RESUMO: O presente trabalho versa sobre a importância do instituto da delação ou colaboração premiada na Operação Lava Jato, considerando-o como o instrumento jurídico mais eficaz na obtenção de provas durante a persecução criminal que desvendou o maior escândalo de corrupção e lavagem de dinheiro já visto no Brasil. Entrelaçam-se aqui, além dos ramos do direito material e processual penal, toda a legislação extravagante que nos oferece guarida para bem detalharmos sobre o surgimento da delação premiada no direito brasileiro e a sua importância nas investigações criminais de grande porte, estando os nossos apontamentos sob a ótica do atual cenário de insegurança jurídica que vive o país na tentativa de conter o crime organizado. Por fim, iremos detalhar o instituto da colaboração premiada sob à luz da Lei 12.850/2013 e expor o nosso posicionamento acerca das colaborações que contribuíram para o êxito da Operação que desvendou a maior trama criminosa que já se tem conhecimento na nossa história.
Palavras chaves: Operação Lava Jato- Colaboração Premiada- Instrumento Jurídico Eficaz- Lei 12.850/2013.
SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO. 2. DELAÇÃO OU COLABORAÇÃO PREMIADA. 2.1 ORIGEM NO DIREITO BRASILEIRO. 2.2 CONCEITO. 2.3 NATUREZA JURÍDICA. 3. A COLABORAÇÃO PREMIADA NA LEI 12.850/2013. 4. A COLABORAÇÃO PREMIADA NA OPERAÇÃO LAVA JATO E O DESVENDAR DA TRAMA CRIMINOSA. 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS.
1. INTRODUÇÃO
O artigo em deslinde relata como o instrumento jurídico da delação premiada contribuiu para o sucesso da Operação Lava Jato, um minucioso trabalho de profissionais aguerridos em busca de aplicar a lei penal, sem qualquer distinção, àqueles envolvidos no maior esquema de corrupção e lavagem de dinheiro já tido na história política, social e econômica desse país.
Buscaremos, à luz da operação em comento, abordar sobre o conceito, origem da delação premiada no direito brasileiro e a sua natureza jurídica, não no sentido de dissiparmos todo o conteúdo e dúvidas acerca da matéria, mas como uma reflexão sobre a eficácia desse instituto que abriu os caminhos da persecução criminal que investigava o envolvimento dos partidos da base do governo e dos maiores empreiteiros do país, em um esquema bilionário de desvio de dinheiro dentro da Petrobrás.
Analisaremos, com base na Lei 12.850/2013, como a colaboração premiada pode ser realizada, as suas condições e os direitos do colaborador. Isso nos permitirá enxergar como esse meio de obtenção de provas é eficaz para o sucesso das operações que visam combater os crimes do colarinho branco.
Dessa forma, compreender o marco inicial da delação premiada em nossa lei penal, o seu avanço através da legislação extravagante e a sua atual nomenclatura e normatização no direito brasileiro, depois da repercussão da Operação que desnorteou o rumo da vida de executivos e políticos poderosos, consiste no objetivo geral do nosso trabalho.
Ressaltamos, por fim, que a Operação Lava Jato (que se espelha na Operação Mãos Limpas, realizada na Itália nos anos de 1990, visando conter casos de corrupção naquele país), ainda se encontra em andamento, mas que mesmo assim já é, historicamente, a maior luta da justiça brasileira no combate ao mais complexo esquema de corrupção que já se enraizou nessa nação.
2. DELAÇÃO OU COLABORAÇÃO PREMIADA
2.1 ORIGEM NO DIREITO BRASILEIRO
De 1603 até a entrada em vigor do Código Penal Imperial de 1830 vivíamos sob as ordenações do Código Filipino, e desde àquela época já se visualizava a possibilidade da concessão do perdão como uma forma de prêmio aos criminosos delatores de delitos alheios, assim detalhava o Título CXVI daquele diploma, vejamos: “[...] Como se perdoará aos malfeitores que derem outros à prisão".
Aquele Código das Ordenações Filipinas, cujo Livro V tratava da parte criminal, prévia claramente a possibilidade da delação premiada, uma vez que o seu título VI, item 12 (que abordava o crime de Lesa Majestade), explanava muito bem acerca do instituto.
Desde o Brasil Colônia imortalizou-se na nossa história o capítulo que relata a traição de Joaquim Silveiro Reis, o Coronel que recebeu benefícios de isenções fiscais, posses e nomeações, após delatar todos os envolvidos de um plano separatista cuja finalidade seria superar as altas taxas da Coroa Portuguesa, idealizado por Tiradentes.
Vê-se, portanto, a presença do instituto da delação premiada ganhando forças da época das Ordenações Filipinas a Inconfidência Mineira.
Contemporaneamente, sob a égide da Constituição Federal de 1988, aduzimos que o instituto da delação premiada ingressa no ordenamento jurídico através da legislação esparsa, pioneiramente pela Lei de Crimes Hediondos (Lei nº.8.072/90), prevendo o § único do art. 8º daquela Lei, um teor semelhante àquele das Ordenações Filipinas: “ [...] O participante e o associado que denunciar à autoridade o bando ou quadrilha, possibilitando seu desmantelamento, terá a pena reduzida de um a dois terços”.
Imperioso também notar a presença do instituto da delação premiada nas Leis dos Crimes Contra a Ordem Tributária [1] e dos Crimes Contra o Sistema Financeiro Nacional[2], ambas concedem redução da pena de um a dois terços ao coautor ou participe que revelar à autoridade policial ou judicial a trama delituosa através de confissão espontânea que possibilite o desmantelamento da organização criminosa.
Ademais, o instituto em comento encontra-se também presente na Lei que concede nova redação ao crime de extorsão mediante sequestro (Lei 9.269/96 que alterou o § 4º do art. 159 do Código Penal), no art. 2º, § 5º da Lei 12. 683/12 (Lei que altera a de nº. 9.613/98 para tornar mais eficiente a persecução penal dos crimes de lavagem de dinheiro) e no art. 41 da Lei Antidrogas (Lei 11.343/2006).
Oportunamente, ainda se tratando da presença da colaboração premiada no direito brasileiro, ressaltamos que houve um tempo em que o processo legislativo não conseguia acompanhar a modernização da criminalidade, diferentemente de hoje que temos o instituto da colaboração premiada muito bem definido na Lei 12.850/13 [3], mas até que chegássemos a vigência desta, passamos por um período de ausência de credibilidade normativa, pois a antiga lei que regia o crime organizado (Lei 9.034/95, posteriormente alterado pela Lei 10.217/01) sequer o definia.
Apontamos também, que reconhecendo os riscos que a delação traz ao delator, o art. 15 da Lei de Proteção às Testemunhas (Lei 9.807/99) assegura que será aplicado ao colaborador, na prisão ou fora dela, medidas especiais de segurança e proteção a sua integridade física.
2.2 CONCEITO
No início da Operação Lava Jato, quando se levaram para as grades os doleiros, diretores executivos e líderes políticos mais importantes, envolvidos em um esquema milionário de desvio de dinheiro dentro da Petrobrás (a maior empresa estatal desse país), a mídia passou a propagar um dos institutos que muito se utilizou para o êxito daquelas investigações, a chamada “delação ou colaboração premiada”, que saia da tecnicidade do direito e se popularizava na sociedade, sob a forte expectativa de que aqueles indiciados contribuiriam com as investigações e ajudariam a justiça na responsabilização criminal. Assim aconteceu.
Nas palavras do Juiz Federal Sérgio Fernando Moro, via sentença [4], a delação premiada:
É instrumento de investigação e de prova válido e eficaz, especialmente para crimes complexos, como crimes de colarinho branco ou praticados por grupos criminosos, devendo apenas serem observadas regras para a sua utilização, como a exigência de prova de corroboração. (2015, p. 14).
A priori, segundo o conceito posto, trata-se de um instrumento investigativo em que, observada as suas regras legais, pode ajudar a autoridade policial ou judiciária no combate a crimes complexos praticados por grupos criminosos.
Apesar de considerá-la como sendo um dedurismo oficializado, moralmente criticável, o pensamento de Guilherme de Sousa Nucci, coaduna-se no que tange ao conceito de delação premiada acima transcrito, vejamos:
É um mal necessário, pois trata-se da forma mais eficaz de se quebrar a espinha dorsal das quadrilhas, permitindo que um de seus membros possa se arrepender, entregando a atividade dos demais e proporcionando ao Estado resultados positivos no combate à criminalidade. (2010, pag. 778).
Ampliado o conceito percebemos que, segundo o autor, a delação premiada é um caminho eficaz para a economia procedimental da persecução criminal, figurando o arrependimento ou a traição do integrante de uma organização criminosa, como o meio pelo qual o Estado pode encurtar as investigações para aplicar a lei penal e combater a criminalidade.
Há, portanto, uma primeira figura que merece destaque, o chamado “delator”, aquele que participa ou participou de uma organização criminosa, praticando ou ajudando na pratica de crimes, mas que ao ser apanhado ou arrependendo-se dos ilícitos praticados ou em andamento, resolve contribuir com os trabalhos de investigação, visando obter para si alguns benefícios que o instituto oferece.
Por se falar em benefícios da delação premiada, Damásio de Jesus escreveu: “[...] Delação premiada configura aquela incentivada pelo legislador, que premia o delator, concedendo-lhe benefícios (redução de pena, perdão judicial, aplicação de regime penitenciário brando etc.). ”
Vê-se, então, a possibilidade de ter o delator a concessão de alguns benefícios quando decide colaborar efetiva e voluntariamente com a investigação e com o processo penal, desde que essa colaboração seja verdadeiramente útil ao transcurso da marcha procedimental, influenciando positivamente nos resultados daqueles trabalhos que busca o desvendar da trama criminosa.
Simplificando o conceito, podemos concluir que a delação premiada consiste nas informações trazidas à autoridade policial ou judiciária por aquele criminoso que, voluntariamente, assume a sua culpa, entrega os demais coautores e partícipes, revela a estrutura hierárquica e a organização de tarefas da organização criminosa, visando obter para si os benefícios que vão desde a redução da sua reprimenda penal até a concessão do perdão judicial.
2.3 NATUREZA JURÍDICA
Quando fala em natureza jurídica, Maria Helena Diniz preleciona que consiste na: “[...] afinidade que um instituto tem em diversos pontos, com uma grande categoria jurídica, podendo nela ser incluído o título de classificação".
Relacionando a natureza jurídica da colaboração premiada com a Operação Lava Jato, podemos assegurar que a jurisprudência nascente da Suprema Corte firmou um entendimento recente acerca do tema, no momento em que julgou o Habeas Corpus de nº. 127.483, em agosto de 2015.
Pois bem, em março de 2014 (tempo em que as investigações deflagravam o início da Operação Lava Jato) esteve entre os investigados e acusados daquelas doze ações penais que resultavam nos trabalhos inicias das investigações, o doleiro Alberto Youssef, acusado de participar de organizações criminosas com estruturas paralelas ao mercado de câmbio e lavagem de dinheiro.
Ao ser preso, logo concordou em firmar termo de colaboração premiada, cuja competência para homologação seria do Supremo Tribunal Federal, hajas vistas a circunstância de que entre as pessoas indicadas naqueles delitos, estavam autoridades com prerrogativas de foro perante àquela Corte.
O diretor da Galvão Engenharia, Erton Medeiros Fonseca, que figurava como réu na Lava Jato, contestou a homologação do acordo de delação premiada do doleiro Alberto Yousseff, que havia sido feita pelo Ministro Teori Zavascki, o que permitiu com que a Suprema Corte, em decisão unânime, negasse provimento ao recurso (HC 127.483).
Em razão de tal julgamento, acompanhando o voto do Ministro Dias Toffoli, relator daquele feito, o plenário do STF firmou o entendimento de que, como meio de obtenção de provas (previsto na Lei 12.850/2013), o acordo de colaboração premiada trata-se de um negócio jurídico processual, sendo essa a sua natureza jurídica.
Extrai-se, portanto, do Habeas Corpus de nº. 127.483 o seguinte entendimento:
A colaboração premiada é um negócio jurídico processual personalíssimo, uma vez que, além de ser qualificada expressamente pela lei como ‘meio de obtenção de prova’, seu objeto é a cooperação do imputado para a investigação e para o processo criminal, atividade de natureza processual, ainda que se agregue a esse negócio jurídico o efeito substancial (de direito material) concernente à sanção premial a ser atribuída a essa colaboração. Dito de outro modo, embora a colaboração premiada tenha repercussão no direito penal material (ao estabelecer as sanções premiais a que fará jus o imputado colaborador, se resultar exitosa sua cooperação), ela se destina precipuamente a produzir efeitos no âmbito do processo penal (...). Note-se que a Lei n. 12.850/13 expressamente se refere a um ‘acordo de colaboração’ e às ‘negociações’ para a sua formalização, a serem realizadas ‘entre delegado de polícia’, o investigado e o defensor, com a manifestação do Ministério Público, ou, conforme o caso, entre o Ministério Público e o investigado ou acusado e seu defensor’ (art.4º, §6º), a confirmar que se trata de um negócio jurídico processual. (TOFFOLI, Dias. Ministro Relator do HC nº. 127.483, julgado em agosto de 2015).
Fica cristalinamente compreensível o recente posicionamento do Supremo Tribunal Federal que, em que pese aceitar as posições que defendiam em tempos de outrora a colaboração premiada como tendo uma natureza jurídica de meio de obtenção de provas ou de prova propriamente dita, hoje sustenta o entendimento de considerá-la como um negócio jurídico processual.
Asseguramos que não há entre a doutrina e jurisprudência um sustentáculo harmônico que defina com exatidão a natureza jurídica da colaboração premiada, mas é inegável que o STF após o julgamento das demandas advindas da Operação Lava Jato, deu uma nova faceta ao instituto
Dessa forma, exaurindo este ponto, sabe-se que ao ser renomeada pela Lei 12.580/2013 a delação premiada passa a ser definida como um “acordo de colaboração”, e que como todo acordo, há regras necessárias para que as negociações sejam formalizadas e os benefícios concedidos ao delator, o que contribuiu para que o STF firmasse o entendimento de que a colaboração premiada possui essa natureza de negócio jurídico processual.
3. A COLABORAÇÃO PREMIADA NA LEI 12.850/2013
A Lei 12.850/2013 surgiu no ordenamento jurídico brasileiro a fim de definir o conceito de organização criminosa, dispor sobre a investigação criminal, os meios de obtenção de provas, infrações penais correlatas e o procedimento criminal, alterando o Código Penal e revogando a Lei 9.034/95 (antiga Lei de Organizações Criminosas).
Diferentemente da antiga Lei de Organizações Criminosas, a Lei 12.850/2013 prevê, logo no seu art. 1º, § 1º, o seguinte conceito:
“[...] §1º. Considera-se organização criminosa a associação de 4 (quatro) ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de caráter transacional”.
Atesta-se que a nova lei traz o conceito de organização criminosa, uma definição que faltava na ordem jurídica até o ano de 2013.
Ademais, passou a elencar como meio de obtenção de provas o instituto da colaboração premiada, com a seguinte previsão legal: “Art. 3º. Em qualquer fase da persecução penal, serão permitidos, sem prejuízo de outros já previstos em lei, os seguintes meios de obtenção da prova: I- Colaboração Premiada; [...]”.
A primeira mudança acerca do instituto é que a nova Lei apresenta o nome “Colaboração Premiada” e assim inaugura na doutrina uma série de questionamentos que tentam diferenciar a delação da colaboração premiada.
Para fins didáticos adotamos neste trabalho o raciocínio de que tais expressões são sinônimas, seguindo o entendimento de Gustavo de Meringhi e Rejane Alves de Arruda, que prelecionam: “[...] Embora a nova lei tenha utilizado a expressão “colaboração premiada”, a maior parte da doutrina emprega o termo “delação premiada, que podem ser considerados sinônimos para fins didáticos” (2013, p.73).
Na mesma linha de raciocínio, Rogério Sanches Cunha e Ronaldo Batista Pinto, afirmam que:
O instituto da colaboração premiada, ainda que contando com nomenclatura diversa, sempre foi objeto de análise pela doutrina, tratado que é como “delação premiada (ou premial)”, “chamamento de corréu”, “confissão delatória” ou, segundo os mais críticos, “extorsão premiada” etc. ( 2013, p. 34).
Bem definida dos arts. 4º ao 7º da Lei de Organizações Criminosas e já conceituado neste trabalho, a colaboração premiada poderá conceder o perdão judicial, reduzir em até 2/3 (dois terços) a pena privativa de liberdade ou substituí-las por restritivas de direito, sendo esses os benefícios aplicados àqueles que tenham contribuído efetiva e voluntariamente com a investigação e com o processo criminal.
A voluntariedade, portanto, é elemento fundamental para licitude da colaboração premiada, não podendo existir qualquer coação que obrigue o colaborador a prestar os seus esclarecimentos.
Os não adeptos ao transcurso formal da marcha processual da Operação Lava Jato chegaram a sustentar que as prisões dos executivos e doleiros teriam sido decretadas como forma de forçar confissões e colaborações, como se fossem uma espécie de tortura, o que tornaria todos os acordos ilegais.
Conhecendo o caso, vê-se que não procede nenhuma relação existente entre a prisão e as colaborações, afinal, aquela não esteve presente em mais da metade dos casos, estando os réus soltos ao decidirem colaborar.
Ainda, em absolutamente todos os casos da Lava Jato, a iniciativa não partiu por parte do Ministério Público, mas dos advogados que a utilizaram como estratégia para defesa dos seus clientes.
Além da voluntariedade, o acordo de colaboração entre o colaborador e a justiça tem que propiciar informações úteis às investigações, assim prevê o art. 4º elencando uma série de resultados aptos a concessão daqueles benefícios, sendo-os:
“[...] I- a identificação dos demais coautores e partícipes da organização criminosa e das infrações penais por eles praticadas; II- a revelação da estrutura hierárquica e da divisão de tarefas da organização criminosa; III- a prevenção de infrações penais decorrentes das atividades da organização criminosa; IV- a recuperação total ou parcial do produto ou do proveito das infrações penais praticadas pela organização criminosa; V- a localização de eventual vítima com a sua integridade física preservada”.
Então, como se constata, para a garantia de qualquer dos benefícios da colaboração premiada, anteriormente apresentados, há a necessidade de que eles sejam de valia para o desvendar das artimanhas criminosas, assim como foram as declarações do ex-diretor de abastecimentos da Petrobrás, Paulo Roberto Costa, o primeiro colaborador na Operação Lava Jato.
Ainda, antes da concessão de qualquer dos benefícios, são analisadas a personalidade do colaborador, a natureza, as circunstância, a gravidade e a repercussão social do fato criminoso, bem como, a eficácia da colaboração.
Sabe-se que, estando presentes os de indícios de autoria e a comprovação da materialidade, o Ministério Público, pelo Princípio da Obrigatoriedade da Ação Penal, haverá de propô-la no prazo legal.
Contudo, a colaboração premiada pode mitigar o princípio acima posto, uma vez que pode ser dilatado o prazo para oferecimento da denúncia relativa ao colaborador, pelo prazo de seis meses (prorrogável por igual período), a fim de que sejam cumpridas por ele as medidas de colaboração, oportunidade em que se suspende também o prazo prescricional.
Segundo a Lei em estudo, a denúncia pode, inclusive, deixar de ser proposta em desfavor do colaborador, desde que ele não seja o líder da organização criminosa ou seja o primeiro a prestar efetiva colaboração.
As negociações entre as partes realizadas para a formalização do acordo de colaboração poderão ocorrer entre o delegado de polícia, o investigado e o defensor, com manifestação do Ministério Público ou entre o Ministério Público e o investigado ou acusado e o seu defensor, devendo, em todos os atos da colaboração (negociação, confirmação e execução) estar o colaborador devidamente assistido por defensor.
O juiz não poderá participar das negociações realizadas para fins de colaboração, mas uma vez realizado o acordo, lhes serão remetidos o respectivo termo, acompanhado das declarações do colaborador e de cópia da investigação, para que, observando a regularidade, legalidade e voluntariedade, possa homologar o feito.
Para que se obtenha maior fidelidade nas informações prestadas, o registro dos atos de colaboração será sempre feito pelos meios ou recursos de gravações audiovisual, podendo, posteriormente, as partes se retratarem da proposta de colaboração, situação em que as provas de autoincriminação produzidas pelo colaborador não poderão ser usadas exclusivamente em seu desfavor.
Em razão disso, determina o art. 4º, § 16 da Lei 12.850/13, que nenhuma sentença condenatória será proferida exclusivamente apenas com fundamentos nas declarações do agente colaborador, significando dizer que, em que pese as declarações servirem para o convencimento do Magistrado, acerca da prática dos crimes, não poderá ele valer-se tão somente delas para que profira a sentença condenatória, seja em desfavor do colaborador ou de terceiros envolvidos.
Como bem se vislumbra até aqui, há uma série de detalhes bem definidos que devem ser observados para que a colaboração premiada não venha possuir vícios que a maculem e que seja posteriormente considerada como ilegal.
O art. 5º da Lei 12.850/13 também é nítido ao dispor de um rol de direitos do colaborador, garantias que podem ser usufruídas estando ele solto ou em estabelecimento prisional, dentre os quais destacamos poder ele ter nome e imagem preservados, valer-se das medidas de proteção às vítimas, participar das audiências sem contato visual com outros acusados e poder cumprir pena em estabelecimento penal diverso dos demais corréus ou condenados.
Para que não haja mácula formal no acordo de colaboração premiada deverá ele dispor da declaração de aceitação do colaborador, condições das propostas e relato das colaborações com os seus possíveis resultados, mantendo-se sigiloso até o recebimento da denúncia.
Conclui-se, portanto, que as mudanças trazidas pela nova Lei de Organizações Criminosas foram diversas, merecendo destaque o instituto da colaboração premiada que, por sua vez, ganhou um espaço nunca tido antes na legislação esparsa, haja vistas a forma como hoje é minuciosamente detalhado, ajudando aos operadores do direito a coordenarem as investigações de grande porte, usando-o como um grande meio de obtenção de provas, assim como aconteceu no início da Operação Lava Jato.
Por fim, acreditamos que o sucesso da Operação Lava Jato se deve, sobretudo, ao bom uso do instituto da colaboração premiada, previsto neste Lei que abordamos.
4. AS COLABORAÇÕES PREMIADAS E O SUCESSO DA OPERAÇÃO LAVA JATO.
Em 27 de agosto de 2014 o primeiro acordo de colaboração premiada fora assinado com o Ministério Público Federal, tratava-se do acordo de colaboração do ex-diretor da Petrobrás, Paulo Roberto Costa.
No dia do primeiro depoimento a decisão de colaboração do ex-diretor gerava muita expectativa nos investigadores que coordenavam o caso, poderia ser a maior luz naquelas investigações obscuras, assim escreveu Vladimir Netto no seu livro Lava Jato:
Havia muita expectativa na sala; os investigadores não desgrudavam os olhos de Paulo Roberto, atentos a todos os seus gestos. Era uma oportunidade rara de entender a engrenagem de um esquema de corrupção gigantesco. “A gente já sabia da existência desse esquema descrito pelo Paulo Roberto, mas a hora que alguém chega e confirma é impressionante. Nunca tivemos alguém com o peso que ele tinha para nos contar: ‘Olha, fiz isso, aconteceu isso’. O cara era diretor da empresa, o poder que ele tinha era muito grade, talvez por isso tenha sido muito forte”, diz um dos delegados. (NETTO, 2016. p.63)
Aos poucos, Paulo Roberto Costa ia desvendando o funcionamento do maior esquema de corrupção que já se tem notícias na história desse país, dando nome e funções aos integrantes.
No seu primeiro depoimento ele citou a participação de 27 políticos, três governadores, dez senadores e 14 deputados federais. Grandes nomes políticos estavam diretamente ligados ao esquema.
Revelou que o esquema se enraizava para as demais diretorias e que as empresas com porte e capacidade técnica de tocar grandes obras no Brasil haviam criado um cartel para fraudar as bilionárias licitações da Petrobrás, apresentando os dados que comprovavam as suas alegações e eventual divisão de valores pagos a títulos de propinas no sucesso das empreitadas criminosas.
Durante o fim de agosto e mês de setembro de 2014, Paulo Roberto Costa esclareceu para a Justiça como se estabeleceu o canal de desvio dos recursos públicos na Petrobrás, exemplificando como as empresas sugavam do Estado, pagavam as propinas aos políticos e partidos da base do governo e lavavam o dinheiro.
Além de prestar esclarecimentos valiosos, a colaboração do ex-diretor tinha êxito pecuniário, pois milhões de reais foram devolvidos por ele à Justiça. Assim, com o fim da sua colaboração premiada, em 1º de outubro de 2014 foi liberado para cumprir prisão domiciliar.
Após a primeira colaboração na Operação Lava Jato, não tendo outra saída, decidiu também colaborar com aquelas investigações, o doleiro Alberto Youssef.
No final de setembro de 2014 era assinado o segundo acordo de colaboração premiada com o Ministério Público Federal, as declarações de Youssef prometiam abalar os pilares da República.
Tal acordo, previa que fosse revelado todos os crimes cometidos por ele e pela organização criminosa, apontassem os envolvidos, principalmente os políticos, entregasse provas e devolvesse à Justiça vários bens, como imóveis, carros luxuosos e uma quantia de 50 milhões de reais que tinha no exterior. Assim procedeu.
Youssef desvendou, com precisão, como conheceu o mundo do crime, o esquema bilionário dentro da Petrobrás e toda a sua ligação com líderes políticos, executivos e empreiteiros, devolvendo também inúmeros bens à justiça.
As suas declarações e provas trazidas aos autos davam sustentáculo aos novos rumos da maior Operação contra o crime organizado e corrupção, tratava-se, afinal, das declarações de um dos homens que mais conhece o crime organizado nesse país.
As colaborações de Paulo Roberto Costa e Alberto Youssef, somado aos bens e valores pecuniários devolvidos à Justiça, já colocava o instituto da colaboração premiada como o meio de obtenção de provas mais eficaz naquela Operação.
Após a divulgação das duas primeiras colaborações, logo surgiram outros dois grandes colaboradores, Júlio Camargo e Augusto Ribeiro de Mendonça Neto, que ofereceram mais informações e provas para as investigações em curso.
O ex-gerente executivo da Petrobrás, Pedro Barusco, também demonstrou interesse pela colaboração premiada, firmou acordo e devolveu à Justiça uma quantia absurda de 100 milhões de dólares que estava na Suíça, conseguindo tal montante através dos desvios na estatal.
Notava-se que as colaborações premiadas abriam as portas para o desvendar das artimanhas criminosas, elas conseguiram levar o rumo daquelas investigações para onde jamais se esperava.
As provas que se acostavam aos autos, obtidas pelas colaborações, atestava que o instituto da colaboração premiada, naquele caso, era o instrumento de sucesso da Operação Lava Jato.
Por outa banda, os acordos formalizados demonstravam que as conquistas da justiça nas colaborações não se limitavam apenas as informações e provas que foram trazidas pelos colaboradores, se conseguiu mais, pois o dinheiro roubado também estava sendo devolvido, o que é muito difícil de acontecer.
Acreditamos, por fim, que o sucesso da Operação Lava Jato se deu, dentre outros fatores, pelo uso do Instituto da Colaboração Premiada como meio de obtenção de provas apto a conter o crime organizado, pois através das colaborações prestadas soube-se da estrutura daquela organização criminosa, do papel desempenhado pelos envolvidos, o iter criminis e detalhes acerca dos valores pagos à título de propina com o superfaturemos dos contratos da Petrobrás.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Buscou-se com o presente trabalho demonstrar a importância do instituto da Colaboração Premiada no combate aos crimes praticados por organizações criminosas, sobretudo, na Operação Lava Jato, bem como, esclarecer que o êxito na expansão daqueles trabalhos de investigação se deu em razão das colaborações feitas no início daquele Operação.
Os diversos colaboradores ajudaram à justiça entender o esquema criminoso e responsabilizar pessoas físicas e jurídicas, das quais não se tinha a menor noção que poderiam estar envolvidas em uma organização de tão grande porte.
Viu-se, através deste, que uso correto do instituto da colaboração premiada pode ajudar fortemente no combate aos crimes do colarinho branco.
Acreditamos que, em que pese existir na ordem jurídica uma lei que já versa sobre o crime organizado (Lei 12.850/2013), especialmente no que concerne a colaboração premiada, deve os nossos legisladores e as políticas criminais desenvolverem estudos que o aprimorem, uma vez em que fora constatada a sua grande valia na persecução criminal.
Mesmo tendo natureza de negócio jurídico processual, o instituto da colaboração se trata de um procedimento burocrático, há uma série de regras e direitos que devem ser observados. Por essa razão, defendemos a criação de mecanismos legais que os torne mais célere procedimentalmente.
Assim, as investigações criminais e a busca da justiça pela aplicação da lei penal só tendem a ganhar, pois quanto mais rápido forem desarticuladas as organizações criminosas, mais segura estará a sociedade.
Tudo está apenas começando, a história desse escândalo de corrupção e lavagem de dinheiro ocorrido dentro da Petrobrás se perpetuará no tempo e ao longo dos dias diversos estudos acerca dos mais variados institutos jurídicos surgirão.
Portanto, temos o presente trabalho como a nossa contribuição acerca do instituto da colaboração premiada, considerando-o como o instrumento jurídico mais eficaz na obtenção de provas desse arcabouço processual e procedimental, chamado de Operação Lava Jato.
REFERÊNCIAS
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[1] Vide art. 16, § único da Lei 8.137/90.
[2] Vide art. 25, §2º da Lei 7.492/86
[3] Lei que define organização criminosa e dispõe sobre a investigação criminal, os meios de obtenção de provas, infrações penais correlatas e o procedimento criminal.
[4] Sentença proferia em 16 de novembro de 2015 nos autos da Ação Penal de nº. n.º 5023162-14.2015.4.04.7000.
Analista Judiciário do TJPE.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: PALITOT, Fauzer Carneiro Garrido. A colaboração premiada como o instrumento jurídico mais eficaz para a obtenção de provas na operação Lava Jato Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 02 set 2016, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/47443/a-colaboracao-premiada-como-o-instrumento-juridico-mais-eficaz-para-a-obtencao-de-provas-na-operacao-lava-jato. Acesso em: 23 dez 2024.
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