RESUMO: o presente trabalho pretende analisar como o Superior Tribunal de Justiça vem entendendo e aplicando a teoria da encampação para fins de delimitação da legitimidade passiva no mandado de segurança.
Palavras-chave: Teoria da Encampação. Legitimidade passiva. Mandado de segurança. Requisitos. Superior Tribunal de Justiça.
1. INTRODUÇÃO
O mandado de segurança possui previsão no art. 5º, inciso LXIX, da Constituição da República, segundo o qual conceder-se-á mandado de segurança quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder foro autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público.
Ocorre que, por vezes, o impetrante ajuíza o writ em face de autoridade diferente daquela que praticou o ato considerado coator, o que, como regra, enseja a extinção do feito sem incursão no mérito da impetração.
Em hipóteses específicas e cumpridos determinados requisitos, porém, tem-se admitido, mediante a aplicação da teoria da encampação, que a autoridade que não praticou o ato tido por coator seja considerada legítima para figurar no polo passivo do mandado de segurança.
2. A TEORIA DA ENCAMPAÇÃO NA VISÃO DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Segundo a teoria da encampação, permite-se que uma autoridade que não tenha praticado o ato apontado como coator seja considerada como parte legítima para figurar no polo passivo de mandado de segurança.
Todavia, tal permissivo está sujeito ao preenchimento de três requisitos, segundo o entendimento sedimentado pelo Superior Tribunal de Justiça. Os administrativistas Gustavo Scatolino e João Trindade Cavalcante Filho apontam quais são esses requisitos[1]:
“Conforme precedentes do STJ, a aplicação da Teoria da Encampação tem se restringido a hipóteses excepcionais nas quais devem estar reunidos, pelo menos, os seguintes requisitos: (a) existência de vínculo hierárquico entre a autoridade que prestou as informações e que ordenou a prática do ato impugnado; (b) manifestação a respeito do mérito nas informações prestadas; e (c) ausência de modificação de competência estabelecida na Constituição da República”.
A propósito do tema, confira-se os seguintes julgados da Corte Superior:
CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. PROCURADOR FEDERAL. PROMOÇÃO NA CARREIRA. CRITÉRIO DE DESEMPATE. PARÁGRAFO ÚNICO DO DECRETO 4.434/2002. COMPATIBILIDADE COM A LEI 10.909/2004. DECRETO 7.737/2012. PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE PASSIVA DO ADVOGADO GERAL DA UNIÃO AFASTADA. DISPENSABILIDADE DE FORMAÇÃO DE LITISCONSÓRCIO PASSIVO. SEGURANÇA DENEGADA.
1. Havendo recurso administrativo, cabe à autoridade superior decidir a questão, inclusive com poderes para corrigir o ato praticado pela autoridade inferior, razão pela qual é aquela a competente para figurar no pólo passivo da impetração (AgRg no REsp 892.950/DF, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, DJe 14/09/2009).
2. Este Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento no sentido de que aplicável a teoria da encampação quando a autoridade apontada como coatora, ao prestar as informações, não se limita a alegar a sua ilegitimidade, mas defende a prática do ato impugnado.
3. Mostra-se dispensável a formação de litisconsórcio passivo necessário entre os demais procuradores federais participantes do concurso de promoção na carreira, porquanto possuem mera expectativa de direito à promoção e eventual concessão da ordem não atingirá suas esferas jurídicas.
4. Não havia incompatibilidade entre a Lei 10.909/2004 e o parágrafo único do art. 3º do Decreto 4.434/2002, que trata de forma mais equânime o critério de desempate ao considerar mais antigo o procurador que tomou posse em primeiro lugar ou que foi mais bem classificado no mesmo concurso.
5. O Decreto 7.737/2012, que revogou o Decreto 4.434/2002, elevou como primeiro critério de desempate justamente o que dizia o parágrafo único do art. 3º do Decreto revogado.
6. Segurança denegada.
(MS 15.114/DF, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 26/08/2015, DJe 08/09/2015)
PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. MANDADO DE SEGURANÇA. ILEGITIMIDADE PASSIVA DA AUTORIDADE APONTADA COMO COATORA. TEORIA DA ENCAMPAÇÃO. REQUISITOS. AUSÊNCIA DE SUPERIORIDADE HIERÁRQUICA PARA REVER O ATO. INAPLICABILIDADE.
1. Deve ser aplicada a Teoria da Encampação quando a autoridade apontada como coatora no mandado de segurança - hierarquicamente superior à autoridade efetivamente legítima para figurar no pólo passivo -, mesmo aduzindo sua ilegitimidade, defende o mérito do ato impugnado, desde que não haja modificação da competência.
2. No concernente ao requisito da subordinação hierárquica, há que se ter em mente o seguinte desdobramento: para verificação da referida teoria, a submissão deve ser aquela que permite à "autoridade superior" rever o ato do seu subordinado. Se não existe tal competência, não se pode falar em encampação.
3. In casu, o que se observa é mera subordinação administrativa, isto é, o Superintendente apenas tem o "poder" de coordenar e gerenciar os processos de trabalho no âmbito da região fiscal. Como bem colocado no acórdão recorrido, não tem ele competência para interferir nas atividades de lançamento, donde se conclui não configurada a subordinação hierárquica como exigido.
4. Agravo regimental não provido.
(AgRg no REsp 1270307/MG, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, julgado em 27/03/2014, DJe 07/04/2014)
ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. TEORIA DA ENCAMPAÇÃO. INAPLICÁVEL. DISSENSO PRETORIANO NÃO VERIFICADO. INCIDÊNCIA DA SÚMULA N.º 83 DESTA CORTE. PRETENSÃO DE PREQUESTIONAR DISPOSITIVOS CONSTITUCIONAIS. IMPOSSIBILIDADE NA VIA ESPECIAL.
1. A Teoria da Encampação somente pode ser aplicada quando, a despeito da indicação errônea da autoridade apontada como coatora, esta, ao prestar informações e sendo hierarquicamente superior, não se limita a alegar sua ilegitimidade, mas também defende o mérito do ato impugnado, encampando-o e, por via de consequência, tornando-se legitimada para figurar no pólo passivo da ação mandamental.
2. A esta Corte é vedada a análise de dispositivos constitucionais em sede de recurso especial, ainda que para fins de prequestionamento, sob pena de usurpação da competência da Suprema Corte. Precedentes.
3 Agravo regimental desprovido.
(AgRg no REsp 1178187/RO, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 28/06/2011, DJe 01/08/2011)
Vê-se, portanto, que há dois requisitos positivos, quais sejam a superioridade hierárquica da autoridade impetrada em relação àquela que praticou o ato e a defesa de mérito realizada por aquela no bojo do mandado de segurança; e um requisito negativo, a saber, a não modificação da competência constitucionalmente estabelecida.
Os requisitos positivos conferem a denominação da teoria. Isso porque a autoridade hierárquica superior, ao defender o mérito do ato praticado pela autoridade que lhe é subordinada, o encampa – e daí o nome da teoria –, de modo a legitimar sua presença no polo passivo do mandado de segurança, evitando, assim, a extinção prematura e sem exame de mérito da impetração.
Percebe-se que a aplicação da teoria da encampação, já sedimentada no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, encontra suporte material nos princípios do devido processo legal, da efetividade da tutela jurisdicional e da primazia da decisão de mérito, este último uma novidade do Código de Processo Civil de 2015[2].
De outro lado, o requisito negativo pretende resguardar a delimitação de competências estabelecidas pela Constituição da República, de maneira a evitar a ofensa ao princípio do juiz natural. Se assim não fosse, poder-se-ia ter, como resultado da aplicação da teoria, em lugar da observância de princípios processuais consagrados na Constituição e nas leis infraconstitucionais, grave vulneração ao princípio do juiz natural, com a prolação de decisão por juízo absolutamente incompetente.
3. CONCLUSÃO
Não há dúvidas, portanto, que a teoria da encampação é plenamente aceita pela jurisprudência pacífica do Superior Tribunal de Justiça, desde que observados os requisitos da existência de vínculo hierárquico entre a autoridade impetrada e aquela que ordenou a prática do ato considerado coator, a manifestação acerca do mérito nas informações prestadas e a não alteração de competência estabelecida na Constituição da República.
A aplicação da referida teoria, nesses moldes, por sua vez, encontra suporte legitimador na observância de princípios processuais consagrados pela Constituição Federal e pelas leis nacionais, em especial o Código de Processo Civil de 2015.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, de 05 de outubro de 1988.
BRASIL. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. MS 15.114/DF, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 26/08/2015, DJe 08/09/2015. Disponível em https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ITA&sequencial=1422401&num_registro=201000477892&data=20150908&formato=PDF. Acesso em 03 de agosto de 2016.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AgRg no REsp 1270307/MG, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, julgado em 27/03/2014, DJe 07/04/2014. Disponível em https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ITA&sequencial=1309316&num_registro=201101849688&data=20140407&formato=PDF. Acesso em 03 de agosto de 2016.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AgRg no REsp 1178187/RO, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 28/06/2011, DJe 01/08/2011. Disponível em https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ITA&sequencial=1074768&num_registro=201000172791&data=20110801&formato=PDF. Acesso em 03 de agosto de 2016.
SCATOLINO, Gustavo; CAVALCANTE FILHO, João Trindade. Manual de direito administrativo. 3. ed. Salvador: JusPODIVM, 2015.
[1] SCATOLINO, Gustavo; CAVALCANTE FILHO, João Trindade. Manual de direito administrativo. 3. ed. Salvador: JusPODIVM, 2015, p. 189.
[2] Art. 4o As partes têm o direito de obter em prazo razoável a solução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa.
Art. 6o Todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva.
Formado em Direito pela Universidade Federal do Maranhão e Especialista em Direito Constitucional pela Faculdade Internacional Signorelli. Atualmente sou Analista Judiciário (Área Judiciária), lotado na Seção Judiciária do Estado do Maranhão, em São Luís/MA.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MONTEIRO, Augusto Batalha. Requisitos para a aplicação da teoria da encampação no mandado de segurança à luz da jurisprudência do superior tribunal de justiça Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 11 ago 2016, 04:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/47296/requisitos-para-a-aplicacao-da-teoria-da-encampacao-no-mandado-de-seguranca-a-luz-da-jurisprudencia-do-superior-tribunal-de-justica. Acesso em: 23 dez 2024.
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