RESUMO: O presente artigo tem por objetivo analisar as diversas teorias que visam conceituar e reconhecer como destinatário final a pessoa jurídica.
PALAVRAS-CHAVES: Consumidor. Destinatário final. Pessoa jurídica. Vulnerabilidade. Aplicação do CDC.
INTRODUÇÃO:
O Código de Defesa do Consumidor foi criado com o objetivo de estabelecer na relação de consumo uma igualdade material entre os personagens, isso porque foi elaborado imbuído do espírito de proteger o consumidor por ser este a parte vulnerável na relação consumerista.
A ideia central do tema surgiu diante da polêmica acerca do reconhecimento ou não da pessoa jurídica como destinatária final dos produtos e serviços independente da finalidade para qual adquiriu tais produtos ou serviços.
Abordaremos, incialmente, a previsão constitucional da defesa do consumidor, posteriormente, analisaremos de forma detalhada o conceito de consumidor, e finalizaremos enfrentando a polêmica acerca da expressão destinatário final e as teorias explicativas.
DESENVOLVIMENTO:
1. PREVISÃO CONSTITUCIONAL DA DEFESA DO CONSUMIDOR
A proteção consumerista é um instituto bastante atual no direito brasileiro uma vez que nosso Código de Defesa do Consumidor foi instituído com a Constituição Federal de 88, trazendo a regulamentação das relações de consumo que já vinham se intensificando com a nossa industrialização. Vejamos as referências feitas pela Constituição à defesa do consumidor.
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...)
XXXII - o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor;
Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:
I - soberania nacional;
II - propriedade privada;
III - função social da propriedade;
IV - livre concorrência;
V - defesa do consumidor;
VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003)
VII - redução das desigualdades regionais e sociais;
VIII - busca do pleno emprego;
IX - tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 6, de 1995)
Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei.
ADCT. Art. 48. O Congresso Nacional, dentro de cento e vinte dias da promulgação da Constituição, elaborará código de defesa do consumidor.
Nesses termos, podemos realizar claramente três afirmações: (a) que o direito do consumidor foi tratado como sendo direito fundamental, (b) que o direito do consumidor foi tratado como princípio da ordem econômica, e (c) que o direito do consumidor deveria ser normatizado por meio de uma codificação.
No que tange ao direito do consumidor como sendo um direito fundamental, vejamos o que Fabrício Bolzan (2014) nos ensina.
“Como a relação jurídica de consumo é uma relação desigual, onde se encontra o consumidor-vulnerável de um lado e o fornecedor detentor do monopólio dos meios de produção do outro, nada melhor que ser alçado o Direito do Consumidor ao patamar de Direito Fundamental.
(...)
Logo, o amparo constitucional que possui o Direito do Consumidor traz uma conotação imperativa no mandamento de ser do Estado a responsabilidade de promover a defesa do vulnerável da relação jurídica de consumo.
Ademais, ao longo do tempo muito se falou em eficácia vertical dos Direitos Fundamentais — respeito pela Administração dos Direitos Fundamentais de seus administrados.
Como o advento do Direito do Consumidor foi alçado ao patamar constitucional, é possível tratar na atualidade da eficácia horizontal dos direitos ora em estudo, ou seja, mesmo sem a existência de hierarquia entre as partes envolvidas na relação, como ocorre entre fornecedor e consumidor, o respeito aos Direitos Fundamentais também se faz necessário.
Contudo, não poderemos generalizar a constitucionalização do Direito Privado, sob pena de corrermos o risco de tornarmos secundário este ramo do Direito.
Assiste razão a André Ramos Tavares quando trata da eficácia horizontal dos direitos fundamentais ao acentuar que “com a eficácia direta e imediata corre-se o grave risco, especialmente no Brasil, de constitucionalizar todo o Direito e todas as relações particulares, relegando o Direito privado a segundo plano no tratamento de tais matérias. Como produto dessa tese ter-se-ia, ademais, a transformação do STF em verdadeira Corte de Revisão, porque todas as relações sociais passariam imediatamente a ser relações de índole constitucional, o que não é desejável. Mas, de outra parte, não se pode negar, em situações de absoluta missão do legislador, que os direitos ‘apenas’ constitucionalmente fundados sejam suporte para solução imediata de relação privada”.
Com relação ao direito do consumidor como sendo um princípio da ordem econômica previsto no art. 170, inciso V, da Constituição Federal, Fabrício Bolzan (2014) terce algumas considerações, vejamos:
“Da interpretação dos incisos IV e V, a conclusão a que se chega é a de ser plenamente livre explorar a atividade econômica em nosso país, desde que de forma lícita — em respeito, por exemplo, aos demais princípios da ordem econômica —, e que, para ganhar da concorrência, não poderá colocar um produto ou prestar um serviço no mercado de consumo com violação dos direitos dos consumidores.
Sobre o tema, concordamos com Claudia Lima Marques ao ensinar que a “opção da Constituição Federal de 1988 de tutela especial aos consumidores, considerados agentes econômicos mais vulneráveis no mercado globalizado, foi uma demonstração de como a ordem econômica de direção devia preparar o Brasil para a economia e a sociedade do século XXI”.
Por fim, Fabrício Bolzan (2014) entendeu acertada a determinação do art. 48 dos Atos de Disposições Constitucionais Transitórias que previu a necessidade de elaboração de uma codificação para normatizar os direitos dos consumidores.
“O legislador constituinte optou pela elaboração codificada do Direito do Consumidor, e não pela edição de leis específicas, cada uma disciplinadora de assuntos afetos às relações jurídicas de consumo. Apesar de existirem outras leis especiais dentro do sistema de proteção do consumidor, no momento da elaboração do Diploma de defesa do consumidor a opção pela codificação foi a mais acertada.”
2. CONCEITO DE CONSUMIDOR
A Lei 8.078 (BRASIL, 1990) apresenta o conceito de consumidor em seu art. 2º, caput, como “toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final.” Assim, em uma análise inicial podemos dizer que consumidores são pessoas naturais ou jurídicas, que adquire o produto ou contrata o serviço, e também aquele que utiliza do produto ou serviço. Consumidor, é pois, o destinatário final do produto ou serviço contratado no mercado de consumo.
No entanto, para entenderemos melhor esta definição jurídica, faz-se necessário uma análise aprofundada deste artigo.
Alguns elementos deste conceito são fáceis de serem definidos, podendo ser extraídos de outros ramos do direito, como o Civil por exemplo. Sabe-se que pessoa física é toda pessoa natural, é o ser humano do momento em que nasce até a sua morte. É aquele com capacidade de agir, de contrair obrigações e de exercer direitos.
Já a pessoa jurídica é a união de pessoas físicas, que formam uma entidade com personalidade jurídica própria e distinta das pessoas que a compõem, também capaz de agir, contrair obrigações e exercer direitos.
3. DESTINATÁRIO FINAL E AS TEORIAS EXPLICATIVAS
A identificação da pessoa física como consumidora destinatária final não traz divergências, a polêmica se instala no que tange ao reconhecimento da pessoa jurídica como destinatária final. Para se determinar a definição do elemento “destinatário final” a doutrina consumerista se dividiu em três correntes: a finalista, a maximalista e a teoria mista ou finalista temperada. Vejamos a seguir:
A Teoria Finalista também conhecida como subjetiva, considera o destinatário final de forma restrita como sendo aquele que põe fim a cadeia econômica. Nas palavras de Fabrício Bolzan (2014):
“(...) o consumidor de um produto ou serviço nos termos da definição trazida no art. 2º do CDC é o destinatário fático e econômico, ou seja, não basta retirar o bem do mercado de consumo, havendo a necessidade de o produto ou serviço ser efetivamente consumido pelo adquirente ou por sua família.
Desta forma, numa visão mais extremada desta corrente estariam excluídas do conceito de consumidor todas as pessoas jurídicas e todos os profissionais, na medida em que jamais poderiam ser considerados destinatários finais, pois o bem adquirido no mercado de alguma forma integraria a cadeia produtiva na elaboração de novos produtos ou na prestação de outros serviços.”
Neste sentido, Claudia Lima Marques (2009) defende:
“(...) Destinatário final seria aquele destinatário fático e econômico do bem ou serviço, seja ele pessoa jurídica ou física. Logo, segundo esta interpretação teleológica, não basta ser destinatário fático do produto, retirá-lo da cadeia de produção, levá-lo para o escritório ou residência – é necessário ser destinatário final econômico do bem, não adquiri-lo para revenda, não adquiri-lo para uso profissional, pois o bem seria novamente um instrumento de produção cujo preço será incluído no preço final do profissional que o adquiriu. Neste caso, não haveria a exigida ‘destinação final’ do produto ou do serviço, ou, como afirma o STJ, haveria consumo intermediário, ainda dentro das cadeias de produção e de distribuição (...)” (MARQUES, apud, BENJAMIN, Antônio, 2009).
Isto quer dizer que se a pessoa (física ou jurídica) adquire um produto ou serviço para revendê-lo ou até mesmo para o uso profissional, no caso como insumo, não pode ser considerada consumidora, tendo em vista que tal consumação não colocará fim no ciclo econômico do produto ou serviço.
De outra banda, há a Teoria Maximalista que é bastante ampla, enquadrando como consumidor final qualquer pessoa desde que adquira bens ou serviços. Ou seja, o simples fato de adquirir, independente de sua finalidade, já caracterizaria o consumidor. Para os defensores dessa teoria as pessoas jurídicas e o profissional, quando retiram o produto ou o serviço do mercado de consumo qualquer que seja a finalidade para qual adquiriu o produto ou serviço serão considerados consumidores destinatários finais.
Segundo Claudia Lima Marques (2009), os maximalistas consideram o Código de Defesa do Consumidor um novo regulamento do mercado de consumo brasileiro e não a proteção do consumidor em si, aquele que é vulnerável. (MARQUES, apud, BENJAMIN, Antônio Herman 2009.)
Tal teoria visa aplicar o CDC de forma bastante objetiva, desconsiderando se a pessoa física ou jurídica vai adquirir o produto ou serviço para lucrar em cima dele ou não. Basta o produto ser retirado do mercado e consumido por tal pessoa, como por exemplo uma fábrica de sapatos que adquire o couro para sua produção, ou seja, a aquisição de insumos estaria protegida pela lei 8.078/90 de forma indiscriminada, não importando se é vulnerável ou não.
Para os que encampam essa corrente o CDC não deve ser visto como uma lei que tem por objetivo tutelar a parte mais fraca numa relação jurídica desigual, que seria a relação de consumo, mas, sim, como um novo regulamento do mercado de consumo brasileiro, o que possibilitaria por vez incluir a pessoa jurídica na definição de consumidor.
Por fim, após várias discursões acerca da interpretação do artigo 2º do CDC, chegou-se a um novo entendimento, muito parecido com a teoria finalista, contudo com algumas ponderações, a denominada Teoria mista ou finalista temperada, para a qual o consumidor seria aquele que adquire o produto ou serviço para si, contudo podendo utilizá-lo na sua atividade profissional, desde que comprovada sua vulnerabilidade. Para essa corrente seria possível reconhecer uma pessoa jurídica como consumidora final desde que comprovada a vulnerabilidade no caso concreto. Seria um exemplo o restaurante que adquire um veículo para fazer entregas, ou uma loja que contrata um serviço de segurança.
O STJ já se posicionou acerca de tal matéria, adotando a teoria finalista, contudo, de acordo com a jurisprudência mais moderna deste Tribunal, sujeita-se a um abrandamento, sendo denominada “teoria finalista mitigada ou aprofundada”. Assim, para o STJ a comprovação da vulnerabilidade é pressuposto sine qua non para o enquadramento da pessoa jurídica no conceito de consumidor previsto no CDC. Vejamos a ementa desse julgado:
CONSUMIDOR. DEFINIÇÃO. ALCANCE. TEORIA FINALISTA. REGRA. MITIGAÇÃO. FINALISMO APROFUNDADO. CONSUMIDOR POR EQUIPARAÇÃO. VULNERABILIDADE. 1. A jurisprudência do STJ se encontra consolidada no sentido de que a determinação da qualidade de consumidor deve, em regra, ser feita mediante aplicação da teoria finalista, que, numa exegese restritiva do art. 2º do CDC, considera destinatário final tão somente o destinatário fático e econômico do bem ou serviço, seja ele pessoa física ou jurídica. 2. Pela teoria finalista, fica excluído da proteção do CDC o consumo intermediário , assim entendido como aquele cujo produto retorna para as cadeias de produção e distribuição, compondo o custo (e, portanto, o preço final) de um novo bem ou serviço. Vale dizer, só pode ser considerado consumidor, para fins de tutela pela Lei nº 8.078/90, aquele que exaure a função econômica do bem ou serviço, excluindo-o de forma definitiva do mercado de consumo. 3. A jurisprudência do STJ, tomando por base o conceito de consumidor por equiparação previsto no art. 29 do CDC, tem evoluído para uma aplicação temperada da teoria finalista frente às pessoas jurídicas, num processo que a doutrina vem denominando finalismo aprofundado , consistente em se admitir que, em determinadas hipóteses, a pessoa jurídica adquirente de um produto ou serviço pode ser equiparada à condição de consumidora, por apresentar frente ao fornecedor alguma vulnerabilidade, que constitui o princípio-motor da política nacional das relações de consumo, premissa expressamente fixada no art. 4º, I, do CDC, que legitima toda a proteção conferida ao consumidor. 4. A doutrina tradicionalmente aponta a existência de três modalidades de vulnerabilidade: técnica (ausência de conhecimento específico acerca do produto ou serviço objeto de consumo), jurídica (falta de conhecimento jurídico, contábil ou econômico e de seus reflexos na relação de consumo) e fática (situações em que a insuficiência econômica, física ou até mesmo psicológica do consumidor o coloca em pé de desigualdade frente ao fornecedor). Mais recentemente, tem se incluído também a vulnerabilidade informacional (dados insuficientes sobre o produto ou serviço capazes de influenciar no processo decisório de compra). 5. A despeito da identificação in abstracto dessas espécies de vulnerabilidade, a casuística poderá apresentar novas formas de vulnerabilidade aptas a atrair a incidência do CDC à relação de consumo. Numa relação interempresarial, para além das hipóteses de vulnerabilidade já consagradas pela doutrina e pela jurisprudência, a relação de dependência de uma das partes frente à outra pode, conforme o caso, caracterizar uma vulnerabilidade legitimadora da aplicação da Lei nº 8.078/90, mitigando os rigores da teoria finalista e autorizando a equiparação da pessoa jurídica compradora à condição de consumidora. 6. Hipótese em que revendedora de veículos reclama indenização por danos materiais derivados de defeito em suas linhas telefônicas, tornando inócuo o investimento em anúncios publicitários, dada a impossibilidade de atender ligações de potenciais clientes. A contratação do serviço de telefonia não caracteriza relação de consumo tutelável pelo CDC, pois o referido serviço compõe a cadeia produtiva da empresa, sendo essencial à consecução do seu negócio. Também não se verifica nenhuma vulnerabilidade apta a equipar a empresa à condição de consumidora frente à prestadora do serviço de telefonia. Ainda assim, mediante aplicação do direito à espécie, nos termos do art. 257 do RISTJ, fica mantida a condenação imposta a título de danos materiais, à luz dos arts. 186 e 927 do CC/02 e tendo em vista a conclusão das instâncias ordinárias quanto à existência de culpa da fornecedora pelo defeito apresentado nas linhas telefônicas e a relação direta deste defeito com os prejuízos suportados pela revendedora de veículos. 7. Recurso especial a que se nega provimento. (Resp. 1.195.642/RJ, Rel. Ministra Nancy Andrighi, 3ª Turma, DJe 21/11/2012) (www.stj.gov.br)
DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR PARA PROTEÇÃO DE PESSOA JURÍDICA. TEORIA FINALISTA APROFUNDADA. REQUISITO DA VULNERABILIDADE NÃO CARACTERIZADO. EXIGIBILIDADE DE OBRIGAÇÃO ASSUMIDA EM MOEDA ESTRANGEIRA. FUNDAMENTO DO ACÓRDÃO NÃO ATACADO.
1.- A jurisprudência desta Corte tem mitigado os rigores da teoria finalista para autorizar a incidência do Código de Defesa do Consumidor nas hipóteses em que a parte (pessoa física ou jurídica), embora não seja tecnicamente a destinatária final do produto ou serviço, se apresenta em situação de vulnerabilidade.
2.- No caso dos autos, tendo o Acórdão recorrido afirmado que não se vislumbraria a vulnerabilidade que inspira e permeia o Código de Defesa do Consumidor, não há como reconhecer a existência de uma relação jurídica de consumo sem reexaminar fatos e provas, o que veda a Súmula 07/STJ.
3.- As razões do recurso especial não impugnaram todos os fundamento indicados pelo acórdão recorrido para admitir a exigibilidade da obrigação assumida em moeda estrangeira, atraindo, com relação a esse ponto, a incidência da Súmula 283/STF.
4.- Agravo Regimental a que se nega provimento.
(AgRg no REsp 1149195/PR, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, julgado em 25/06/2013, DJe 01/08/2013) (www.stj.gov.br)
O art. 4º do Código de Defesa do Consumidor elenca os princípios que regem a Política Nacional das Relações de Consumo, destacando-se o do reconhecimento da vulnerabilidade. Ou seja, como o objetivo da proteção consumerista é manter o equilíbrio nas relações, a vulnerabilidade do consumidor é uma característica presumida por lei.
No entanto, a análise da vulnerabilidade do consumidor se faz necessária quando estamos diante de uma pessoa jurídica que não põe fim a cadeia de produção, isto é, que adquire o produto ou serviço e o utiliza no desenvolvimento da sua atividade comercial.
Com efeito, o caráter vulnerável do consumidor pode ser de ordem técnica, jurídica ou fática conforme podemos aferir do julgado supracitado. A carência técnica pode ser conceituada como a ausência de conhecimento específico acerca do produto ou serviço objeto do consumo. A jurídica pode ser entendida como a falta de conhecimentos jurídico, contábil, ou econômico e dos seus reflexos nas relações de consumo. A vulnerabilidade fática caracteriza-se nas situações em que a insuficiência econômica, física ou até mesmo psicológica do consumidor o coloca em desvantagem perante o fornecedor. Decorre da desproporcionalidade do poderio econômico do fornecedor em relação ao consumidor, seja pela sua posição de monopólio ou em razão da essencialidade do serviço que presta. Por fim, tem se reconhecido a vulnerabilidade informacional que seria a insuficiência de dados sobre o produto ou o serviço capaz de influenciar na decisão do consumidor em adquirir ou não o produto ou serviço.
Assim, podemos concluir que a vulnerabilidade do consumidor final pessoa física é uma característica presumida, no entanto, o mesmo não ocorre com relação às pessoas jurídicas que devem demonstrar no caso concreto que se enquadram em algumas das espécies de vulnerabilidade apresentada pela doutrina e reconhecida pela jurisprudência.
Para finalizarmos importante tercemos algumas considerações acerca do que o CDC denominou de consumidor por equiparação. Com vistas a garantir maior eficiência na proteção dos consumidores, bem como na punição dos maus fornecedores, a Lei 8.078 (BRASIL, 1990) buscou proteger não apenas o consumidor destinatário final, mas também o consumidor por equiparação, e o fez de forma expressa por meio dos seguintes artigos:
Art. 2º. Parágrafo único. Equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo.
Art. 17. Para os efeitos desta Seção, equiparam-se aos consumidores todas as vítimas do evento.
Art. 29. Para os fins deste Capítulo e do seguinte, equiparam-se aos consumidores todas as pessoas determináveis ou não, expostas às práticas nele previstas.
Assim, estendeu o conceito de consumidor previsto no art. 2º à coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo, ou seja, equiparou aqueles que de alguma forma participou da relação de consumos aos consumidores em sentido estrito.
Tal dispositivo se refere ao grupo ou categoria de consumidores relacionados ao consumo de determinados produtos ou serviços. Ou seja, é uma proteção abstrata, que visa em suma punir algumas práticas dos fornecedores que possam atingir um grande número de pessoas.
Outra maneira que o legislador encontrou de estender a proteção consumerista foi equiparando aos consumidores todas as vítimas do acidente de consumo, conforme exposto no artigo 17 da Lei 8.078 (BRASIL, 1990). Tal equiparação gerou a classificação desse tipo de consumidor como “bystander”, ou seja, significa dizer que não é preciso uma participação direta na relação de consumo para sofrer um acidente de consumo e sofrer as mesmas consequências que um consumidor direto.
Em complementação ao dispositivo supracitado, o legislador no art. 29 ainda equiparou ao consumidor todas as pessoas, indetermináveis ou não, que de alguma forma se expõem às práticas previstas neste código. Podemos dizer mais uma vez que o CDC visa conter as práticas abusivas dos fornecedores.
CONCLUSÃO
Diante de todas as considerações, podemos afirmar que o STJ reconhece a possibilidade da pessoa jurídica que adquire o produto ou serviço retirando-os do mercado de consumo (destinatário de fato) mesmo sem por fim a cadeia de produção (destinatário econômico) ser considerada consumidora final, e assim, ser tutelada pelo CDC e suas normas protetivas, desde que seja reconhecida, no caso concreto, como condição sine qua non, algumas das hipóteses de vulnerabilidade.
REFERÊNCIAS
BENJAMIN, Antônio Herman de V.; MARQUES, Claudia Lima; BESSA, Leonardo Roscoe. Manual de direito do consumidor. 3ª ed. rev., atual., e ampl. São Paulo: RT, 2010.
BOLZAN, Fabrício; Direito do Consumidor Esquematizado. 2ª ed. São Paulo: Saraiva. 2014.
BRASIL. Lei nº 8. 078, de 11 de setembro de 1990. Código de Defesa do Consumidor. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/> Acesso em: agosto de 2016
_______. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/> Acesso em: agosto de 2016
TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional. 8ª ed. São Paulo: Saraiva.2010.
Graduada em Direito pelo Centro Universitário de João Pessoa-UNIPÊ. Pós- graduada em Ordem Jurídica, Ministério Público e Cidadania, ministrado pelo Centro Universitário de João Pessoa- UNIPÊ. Pós-graduada em Direito do Consumidor pela Universidade Cândido Mendes - UCAM. <br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MARIA DA CONCEIçãO BANDEIRA DO Ó, . Análise da vulnerabilidade do consumidor pessoa jurídica Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 16 ago 2016, 04:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/47335/analise-da-vulnerabilidade-do-consumidor-pessoa-juridica. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Juliana Melissa Lucas Vilela e Melo
Por: Mirela Reis Caldas
Por: Erick Labanca Garcia
Por: Erick Labanca Garcia
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