferecer infraestrutura satisfatória ao setor empresarial e, em consequência, perdem investimentos, leia-se, perde empresariado que geraria riqueza e desenvolvimento econômico em seu território.
Dessa forma, poucas alternativas restam aos Estados mais carentes para condicionar comportamentos desses eventuais contribuintes, no sentido de induzi-los a trazer seus investimentos para seus territórios. Acabam por adotar perversas estratégias de sobrevivência, baseadas, principalmente, na utilização corriqueira de políticas de incentivos fiscais.
O incentivo fiscal para novos empreendimentos é a melhor forma de estimular o desenvolvimento econômico das regiões mais carentes do país, no intuito de reduzir as desigualdades econômicas locais. Não obstante a CF/88 reconhecer e programar com eloquência a redução das desigualdades sociais e econômicas regionais, acabou por inviabilizar tal incentivo, ao impor aos Estados a referida limitação ao poder de isentar ICMS.
Verifica-se que na medida em que todas as unidades da Federação passam a oferecer incentivos fiscais parecidos, surge uma corrida desenfreada, uma espécie de “leilão”, onde leva as sociedades e investimentos aquele que oferecer os maiores incentivos. Ocorre que, quanto maiores são renúncias, menor a arrecadação. O resultado é inevitável, numa visão macro, nacional, o país perde em arrecadação cerca de R$ 25 bilhões ao ano[2].
Nesse diapasão, em que pese a LC 24/75 exigir aprovação de Convênio por unanimidade de votos dos Estados no âmbito do CONFAZ para concessão de isenções tributárias de ICMS, não é o que vem sendo observado na prática, frustrando-se dessa forma o objetivo de se evitar a guerra fiscal.
Na prática, o que se observa é que o referido Convênio serve apenas para conferir caráter mais burocrático ao sistema tributário, não tendo influência expressiva no combate a guerra fiscal. A desobediência ao aludido regramento pela maioria dos Estados é conduta reiterada, o que, diferentemente do que se planejava, implica no aumento da guerra fiscal, contexto que só prejudica a harmonia e o salutar desenvolvimento do país[3].
Muitos Estados vêm concedendo as referidas isenções ao arrepio do mandamento estampado na Lei Complementar supramencionada, ora com a justificativa do texto dúbio da parte final do §6° do art. 150 da CF[4] (acrescida pela Emenda Constitucional 03/93), ora pela utilização de artifícios para tentar mascarar verdadeiras isenções de ICMS, atribuindo-lhes a rubrica de não incidência. Mas ao fim ao cabo, o desejo é tão somente atrair novos investimentos em seu território burlando a sistemática do Convênio no CONFAZ.
O Supremo Tribunal Federal – STF vem se posicionando de maneira linear ante tais casos. Após diversas demandas, a tendência do STF é de evitar a guerra fiscal, isto é, reiteradamente declara inconstitucional norma estadual que concede isenções ao arrepio dos mandamentos da LC 24/73 (Convênio celebrado no âmbito do CONFAZ por unanimidade dos Estados), socorrendo-se primordialmente ao argumento de se evitar a famigerada guerra fiscal[5].
São palavras do próprio STF[6]:
“Convênios e concessão de isenção, incentivo e benefício fiscal em tema de ICMS: A celebração dos convênios interestaduais constitui pressuposto essencial à válida concessão, pelos Estados-membros ou Distrito Federal, de isenções, incentivos ou benefícios fiscais em tema de ICMS.
Esses convênios – enquanto instrumento de exteriorização formal do prévio consenso entre as unidades federadas investidas de competência tributária em matéria de ICMS – destinam-se a compor os conflitos de interesses que necessariamente resultariam, uma vez ausente essa deliberação intergovernamental, da concessão, pelos Estados-membros ou Distrito Federal, de isenções, incentivos e benefícios fiscais pertinentes ao imposto em questão.
O pacto federativo, sustentando-se na harmonia que deve presidir as relações institucionais entre as comunidades políticas que compõem o Estado Federal, legitima as restrições de ordem constitucional que afetam o exercício, pelos Estados-membros e Distrito Federal, de sua competência normativa em tema de exoneração tributária pertinente ao ICMS.”
Assim, verifica-se que o proposito almejado pelo §2º do art. 2º da LC 24/75 não foi alcançado efetivamente, pois a guerra fiscal entre os Estados continua. Muitos continuam a conceder benefícios ao arrepio dos mandamentos legais – dentre eles a ausência de Convênio celebrado por unanimidade de votos no CONFAZ. Mesmo que a tendência do STF é de vir a declarar inconstitucional tais atos unilaterais, os Estados insistem em realizar tal prática.
Prova disso é a recente publicação do Convênio ICMS 70 pelo CONFAZ (em 29 de julho de 2014), que Dispõe sobre as regras que deverão ser observadas para fins de celebração de convênio que trate da concessão de remissão e anistia de créditos tributários relativos a incentivos e benefícios, fiscais e financeiros, vinculados ao ICMS autorizados ou concedidos pelas unidades federadas sem aprovação do CONFAZ, bem como da sua reinstituição. Ou seja, muitos benefícios foram e continuam sendo concedidos indevidamente.
De acordo com o Convênio ICMS 70, deverão ser observados os termos constantes do seu anexo para remissão e anistia de débitos de ICMS relacionados à guerra fiscal. O referido anexo constitui uma minuta de Convênio, esse sim a ser celebrado pelos Estados para regulamentação da anistia e remissão mencionadas, além da reinstituição de benefícios e incentivos fiscais e financeiros.[7]
Dessa forma, a despeito da tentativa legal de se evitar a guerra fiscal entre os Estados, na prática, ela continua. A norma em comento, no plano fático, não conseguiu atingir seus objetivos.
A LC 24/75 (norma que regula a concessão isenções, incentivos e benefícios fiscais de ICMS) ao impor votação por unanimidade dos Estados em reunião no CONFAZ para aprovação de Convênio que conceda benefícios fiscais de ICMS postuladas por determinado Estado, não consegue atingir o fim ao qual foi proposto – evitar a guerra fiscal.
A referida norma inviabiliza que Estados consigam implantar projetos locais, a fim de equalizar desigualdades sociais-econômicas existentes entre as diversas regiões brasileiras, reconhecidas pela própria CF/88.
A despeito da tentativa da referida lei complementar de evitar a guerra fiscal entre os Estados, na prática, ela continua. A norma em comento, no mundo concreto, não conseguiu atingir seus objetivos.
Dessa forma, há de se buscar uma forma de harmonizar a concessão de benefícios tributários de ICMS nos moldes das necessidades dos Estados-membros menos desenvolvidos, que possuem tal instrumento como forma de buscar o desenvolvimento econômico-social.
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[1] SILVA, Evaldo de Souza da. O conflito entre a Lei Complementar nº. 24/1975 e o princípio da democracia. Revista IOB de Direito Público, São Paulo, n. 29, p. 16-33, set./out. 2009. P. 25.
[2] CHAVES, Vinicius Figueiredo. O ICMS e a Guerra Fiscal entre os Estados. Disponível em: <http://www.emerj.rj.gov.br/revistaemerj_online/edicoes/revista48/Revista48_202.pdf>. Acessado em 25/07/2016.
[3] RODRIGUES, Matheus Aragão. A problemática da guerra fiscal e o ICMS. Disponível em: < http://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/8835/A-problematica-da-guerra-fiscal-e-o-ICMS>. Acessado em 01/08/2016.
[4] Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: [...] §6º Qualquer subsídio ou isenção, redução de base de cálculo, concessão de crédito presumido, anistia ou remissão, relativos a impostos, taxas ou contribuições, só poderá ser concedido mediante lei específica, federal, estadual ou municipal, que regule exclusivamente as matérias acima enumeradas ou o correspondente tributo ou contribuição, sem prejuízo do disposto no art. 155, § 2.º, XII, g.
[5] a) ADIN nº 1.467, impetrada pelo governador do Distrito Federal contra a Câmara Legislativa do Distrito Federal (Informativo STF nº 54); b) ADIN nº 1.979, impetrada pelo Rio Grande do Sul contra legislação de Santa Catarina (Informativo STF nº 147); c) ADIN nº 1.999, impetrada pelo Rio Grande do Sul contra legislação de São Paulo (Informativo STF nº 155); d) ADIN nº 2.021, impetrada pelo Rio Grande do Sul contra legislação de São Paulo (Informativo STF nº 159); e) ADIN nº 2.157, impetrada por São Paulo contra legislação da Bahia (Informativo STF nº 213); f) ADIN nº 1.179, impetrada por São Paulo contra legislação do Rio de Janeiro (DJ S1 de 12.04.96, p. 11072); g) ADIN nº 84, impetrada pelo governador de Minas Gerais contra a Assembleia Legislativa do mesmo Estado (DJ S1 de 19.04.96, p. 12211); h) ADIN nº 1.247, impetrada pelo Procurador-Geral da República contra legislação do Estado do Pará (DJ S1 de 08.09.95, p. 28354); i) ADIN nº 1.587, impetrada pelo governador do Distrito Federal contra a Câmara Legislativa do Distrito Federal (DJ S1 de 15.08.97, p. 37034).
[6] Ementa do acórdão relativo à ADIn nº 1247-9, DJ S1 de 10.08.95, p. 23.554
[7] ABREU, Jerry Leveres de. Guerra fiscal: o começo do fim?. Disponível em: <http://www.ibet.com.br/guerra-fiscal-o-comeco-do-fim/>. Acessado em 01/08/2016.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FAGUNDES, Guilherme Assunção. A tentativa fracassada do §2º do art. 2º da LC 24/75 em evitar a guerra fiscal entre Estados-membros Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 11 ago 2016, 04:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/47295/a-tentativa-fracassada-do-2o-do-art-2o-da-lc-24-75-em-evitar-a-guerra-fiscal-entre-estados-membros. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Roberto Rodrigues de Morais
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