RESUMO: O presente trabalho busca demonstrar que os Municípios, quando possuírem agente públicos ocupantes de cargos em comissão, se submetem às obrigações oriundas do Regime Geral de Previdência Social. Caso haja comissionado que exerça suas funções tendo contato efetivo com agentes prejudiciais à sua saúde e integridade física, a Administração Municipal, na qualidade de empresa para fins previdenciários, passa a ser obrigada a traçar o perfil profissiográfico previdenciário, sendo certo que tal obrigação se submete ao brocardo tempus regit actum.
Palavras-chave: princípio da universalidade de cobertura do atendimento; aposentadoria; perfil profissiográfico.
Os princípios são tidos como o mandamento nuclear da ordem jurídica, pois representam os valores de maior estatura escolhidos pelo povo para servirem como diretrizes para as demais normas[1].
Em primeiro lugar, cumpre ressaltar que a seguridade social encontra-se regida pelo princípio da universalidade de cobertura e do atendimento, bem como da seletividade e da distributividade, na forma do parágrafo único do art. 194 da CRFB.
O primeiro impõe o amplo atendimento das pessoas em situações de necessidade, ao passo que o segundo denota que apenas os eventos de maior relevância devem ser objeto de cobertura, especialmente em decorrência da disponibilidade financeira. Embora haja aparente conflito entre as mencionadas normas, elas deverão ser aplicados na medida do possível, diante das circunstâncias fáticas e jurídicas de cada caso.
Na busca entre o mencionado equilíbrio, é fundamental observar os parâmetros estabelecidos pelo legislador para verificar a aquisição de um direito previdenciário, em especial, visto que a previdência social, área integrante da seguridade social, é marcada pelo caráter contributivo.
A aposentadoria é uma precaução, via de regra, de cunho obrigatório com intuito de socorrer os seus participantes de fatos futuros que possam comprometer a capacidade de obter o mínimo necessário para sua sobrevivência e de sua família.
Preocupado com o equilíbrio financeiro e atuarial do sistema previdenciário, o Constituinte estabeleceu requisitos para a aquisição do direito à aposentadoria, vedando a criação de critérios diferenciados para tal, ressalvando, porém, a hipótese de segurados que exercem suas atividades em contato permanente com agentes nocivos à saúde, na forma do art. 201, § 1º da CRFB.
Tendo em mira a condição de ocupante de cargos comissionados na esfera municipal, não resta dúvida sobre a inaplicabilidade do Regime Próprio de Previdência Social. Nesse passo, de modo a facilitar a compreensão da assertiva em comento, transcreve-se o art. 40, § 13 da Carta de Outubro:
Art. 40 (...)
§ 13 - Ao servidor ocupante, exclusivamente, de cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração bem como de outro cargo temporário ou de emprego público, aplica-se o regime geral de previdência social.
Desta forma, a situação em análise implica necessariamente na aplicação da Lei Federal nº 8.213/91, conforme se pode extrair do seguinte julgado:
TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. SERVIDORES TEMPORÁRIOS E COMISSIONADOS. INEXISTÊNCIA DE REGIME PRÓPRIO DE PREVIDÊNCIA. VINCULAÇÃO AO REGIME GERAL. 1. O servidor civil ocupante de cargo efetivo ou o militar da União, dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios, bem como o das respectivas autarquias e fundações, são excluídos do Regime Geral de Previdência Social (RGPS), desde que amparados por regime próprio de previdência (art. 13, da Lei nº 8.212/91). 2. O conceito de "regime próprio de previdência social", a que alude o art. 13 da Lei nº 8.212/1991 deve ser entendido como aquele que garante a seus servidores, ao menos, o direito à aposentadoria e à pensão. 3. (...). 4. Os servidores ocupantes de cargo em comissão, de livre nomeação e exoneração, e os trabalhadores contratados por tempo determinado devem ser considerados segurados obrigatórios do Regime Geral da Previdência, para onde devem ser vertidas as contribuições previdenciárias. 5. (...). 6. Apelação e remessa oficial não providas. (TRF-1 - AC: 315771419994013800 MG 0031577-14.1999.4.01.3800, Relator: JUIZ FEDERAL MIGUEL ÂNGELO DE ALVARENGA LOPES, Data de Julgamento: 09/09/2013, 6ª TURMA SUPLEMENTAR, Data de Publicação: e-DJF1 p.424 de 18/09/2013).
O diploma legal em destaque considera a firma individual ou sociedade que assume o risco de atividade econômica urbana ou rural, com fins lucrativos ou não, bem como os órgãos e entidades da administração pública direta como empresa, de acordo com o seu artigo 14, o que ratifica a submissão do caso aos seus preceitos legais.
A aposentadoria especial será devida ao segurado que tiver trabalhado sujeito a condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, durante 15 (quinze), 20 (vinte) ou 25 (vinte e cinco) anos, sendo certo que o tempo em exercício sob condições especiais que sejam ou venham a ser consideradas prejudiciais à saúde ou à integridade física será somado, após a respectiva conversão, ao tempo de trabalho exercido em atividade comum, segundo critérios estabelecidos pelo Ministério da Previdência e Assistência Social, para efeito de concessão de qualquer benefício, em conformidade com o art. 57 da Lei sobre os Planos de Benefícios da Previdência Social.
À vista da condição dos Municípios para fins da Lei Federal nº 8.213/91, as Edilidades têm a obrigação de traçar o perfil profissiográfico previdenciário com o intuito de comprovar a efetiva exposição dos segurados do RGPS, que lhe sejam vinculados, aos agentes nocivos constantes na relação definida pelo Poder Executivo para a concessão do aludido benefício.
Acerca do documento responsável pela confirmação da presença de atividades exercidas sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, cumpre reproduzir excerto de julgamento do STF, divulgado no Informativo de Jurisprudência nº 770, que abordou a matéria:
o denominado PPP poderia ser conceituado como documento histórico-laboral do trabalhador, que reuniria, dentre outras informações, dados administrativos, registros ambientais e resultados de monitoração biológica durante todo o período em que ele exercera suas atividades, referências sobre as condições e medidas de controle da saúde ocupacional de todos os trabalhadores, além da comprovação da efetiva exposição dos empregados a agentes nocivos, e eventual neutralização pela utilização de EPI. Seria necessário indicar a atividade exercida pelo trabalhador, o agente nocivo ao qual estaria ele exposto, a intensidade e a concentração do agente, além de exames médicos clínicos (...) (ARE 664335, Plenário, Rel. Min. Luiz Fux, DJe 17.12.2014).
Nesse ponto, impende destacar os dispositivos do Regulamento da Previdência Social, o qual estabelece diretrizes para o fiel cumprimento da Lei Federal nº 8.213/91, acerca da matéria em debate e que impõem ao Município o dever de manter atualizado o PPP de seus funcionários que estejam vinculados ao RGPS:
Art. 68. (...)
§ 2º A avaliação qualitativa de riscos e agentes nocivos será comprovada mediante descrição: (Redação dada pelo Decreto nº 8.123, de 2013)
I - das circunstâncias de exposição ocupacional a determinado agente nocivo ou associação de agentes nocivos presentes no ambiente de trabalho durante toda a jornada; (Incluído pelo Decreto nº 8.123, de 2013)
II - de todas as fontes e possibilidades de liberação dos agentes mencionados no inciso I; e (Incluído pelo Decreto nº 8.123, de 2013)
III - dos meios de contato ou exposição dos trabalhadores, as vias de absorção, a intensidade da exposição, a frequência e a duração do contato. (Incluído pelo Decreto nº 8.123, de 2013)
§ 3º A comprovação da efetiva exposição do segurado aos agentes nocivos será feita mediante formulário emitido pela empresa ou seu preposto, com base em laudo técnico de condições ambientais do trabalho expedido por médico do trabalho ou engenheiro de segurança do trabalho. (Redação dada pelo Decreto nº 8.123, de 2013)
§ 4º A presença no ambiente de trabalho, com possibilidade de exposição a ser apurada na forma dos §§ 2º e 3º, de agentes nocivos reconhecidamente cancerígenos em humanos, listados pelo Ministério do Trabalho e Emprego, será suficiente para a comprovação de efetiva exposição do trabalhador. (Redação dada pelo Decreto nº 8.123, de 2013)
§ 5º No laudo técnico referido no § 3º, deverão constar informações sobre a existência de tecnologia de proteção coletiva ou individual, e de sua eficácia, e deverá ser elaborado com observância das normas editadas pelo Ministério do Trabalho e Emprego e dos procedimentos estabelecidos pelo INSS. (Redação dada pelo Decreto nº 8.123, de 2013)
§ 6º A empresa que não mantiver laudo técnico atualizado com referência aos agentes nocivos existentes no ambiente de trabalho de seus trabalhadores ou que emitir documento de comprovação de efetiva exposição em desacordo com o respectivo laudo estará sujeita às penalidades previstas na legislação. (Redação dada pelo Decreto nº 8.123, de 2013)
§ 7º O INSS estabelecerá os procedimentos para fins de concessão de aposentadoria especial, podendo, se necessário, confirmar as informações contidas nos documentos mencionados nos § 2º e 3º.
§ 8º A empresa deverá elaborar e manter atualizado o perfil profissiográfico do trabalhador, contemplando as atividades desenvolvidas durante o período laboral, documento que a ele deverá ser fornecido, por cópia autêntica, no prazo de trinta dias da rescisão do seu contrato de trabalho, sob pena de sujeição às sanções previstas na legislação aplicável. (Redação dada pelo Decreto nº 8.123, de 2013)
§ 9º Considera-se perfil profissiográfico, para os efeitos do § 8º, o documento com o histórico-laboral do trabalhador, segundo modelo instituído pelo INSS, que, entre outras informações, deve conter o resultado das avaliações ambientais, o nome dos responsáveis pela monitoração biológica e das avaliações ambientais, os resultados de monitoração biológica e os dados administrativos correspondentes. (Redação dada pelo Decreto nº 8.123, de 2013)
§ 10º O trabalhador ou seu preposto terá acesso às informações prestadas pela empresa sobre o seu perfil profissiográfico, podendo inclusive solicitar a retificação de informações quando em desacordo com a realidade do ambiente de trabalho, conforme orientação estabelecida em ato do Ministro de Estado da Previdência Social. (Redação dada pelo Decreto nº 8.123, de 2013)
Por outro lado, o tempo de serviço especial é disciplinado pela lei vigente à época em que exercido, isto é, uma vez prestado o serviço, o segurado adquire o direito à sua contagem pela legislação então vigente.
Nessa perspectiva, o art. 70, § 1º do Decreto Federal nº 3.048/99 nos informa que “a caracterização e a comprovação do tempo de atividade sob condições especiais obedecerá ao disposto na legislação em vigor na época da prestação do serviço.”
Assim, é preciso analisar a legislação vigente ao tempo em que os empregados, comissionados e temporários exerceram suas atividades em favor do respectivo Município. De forma extremamente esclarecedora sobre a evolução legislativa concernente ao tempo de serviço especial é o seguinte trecho do voto do Relator na Apelação/Reexame Necessário nº 5021450-28.2011.404.7000/PR no âmbito do Tribunal Regional Federal da 4ª Região:
(...)
a) no período de trabalho até 28/04/1995, quando vigente a Lei n.º 3.807/60 (Lei Orgânica da Previdência Social) e suas alterações e, posteriormente, a Lei n.º 8.213/91 (Lei de Benefícios), em sua redação original (arts. 57 e 58), possível o reconhecimento da especialidade do trabalho quando houver a comprovação do exercício de atividade profissional enquadrável como especial nos decretos regulamentadores e/ou na legislação especial ou quando demonstrada a sujeição do segurado a agentes nocivos por qualquer meio de prova, exceto para ruído, em que necessária sempre a aferição do nível de decibéis (dB) por meio de parecer técnico trazido aos autos, ou simplesmente referido no formulário padrão emitido pela empresa;
b) a partir de 29/04/1995, inclusive, foi definitivamente extinto o enquadramento por categoria profissional, de modo que, no interregno compreendido entre esta data e 05/03/1997, em que vigentes as alterações introduzidas pela Lei n.º 9.032/95, no art. 57 da Lei de Benefícios, necessária a demonstração efetiva de exposição, de forma permanente, não ocasional nem intermitente, a agentes prejudiciais à saúde ou à integridade física, por qualquer meio de prova, considerando-se suficiente, para tanto, a apresentação de formulário padrão preenchido pela empresa, sem a exigência de embasamento em laudo técnico;
c) após 06/03/1997, quando vigente o Decreto n.º 2.172/97, que regulamentou as disposições introduzidas no art. 58 da Lei de Benefícios pela Lei n.º 9.528/97, passou-se a exigir, para fins de reconhecimento de tempo de serviço especial, a comprovação da efetiva sujeição do segurado a agentes agressivos por meio da apresentação de formulário padrão, embasado em laudo técnico, ou por meio de perícia técnica. Sinale-se que é admitida a conversão de tempo especial em comum após maio de 1998, consoante entendimento firmado pelo STJ, em decisão no âmbito de recurso repetitivo, (REsp. n.º 1.151.363/MG, Rel. Min. Jorge Mussi, Terceira Seção, julgado em 23/03/2011, DJe 05/04/2011).
Essa interpretação das sucessivas normas que regulam o tempo de serviço especial está conforme a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (EDcl no REsp 415.298/SC, 5ª Turma, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, DJe 06/04/2009; AgRg no Ag 1053682/SP, 6ª Turma, Rel. Min. Og Fernandes, DJe 08/09/2009; REsp 956.110/SP, 5ª Turma, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, DJ 22/10/2007; AgRg no REsp 746.102/SP, 6ª Turma, Rel. Min. Og Fernandes, DJe 07/12/2009).
Cabe destacar que a necessidade de formulação do correspondente perfil profissiográfico previdenciário somente surgiu na seara legal em um momento posterior. Não havendo que se falar, in casu, em desrespeito da legislação previdenciária no caso de ausência de laudo técnico pelas Administrações municipais em período anterior ao surgimento da exigência para tanto.
Assim, cabe ao interessado buscar outros meios de prova para a obtenção de seu direito, caso no momento em que exerceu suas funções em favor da correspondente edilidade, não se mostrava necessário a edição de PPP.
CONCLUSÃO
De todo o exposto, registra-se que não há dúvida de que os servidores ocupantes de cargos de provimento em comissão são segurados pelo regime geral de previdência social, desde a EC 20/98.
Os Municípios serão considerados empresa para todos os fins previdenciários, de sorte que serão obrigados ao recolhimento da respectiva contribuição previdenciária, como também ao cumprimento de toda a legislação previdenciária;
Nas hipóteses de contato efetivo e intermitente com agentes nocivos à saúde ou à integridade física, o segurado faz jus à aposentadoria especial, que possibilita a aposentação após 15 (quinze), 20 (vinte) ou 25 (vinte e cinco) anos de tempo de contribuição.
Com o intuito de demonstrar a exposição aos agentes prejudiciais, a legislação previdenciária impõe a obrigação de as empresas manterem o perfil profissiográfico previdenciário atualizado com base em laudo técnico de condições ambientais do trabalho, inclusive no que toca aos Municípios.
À luz do enunciado sumular 359 da Excelsa Corte, o direito previdenciário é regido pela legislação vigente ao tempo do correspondente ato.
Somente com a vigência do Decreto n.º 2.172/97, que regulamentou o art. 58 da Lei de Benefícios, alterado pela Lei n.º 9.528/97, o que ocorreu em 06/03/1997, surgiu a efetiva obrigação de manutenção do citado instrumento de comprovação da efetiva sujeição do segurado a agentes agressivos.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm. Acesso em 02 de agosto de 2016.
LEI 8.213 de 24 de julho de 1991. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8213cons.htm. Acesso em 02 de agosto de 2016.
LEI 2.378 de 29 de dezembro de 1992. Disponível em http://www.previni.com.br/site/images/legislacao/lei_m_%202378.pdf. Acesso em 02 de agosto de 2016.
REALE, Miguel. Filosofia do Direito. 12ª edição. São Paulo: Editora Saraiva, 1987.
IBRAHIM, Fábio Zanbitte. Curso de Direito Previdenciário. 17ª Edição Rio de Janeiro: Impetus, 2012.
MENDES, Gilmar Ferreira. COELHO, Inocêncio Mártires. BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 3ª Edição. Saraiva, 2008.
[1] REALE, Miguel. Filosofia do Direito. 12ª edição. São Paulo: Editora Saraiva, 1987, pp. 59-61.
bacharel em Direito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Assessor jurídico na Procuradoria Geral do Município de Nova Iguaçu.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: GOMES, Alan do Nascimento. Os Municípios e a necessidade de traçar perfil profissiográfico previdenciário para seus comissionados Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 05 set 2016, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/47455/os-municipios-e-a-necessidade-de-tracar-perfil-profissiografico-previdenciario-para-seus-comissionados. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Maurício Sousa da Silva
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Por: DESIREE EVANGELISTA DA SILVA
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