RESUMO: Com a incidência de inúmeras ações sobre danos morais, sendo propostas no Judiciário brasileiro decorridas do conhecimento que sociedade passou a ter sobre os direitos que acreditam terem sido violados e pela facilidade no acesso a justiça. Levanta-se uma discussão nos dias atuais sobre a possível banalização do dano moral, porém, será demonstrado no presente artigo que não há banalização do instituto moral nas decisões proferidas. Verificou os conceitos e fundamentos legais sobre o que realmente é o dano moral e a responsabilidade civil, para constatar as possíveis violações dos direitos da personalidade protegidos pela Constituição Federal /88. Este artigo faz uma analise das decisões do Superior Tribunal de Justiça, constatando o entendimento desta corte sobre o que realmente é o dano moral, as possíveis compensações que a vítima terá direito pelos danos sofridos e a função punitiva do agressor ao reparar os danos causados.
PALAVRAS-CHAVE: dano moral, parâmetros, entendimento do Superior Tribunal de Justiça.
ABSTRACT: With the incidence of several actions on moral damages being proposed in the Brazilian Judiciary, spurred by the knowledge that society has to take on the rights they believe has been infringed and the ease of access to justice. Rises a discussion nowadays about the possible trivialization of moral damage, however, will be demonstrated in this article that there is no institute in the trivialization of moral judgments. Checked the legal concepts and fundamentals about what really is the moral damage. This article is an analysis of the decisions of the Supreme Court, noting the understanding of this court on the moral damage.
SUMÁRIO: 1. Introdução; 2. Responsabilidade Civil: Conceito, Evolução, Tipos Requisitos; 2.1 Conceito; 2.2 Breve Escorço Histórico No Direito Brasileiro Sobre a Responsabilidade Civil; 2.2.1 Tipos De Responsabilidade Civil; 2.2.2. Responsabilidade Civil Subjetiva e Responsabilidade Civil Objetiva; 2.3 Elementos da Responsabilidade Civil; 3. Do Dano Moral: Evolução Histórica e Legislativa; 3.1. Conceito do Dano Moral e Seus Parâmetros; 3.2 O Dano Moral e o Entendimento do Superior Tribunal De Justiça - STJ; 3.3 Do Dano In Re Ipsa; 3.4 Mero Dissabor X Violação dos Direitos da Personalidade; 4. Considerações Finais.
KEYWORDS: moral parameters, understanding the Superior Court of Justice damage.
1. INTRODUÇÃO
As primeiras evidências históricas sobre o Dano moral começaram a surgir na época do código de Hamurabi, mesmo se tratando de um código que fazia referência em revidar a agressão na mesma medida e proporção, em algumas situações especificas de natureza moral puniam se a conduta do agressor de forma pecuniária, onde este compensava a vitima sobre o dano de natureza moral que lhe fora causado.
A partir do século XXI o Dano Moral passou a ser objeto de discussão em razão do grande volume de ações que tem sido propostas no Judiciário brasileiro. Atualmente, nota-se que esse crescimento tem ocorrido devido as mudanças sociais, aos avanços tecnológicos e com a promulgação da Constituição Federal/88, o novo código civil/02 juntamente com o Código de Defesa do Consumidor, onde a sociedade passou a ter um conhecimento maior a cerca dos direitos da personalidade, da responsabilidade civil e das facilidades em recorrer a Justiça para pleitear direito que acredita ter sido violado.
Constata-se que o aumento excessivo no ingresso de demandas Judiciais pleiteando indenizações de natureza moral tem sido objeto de discussão nos últimos tempos, se essas demandas seriam fruto de uma banalização do instituto moral ou apenas o aumento do acesso e conhecimento da população, ou seja, seria um antagonismo entre a suposta industrialização do dano moral ou a maior acessibilidade da população a justiça e a informação, no tocante aos seus deveres e direitos enquanto cidadão?
O objetivo deste trabalho é analisar algumas decisões do Superior Tribunal de Justiça sobre as ações de dano moral que são recorridas a esta corte, relatando através dos seus julgados os requisitos que configuram o do dano moral, quais sejam, a conduta ilícita ou licita do agente que provocar danos aos direitos da personalidade de outrem, o dano moral in re ipsa, sendo necessário somente provar o ato danoso e o nexo causal entre o ofensor e o dano, presumindo o dano moral, e por fim, as situações cujo dano alegado não afetou a dignidade do individuo, e mesmo assim tem sido recorrido o judiciário pleiteando dano moral, onde esta corte tem entendido que não passam de mero dissabor advindo da convivência em sociedade.
Desta forma, por unanimidade o Egrégio Tribunal tem julgado os recursos das ações de danos morais, analisando cada caso concreto, proferindo condenações dentro do razoável, a fim de compensar o ofendido e inibir o ofensor a não praticar mais aquela conduta voluntaria ou involuntária que provocou o dano.
2. RESPONSABILIDADE CIVIL: CONCEITO, EVOLUÇÃO, TIPOS E REQUISITOS
2.1. CONCEITO
A origem da palavra responsabilidade é derivada do verbo latino respondere, ou seja, a obrigação de cada individuo em assumir e reparar as consequências jurídicas de seus atos, pois, havendo violação de dever jurídico originário, configura-se o ilícito, nascendo assim um dever sucessivo, o de reparar o dano causado. Partindo desse pressuposto, Gagliano e Pamplona Filho (2010, p. 45) afirmam que:
Responsabilidade, para o direito, nada mais é, portanto, que uma obrigação derivada a um dever jurídico sucessivo de assumir as consequências jurídicas de um fato, consequências essas que podem variar (reparação e/ou punição pessoal do agente lesionante) de acordo com os interesses lesados.
Diante desse entendimento, a responsabilidade civil nasce da violação de um dever originário, gerando um dever sucessivo, devendo o agente assumir as consequências jurídicas do ato ilícito praticado, que serão passiveis de indenização para o ofendido pelos prejuízos causados, bem como punição para o causador do dano a fim de inibi-lo a não praticar tal conduta. Para que haja responsabilidade do individuo, é necessário que, ao violar direito originário, venha a gerar o dano. Com efeito, mesmo a conduta do agente sendo ilícita, se esta não causar dano a outrem, não haverá responsabilidade civil, sendo certo que o agente poderá responder pelo ato ilícito em decorrência de outra determinação legal, mas não pela responsabilidade civil, até porque se não houve dano não haverá o que indenizar/compensar. Sergio Cavalieri Filho (2010, p. 01-02) comenta que a responsabilidade civil exprime a ideia de obrigação, encargo e contraprestação afirmando que:
Entende-se, assim, por dever jurídica a conduta externa de uma pessoa imposta pelo Direito Positivo por exigência da convivência social, não se trata de um simples conselho, advertência ou recomendação, mas de uma ordem ou comando dirigindo à inteligência e a vontade dos indivíduos, de sorte que impor deveres jurídicos importa criar obrigações. [...] A violação de um dever jurídico configura o ilícito que quase sempre acarreta dano para outrem, gerando um novo dever jurídico, qual seja o de reparar o dano. Há assim um dever jurídico originário, chamado por alguns de primário, cuja violação gera um dever sucessivo, também chamado de secundário, que é o de indenizar o prejuízo. A titulo de exemplo lembramos que todos tem o dever de respeitar a integridade física do ser humano. Tem-se aí um dever jurídico originário, correspondente a um direito absoluto. Para aquele que descumprir esse dever surgirá outro dever jurídico: o da reparação do dano.
Entende este autor que para que haja um convívio social pleno se fez necessário criar um dever jurídico, normas que pudessem possibilitar a ordem e o convívio social, parâmetros a serem seguidos, sendo certa que ao violar esse dever jurídico se configura a conduta ilícita que, na maioria das vezes, acarretará dano, trazendo como consequência um novo dever jurídico, o de indenizar/reparar o dano causado a outrem e o de punir o causador do dano. Como dito acima, caso da conduta ilícita não haja nenhum dano a outrem, não haverá nenhuma responsabilidade civil.
Há também situações em que há responsabilidade civil sem ato ilícito, ocorrendo quando a conduta for praticada em estado de necessidade ou legitima defesa, conforme estabelece o art. 188 do Código Civil de 2002[1]. Com efeito, apesar de excluir a ilicitude, o autor fica obrigado a reparar os prejuízos causados, desde que o evento que gerou o estado de necessidade ou legitima defesa não tenha decorrido da conduta da própria vítima.
Carlos Roberto Gonçalves (2009, p.34) preleciona que “os atos praticados em estado de necessidade são considerados lícitos pelo art. 188, II CC/02, mas que, mesmo assim, obrigam o seu autor a indenizar o dano da coisa” e essas indenizações poderão ser no âmbito material ou moral.
Com efeito, do que foi até aqui exposto, percebe-se que a responsabilidade civil decorre da violação de um dever jurídico primário, sendo certo que a sua existência depende do atendimento de alguns elementos caracterizadores, como conduta (ilícita, em regra), culpa (ou não), dano e nexo causal, impondo como consequência um reflexo patrimonial. Contudo, a questão da responsabilidade civil nem sempre teve os mesmos contornos, pois a evolução desse instituto e dos seus contornos variou ao longo do tempo, conforme será visto a seguir.
2.2. BREVE ESCORÇO HISTÓRICO NO DIREITO BRASILEIRO SOBRE A RESPONSABILIDADE CIVIL
Os primeiros relatos sobre a responsabilidade civil encontram-se firmados no direito romano, diante do descumprimento obrigacional estipulados nos contratos ou por deixar de cumprir alguma obrigação.
Contudo, no Direito brasileiro a responsabilidade civil começa a ser adotada com a transformação do Código Criminal de 1830 em Código Civil e Criminal, tendo como alicerce a justiça e a equidade, prevendo a reparação e a indenização quando há violação aos direitos de outrem gerassem danos. Nessa época as reparações pelos danos estavam vinculadas as condenações criminais.
Porém, com a promulgação do Código Civil de 1916, houve uma desvinculação entre a jurisdição civil e criminal, adotando para a responsabilidade civil a teoria subjetiva como regra geral do Código Civil de 1916. Em alguns casos, poderiam até se presumir a culpa, mas o pressuposto principal para que o dano fosse reparado era provar a culpa do agente.
Com o passar dos anos surgiram profundas inovações na responsabilidade civil, a mesma passa a ganhar força no ordenamento jurídico a partir do séc. XX com a Constituição de 1988 e o Código de Defesa do Consumidor, pois ambos os diplomas normativos fizeram grandes modificações na matéria da responsabilidade civil no Código Civil de 1916. Toda a essência do Código Civil de 1916 era subjetivista, tendo como principal fundamento o elemento culpa elencado no artigo 159[2], adotando-se, somente em um caso ou outro, a teoria objetiva.
O surgimento do Código Civil de 2002, revogando o Código Civil de 1916, manteve o elemento culpa como regra geral, conforme se pode constatar no art. 186 do atual Código Civil[3]. Contudo, a teoria objetiva ganhou força no Código Civil atual, deixando o elemento culpa de ser essencial, passando a ser acidental.
Desta forma, com o novo Código Civil/02 a responsabilidade objetiva passou a ter grande importância no ordenamento jurídico, se fundando na teoria do risco, mencionados nos artigos 936 e 937 do CC/02. Não observando mais a culpa do individuo como elemento essencial, mas, o dano provocado pelo agente, independente de culpa ou não, o mesmo deverá reparar os danos causados a outrem, uma vez que, houver violação de direito.
O ordenamento civil brasileiro compartilha tanto a teoria subjetiva fundada na culpa quanto à teoria objetiva que entende que o dano dever ser reparado a vitima, independente da conduta do agente ter sido praticada com culpa ou não. Partindo desse entendimento, que a teoria objetiva ganha força no atual CC/02, também conhecida como teoria do risco, sendo firmada no parágrafo único do artigo 937, quando o legislador demonstrou que existem atividades que por sua própria natureza podem gerar danos a outrem, entendendo que o dano deverá ser reparado, mesmo se este foi praticado sem culpa. Cavalieri (2010: p.143) compartilha desse mesmo pensamento afirmando que “a teoria do risco profissional sustenta que o dever de indenizar tem lugar sempre que o fato prejudicial é em decorrência da atividade ou profissão do lesado”
2.2.1. TIPOS DE RESPONSABILIDADE CIVIL
Segundo a doutrina, a responsabilidade civil poderá ser dividida em subjetiva ou objetiva e contratual ou extracontratual, a depender do foco de análise que seja dado, conforme será delineado a seguir.
2.2.2. Responsabilidade Civil Subjetiva e Responsabilidade Civil Objetiva
A responsabilidade civil subjetiva tem como fundamento a culpa, pressuposto necessário para configurar obrigação em reparar o dano causado pela conduta do agente. A responsabilidade subjetiva se baseia na Teoria Clássica, também conhecida como teoria da culpa, pois este é o principal elemento a ser analisado – ou melhor, provado – para a reparação do dano. Dessa forma, a responsabilidade do agente só se configura se este agiu com culpa ou dolo e houver danos causados a outrem, conforme se pode extrair das palavras de Carlos Roberto Gonçalves (2010. p.30) a seguir transcritas:
Conforme o fundamento que se dê a responsabilidade, a culpa será ou não considerada elemento da obrigação de reparar o dano. Em face da teoria clássica, a culpa era fundamento da responsabilidade, esta teoria também chamada de teoria da culpa, ou “subjetivista, pressupõe a culpa como fundamento da responsabilidade civil”. Em não havendo culpa, não há responsabilidade.
Gonçalves ao explicar a teoria “subjetivista” evidencia que somente haverá responsabilidade subjetiva quando houver culpa, sendo este o elemento principal que configura o ilícito, gerando assim o dever e a obrigação do causador do dano em repará-lo. Na teoria subjetivista a responsabilidade civil se fundamenta na culpa do agente, passando a ser pressuposto necessário para que o dano seja indenizável.
O artigo 186 do Código Civil/02 pontua que “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusamente moral, comete ato ilícito”, demonstrando os comportamentos que poderão configurar a culpa.
Conforme foi mencionado, a regra geral em se tratando de responsabilidade civil é – demonstração da culpa, portanto –, contudo, em que pese esse padrão, pode haver situações em que a lei determine a reparação do dano não observando como critério principal a culpa, mas tão somente a conduta, o nexo causal e o dano, baseando-se na teoria do risco.
A Referida teoria tem como fundamento que todo dano deve ser reparado, independente da culpa do agente ou não, o que caracteriza a responsabilidade objetiva. Essa teoria passa a ganhar força com o Código de Defesa do Consumidor e com o atual Código Civil de 2002.
Na responsabilidade objetiva a culpa do agente é presumida invertendo o ônus da prova, onde o ofendido somente precisa provar a ação ou omissão e o dano causado pela conduta do agente. Desta forma, Gonçalves (2009, p. 31) entende que na responsabilidade objetiva, independente da culpa, para ser reconhecida, basta que haja relação de casualidade entre a ação e o dano, a ponto de afirmar que:
Uma das teorias que procuram justificar a responsabilidade objetiva é a teoria do risco. Para esta teoria, toda pessoa que exerce alguma atividade cria um risco de dano para terceiros. E deve ser obrigada a repará-lo, ainda que sua conduta seja isenta de culpa. A responsabilidade civil desloca-se da noção de culpa para a ideia de risco, ora encarada como “risco-proveito”, que se funda no principio segundo o qual é reparável o dano causado a outrem em consequência de uma atividade realizada em beneficio do responsável; (ubi, emolumentum, ibi ônus); ora mais genericamente como “risco criado”, a que se subordina todo aquele que, sem indagação de culpa, expuser alguém a suportá-lo.
Referido autor fundamenta que uma das teorias utilizadas como justificativas para a responsabilidade objetiva é a teoria do risco, visto que para que o agente venha a responder pelos danos causados a outrem não se faz necessário comprovar a culpa ou o dolo, mas tão somente o nexo causal ente o dano e a conduta do individuo.
Com efeito, como a regra geral do sistema normativo pátrio é a responsabilidade civil subjetiva, para que a responsabilidade civil objetiva possa ser aplicada deverá existir expressa determinação legal (como ocorre com o Código de Defesa do Consumidor, por exemplo) ou se pautar na teoria do risco, conforme se pode extrair do parágrafo único do art. 927 do Código Civil de 2002[4].
2.2.3. Responsabilidade Civil Contratual e Responsabilidade Civil Extracontratual
A responsabilidade civil contratual se dará através da existência de uma relação jurídica anterior ao ato humano, havendo descumprimento da obrigação firmada entre as partes, consistindo na desobediência de um dever legal que ali foi pactuado. Assim, em caso de descumprimento do contrato, o agente responderá conforme mencionam os artigos abaixo transcritos do Código Civil:
Art. 389. Não cumprida à obrigação, responde o devedor por perdas e danos, mais juros e atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos e honorários de advocacia.
Art. 395. Responde o devedor pelos prejuízos a que sua mora der causa mais juros, atualização dos valores monetários segundo índices oficiais regularmente estabelecidos e honorários de advocacia.
O legislador nos enunciados acima demonstra que toda vez que houver algum descumprimento de cláusula estipulada em contrato celebrado e este gerar danos a outrem, nascerá à responsabilidade civil contratual, onde aquele que descumpriu algum requisito do contrato deverá responder pelas perdas e danos, a fim de reparar os prejuízos decorridos do descumprimento das cláusulas contratuais. A obrigação do contrato caberá a ambas as partes, o agente será isento de responsabilidade contratual se este deixar de cumprir alguma obrigação decorrente da culpa ou dolo da vítima.
Já a responsabilidade extracontratual, também conhecida como Aquilina, não surge com a violação de um contrato, pois nesse caso o contrato não existe. Ela surgirá com a desobediência de algum dever legal, ou seja, por ação ou omissão do agente causador do dano, negligência ou imprudência.
2.3. ELEMENTOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL
Conforme já foi dito anteriormente que a responsabilidade civil é a obrigação de reparar o dano causado a outrem, sendo certos que, para se configurar a responsabilidade do agente são necessários alguns elementos básicos, quais sejam: a conduta ilícita, a culpa, o nexo causal, e o dano (material e moral).
A conduta ilícita parte do comportamento humano (comissivo ou omissivo), ação voluntaria do individuo que acarretará dano a outrem, traduzindo-se “[...] em um comportamento voluntário que transgride um dever” (Venosa, 2003, p.22).
Como dito, essa conduta poderá ser omissiva – quando o individuo possuir a obrigação de cumprir determinado preceito legal e não o faz –, ou comissiva que é aquela conduta praticada pelo individuo que não é permitida, violando direitos alheios.
Destaca Cavalieri (2010: p. 37) que a culpa é a “violação de um dever de cuidado”, onde a conduta voluntaria do individuo provoca um resultado involuntário, sendo o elemento acidental para gerar a responsabilidade do agente em reparar o dano causado. Compreende-se que na culpa não há um fim determinado, o agente quer a conduta, mas, não deseja que se produza um resultado negativo, como no dolo que o individuo deseja tanto a conduta quanto o resultado.
Outro elemento da responsabilidade civil é o nexo causal, ou seja, o liame, a ligação entre a conduta ilícita e o dano (material e/ou moral), sob pena de, não restando caracterizado, não subsistir a responsabilidade civil.
Com efeito, entende Silvio Venosa (2003, p. 39) que “o conceito de nexo causal, nexo etiológico ou relação de causalidade deriva-se das leis naturais. É o liame que une a conduta do agente ao dano, é por meio do exame da relação causal que concluímos quem foi o causador do dano”, razão pela qual pode-se notar que o nexo causal é um elemento indispensável da responsabilidade civil, visto que é através deste que se tem o ligamento entre o dano e o agente que o praticou, possibilitando a vitima de ser ressarcida ou compensada pelos danos que foram causados.
Já Cavalieri Filho (2010, pp. 49-50) menciona que “a ideia fundamental da doutrina é que só há uma relação de causalidade entre fato e dano quando o ato ilícito praticado pelo agente seja de molde a provocar o dano sofrido pela vitima”, o que se pode extrair que a teoria adotada pelo Código Civil brasileiro em relação ao nexo de causalidade foi à teoria da causalidade adequada.
Além da conduta ilícita, culpa e nexo causal, o dano (material e/ou moral) compõe os elementos caracterizadores da responsabilidade civil, até porque sem dano não há que se falar em qualquer reparação.
O dano material, nas palavras de Gonçalves (2009, p. 339) “[...] é o dano que afeta somente o patrimônio do ofendido”, ou seja, está relacionado àquilo que se perdeu ou podia lucrar, podendo mensurar o seu valor em pecúnia, onde a vitima poderá pleitear ressarcimento ao agente causador do dano ao seu patrimônio.
No que se refere ao dano moral, o mesmo está ligado a tudo aquilo que afeta a personalidade do ser humano, que possui valor moral e não pecuniário, conforme será aprofundado a seguir.
3. DO DANO MORAL: EVOLUÇÃO HISTÓRICA E LEGISLATIVA
A discussão sobre danos morais não é algo novo, os primeiros relatos sobre Danos morais surgiram na época do Código de Hamurabi, apesar desse código definir como pena para os crimes mais graves a retribuição ao dano (conhecido como olho por olho, dente por dente). Para os crimes mais leves de natureza moral tinha como garantia que o causador do dano reparasse o ofendido pecuniariamente, uma vez que não é possível voltar ao status anterior ao dano causado.
Apesar dos primeiros relatos sobre dano moral ter sido abordado no Código de Hamurabi, não havia uma definição precisa sobre o que realmente seria dano moral, mas sim, sobre danos materiais, uma vez que a maioria das condutas descritas no código se refere às lesões ao patrimônio e o consequente ressarcimento. Quanto às indenizações por dano moral, estas eram feitas por exclusão, ou seja, aquilo que não atingisse o patrimônio da vitima, mas tão somente a sua moral, deveria ser indenizado de forma pecuniária a fim de compensá-lo pelo sofrimento que lhe foi causado e punir o agressor, para que tal conduta não voltasse a ser praticada novamente.
Os critérios utilizados para a definição do dano moral eram muito subjetivos, tanto que não havia uma definição precisa sobre o que realmente seria dano moral, mas apenas uma noção que, se o crime cometido não houvesse morte, nem agressão física e não atingisse o patrimônio, aí seriam crimes de natureza moral, como pontua o art. 209 do código de Hamurabi: “Se um awilum ferir o filho de um outro awilum e, em consequência disso, lhe sobrevier um aborto, pagar-lhe-á dez ciclos de prata pelo aborto”.
Pode-se observar no artigo transcrito que no código de Hamurabi não se punia somente as agressões de cunho material, vez que buscava-se reparar as agressões quando fossem no âmbito moral compensando a vitima com uma indenização pecuniária.
No ordenamento Jurídico brasileiro o dano moral passa a ser vislumbrado com o a promulgação do Código Civil de 1916, tornando-se possível a reparação as violações dos danos extrapatrimoniais, demonstrada no artigo 1547 CC/16 “A indenização por injúria ou calúnia consistirá na reparação do dano que delas resulte ao ofendido [...] Parágrafo único – “Se este não puder provar prejuízo material, pagar-lhe-á o ofensor o dobro da multa no grau máximo da pena criminal respectiva”, verifica-se, que o Código Civil/16 já previa a proteção para os direitos da personalidade violados, porém, o mesmo sempre estava vinculado ao dano material. Como regra basilar o código civil de 1916 adota a teoria subjetiva, somente sendo possível a indenização pelos danos decorrentes da injuria e calunia se o ofendido provasse os danos decorridos através da conduta do agente. Quanto às indenizações só eram possíveis se os danos causados de alguma forma gerassem prejuízos materiais, caso à vitima não conseguisse provar os danos alegados, a mesma deveria pagar multa em dobro ao ofensor.
Após o Código Civil de 1916 ter mencionado a possibilidade de reparação pelos danos extrapatrimoniais, com a promulgação da Constituição Federal de 1988 a mesma adotou como garantia constitucional a dignidade da pessoa humana elencada no artigo 1º inciso III e a proteção dos direitos a personalidade, sendo possível indenização quando houver violação desses direitos, declarados no artigo 5º, incisos V e X.
A discussão sobre danos morais passou a ganhar força no século XXI com as mudanças sócias, com a entrada em vigor do novo Código Civil/02, Código de Defesa do Consumidor e com o conhecimento que a sociedade passou a ter sobre seus direitos violados, tanto no âmbito material quanto moral. Com o passar dos anos surgiram vários questionamentos sobre o que seria o dano moral, visto que às definições doutrinarias deixam vaguezas sobre o tema, tanto que existem varias definições sobre o dano moral, porém, não há um conceito explicito que o defina para o seu reconhecimento, mas somente a responsabilidade civil do individuo em indenizar ou ressarcir o ofendido pelo ilícito praticado.
A Constituição Federal/88, não conceitua o dano moral, os dispositivos mencionados apenas garantem a inviolabilidade dos direitos personalíssimos, bem como a forma de reparação para a vítima e punição para o agressor.
3.1. CONCEITO DO DANO MORAL E SEUS PARÂMETROS
Sergio Cavalieri Filho (2010, p. 81), no seu estudo sobre danos morais, trás como objetivo “não mais saber se o dano moral é ou não indenizável, mas sim o que venha a ser o próprio dano moral”, pois existe uma subjetividade nos conceitos existentes sobre danos morais, trazendo insegurança jurídica e social, uma vez que, não utilizam critérios objetivos para sua caracterização.
Cavalieri Filho pontua que os conceitos existentes sobre o que venha a ser dano moral precisam ser reavaliados à luz do art. 1º, inciso III, da Constituição Federal/88, tendo como base a dignidade da pessoa humana, pois segundo seu pensamento, “dano moral é tudo aquilo que tem valor, mais não tem preço” (2010, p.82), ou seja, é toda violação contra os direitos da personalidade que integram a dignidade da pessoa humana, a ponto de afirmar que:
Ao assim fazer, a Constituição deu ao dano moral uma nova feição e maior dimensão, porque a dignidade humana nada mais é do que a base de todos os valores morais, a essência de todos os direitos personalíssimos. Os direitos á honra, ao nome, intimidade, privacidade, e a liberdade, estão englobados no direito à dignidade, verdadeiro fundamento e essência de cada preceito constitucional relativo aos direitos da pessoa humana. (CAVALIERI FILHO, 2010, p. 82)
Observa-se na posição deste autor, que antes de chegar ao conceito sobre dano moral faz necessário entender que ao violar direito da personalidade como a honra, o bom nome, intimidade, imagem e a liberdade, acabam arranhando a dignidade da pessoa humana, a base para todos os direitos defendidos pela Constituição Pátria e vetor axiológico de todo o ordenamento jurídico.
Em conformidade com a posição de Kant, Cavalieri Filho (2010, p. 83) entende que “dignidade é o valor de que se reveste tudo aquilo que não tem preço”. Em outras palavras, é tudo aquilo que não tem valor pecuniário e sim valor moral, aquilo que não pode ser substituído. Carlos Roberto Gonçalves (2009, p. 359) sobre o dano moral compartilha do mesmo pensamento de Cavalieri Filho quando diz que:
Dano moral é o que atinge o ofendido como pessoa, não lesando seu patrimônio. É lesão de bem que integra os direitos da personalidade, como a honra, a dignidade, intimidade, a imagem, o bom nome, etc., como se infere dos art. 1º, III, e 5º, V e X, da Constituição Federal, e que acarreta ao lesado dor, sofrimento, tristeza, vexame e humilhação.
Já Porto de Oliveira (1999: p.25) destaca que “a ideia do dano moral está associada ao direito de propriedade individual e parte do principio de que todo ser humano é detentor de um patrimônio, e este patrimônio envolve o próprio corpo, bens imateriais pertencentes ao individuo e a sua personalidade”, desta forma, verifica-se que os autores mencionados, seguem a mesma linha de pensamento quanto à matéria do dano moral e a sua amplitude.
A Constituição Federal de 1988 caminhou ao definir que seriam passiveis de indenizações pelos danos matérias, morais[5] ou a imagem, bem como a inviolabilidade dos direitos a personalidade, conforme se pode extrair do art.5º, incisos V e X, do referido diploma legal a seguir transcrito:
Art. 5º. [...]
V- É assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem.
[...]
X- São invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.
O legislador consagrou no artigo citado como garantia constitucional a inviolabilidade dos direitos a personalidade, assegurando o direito à indenização quando houver dano material e moral. Desta forma, verifica-se que a apesar da Constituição Federal não conceituar o que é o dano moral, a mesma assegura o direito de resposta a vitima dentro do razoável quando houver violação tanto do seu patrimônio quanto da moral ou imagem, garantindo à inviolabilidade dos direitos atinentes a personalidade, onde havendo descumprimento desse preceito legal, será configurado o dano moral, sendo passível de indenização.
O posicionamento trazido por Cavalieri é que para chegar ao conhecimento sobre o que de fato é o dano moral, faz necessário compreender o que é a dignidade da pessoa humana, haja vista, que o dano moral se configura quando há violação deste principio constitucional, e dos direitos da personalidade.
Como entendimento extraído dos conceitos apresentados sobre o dano moral, este se revela no momento em que há violação da dignidade da pessoa humana e dos direitos da personalidade do individuo resguardado pela Carta Magna, que estão interligados a imagem, ao bom nome, a honra, a intimidade e a privacidade, provocando situação de abalo psicológico ao ponto de alterar o estado de espírito, causando dor e constrangimento ao ofendido. Desta forma, verifica-se que o dano moral é tudo aquilo que atinja o bem extrapatrimonial do individuo, que não possui valor financeiro, mais tão somente moral.
3.2. O DANO MORAL E O ENTENDIMENTO DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTICA – STJ.
As decisões sobre o dano moral do Superior Tribunal de Justiça têm sido unânimes quanto ao seu fundamento e voto, declarando os elementos necessários que ensejam o dano moral, bem como demonstrando que as situações corriqueiras do dia-a-dia não se configuram como dano moral, mas apenas mero dissabor da convivência em sociedade.
O dano moral surge tão somente quando, através da conduta humana licita ou ilícita, houver violação aos direitos da personalidade do individuo, afetando o seu psicológico e o seu estado de espírito.
O primeiro acórdão a ser demonstrado trata-se de ação de danos morais contra o Banco Santander, por ter impedido a entrada de um cliente armado na agência bancária logo após ter sido devidamente identificado pela sua carteira funcional como policial civil e pela viatura na qual chegou ao banco. Diante do ocorrido, posicionou-se o STJ da seguinte forma:
A respeito, "... só deve ser reputado como dano moral a dor, vexame, sofrimento ou humilhação que, fugindo à normalidade, interfira intensamente no comportamento psicológico do indivíduo, causando-lhe aflições, angústia e desequilíbrio em seu bem-estar. Mero dissabor, aborrecimento, mágoa, irritação ou sensibilidade exacerbada estão fora da órbita do dano moral, porquanto, além de fazerem parte da normalidade de nosso dia-a-dia, no trabalho, no trânsito, entre os amigos e até no ambiente familiar, tais situações são intensas e duradouras, a ponto de romper o equilíbrio psicológico do indivíduo".
Assim, a indenização por dano moral deve ser aferida dentro do casuísmo e da particularidade de cada caso concreto. [..] No tocante ao dano moral, o que se verifica e que há configuração de sua ocorrência, no caso de abuso [..]. Não se pune o uso normal e o exercício regular do direito, mas, o abuso e o excesso, perfeitamente caracterizados. Mesmo após a apresentação de documento comprobatório de sua atividade profissional, prepostos do réu impediram o acesso do autor a seu estabelecimento, deixando-o do lado de fora, exposto aos olhares curiosos e desconfiado dos demais clientes. Há perfeita configuração do prejuízo moral “(e-STJ fls. 124⁄125)[6].
Fica evidenciado nesta posição do Egrégio Tribunal, que só deve ser configurado o dano moral as situações fogem da normalidade, causando na vítima, dor, vexame, sofrimento ou humilhação, interferindo no seu psicológico ao ponto de causar um desequilíbrio capaz de romper o seu bem estar. Demonstrando que as situações que causam aborrecimentos, irritação ou mágoa não ensejam o dano moral, haja vista, que esses acontecimentos diários fazem parte do convívio em sociedade, não afetando o equilíbrio psicológico do individuo, tratando-se de mero dissabor, que podem acontecer frequentemente.
Observa-se ainda nesta decisão, que o dano moral foi configurado no momento em que houve abuso e o excesso do direito, se no momento em que o alarme da porta giratória disparou e o segurança percebeu através do documento funcional que se tratava de um policial, não haveria em se falar em dano moral, mas em mero dissabor decorrido de situações do dia a dia, porém, foi comprovado que mesmo após a devida identificação comprovando que o autor era policial civil, o mesmo foi impedido de entrar no estabelecimento, sendo exposto a humilhação e dor. Nesse sentindo o STJ foi unânime ao reconhecer que houve configuração do prejuízo moral, devendo o réu compensar a vítima pelos prejuízos que foram causados a moral, visto que o autor foi exposto à situação vexatória na frente dos olhares desconfiados de todos que estavam presentes, não havendo possibilidade de voltar ao Status anterior ao dano, mas tão somente produzir na vitima um sentimento de compensação através da indenização arbitrada.
A Relatora Ministra Nancy Andrighi na decisão proferida na 3ª Turma do Egrégio Tribunal destaca a compensação pelos danos morais com entendimento jurisprudencial, demonstrando as causas que ensejam o dano moral.
[...] jurisprudência do STJ consolidou-se no sentido de que, embora geralmente o mero inadimplemento contratual não seja causa para ocorrência de danos morais, é reconhecido o direito à compensação dos danos morais advindos da injusta recusa de cobertura de plano de saúde, pois tal fato agrava a situação de aflição psicológica e de angústia no espírito do segurado, uma vez que, ao pedir a autorização da seguradora, já se encontra em condição de dor, de abalo psicológico e com a saúde debilitada[7].
Constata-se na decisão proferida que o reconhecimento do dano moral não se deu pelo inadimplemento contratual, visto que não é causa que enseja o dano moral, porém, o entendimento jurisprudencial do STJ demonstra o reconhecimento da violação dos direitos à personalidade, quando houver de forma injusta a recusa da cobertura do plano de saúde. Observando que a não liberação da cobertura do plano pelo adimplemento contratual, irá gerar aflição psicológica e angustia de espírito do segurado, haja vista, que o mesmo já se encontra em situação de dor e sofrimento, com grande abalo psicológico devido à saúde debilitada, devendo a vitima ser compensada pelos danos morais que lhe foram causados.
Em conformidade com entendimento de Cavalieri, o Relator Ministro Luis Felipe Salomão da Quarta Turma do STJ, fundamenta sua decisão da seguinte forma:
"RESPONSABILIDADE CIVIL. NOTÍCIA VEICULADA EM JORNAL. DANO MORAL. Caracteriza dano moral notícia veiculada em jornal, relativa à intimidade pessoal e familiar do autor. Inegável ofensa à honra do mesmo, embora se tratando de pessoa pública. Confronto entre direito à intimidade e à honra, protegido no art. 5º, X, da Constituição Federal, com o direito e dever de informar, resguardado, no art. 220, da mesma Carta. Voto vencido. Predominância do voto médio do Revisor. Apelo e recurso adesivo desprovidos por maioria" (fls. 314⁄329)[8].
Compartilhando do mesmo entendimento que Cavalieri, quanto à configuração do dano moral, o Relator profere sua decisão negando provimento ao Recurso Especial interposto pelo réu, reconhecendo o dano moral, decorrido da violação dos direitos da personalidade garantidos pela Constituição Pátria, listado no artigo 5º, X, mesmo se tratando de pessoa publica, ao ser publicado noticia em jornal vinculado à intimidade pessoal e familiar, sem o breve conhecimento do autor, esta corte entende que há violação da imagem, honra e do bom nome da vitima, configurando o dano moral, devendo o réu compensar a vitima pelos prejuízos decorridos do ato ilícito.
3.3.DO DANO IN RE IPSA
Como pode ser observado, em regra geral para a comprovação do dano moral é necessário provar a conduta do agente, o nexo de causalidade e o dano causado ao ofendido, porém, ha situações que a própria existência do ato ilícito já se presume o dano moral. O STJ tem prolatado decisões declarando dano moral in re ipsa nos casos em que a própria comprovação do dano e o nexo de causalidade entre o dano e o agressor já enseja o dano moral a vitima, entendendo que "o dano moral in re ipsa, é o dano vinculado à própria existência do fato ilícito, cujos resultados são presumidos" (Ag 1.379.761), não sendo necessário demonstrar provas sobre o próprio dano moral, pois este decorre do próprio fato. Assim, a demonstração do próprio ato ilícito já é suficiente para presumir os danos causados a personalidade do ofendido.
Desta forma, a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça tem entendido que atrasos de Voos sem motivo de força maior também configuram dano moral in re ipsa, conforme relatado pelo Ministro Raul Araújo:
[..] A responsabilidade da companhia aérea é objetiva, pois "O dano moral decorrente de atraso de voo opera-se in re ipsa. O desconforto, a aflição e os transtornos suportados pelo passageiro não precisam ser provados, na medida em que derivam do próprio fato[9].
No julgado ora mencionado, a Quarta Turma do STJ declarou dano moral in re ipsa decorrido do atraso de voo, haja vista que não houve nenhum motivo de força maior para que o mesmo fosse cancelado, declarando ainda, que a própria demonstração do atraso do vôo é prova suficiente para demonstrar os prejuízos causados aos autores da ação, tendo como base a teoria objetiva, que não analisa a culpa, mas, tão somente o dano e o nexo causal, para configurar a responsabilidade do agente em indenizar a vitima pelos danos causados. Se o atraso do voo fosse decorrido de motivo de força maior ou por caso fortuito haveria uma excludente de ilicitude, onde não se presumiria o dano moral.
A Relatora Ministra Nancy Andrighi, demonstra na decisão mencionada, que a jurisprudência do STJ tem entendimento unânime quanto a cadastro indevido a órgão de proteção ao credito, reconhecimento do dano moral in re ipsa.
Circunstância que deve ser levada em consideração na fixação do valor da compensação, mas que não possui o condão de afastá-la. - A jurisprudência do STJ é uníssona no sentido de que a inscrição indevida em cadastro restritivo gera dano moral in re ipsa, sendo despicienda, pois, a prova de sua ocorrência. Dessa forma, ainda que a ilegalidade tenha permanecido por um prazo exíguo, por menor que seja tal lapso temporal esta circunstância não será capaz de afastar o direito do consumidor a uma justa compensação pelos danos morais sofridos. - O curto lapso de permanência da inscrição indevida em cadastro restritivo, apesar de não afastar o reconhecimento dos danos morais suportados, deve ser levado em consideração na fixação do valor da reparação. Recurso especial provido para julgar procedente o pedido de compensação por danos morais formulado pela recorrente.[10]
Nesta decisão a relatora fez referência como sendo entendimento jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça, que o cadastro indevido a órgão de proteção ao credito gera o dano moral in re ipsa, ainda que tal cadastro indevido tenha sido por curto período de tempo, não sendo capaz de afastar o direito do consumidor em uma justa compensação pelos danos morais sofridos. Mesmo este juízo não afastando o dano moral pelo o curto período de tempo, da permanência do nome do ofendido no sistema de proteção ao credito, no momento da fixação da indenização deverá ser observado tal requisito, majorando a indenização dentro do proporcional e razoável ao dano.
Em conformidade, o relator Cesar Asfor na decisão proferida pela Quarta Turma decide que:
RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. INSCRIÇÃO INDEVIDA. INDENIZAÇÃO. DANO MORAL. DANO IN RE IPSA. ART. 20, § 3º, DO CPC. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. VALOR DA CONDENAÇÃO. A jurisprudência deste Pretório está consolidada no sentido de que, na concepção moderna do ressarcimento por dano moral, prevalece a responsabilização do agente por força do simples fato da violação. Nos termos do art. 20, § 3º, do CPC, em havendo condenação, a verba honorária deve ser arbitrada em percentual sobre o valor da condenação, e não sobre o valor atribuído à causa. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, provido[11].
É notório que o entendimento desta corte tem sido unânime, reconhecendo como dano moral in re ipsa a negativação indevida em órgão de proteção ao credito, expondo de forma desnecessária o consumidor pelo debito inexistente. Demonstrando que, está consolidado o entendimento que ha responsabilidade do agente em indenizar o ofendido, pelo simples fato do ato ilícito, sendo prova suficiente para demonstrar o dano moral. Ainda nesse mesmo entendimento o Ministro Cesar Asfor prolata outra decisão:
CIVIL. DANO MORAL. REGISTRO NO CADASTRO DE DEVEDORES DO SERASA. IRRELEVÂNCIA DA EXISTÊNCIA DE PREJUÍZO. A jurisprudência desta Corte está consolidada no sentido de que na concepção moderna da reparação do dano moral prevalece a orientação de que a responsabilização do agente se opera por força do simples fato da violação, de modo a tornar-se desnecessária a prova do prejuízo em concreto. A existência de vários registros, na mesma época, de outros débitos dos recorrentes, no cadastro de devedores do SERASA, não afasta a presunção de existência do dano moral, que decorre in re ipsa, vale dizer, do próprio registro de fato inexistente. Hipótese em que as instâncias locais reconheceram categoricamente que foi ilícita a conduta da recorrida em manter, indevidamente, os nomes dos recorrentes, em cadastro de devedores, mesmo após a quitação da dívida. Recurso conhecido em parte e, nessa parte, parcialmente provido[12].
As decisões proferidas pelo STJ vêm entendendo que, não afasta a presunção do dano moral in re ipsa, quando o nome do autor consta no Serasa, e mesmo após o mesmo quitar a divida, o nome deste é mantido no cadastro de proteção ao credito. Reconhecendo como sendo licita a conduta do recorrido, haja vista, que no momento em que a divida é quitada, deverá ser retirado o nome do individuo do SPC Serasa, caso não sejam obedecidas tais regras, será configurado o dano moral in re ipsa pelo próprio fato danoso, cabendo indenização, com o intuito de produzir na vitima um sentimento de compensação pelo dano causado e punir o agressor para que tal conduta não volte a ser praticada.
3.4. MERO DISSABOR X VIOLAÇÃO DOS DIREITOS DA PERSONALIDADE
Atualmente, devido ao grande volume de ações que tem sido propostas no poder judiciário brasileiro pleiteando dano moral, tem se levantado uma discussão sobre uma possível banalização desse instituto, visto que, nem sempre o objeto da ação houve violação da dignidade e da personalidade do individuo, sendo critério necessário para se pleitear o dano moral. Tratando apenas de situações corriqueiras, que podem surgir todos os dias, sem que tal acontecimento viole o individuo enquanto pessoa, causando lhe apenas, irritação, ou mero dissabor, situações que são normais advindas do convívio em sociedade, o que é possivelmente normal, nesse sentido, o Ministro Ari Pargendler da Primeira Turma desta corte profere a seguinte decisão:
O tribunal a quo decidiu que"a mera cobrança, baseada no TOI, em que há a descrição de suposta fraude, representa aborrecimento, mas não gera padecimento moral. O ato de inspecionar o aparelho de medição das unidades consumidoras insere-se no âmbito de atividades da empresa concessionária. “A constatação da suposta irregularidade não pode ser entendida como um dano extrapatrimonial a ser indenizado, cabendo ao consumidor defender-se em sedes administrativa e judicial, se necessário” (e-stj, fl. 187).[...] A concessionária do serviço público pode inspecionar o aparelho de medição das unidades consumidoras, e o respectivo resultado apurando irregularidades não constitui dano moral passível de indenização. Agravo regimental não provido[13].
O Superior Tribunal de Justiça tem proferido decisões com entendimento unitário, as situações que não fogem da normalidade, causando no individuo apenas aborrecimento, não o atingindo enquanto pessoa, como os acontecimentos que decorrem do próprio convívio em sociedade, cuja pretensão do dano moral deverá ser afastada, uma vez que, não foram violadas a dignidade e a personalidade do autor.
Pode-se observar que mesmo com um número exacerbado de ações que tem sido proposta no judiciário, pleiteando direito que não foi violado, não há em que falar em banalização do dano moral, visto que as decisões proferidas tem recusado a pretensão do autor, quando não houve violação que se configurasse como dano moral. Verifica-se, que com as facilidades que a sociedade passou a ter acesso a justiça, começou a se fazer uma banalização dos direitos da personalidade, onde tudo passa a ser objeto de ação, porém, o que nos alegra, é que nessas situações o STJ, tem afastado tais pretensões, demonstrando que se tratam apenas de mero dissabor.
Outro julgamento que merece destaque foi à decisão proferida pela relatora Ministra Nancy Andrighi da Terceira Turma do Egrégio Tribunal, compartilhando o mesmo entendimento dos Ministros desta corte, demonstrando que mero dissabor não enseja o dano moral:
CONSUMIDOR E CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL CONTRATUAL. DEFEITOS EM VEÍCULO ZERO-QUILÔMETRO. EXTRAPOLAÇÃO DO RAZOÁVEL. DANO MORAL. O defeito apresentado por veículo zero-quilômetro e sanado pelo fornecedor, via de regra, se qualifica como mero dissabor, incapaz de gerar dano moral ao consumidor. Todavia, a partir do momento em que o defeito extrapola o razoável, essa situação gera sentimentos que superam o mero dissabor decorrente de um transtorno ou inconveniente corriqueiro, causando frustração, constrangimento e angústia, superando a esfera do mero dissabor para invadir a seara do efetivo abalo psicológico[14].
Esta decisão evidencia que o problema apresentado pela consumidora no seu veiculo devidamente sanado, não configura o dano moral, pois esta não teve nenhum prejuízo que pudesse lhe causar profundo abalo psicológico ao ponto de afetar a sua moral. Demonstrando na decisão proferida que o dano moral alegado não existiu, pois não houve violação da personalidade e da dignidade afetando de tal modo o estado de espírito da autora. Porém, a relatora também menciona que ultrapassando os limites permitidos, extrapolando o razoável, gerando tamanho desconforto ao ponto de causar constrangimento e angustia no individuo, superaria o mero dissabor, configurando o dano moral.
Constata-se que os julgados desta corte tem sido unânimes, alegando que mero aborrecimento não constitui dano moral, entendendo que as situações cotidianas comuns que não extrapola os limites, representam tão somente mero dissabor, não configurando dano moral, evitando a banalização do instituto dano moral, bem como o enriquecimento ilícito proveniente das indenizações que são arbitradas.
As decisões proferidas pelo Egrégio Tribunal tem o cuidado de analisar cada caso concreto, as condições do ofendido e do ofensor, com o intuito de filtrar as situações que não fogem da normalidade, a má-fé daqueles que adentram ao judiciário pleiteando direito não violado, demonstrando que a banalização não é do instituto dano moral, mas, dos direitos da personalidade, visto que, as partes alegam ter sido violado, quando nem sequer foram arranhados, apenas lhes produziram aborrecimento, descontentamento proveniente da convivência em sociedade. Diante disso, o STJ tem julgado de forma unânime em declarar que o dano moral somente deverá ser arbitrado quando as situações fogem da normalidade afetando o individuo como pessoa, ferindo a dignidade e a personalidade, aquilo que não foge da normalidade e não causa dor, sofrimento ou angústia ao ponto de afetar o estado de espírito do individuo não configura o dano moral, mas tão somente o mero dissabor.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Conclui-se que o dano moral se caracteriza quando da conduta ilícita ou licita houver violação dos direitos da personalidade de outrem, gerando a responsabilidade civil do causador do dano em reparar os prejuízos que foram causados a vitima, conforme menciona o artigo 5º, inciso V e X da Constituição Federal/88. Para configurar a responsabilidade civil do agente, podem ser observadas duas teorias adotadas pelo código civil02, a teoria subjetiva que tem como fundamento a culpa e a teoria objetiva que se fundamenta na teoria do risco da atividade e nexo causal que liga o autor ao fato danoso.
Ainda no que tange a responsabilidade, esta se divide em contratual quando a violação de uma relação jurídica pactuado entre as partes, ou a responsabilidade extracontratual que não surge da violação de um contrato, pois ele não existe, mas, tão somente da ação ou omissão do agente negligência ou imprudência conforme fundamenta o artigo 186 do código civil/02. Os elementos necessários que irão demonstrar a responsabilidade do agente em compensar ou indenizar o ofendido são: a conduta ilícita, a culpa, o nexo causal e o dano material ou moral, pois sem dano não há responsabilidade civil.
Conforme entendimento doutrinário demonstrado, mesmo havendo vaguezas quanto ao conceito do dano moral, o mesmo se funda em tudo aquilo que viola o principio da dignidade da pessoa humana, bem como os direitos atinentes a personalidade do ofendido, sendo passível de reparação quando o dano for patrimonial e compensação quando os danos causados forem no âmbito moral. As indenizações por danos morais não tem somente o objetivo de compensar a vitima pelos danos que lhe foram causados, mas, também punir o causador do dano, tendo como caráter educativo, a fim de inibi-lo a não praticar tal conduta.
O Superior Tribunal de Justiça tem como entendimento que, tudo aquilo que viola a integridade moral do ofendido, ferindo a dignidade e a personalidade lhe causando sofrimento, dor e expondo a situação vexatória, cabe indenização por dano moral, protegendo os direitos tutelados pela Carta Magna. Demonstrando situações que ensejam danos morais, onde a própria comprovação do ato ilícito já se presume o dano moral, uma vez que, estes provem do próprio ato danoso. E por fim, o STJ se posiciona quanto às situações advindas do dia a dia, que não fogem da normalidade, se tratando de mero dissabor decorrido do convívio em sociedade, demonstrando que a pretensão do dano moral nessas situações deverá ser afastada, protegendo assim o instituto moral, ficando evidente que não há banalização do dano moral nas decisões proferidas, mais sim, no objeto da ação no momento que o mesmo é proposto pelo autor, alegando violação da personalidade e da dignidade, quando nem se quer foram arranhados quanto mais violadas.
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VENOSA, Silvio de Salvo Venosa. Direito Civil: Responsabilidade Civil. São Paulo: Atlas, Vol. IV. 3ª Ed. 2003. V.
[1] Código Civil de 2002, art. 188: “Art. 188. Não constituem atos ilícitos. I - Os praticados em legítima defesa ou no exercício regular de um direito reconhecido; II - A deterioração ou destruição da coisa alheia, ou a lesão a pessoa, a fim de remover perigo iminente. Parágrafo único: No caso do inciso II, o ato será legitimo somente quando as circunstâncias o tornarem absolutamente necessário, não excedendo os limites do indispensável para a remoção do perigo”.
[2] Código Civil de 1916, art. 159: “Art. 159. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência, ou imprudência, violar direito, ou causar prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar o dano”.
[3] Código Civil de 2002, art. 186: “Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.”.
[4] Código Civil, art. 927, parágrafo único: “Art. 927. [...]. Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independente da culpa, nos casos específicos em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar por sua natureza, riscos para o direito de outrem”.
[5] “Na reparação do dano moral, o dinheiro não desempenha função de equivalência, como no dano material, mas sim, função satisfatória. Quando a vitima reclama a reparação pecuniária em virtude do dano moral que recai, por exemplo, em sua honra, nome profissional e família não estão definitivamente pedindo o chamado pretio doloris, mas apenas que lhe propicie uma forma de atenuar, de modo razoável, as consequências do prejuízo sofrido, ao mesmo tempo em que pretende a punição do lesante”. (Stolze e Pamplona, 2010, p. 119)
[6] STJ, Aresp 456.709 ⁄ -SP, 3ª T., Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva. , DJ. 03⁄04⁄2014
[7] STJ, Ag In. 408.557-SP, 3ª T. Rel. Min. Nancy Andrighi. , DJ. 04/03/2014
[8]STJ, REsp. 713.202 - RS, 4ª T., Rel. Min. Luis Felipe Salomão, DJ. 01/10/2009.
[9] STJ, AgIn 1.323.800/MG, 4ª T. Rel. Min. Raul Araújo. DJ. 03.04.2014.
[10] STJ, REsp. 994253/RS, 3ª T. Rel. Min. Nancy Andrighi, DJ 15.05.2008.
[11] STJ, REsp 851522/SP, 4ª T., Rel. Min. César Asfor Rocha, DJ 22.05.2007.
[12] STJ, Resp. 196024/MG, 4ª T., Rel. Min. César Asfor Rocha, DJ 02.03.1999.
[13] STJ, Aresp. 220.557 – SP, 1ª T. Rel. Min. Ari Pargendler DJ. 21/11/2013
[14] STJ, Resp. 1395285⁄SP. 3ª T. Rel. Min. Nancy Andrighi DJ 03⁄12⁄2013.
Advogada, atuante em Direito de Família, Cível e Consumidor. Pós graduando em Direito processual do trabalho.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CAIRES, Gabriela Santos. Do dano moral e seus parâmetros: uma análise do entendimento do Superior Tribunal de Justiça Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 24 ago 2016, 04:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/47389/do-dano-moral-e-seus-parametros-uma-analise-do-entendimento-do-superior-tribunal-de-justica. Acesso em: 23 dez 2024.
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