Resumo: O presente artigo tem por objetivo abordar a temática da pensão por morte como benefício na união homoafetiva enquanto entidade familiar que merece e deve ter assegurado direitos e deveres. Questões sociais e culturais com base no preconceito demonstram de forma nítida a não aceitação dessa realidade que deveria ser encarada com naturalidade baseado no respeito mútuo, porém, é possível observar através da evolução histórica das Constituições Brasileiras o lento e acidentado terreno referente ao benefício previdenciário que é amplamente mais árduo quando em uniões homoafetivas, entretanto, o bom senso do Supremo Tribunal Federal operou para sanar essa lacuna que fere diretamente a dignidade humana, a liberdade e a igualdade. Não há legislação específica no que tange os benefícios concernentes à relação homoafetiva, dessa maneira, é apontado como referencial o regulamento previsto para a união heterossexual que se enquadra como estável, bem como atualizações essenciais no benefício de pensão por morte.
Palavras-chave: Previdência Social. Pensão Por Morte. Relação Homoafetiva.
Abstract: This article aims to address the issue of the death pension as benefit homo affective union as a family entity that deserves and should have secured rights and duties. Social and cultural issues based on the bias shown to clearly not accepting this reality that should be seen naturally based on mutual respect, however, can be seen through the historical evolution of the Brazilian Constitutions slow and difficult terrain related to pension benefit it is vastly more difficult when in homo affective unions, however, the judgment of the Supreme Court worked to bridge this gap that directly harms human dignity, freedom and equality. There is no specific legislation regarding the benefits concerning the affective homo relationship, thus, is appointed as a reference the regulations provided for heterosexual union that fits as stable as well as key updates to the benefit of pension for death.
Keywords: Social Security. Pension For Death. Homo affective relationship.
1. INTRODUÇÃO
Mediante uma breve apreciação na evolução histórica da Constituição fica evidente o intrincado percurso previdenciário no Brasil que face a falta de planejamento semeou grandes problemas, sobretudo, o benefício de pensão por morte nas relações homoafetivas que por muitos anos não foram reconhecidos pela Lei, portanto, sem qualquer direito previdenciário enquanto família referente à pensão por morte.
O Supremo Tribunal Federal por meio da ADPF 132 alterou o art. nº1723 do Código Civil em maio de 2011 ao retirar a especificação que união estável só figura entre homem e mulher, ampliando o benefício aos casais homossexuais com o aval de outros órgãos do Poder Judiciário, que por intermédio das referidas decisões as uniões homoafetivas foram contempladas com uma variedade de direitos como exemplo, declaração conjunta de imposto de renda, financiamentos, plano de saúde, pensão alimentícia, pensão por morte entre outros.
1. FATOS HISTÓRICOS DA PENSÃO POR MORTE
A primeira ideia próxima à pensão por morte no Brasil ocorreu no século XVIII com um plano de apoio aos órfãos e viúvas dos oficiais da Marinha, dessa forma, a previdência teve início de forma privada e voluntária e com o passar do tempo, houve intermédio cada vez maior do Estado. O avanço lento ao longo das Constituições Brasileiras data nos registros legislativos em 1824 e 1891 com o uso do termo “aposentadoria”, pensão por morte e invalidez, entretanto, se mostraram ineficientes, com a ausência de meios para que a população reivindicasse a prática deste direito (NOLASCO, 2012).
Durante a Constituição de 1923 houve expressivo avanço no campo da previdência por meio da Lei Eloy Chaves, com a criação de caixas de aposentadoria e pensões aos trabalhadores. Indispensável evidenciar o benefício de pensão por morte para os dependentes dos segurados. À época, o benefício era cancelado caso a viúva se submetesse à nova união e aos filhos, ao completarem maioridade, no tocante às filhas ou irmãs solteiras, ao contraírem matrimônio.
Em 1934 teve início o financiamento tripartite que contempla as três esferas de governo, a saber: União, Estado e Município, ao qual determina que o trabalhador, o empregador e o Estado participariam do financiamento da Previdência Social. Em 1960 ocorreu a edição da Lei Orgânica nº 3.807 que unificou os dispositivos infraconstitucionais através do Instituto Nacional de Previdência Social ou INPS.
A Constituição Federal de 1988 é o atual documento pátrio e abrange diversas questões relacionadas à seguridade social conforme o art. nº 194 que expressa a iniciativa do Poder Público ao certificar o direito à saúde, à previdência e assistência social, que na oportunidade, compõe o Sistema Nacional de Seguridade Social com o objetivo de fazer cumprir a justiça social com vistas à dignidade humana acessível aos necessitados sem a exigência de qualquer colaboração por parte do beneficiado.
Giambiagi e Além (1999, p. 215-216) relatam o impacto da nova legislação com relação ao equilíbrio fiscal da área de previdência social acerca dos vários benefícios instituídos face à fragilidade de planejamento, ocasionando déficits e debates pelos problemas advindos do regime de repartição simples adotado, iniciando a discussão da reforma previdenciária em 1995. Em dezembro de 1998 a emenda constitucional nº 20 altera todo o sistema de previdência social vigente no Brasil mediante novas regras e normas para recuperar o equilíbrio do sistema.
1.1 Causa Mortis
O benefício de pensão por morte é um direito aos dependentes do segurado. Para melhor compreensão do contexto é necessário observar alguns artigos da referida Lei, como o art. nº 16 que define como beneficiários do Regime Geral da Previdência Social, na condição de dependentes do segurado: I – o cônjuge, o companheiro e o filho não emancipado de qualquer condição, menor de vinte e um anos ou inválido; II – os pais; III – o irmão não emancipado, de qualquer condição, menor de vinte e um anos ou inválido.
O art. nº 74 orienta acerca da data inicial do benefício (DIB), como segue: a partir da data do óbito, quando requerida até 30 (trinta) dias após o falecimento; após a data do requerimento no prazo de 30 (trinta) dias da ocorrência do óbito; e nos casos de morte presumida por ausência, a contar da data da sentença declaratória e na morte presumida por desaparecimento, a contar da data do evento, por meio de prova hábil.
A divisão da pensão por morte é norteada pelo art. nº 77, se houver mais de um pensionista, o benefício será dividido entre todos em partes iguais. Em relação à um novo matrimônio ou união estável o beneficiado não perde a pensão, entretanto, nos casos de falecimento no segundo relacionamento, o beneficiado terá de optar pela pensão do primeiro ou segundo relacionamento, não sendo possível acumular ambas, como consta no art. nº 124.
Para Silva (2016) é possível observar que não há apontamentos relativos às uniões homoafetivas na lei em questão, dessa forma, foi promovida uma Ação Civil Pública nº2000.71.00.009347-0 determina que na união homossexual o segurado possa ter direito a receber o benefício, mas que para isso é necessário comprovar que se tenha tido um relacionamento estável. A pensão por morte se dá no mesmo valor do salário ou aposentadoria que o segurado recebia antes do falecimento que posteriormente será dividida igualmente entre os dependentes.
No campo do direito sucessório, consiste na substituição da titularidade de bens que regula o destino do patrimônio de um indivíduo após o falecimento, conhecido como sucessão “causa mortis”. A partir da abertura do processo o patrimônio passa a ser herança e a seguir, o reconhecimento de herdeiros e supondo que exista, o inventário dos bens que pode se perdurar por anos conforme o grau de complexidade em alguns casos.
Face essa realidade os direitos de quem vive em união estável homoafetiva não está assegurada por legislação específica, o referencial apontado é o regulamento previsto para a união heterossexual que se enquadra como estável. Na união estável e por analogia, na união homoafetiva com parentes sucessíveis, a herança é distribuída da seguinte forma: companheiro ou companheira receberá 1/3 da herança e outros descendentes colaterais dividirão os 2/3 restantes, conforme o art. 1790, III do Código Civil.
Entretanto, após o reconhecimento da união estável pelo Superior Tribunal de Justiça, em sucessão aberta antes do Código Civil de 2002, aplica-se o disposto no artigo 2º, inciso III, da Lei n. 8.971/94, que garante a totalidade da herança e afasta a participação de colaterais do de cujus no inventário. Neste caso o assegurado não pode ter ascendentes e nem descendentes. A seu turno, o Superior Tribunal de Justiça também promoveu o direito à união homoafetiva da mesma maneira que é aceito entre os casais heterossexuais, sem aferir diferenças pela homossexualidade, houve então o reconhecimento da união e garantia dos direitos, com base nos parâmetros da união estável comum (LEITE, 2013).
Para compreensão dessa temática se faz necessário acompanhar os detalhes do art. 1.790 do Código Civil expressa que a companheira ou o companheiro participará da sucessão do outro, quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável nas condições: I – se concorrer com filhos comum, terá direito uma quota equivalente à que por lei for atribuída ao filho; II – se concorrer com descendentes só do autor da herança, tocar-lhe-á a metade do que couber a cada um daqueles; III – se concorrer com outros parentes sucessíveis, terá direito a um terço da herança; IV – não havendo parentes sucessíveis, terá direito à totalidade da herança.
2. A FAMÍLIA HOMOAFETIVA
Para Azevedo (2004, p.42) as relações homoafetivas necessitam de reconhecimento jurídico pertinentes a qualquer entidade familiar, ao ignorar esse contexto descumpre-se os princípios da Carta Magna, que prevê a igualdade e dignidade da pessoa humana, bem como o da liberdade sexual, cabendo aos operadores do direito impedir essa injustiça social.
Segundo Hogemann (2013, p. 67-88) a família do novo milênio tem no afeto a estrutura das relações, igualitária e democrática como a característica da família moderna, proclamado no artigo 3º, I, Constituição Federal 1988. Consequentemente, o conceito de família foi ampliado além das uniões através do casamento, a exemplo, a união estável e vínculos monoparentais.
A união estável foi reconhecida como entidade familiar pelo Código Civil, nos artigos 1.723 a 1.727, e também pela Constituição Federal, no parágrafo 3º do artigo 226, entretanto, define apenas a relação entre homem e mulher, ou seja, no Código Civil Brasileiro vigente desde 2003 não consta de forma específica a união homoafetiva, deixando a desejar face à realidade da sociedade atual, o que leva à divergências no âmbito da jurisprudência e doutrina, logo que pode e deve ser considerada como união que contempla os direitos e as obrigações de entidade familiar com tutela do Direito de Família (FACHIN, 2003, p.90-96).
Conforme Dias (2009) nos últimos anos ocorreram preciosos avanços no campo social e judiciário quanto a relação homoafetiva, com base em posições judiciais, instâncias da iniciativa privada e da administração pública tem baixado provimentos e instruções normativas que propicia a concessão de direitos em união estável homoafetiva.
Para melhor compreensão do contexto vale mencionar que a arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF) foi instituída em 1988 mediante o parágrafo 1º do artigo 102 da Constituição Federal, regulamentada através da Lei nº 9.882/99, com o objetivo de remediar a brecha deixada pela ação direta de inconstitucionalidade (ADI), que por sua vez não pode ser proposta contra lei ou atos normativos em vigor com data anterior à promulgação da Constituição de 1988. Em suma, trata-se da denominação dada no Direito Brasileiro ao instrumento utilizado para evitar ou reparar danos a resoluções estruturais decorrente de ato do Poder Público. O Supremo Tribunal Federal na acolhida da ADPF n° 132 e ADI n° 4277 promoveu vários benefícios às entidades familiares homoafetivas.
Compreende-se que é direito fundamental para o companheiro em união estável homoafetiva, através de jurisprudências e doutrinas que a relação é constituída por um regime parcial de bens, que confere como herdeiro em formas legais. Dentre os diversos benefícios, cabe citar: pensão por morte, financiamento habitacional, imposto de renda, licença em casos de adoção, entre outros. Importante lembrar que além dos direitos há também os deveres que devem ser cumpridos, como a lealdade, o respeito, a assistência, o sustento e demais que determina o Código Civil no art. 1.724 (PASTORE, 2012, p. 240-241).
3. PENSÃO POR MORTE: NOVAS REGRAS
Para Gonçalves (2011) é importante frisar que houveram importantes alterações no que tange o benefício por falecimento que tem como objetivo preservar a sustentabilidade da Previdência Social, como também alinhar a legislação Brasileira às melhores práticas internacionais e coibir abusos na concessão do benefício. Entretanto, a nova regra não se aplica aos beneficiários que antecedem a Medida Provisória 664/2014, que continuam recebendo o valor anterior.
O benefício contempla a morte real e a presumida, que respectivamente representam a morte natural atestada pela certidão de óbito e a decorrente de decisão judicial através da declaração de ausência do segurado após seis meses, ou ainda, decorrente do desaparecimento do segurado por motivo de catástrofe, acidente ou desastre, com prova hábil.
Outro aspecto importante a ser mencionado, refere-se à situação de uma nova união que neste caso, não figura como causa legal de extinção do benefício, isso pode ser verificado no artigo 77, parágrafo 2º da Lei de Benefícios da Previdência Social nº 8.213/91. A seguir informações acerca da atualização Legislativa Previdenciária:
Tabela 1 – Alteração nas exigências do benefício de Pensão por morte |
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Alteração |
Vigência |
Excluir dependente quanto direito a pensão, quando este tenha participado dolosamente da morte do segurado e tenha sido condenado judicialmente por isso. |
30/12/2014 |
Comprovar união estável por no mínimo 02 anos anteriores ao óbito. Não se aplica quando o segurado falecer em decorrência de acidente ou quando o cônjuge ou companheiro tenha ficado inválido depois da união estável ou casamento e antes do óbito do segurado. |
14/01/2015 |
Comprovar carência por no mínimo 24 meses entre o início da união estável ou casamento e o óbito do segurado. Não aplicada quando a morte do segurado for decorrente de acidente ou doença relacionada ao trabalho e nos casos em que for este o motivo em gozo de auxílio-doença ou de qualquer tipo de aposentadoria. |
01/03/2015 |
Reduzir a Renda Mensal Inicial. Apenas 50% do salário acrescido de 10% para cada dependente. Limitada a 100%. |
01/03/2015 |
Considerar a idade do parceiro/cônjuge e a sua expectativa de sobrevida na data do falecimento do segurado. |
01/03/2015 |
Fonte: (BENEFÍCIOS, 2016) |
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A última alteração registrada até a presente data, converte a MP 664 na Lei nº 13.135/2015 que modifica as Leis nº 8.213/1991, nº 10.876/2004, nº 8.112/2000 e nº 10.666/2003, promovendo a diferença na duração do benefício em alguns casos; o fim da reversão das cotas em favor dos demais dependentes; o valor da pensão; o tempo mínimo de contribuição para requerimento do benefício e de comprovação do casamento ou união estável.
O cancelamento do benefício vitalício automático merece destaque, que passa a ter um período definido conforme a idade e o tipo do beneficiário que de acordo com o art. 26, inciso I da Lei 8.213/91, não haverá mais período de carência. O direito à pensão vitalícia se dá caso o cônjuge, companheiro ou companheira tiver pelo menos 44 anos (SILVA, 2016).
Tabela 2 – Idade e duração do benefício
Idade do parceiro/cônjuge |
Duração |
Menores de 22 anos |
3 anos |
A partir de 22 anos até menor de 28 anos |
6 anos |
A partir de 28 anos até menor de 33 anos |
9 anos |
A partir de 33 anos até menor de 39 anos |
12 anos |
A partir de 39 anos até menor de 44 anos |
15 anos |
A partir de 44 anos |
Vitalícia |
Fonte: (BENEFÍCIOS, 2016)
Vale ressaltar que as novas regras em relação ao benefício por morte consistem no tempo mínimo de 2 anos de contribuição do segurado e no mínimo de 2 anos de casamento ou união estável, exceto nos casos de acidente de trabalho, doença profissional ou do trabalho, cônjuge/companheiro incapaz/inválido.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este artigo teve como propósito oferecer uma compreensão sobre os desafios que as unidades familiares homoafetivas enfrentam nos mais variados aspectos, sobretudo, no que tange o direito como cidadão. O profundo preconceito cultural e social ainda é vivaz o que torna o caminho desafiador, entretanto, nos últimos anos valiosas conquistas foram realizadas, reconhecendo mesmo que de forma tímida, o acesso aos benefícios previdenciários nas relações homoafetivas, como exemplo, a pensão por morte. É vital a desconstrução da repulsa contra a diversidade e principalmente, aceitar e combater o homofóbico que cada um leva dentro de si.
REFERÊNCIAS
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Advogada no escritório Benatti & Moda Advogados - Especialista em Direito Previdenciário.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MODA, Lidia Natalia Vilanova Monteiro Benatti. O benefício de pensão por morte e a família homoafetiva Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 15 ago 2016, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/47331/o-beneficio-de-pensao-por-morte-e-a-familia-homoafetiva. Acesso em: 23 dez 2024.
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