RESUMO: Objetivou-se estudar o dano moral difuso como meio de reprimir atos de improbidade administrativa. Conceituou-se o dano moral difuso e os atos de improbidade administrativa. Mereceu destaque a conceituação de danos extrapatrimoniais. A indeterminabilidade dos prejudicados pelo dano extrapatrimonial não é impediditivo para a afirmação da existência e necessidade de reparação da moral coletiva.
Palavras-chave: Improbidade Administrativa. Má Gestão Pública. Dano Moral Difuso. Danos Extrapatrimonias. Honra Objetiva.
SUMÁRIO: 1 INTRODUÇÃO. 2 TEORIA DA IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. 2.1 IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA COMO MÁ GESTÃO PÚBLICA. 3 DANO MORAL DIFUSO. 4 A INCIDÊNCIA DO DANO MORAL DIFUSO NA IMPROBIDADE ADMINSITRATIVA. 5 CONSIDERAÇÃOES FINAIS. REFERÊNCIAS.
1 INTRODUÇÃO
O Direito brasileiro, por meio da Constituição Federal de 1988, no artigo 37, estabeleceu princípios e normas no tocante à moralidade e à improbidade administrativa, destacou a necessidade de impor sanções àqueles que agissem em desconformidade com os valores morais, e traçou os contornos da improbidade administrativa.
Há de destacar o parágrafo 4º do artigo 37, o qual impõe à administração pública e aos administrados um comportamento reto e digno, determinando o afastamento da corrupção. Para isto, tal dispositivo constitucional invoca como sanção aos atos da improbidade administrativa a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário. Tal previsão constitucional é consequência dos numerosos e variados casos de desvios de poder e da ineficácia do combate à improbidade.
Consequentemente, com base nos parâmetros constitucionais e na insatisfação social, foi editada a Lei Federal nº 8.429/1992, a qual busca, com maior especificidade, regular as situações caracterizadoras de improbidade, bem como os seus autores, as sanções, o trâmite processual apto à responsabilização do improbo. A lei de improbidade administrativa, como é assim denominada, surgiu no intuito de resgatar os valores morais tão caros à sociedade.
Conforme já exposto, a lei de improbidade administrativa tem origem na Constituição Federal de 1988, configurando-se, portanto, como instrumento de realização do princípio da moralidade administrativa.
Com efeito, pode-se dizer que o princípio da probidade administrativa origina-se do princípio da moralidade administrativa e é formado pelos mesmos valores incidentes neste. A ele incumbe efetivar a moralidade, além de cumprir uma atuação de garantia de eficácia dos princípios da administração pública.
A conduta administrativa, vinculada ou discricionária, passa a ser delimitada pela moralidade, a qual pressupõe a honestidade, a boa fé e a lealdade, além de objetivar uma boa administração. Assim, uma administração pública honesta e proba passa a ser direito público subjetivo garantido aos cidadãos.
Ocorre, entretanto, que nem sempre a administração pública é implementada por meio de valores morais, honestos e de boa fé. Pelo contrário, tem sido frequente no seio da sociedade brasileira atos ímprobos capazes de afetar fortemente a moral do Estado Democrático Brasileiro. Daí surge a grande questão: existe dano moral difuso ao patrimônio público?
A celeuma que envolve a questão levantada acima é a possibilidade de permitir a incidência do dano moral à transindividualidade, em virtude da indeterminabilidade dos titulares do direito, e o padrão de indivisibilidade da ofensa e da lesão.
Assim, o presente estudo tem por escopo pesquisar a possibilidade de caracterizar dano moral difuso nos atos de improbidade administrativa.
Sabe-se que o Brasil tem a sua história focada em escândalos de corrupção, em que as pessoas usam do poder público para se enriquecer.
É necessário o compromisso ético e moral do gestor público para o crescimento do Brasil. A devida constatação de um dano ao patrimônio público, com a possibilidade de caracterização da correspondente indenização, é imprescindível para a garantia da moralidade, pois auxilia no combate à corrupção.
Logo, o objetivo específico do presente artigo é estudar, sob uma perspectiva crítica, a possibilidade de caracterização do dano moral difuso nos atos de improbidade administrativa. E, mais especificamente, de conceituar os diversos atos de improbidade administrativa, de analisar a evolução do combate à corrupção dentro da administração pública no decorrer dos anos, e de estudar a evolução do dano moral.
A constante preocupação com a ética na Administração Pública e com o combate à corrupção, perpetrou a inserção na Constituição Federal do princípio da moralidade administrativa, o qual impõe ao funcionário público o dever de servir a Administração com honestidade, procedendo ao exercício de suas funções sem aproveitar pessoalmente os poderes ou facilidades delas decorrentes, ou de outrem a quem queira favorecer. O desrespeito a esse dever caracteriza a improbidade administrativa. A improbidade administrativa, nessa concepção, é uma imoralidade qualificada pelo dano ao erário e correspondente vantagem ao ímprobo ou a outrem.
Neste caso, o bom administrador é aquele vinculado às pautas da boa administração, as quais extrapolam o determinável por meio da legislação. Ou seja, para ser um bom administrador não basta cumprir a lei, deve adotar condutas eticamente exigíveis pelo bom senso e pelos bons costumes.
Essa relação entre a legalidade e a moralidade é assim exposta por Emerson Garcia:
Sob outra ótica, constata-se que os atos dissonantes do princípio da legalidade, regra geral, sempre importarão em violação à moralidade administrativa, concebida como o regramento extraído da disciplina interna da administração; a recíproca, no entanto, não é verdadeira. Justifica-se, já que um ato poderá encontrar-se intrinsicamente em conformidade com a lei, mas apresentar-se informado por caracteres externos em dissonância com a moralidade administrativa, vale dizer, com os ditames de justiça, dignidade, honestidade, lealdade e boa fé, que devem reger a atividade estatal.[1]
A boa gestão exige tanto a satisfação do interesse público, como a observância de todo o balizamento jurídico regulador da atividade que tende a efetivá-lo.
A improbidade é uma categoria analítica da má gestão pública. Mas, é importante destacar que “improbidade” e “má gestão pública” são conceitos próximos, mas distintos, na medida em que nem toda má gestão pública será expressão da improbidade, ainda que o inverso seja verdadeiro.
A corrupção não é a única forma de má gestão pública, pois existem outras figuras jurídicas dignas de relevância e funcionalmente muito eficazes, como a desonestidade funcional dos homens públicos. Com maestria assim expõe Fábio Medina Osório:
A má gestão pública, portanto, é uma categoria que abrange numerosos subtipos de enfermidades, em graus muito distintos, o que requer estudos especializados e remédios especializados. Note-se que as enfermidades se conectam reciprocamente.
(...)
Uma das facetas da má gestão pública é, sem lugar a dúvidas, a desonestidade funcional dos homens públicos. Essa é uma das piores facetas da má gestão pública, pode dizer-se. Ao menos, trata-se, seguramente, da faceta mais notória, antiga e evidente da má gestão pública, conectada à degradação moral de agentes do Estado.[2]
De um fenômeno restrito a países não desenvolvidos e de difícil medição, a corrupção passou a ser percebida como um fenômeno que atinge toda a sociedade, com efeitos negativos sobre a alocação de recursos e a eficiência econômica. Diversas instituições e organismos internacionais, além de organizações não governamentais, passaram a se mostrar preocupados com as implicações da corrupção sobre a economia mundial.
Como expressa Fábio Medina Osório (2010, p. 54), “é na formação do Estado Moderno que o fenômeno adquire dimensões mais dramáticas, a partir da idéia de separação das esferas públicas e privadas e bem assim das limitações jurídicas no exercício dos poderes públicos”.
A corrupção pública tem um caráter universal e global. Não se conhecem regimes de governo ou Estados imunes a esta enfermidade. Assim denota Fábio Medina Osório:
A ideia de vício ou podridão inerente à corrupção, em um plano histórico-sociológico, pode apresentar numerosas raízes e variações. Temos alguns elementos básicos, como o são os desvios no manejo de atribuições públicas, os vícios ou abusos contra os interesses legítimos da sociedade, os favorecimentos movidos pela busca do enriquecimento ilícito, entre outros. Entretanto, a amplitude das definições é notável . Qualquer dos conceitos, em todo caso, remete-nos ao tema dos valores e fontes normativas, além do critério adotado. Não é possível valorar, desde pontos de vista objetivos, essas definições, vistos que as normas culturais que as presidem atuam fortemente e as perspectivas analíticas tendem a variar.[3]
A corrupção é a ação ou omissão do agente público que o leva a desviar-se dos deveres formais e materiais de seu cargo, com o objetivo de conseguir benefícios privados, que podem ser pecuniários, políticos, ou de posição social, assim como qualquer utilização em benefício pessoal ou político de informação privilegiada, influências, atribuições públicas ou oportunidades.
É importante destacar, entretanto, que a corrupção pública não inclui a repressão a todos os atos de desonestidade dos servidores públicos ou dos cidadãos, nem sequer todos os atos de grave desonestidade funcional. Os comportamentos devem ser devidamente valorados e ponderados, com o fim de verificar as diversas formas e conteúdos que as desonestidades podem assumir.
A ineficiência funcional também tipifica a má gestão pública. Como bem relata Fábio Medina (2010, p.61), “a eficiência (...) traduz a virtude e a faculdade para obter um efeito determinado. Eficaz é a conduta que consegue fazer efetivo um intento determinado, mas o problema está em definir os caminhos prudentes que o sujeito deve seguir”. Um agente público que, desrespeitando padrões ético-normativos, consegue obter resultados econômicos favoráveis não será um sujeito eficiente na perspectiva da ética institucional aqui defendida.
Da mesma forma que são exigidos resultados dos agentes públicos, devem ser cobrados destes parâmetros éticos no agir administrativo.
Como bem denota Emerson Garcia:
A moralidade limita e direciona a atividade administrativa, tornando imperativo que os atos dos agentes públicos não subjuguem os valores que defluam dos direitos fundamentais dos administrados, o que permitirá a valorização e o respeito à dignidade da pessoa humana. Além de restringir o arbítrio, preservando a manutenção dos valores essenciais a uma sociedade justa e solidária, a moralidade confere aos administrados o direito subjetivo de exigir do Estado uma eficiência máxima dos atos administrativos, fazendo que a atividade estatal seja impreterivelmente direcionada ao bem comum, buscando sempre a melhor solução para o caso.[4]
É importante destacar, no entanto, a necessidade de considerar o erro juridicamente tolerável, o qual se enquadra na margem humana da falibilidade funcional. Sobre a falibilidade funcional disserta Fábio Medina Osório:
Isso porque ao sujeito é de ser outorgado um certo espaço tolerável de ineficiência, se considerarmos esse termo vinculado à idéia de metas e resultados. A frustração desses objetivos, embora possa constituir suporte de uma determinada ineficiência, certamente ficará fora de uma órbita punitiva ou correicional. Fora disso, temos que analisar o grau da falha apontada e bem assim a sua repercussão nos valores jurídico-administrativos, inclusive para aquilatar o tipo e o tamanho da resposta a ser dada.[5]
A busca pela atuação proba do agente público visa, além de evitar desvios e enriquecimento ilícito, assegurar a utilização dos escassos recursos da sociedade de modo eficiente e equânime, com o fim de proibir o desperdício e a utilização supérflua ou equivocada do gasto público, que compromete o atendimento das necessidades básicas da sociedade. A eficiência traz à tona a preocupação com a qualidade do gasto público.
Ao agente público é exigida uma conduta eficiente, com adequado planejamento, transparência e nos termos das regras de conduta e princípios inerentes à disciplina interna da Administração Pública.
Segundo Fazzio Júnior (2014, p. 98), “o dever de bem administrar, que sintetiza a eficiência, decorre do princípio republicano, segundo o qual quem administra gere o que pertence à sociedade. Assim, nos parece evidente que, mesmo numa eventual ausência de previsão expressa da eficiência entre os princípios que regem a Administração Pública, incabível supor que haveria uma autorização para que os agentes encarregados de gerir a res publica pudessem agir de maneira temerária, ineficiente e sem planejamento, em detrimento do conjunto da sociedade”.
Portanto, pode-se concluir que o ordenamento jurídico repudia, além da desonestidade e da má-fé, as práticas temerárias no trato da coisa pública, que importem, entre outras: dispensa ou inexigibilidade de licitação fora das hipóteses legais; indefinição do objeto licitado a possibilitar direcionamento do certame e reiterados aditivos contratuais; falta de planejamento no gasto público, resultando em desperdício de recursos e obras inacabadas; falhas na fase de liquidação da despesa, sem a adequada comprovação de efetiva entrega das mercadorias ou prestação dos serviços; ausência de prestação de contas ou sua apresentação incompleta ou deficiente, sem a comprovação cabal da devida aplicação dos recursos públicos; violação de normas de transparência e de responsabilidade na gestão fiscal.
Conclui-se, portanto, que a Constituição Federal e a Lei de Improbidade Administrativa não objetivam punir apenas o administrador desonesto, mas também o inábil, o despreparado, o incompetente e o desastrado, constituindo a gestão pública temerária hipótese de improbidade administrativa.
3 DANO MORAL DIFUSO
Como relata Louis Josserand (1941), “teoria da responsabilidade civil, de início, era voltada exclusivamente para a composição de danos no âmbito individual e privado”. No entanto, em função precípua de possibilitar o equilíbrio social e com a expansão dos direitos fundamentais para o âmbito da coletividade, esse instituto se ampliou e passou a abarcar situações em que determinadas condutas vêm a configurar lesão a interesses juridicamente protegidos, de caráter extrapatrimonial e titularizados por uma determinada coletividade.
Nestes termos tem-se julgado do Superior Tribunal de Justiça:
As relações jurídicas caminham para uma massificação, e a lesão aos interesses de massa não podem ficar sem reparação sob pena de criar-se litigiosidade contida que levará ao fracasso do direito como forma de prevenir e reparar os conflitos sociais. A reparação civil segue em seu processo evolutivo, iniciado com a negação do direito à reparação do dano moral puro para a previsão de reparação de dano a interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos, ao lado do já consagrado direito à reparação pelo dano moral sofrido pelo indivíduo e pela pessoa jurídica (cf. Sumúla 227/STJ).[6]
A constante revelação da existência dos direitos da personalidade pauta a necessidade do integral respeito à pessoa humana. E isso vem ocorrer em toda a extensão dos seus legítimos valores, das suas variadas maneiras de ser em sociedade (isoladamente ou como integrante de uma coletividade) e também nas diversas formas em que se possam configurar aqueles direitos, enquadrados na moldura de interesses individuais, coletivos, difusos, individuais homogêneos, patrimoniais ou morais.
Os direitos da personalidade, na visão de direitos idealizados para garantir a tutela da pessoa, são caracterizados pelas contínuas mutações das relações sociais. Logo, a sua conceituação está apta a receber novas instâncias sociais.
Na ótica de Bittar Filho (1996), “os valores são os fios mais importantes na composição do tecido da coletividade. Resultam eles da amplificação dos valores dos indivíduos componentes da coletividade”. Assim, como cada indivíduo tem a sua carga de valores, a comunidade, consequentemente, por ser um conjunto de indivíduos, tem uma dimensão ética. Deve-se esclarecer, contudo, que a citada amplificação desconexa os valores coletivos das pessoas integrantes da comunidade, individualmente consideradas. Os valores coletivos, pois, dizem respeito à comunidade como um todo, independentemente de suas partes. A confluência dos valores individuais que dão singularidade ao valor coletivo.
Assim sendo, a ofensa aos valores coletivos, certamente, reflete sobre os indivíduos integrantes da comunidade ou coletividade lesada. Mas tal repercussão não descaracteriza o dano coletivo, ao contrário, o pressupõe, na medida em que os interesses coletivos apresentam-se como síntese dos interesses individuais, purificados do seu conteúdo egoístico.
Como expõe José Carlos Teixeira ,
o grande passo para a aceitação do dano moral a uma coletividade, isto é, do dano moral coletivo, foi a aceitação do dano moral a pessoas jurídicas, pois esse dano deixa de ser um equivalente da dor psíquica (exclusivamente de pessoas físicas).[7]
Em consonância, surge a concepção da moral dos grupos humanos (que traduzem uma entidade qualitativa intermediária entre a pessoa física e a jurídica), nos quais o direito de danos toma contato com uma nova dimensão social dos sentimentos e afeições dos homens, em um mundo de convivência, de necessidades e expectativas compartilhadas em comunidade.
Ocorre, assim, uma ampliação do dano extrapatrimonial para um conceito não restrito ao mero sofrimento ou à dor pessoal, mas ofensa aos valores fundamentais compartilhados pela coletividade, que refletem o alcance da dignidade dos seus membros.
Na concepção de Fernando da Fonseca Gajardoni
É evidente que uma coletividade- em vista da ofensa praticada contra seus bens e direitos (meio ambiente, patrimônio público, moralidade administrativa, etc.)- pode ser culturalmente ofendida (costumes e tradições) ou sofrer abalo na sua honra, crença, dignidade, reputação.
Exigir que a coletividade sinta dor, repulsa, indignação, tal que fosse um indivíduo isolado, é desconhecer a própria natureza dos direitos metaindividuais e dos direitos advindos da fraternidade humana.
Há condutas humanas que, uma vez praticadas, são plenamente capazes de causar sentimento de desprestígio, de desrespeito, de engodo, não apenas em um indivíduo, mas em todo o grupo social, em toda a coletividade (determinada ou não).[8]
A tutela do dano moral coletivo passou a ter, explícita e indiscutivelmente, fundamento de validade constitucional com a Constituição Federal de 1988, quando se adotou o princípio basilar da reparação integral (artigo 5º, V e X), reafirmando a primazia da tutela jurídica em toda a extensão e alcance da personalidade, e amparou, juridicamente, a esfera dos interesses transindividuais, valorizando-se, pois, destacadamente, os direitos de tal natureza (a exemplo dos artigos 6º, 7º, 194, 196, 205, 215, 220, 225 e 227) e os instrumentos para a sua proteção.
Sob a ótica de Manoel Jorge e Silva Neto,
a tutela dos direitos transindividuais se dá por meio da ação civil pública e da ação popular. O artigo 129, inciso III, conferiu ao Ministério Público legitimação qualificada para proteger qualquer interesse difuso e coletivo por meio da ação civil pública. Em 1994, com a Lei antitruste, o caput do artigo 1º da Lei de ação civil pública passou a explicitar a proteção a danos morais e patrimoniais. Além do mais, essa lei acrescentou o inciso IV ao mencionado artigo 1º, no qual expandiu a tutela do dano moral e patrimonial aos interesses difuso e coletivo. Ademais, adicionou a esse artigo o parágrafo único, no qual consagra a coletividade como titular dos bens jurídicos definidos por esta lei.[9]
4 INCIDÊNCIA DO DANO MORAL DIFUSO NA IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA
No campo dos interesses difusos, a indenizabilidade do dano moral se vê expressamente admitida pelo artigo 1º da lei de Ação Civil Pública, nestes termos: “Regem-se pelas disposições desta lei, sem prejuízo da ação popular, as ações de responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados”.
As pessoas jurídicas de direito público, enquanto unidades existenciais autônomas dotadas de capacidade jurídica, possui esfera jurídica própria e é detentora de direitos. Logo, não se pode negar que o Estado possui direitos em relação ao indivíduo.
A personalidade jurídica de um ente político indica a sua existência jurídica, com capacidade de ter direitos e deveres. Assim, como denota Emerson Garcia, “ em torno dessa unidade existencial aglutinam-se inúmeros “direitos” afetos à sua própria essência, como são por exemplo, os de (1) ter denominação ou símbolo próprio, (2) expressar, por meio dos seus agentes, o entendimento a respeito de temáticas específicas; e (3) de ter uma imagem, daí decorrendo a proteção de sua reputação.”
A ocorrência de um ato de improbidade administrativa pode vir a lesionar o conceito dessas pessoas jurídicas de direito público, perpetrando, portanto, dano extrapatrimonial passível de indenização.
O direito à imagem, à reputação, como direitos intrínsecos à personalidade jurídica, integram a esfera jurídica do sujeito passivo do ato de improbidade.
A lei de improbidade administrativa não se dedica apenas à proteção do erário, ela alcança, também, o patrimônio público em sua concepção mais ampla, incluindo o patrimônio moral.
De acordo com o autor Emerson Garcia[10], a improbidade administrativa ensejará dano moral coletivo sob dois enfoques, o da honra objetiva e o da honra subjetiva. Sob a ótica da honra objetiva, as condutas recebem “o timbre da improbidade, abalam a credibilidade ostentada pela pessoa jurídica de direito público junto a possíveis investidores, acarretando-lhe prejuízos patrimoniais”. As condutas “causando, ou não, dano ao erário (arts. 9º, 10 e 11 da Lei de Improbidade), contribuem fundamente para o descrédito das instituições públicas, do Estado junto à sociedade, esmaecendo o vínculo de confiança que deve existir entre ela e os exercentes do poder político, degenerando-o de modo a colocar em xeque a própria segurança de relações sociais e disseminando entre os indivíduos, sobretudo entre os menos favorecidos economicamente, o nefando sentimento de impunidade e de injustiça social”. Já sob o aspecto da honra subjetiva, “a análise do dano moral, de sua ocorrência, deve ser deslocada para o plano da coletividade, isto em razão da óbvia impossibilidade de a pessoa jurídica de direito público suportar “dores físicas ou morais”. O foco, aqui, será voltado à detecção de estados de comoção deflagrados no meio do social pelo atuar improbo (dano moral coletivo), devendo-se, para tanto, identificar a natureza do bem lesado e a dimensão do prejuízo suportado pela coletividade”.
Assim, o agente político, ao perpetrar atos de improbidade administrativa, pode ferir tanto a honra objetiva quanto a subjetiva do Estado e da sociedade.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Na sociedade contemporânea, com o desenvolvimento tecnológico e a produção em massa, tornou-se necessário a proteção da coletividade, a fim de se garantir o desenvolvimento da pessoa humana, pois a tutela do homem está intrinsecamente relacionada à tutela da coletividade. O homem passou a ser dependente da sociedade.
A responsabilidade civil, adaptando-se à nova situação fática, passa, consequentemente, a tutelar os interesses imateriais pertencentes a uma massa coletiva. Surge, assim, a possibilidade da ocorrência do dano moral coletivo. Dano esse que consiste na ofensa aos valores fundamentais compartilhados pela coletividade e que refletem o alcance da dignidade dos seus membros. Um dano a direitos transindividuais.
A prática constante de condutas desleais, ineficientes, caracterizadoras de improbidade administrativa implica perfeitamente na lesão a direitos coletivos. As condutas ímprobas ferem a honra subjetiva e objetiva do ente público e da sociedade, pois abalam a credibilidade da pessoa de direito público e gera comoção social, caracterizando, portanto, o dano moral coletivo.
É nesse ponto que o ordenamento jurídico deve dispor de um sistema de responsabilização civil compatível com as peculiaridades dos atos perpetrados em face da administração pública, intimamente ligadas à má gestão pública. Deve-se por meio da indenização, buscar a tutela dos interesses coletivos extrapatrimoniais, os quais são violados pelas condutas improbas.
O reconhecimento da tese do dano moral difuso nos atos de improbidade administrativa tem fundamental importância na sociedade caracterizada por contínuas condutas de corrupção e má gestão pública.
REFERÊNCIAS
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GARCIA, Emerson e ALVES, Rogério Pacheco. Improbidade Administrativa. 7ª ed. rev. Ampl. e atual. São Paulo: Saraiva, 2013.
GARCIA, Emerson e ALVES, Rogério Pacheco. Improbidade Administrativa. 8ª ed. rev. Ampl. e atual. São Paulo: Saraiva, 2014.
GAJARDONI, Fernando da Fonseca. Processo Coletivo/ coordenador, Hermes Zaneti Jr.. Salvador: Juspodium, 2016.
JOSSERAND, Louis. Evolução da Responsabilidade Civil. In: Revista Forense. Rio de Janeiro: Forense, Junho, 1941. p. 52.
OSÓRIO, Fábio Medina. Teoria da Improbidade Administrativa: má gestão pública: corrupção:ineficiência- 2.ed.rev.,atual.e ampl. –São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010.
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TEIXEIRA, João Carlos. Dano moral coletivo na relação de emprego. In: Temas polêmicos de Direito e Processo do Trabalho. NORRIS, Roberto (coord.). São Paulo: LTr, 2000.
[1] GARCIA, Emerson e ALVES, Rogério Pacheco. Improbidade Administrativa. 7ª ed. rev. Ampl. e atual. São Paulo: Saraiva, 2013. Pp. 943/944.p. 137.
[2] OSÓRIO, Fábio Medina. Teoria da Improbidade Administrativa: má gestão pública: corrupção:ineficiência- 2.ed.rev.,atual.e ampl. –São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010, p. 52.
[3]Idem, p. 56.
[4] GARCIA, Emerson e ALVES, Rogério Pacheco. Improbidade Administrativa. 8ª ed. rev. Ampl. e atual. São Paulo: Saraiva, 2013. Pp. 943/944, p. 139.
[5] OSÓRIO, Fábio Medina. Teoria da Improbidade Administrativa: má gestão pública: corrupção:ineficiência- 2.ed.rev.,atual.e ampl. –São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010, p. 62.
[6] STJ, Resp. 1269.494-MT, Rel. Min. Eliana Calmon, 2ª Turma, j. 24.09.2013.
[7] TEIXEIRA, João Carlos. Dano moral coletivo na relação de emprego. In: Temas polêmicos de Direito e Processo do Trabalho. NORRIS, Roberto (coord.). São Paulo: LTr, 2000. pp.118-145
[8] GAJARDONI, Fernando da Fonseca. Processo Coletivo/ coordenador, Hermes Zaneti Jr.. Salvador: Juspodium, 2016, p. 154.
[9] SILVA NETO, Manoel Jorge e. A responsabilidade civil por dano moral difuso e coletivo na Justiça do Trabalho. In: Revista de Direito do Trabalho. São Paulo: Revista dos Tribunais, ano 27, n.103, , jul/dez.2001 pp. 109-125
[10] GARCIA, Emerson e ALVES, Rogério Pacheco. Improbidade Administrativa. 7ª ed. rev. Ampl. e atual. São Paulo: Saraiva, 2013. Pp. 943/944.
Analista do Ministério Público de Minas Gerais. Graduada em Direito pela Universidade Federal de Juiz de Fora. Graduação em Tecnólogo em Recursos Humanos pela UNIFRAN. Especialista em Direito Privado e Direito Processual, em Direito Ambiental e em Direito Administrativo.<br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: PINHO, Maura Dias Ferreira de. Dano moral difuso na improbidade administrativa Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 31 ago 2016, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/47428/dano-moral-difuso-na-improbidade-administrativa. Acesso em: 23 dez 2024.
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