RESUMO: Uma alternativa à melhoria de renda mensal do aposentado é a desaposentação, através da renúncia à aposentadoria e posterior concessão de um novo benefício. No presente trabalho foi analisada a importância do reconhecimento do direito à desaposentação, como sendo um direito subjetivo do trabalhador, visto que esse instituto não possui previsão legal, ficando a mercê da doutrina e jurisprudência. O estudo feito através de pesquisa bibliográfica e documental, através de livros, internet trouxe uma abordagem das questões polêmicas concernentes ao tema apresentado, tratando dos seus aspectos constitucionais, cabimento, e da necessidade ou não de restituição dos valores recebidos a título de primeira aposentadoria.
PALAVRAS-CHAVE: Seguridade. Aposentadoria. Desaposentação. Renúncia. Possibilidade. Restituição.
1 INTRODUÇÃO
O presente trabalho científico tem como principal escopo abordar a polêmica presente nas questões relacionadas ao instituto da desaposentação. Além disso, visa delimitar as situações em que o instituto tem cabimento, bem como apresentar algumas soluções para as divergências existentes a cerca do tema.
A desaposentação nada mais é que o ato de renúncia à aposentadoria já concedida, visando o aproveitamento de novo tempo de contribuição para concessão de nova aposentadoria, podendo ocorrer no mesmo ou em outro regime previdenciário. Porém, muitas vezes, esse direito de renúncia não é concedido ao segurado, sendo essa recusa fundamentada na ausência de previsão legal de tal instituto, o que o torna uma questão controversa. Outro ponto a ser debatido no presente artigo concerne na necessidade ou não do segurado restituir os valores recebidos a título de primeira aposentadoria.
A metodologia a ser utilizada no presente trabalho é a revisão bibliográfica, que consiste na comparação de ponto de vista de vários autores da doutrina, para então obter-se o raciocínio cético a cerca do que foi pesquisado.
O presente artigo, preliminarmente, irá expor uma visão geral a cerca do Regime Geral de Previdência Social, situando-o perante a Seguridade Social e conceituando aposentadoria e suas espécies. Em seguida, tratar-se-á do núcleo desse trabalho, qual seja, o instituto da desaposentação, abordando os aspectos constitucionais concernentes a esse instituto, seus possíveis cabimentos e o meio processual para alcançá-lo.
Por conseguinte, serão demonstradas as polêmicas que envolvem o instituto, como a ausência de previsão legal, os projetos de lei em tramitação no Congresso Nacional, a necessidade de restituição de valores e os posicionamentos jurisprudências a respeito.
O objetivo da obra será enfocar o tema de forma a contribuir para a discussão e reflexão em torno deste, analisando o objetivo principal da desaposentação e os benefícios que seu reconhecimento pode trazer para a sociedade.
2 NOÇÕES GERAIS DO REGIME GERAL DE PREVIDÊNCIA SOCIAL
O Regime Geral de Previdência Social é uma das espécies de regimes do sistema previdenciário brasileiro, ao qual estão sujeitos todos os trabalhadores que não tenham regime próprio de previdência social. Os servidores públicos estatutários, civis e militares têm regramento diverso e são não são assistidos pelo Instituto Nacional do Seguro Social – INSS.
A previdência social é um dos pilares da seguridade social, que, como será explicado posteriormente, é subdividida em três áreas sociais, quais sejam, saúde, assistência social e previdência social.
2.1 Seguridade
A proteção social tem seus primeiros sinais na composição familiar, posto que nos primórdios da humanidade , quando as famílias eram aglomerados de pessoas vivendo em comunidade, já existia a preocupação com os mais frágeis e incapacitados.
A necessidade de um auxílio externo surgiu com a percepção de que a proteção familiar nem sempre abrangia todos, dando origem ao que hoje é conhecido como voluntariado, geralmente difundido pela Igreja. Conforme demonstra Ibrahim (2012, p.1):
Contudo nem todas as pessoas eram dotadas de tal proteção familiar e, quando esta existia, era frequentemente precária. Daí a necessidade de auxílio externo, com natureza eminentemente voluntária de terceiros, muito incentivada pela Igreja, ainda que tardiamente.
Outra manifestação da preocupação da sociedade com a proteção social foram os mútuos, reuniões de pessoas de um grupo de pessoas com o mesmo objetivo, visando à cotização de um determinado valor para o resguardo de todos, caso ocorresse algum infortúnio, vale lembrar que a criação desses mútuos ocorreu sem nenhuma intervenção estatal. Até hoje é comum a existência de sociedades mutualistas, podendo ser consideradas como o princípio dos sistemas privados complementares da previdência.
O início da participação estatal torna-se visível apenas com a criação da “Poor Law” apesar das ações serem delegadas do Estado para a Igreja. Mas foi com a sociedade industrial que a proteção à sociedade foi realmente difundida, pois, nessa época, o proletariado era dizimado pelos acidentes de trabalhos, pela vulnerabilidade do trabalho infantil, entre outros.
Foi nessa fase da história que a participação estatal se tornou indispensável, pois devia propiciar uma correção ou ao menos minimizar as desigualdades sociais, o que aconteceu por meio de instrumentos legais.
Atualmente a participação estatal não está limitada ao campo previdenciário, agindo em outros segmentos da sociedade, como a saúde e o atendimento à pessoas carentes. No Brasil não é diferente, visto que a própria Constituição de 1988 previu um Estado de Bem Estar-Social.
Por tanto, a seguridade social no Brasil é uma obrigação do Estado que, para exercer a proteção à sociedade, cobra desta, contribuições compulsórias que alcançam todos os trabalhadores, sendo formada por um conjunto de políticas sociais cujo fim é amparar e assistir o cidadão e a sua família em situações como a velhice, doenças e o desemprego. Nesse sentido afirma Ibrahim (2012, p. 5):
A seguridade social pode ser conceituada como a rede protetiva formada pelo Estado e por particulares, com contribuições de todos, incluindo parte dos beneficiários dos direitos, no sentido de estabelecer ações para o sustento de pessoas carentes, trabalhadores em geral e seus dependentes, providenciando a manutenção de um padrão mínimo de vida digna.
Os segmentos que compõem a seguridade social são classificados como direitos sociais pela Constituição Federal e normalmente são enquadrados como direitos fundamentais de segunda geração, pois possuem natureza coletiva.
A Constituição brasileira, em seu título VIII (da Ordem Social), norteia entre os artigos 194 a 204, a base da regulamentação da seguridade social no Brasil. O artigo 194, em seu caput afirma que a seguridade social é composta de três pilares, quais sejam a saúde, assistência social e previdência social.
Assistência social consiste nas políticas sociais de proteção gratuita aos necessitados. Saúde pública é espécie do gênero seguridade social destinada a promover redução de risco de doenças e acesso a serviços básicos de saúde e saneamento. Por fim, a previdência social é o mecanismo público de proteção social e subsistência, proporcionados mediante contribuição.
A saúde é dever do Estado e direito de todos, assegurado pela Carta Magna brasileira em seu artigo 196:
A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.
Por tanto qualquer cidadão faz jus a obter atendimento em rede pública, independente mente de contribuição. Vale ressaltar inclusive que é ilícito a Administração Pública negar atendimento com base na riqueza pessoal de uma pessoa.
Ao contrário da saúde, a assistência social somente será prestada a quem dela necessitar, por tanto, somente para as pessoas que não possuem condição de manutenção própria. Não depende de contribuição direta do beneficiário, mas somente que este esteja em situação de necessidade.
A previdência social tem como principais características a filiação compulsória para os regimes básicos, coletividade, contributividade, e organização estatal, protegendo seus segurados dos riscos sociais.
A previdência social brasileira comporta dois regimes básicos, quais sejam o Regime Geral da Previdência Social – RGPS e os Regimes Próprios de Previdência Social – RPPS, estes referentes aos servidores ocupantes de cargos efetivos e militares. Em paralelo aos regimes básicos, há o complementar.
2.2 Histórico do Regime Geral de Previdência Social
O Regime Geral de Previdência Social é responsável pela proteção da maior parte dos trabalhadores brasileiros, organizado pelo Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, autarquia federal, componente da Administração Indireta federal, vinculada ao Ministério da Previdência Social. Vale lembrar que o INSS tem como objetivo organizar a previdência social, estando excluídas a saúde e a assistência social.
A divisão de regimes básicos da previdência brasileira tem origem histórica, pois enquanto a aposentadoria do servidor, desde suas origens era concedida a título de prêmio para os funcionários que cumprissem diligentemente suas tarefas, a previdência dos trabalhadores em geral, desde sua origem no sistema alemã, demandava contribuição dos beneficiários, característica existente até hoje.
A previsão do Regime Geral de Previdência Social está no artigo 9° da Lei 8213/91 bem como no artigo 6° do Regulamento Geral da Previdência e tem como objetivo atender os beneficiários nas situações de adversidades, como incapacidade, desemprego involuntário, idade avançada, tempo de serviço, entre outras.
O regime de previdência em questão tem aplicação compulsória a todos aqueles que exerçam algum tipo de atividade remunerada, salvo se esta atividade já gera filiação a determinado regime próprio de previdência. São beneficiários desse regime as pessoas naturais que fazem jus ao recebimento de prestações previdenciárias por terem atingido algum dos riscos sociais previstos em lei.
As prestações previdenciárias podem ser tanto benefícios, com conteúdo pecuniário, como serviços, restritos a habilitação e reabilitação profissional e ao serviço social. Por tanto, são beneficiários do Regime Geral de Previdência Social os segurados da previdência social e seus dependentes, sendo obrigatórios os filiados ao sistema previdenciário de modo compulsório, desde o início de suas atividades laborativas remuneradas, e facultativos os que, mesmo não exercendo atividade remunerada, desejam integrar o regime previdenciário.
3 DAS APOSENTADORIAS DO REGIME GERAL DE PREVIDENCIA SOCIAL
Para se discutir com maior propriedade a questão da desaposentação, é imprescindível ilustrar os tipos de aposentadoria, seus critérios e concessões.
A aposentadoria é considerada a prestação máxima do ordenamento previdenciário, que ocupa ao lado da pensão por morte o epicentro do seguro social. É importante mecanismo de concretização de interesse individual do segurado, pois representa uma prestação substitutiva da renda do trabalho.
3.1 Aposentadoria por Tempo de Contribuição
Antes da Emenda Constitucional n° 20 de 15 de dezembro de 1998 existia a conhecida aposentadoria por tempo de serviço, que contabilizava períodos de trabalho ou até mesmo estudo como tempo de serviço, mesmo quando o segurado não efetuava qualquer contribuição para o sistema previdenciário. Após a referida emenda, a aposentadoria por tempo de serviço foi extinta e substituída pela aposentadoria por tempo de contribuição com o objetivo de adotar, de forma definitiva, o aspecto contributivo no regime previdenciário.
A prestação previdenciária em estudo sofre várias críticas, pois muitos defendem que este benefício não está protegendo nenhum risco social, visto que o tempo de contribuição não presume incapacidade para o trabalho. No sentido contrário, outros defendem a presença do benefício, pois, mesmo que não exista risco social a proteger, a aposentadoria por tempo de contribuição permite uma renovação mais rápida do mercado de trabalho, o que tem bastante utilidade em épocas de desemprego acentuado.
Os requisitos desta aposentadoria são 35 anos de contribuição, se homem, e 30 anos de contribuição, se mulher, sendo válido lembrar que para professor que comprovar atividade de magistério no ensino médio, fundamental ou infantil, haverá uma redução de 5 anos no tempo de contribuição mínimo.
A aposentadoria por tempo de contribuição também tem como requisito a carência mínima de 180 contribuições mensais, o que, conforme explica Ibrahim (2012, p. 612) não se confunde com o tempo de contribuição: “O segurado que efetua recolhimentos referentes a 20 (vinte) anos de competências em atraso tem 20 (vinte) anos de tempo de contribuição, mas zero de carências.”.
A renda mensal desta prestação previdenciária é de 100% do salário de benefício, com aplicação obrigatória do fator previdenciário. Para o segurado empregado, incluindo o doméstico o benefício terá início a partir da data do desligamento do emprego, quando requerida até noventa dias depois dela ou a partir da data do requerimento se não houver desligamento ou for requerido fora do prazo de noventa dias. Para os demais segurados o benefício se inicia a partir da data de entrada do requerimento. O benefício cessa com a morte do segurado. No instituto da aposentadoria por tempo de contribuição há a aposentadoria proporcional que vale para o segurado inscrito até 16/12/1998, por conta da promulgação da Emenda constitucional n° 20 de 1998.
3.2 Aposentadoria por Idade
Aposentadoria por idade será devida ao segurado que completar 65 anos de idade, se homem, ou 60, se mulher, reduzidos esses limites para 60 e 55 anos de idade, para trabalhadores rurais, respectivamente homens e mulheres. Apesar de ser exigida a qualidade de segurado, a Lei 10.666/03 consagrou o entendimento de que os requisitos de idade mínima e tempo de carência não precisam ser simultâneos, para a concessão da aposentadoria por idade.
Vale ressaltar que existem regras diferentes para os segurados que ingressaram no Regime Geral de Previdência Social antes ou depois da Emenda Constitucional n° 20 de 1998, pois os que entraram depois da promulgação da referida Emenda Constitucional estarão sujeitos as regras permanentes, que preveem a carência de 180 meses, excetuando o segurado especial, que não precisa comprovar o pagamento das contribuições, mas somente o efetivo exercício de atividade rural, nos termos e prazos da lei.
Aqueles que se aposentaram, ou preencheram os requisitos para a concessão da aposentadoria por idade antes da EC 20/98 possuem direito adquirido a aposentadoria, conforme as regras então vigentes. E os que já haviam ingressado no RGPS antes da EC 20/98, mas que somente após a promulgação desta preencheram os requisitos para a concessão da aposentadoria se sujeitam as chamadas regras de transição, que possuem o mesmo requisito de idade, bem como a redução de 5 anos para trabalhador rural, porém o tempo de carência exigido obedecerá a tabela do artigo 142 da Lei de Benefícios, que é progressivo a contar de 1991 até 2011. A aposentadoria por idade atinge todos os segurados. A renda mensal inicial é 70% do salário de benefício, acrescido de 1% a cada grupo de 12 contribuições mensais, não podendo ultrapassar o limite de 100% do salário de benefício.
A aplicação do fator previdenciário é facultativa e será suspensa com a morte do segurado.
3.3 Aposentadoria por Invalidez
A aposentadoria por invalidez será devida ao segurado que, estando ou não em gozo de auxílio-doença, for considerado incapaz para o trabalho e insuscetível de reabilitação para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência, sendo-lhe paga enquanto permanecer nessa condição.
Segundo Serau (2011, p.39) a principal característica desse benefício é: “a incapacidade laboral total e permanente, que impossibilite o segurado de exercer qualquer atividade laborativa que lhe garanta a subsistência.”.
A carência é de 12 contribuições mensais ou nenhuma para acidente de trabalho de qualquer natureza, doença profissional ou do trabalho ou doença grave elencada na lista do Ministério da Previdência Social.
O coeficiente de cálculo da renda mensal inicial é de 100% do salário de benefício. Caso o segurado venha a necessitar de assistência permanente de outra pessoa, será acrescido à renda mensal inicial o coeficiente de 25%, mesmo que ultrapasse o limite máximo do salário de contribuição.
Ocorrerá a suspensão do benefício quando o segurado não comparecer à perícia médica periódica, ou a convocação bienal do INSS e este cessará quando ocorrer a recuperação da capacidade para o trabalho ou a morte do segurado. Caso o segurado aposentado por invalidez retornar voluntariamente à atividade o seu benefício é cancelado, desde a data do retorno ao trabalho.
Em relação a desaposentação, a doutrina e a jurisprudência vem formando entendimento de que esta não é possível em relação a aposentadoria por invalidez, visto que a possibilidade de retorno ao trabalho faz cessar o benefício, nos termos da lei.
3.4 Aposentadoria Especial
Aposentadoria especial está prevista no artigo 57 da Lei n°8213/91, que será concedida aos segurados expostos permanentemente e a agentes nocivos, de ordem física, química ou biológica, em ambiente insalubre.
Esta prestação previdenciária será devida ao segurado empregado, trabalhador avulso e contribuinte individual, este somente quando cooperado filiado à cooperativa de trabalho ou de produção, que tenha trabalhado durante 15, 20 ou 25 anos, conforme o caso, sujeito a condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física. Importante ressaltar que a concessão do presente benefício não afasta a responsabilidade do empregador de arcar com as consequências da inobservância das técnicas de higiene e saúde do trabalho.
A carência exigida pela aposentadoria especial é de 180 contribuições mensais, tendo como renda mensal inicial 100% do salário de benefício, sem aplicação do fator previdenciário. Caso o segurado retorne ao trabalho em que esteja exposto a agentes nocivos definidos em lei, terá o benefício cancelado.
4 DA DESAPOSENTAÇÃO
Inicialmente, é válido enfatizar que o instituto da desaposentação é fruto da doutrina e da jurisprudência pátria, não tendo previsão no texto legal. Em realidade, trata-se de um avanço recente em Direito Previdenciário, que ainda carece de maiores discussões, em virtude do escasso debate em torno deste e da ausência de regramento jurídico que o regulamente.
Por conta da falta de suporte legal, a desaposentação conduz à divergências conceituais, o que demonstra a necessidade de se analisar diversos posicionamentos doutrinários, com o fulcro de afastar os embaraços jurídicos provenientes do instituto.
Segundo Serau (2011, p.45 ) a desaposentação consiste em:
Renúncia a uma modalidade de aposentadoria, já implementada, para aproveitamento do respectivo tempo de contribuição/serviço, inclusive tempo de serviço/contribuição posterior, na perspectiva de obtenção de nova e melhor aposentadoria.
A finalidade primordial do instituto em tela é permitir que o segurado possa obter benefício mais vantajoso no mesmo ou em outro regime previdenciário. Isso seria possível com a continuidade laborativa do segurado aposentado que pretende obter novo benefício em função do novo tempo de contribuição.
Ou seja, a desaposentação nada mais é que a possibilidade de o segurado, depois de aposentado, renunciar ao benefício para postular outra aposentadoria futuramente. Vale ressaltar que não se trata de cumulação de benefícios e sim da cessação de uma aposentadoria e o consequente início de outra.
Conforme Carvalho (2006, p. 1) a desaposentação tem como um de seus objetivos: “uma melhor aposentadoria do cidadão para que este benefício previdenciário se aproxime, ao máximo, dos princípios da dignidade da pessoa humana e do mínimo existencial, refletindo o bem estar social”.
Na doutrina predomina a concepção de que a desaposentação é cabível tanto na hipótese em que o aproveitamento do tempo de contribuição se dê no mesmo regime previdenciário, quanto em outro regime, admitindo assim o referido instituto em ambas as situações.
Vale lembrar que na hipótese que envolve regimes previdenciários distintos já existe o instituto da contagem recíproca, que pode ser considerado como garantia constitucional, disposto no artigo 201, §9°, da Constituição Federal – CF/88. Tal instituto possibilita a contagem do tempo de contribuição em determinado regime com o intuito de obter os requisitos legais para a concessão do benefício de aposentadoria em outro regime previdenciário, ao qual o segurado esteja devidamente vinculado na ocasião do requerimento do benefício.
Novaes (2003, p.7) destaca que a contagem recíproca, ou seja, a somatória de tempo de serviço na entidade privada e na pública, por configurar-se um direito constitucional, não constitui um fato novo. Desse modo, considera que o principal ponto do instituto da desaposentação é o fato de se pretender cancelar a aposentadoria já concedida, com o escopo de requerer outra em condições melhores.
Isto posto, é cediço que o tema desaposentação é bastante complexo, ante as inúmeras controvérsias que o tema suscita, não somente em relação a conceituação, mas também no que concerne à sua instrumentalização, pois envolve diversas questões ainda não pacificadas, as quais serão abordadas nos itens seguintes.
4.1 Aspectos Constitucionais da Desaposentação
Os direitos relacionados à previdência social são fundamentais, portanto, aplicam-se a ela todas as regras derivadas da Teoria Geral dos Direitos Fundamentais. O núcleo fundamental da previdência social é a ideia de proteção social ou resposta às demandas e contingências sociais.
Duas questões essenciais em matéria de desaposentação são a possibilidade de renúncia a direito fundamental e a vedação à restrição de direito fundamental.
Aqueles que buscam a desaposentação não pretendem ver-se desamparados de toda e qualquer prestação previdenciária, e sim desejam o recálculo de sua renda mensal inicial. Renunciam apenas a primeira aposentadoria, seguida imediatamente de concessão de nova aposentadoria.
O objetivo do interessado na abdicação é melhorar as condições de vida. Como não tem suspensão dos pagamentos das mensalidades enquanto perdurar o processo de desaposentação e possivelmente o pretendente estará usufruindo de outros meios de subsistência, o que ele deseja é somente melhorar os referidos meios.
Além disso, em alguns casos a legislação permite a renuncia de situações jurídico previdenciárias fundamentais, como por exemplo, renunciar aos valores excedentes a sessenta salários mínimos, nos termos das legislações que trata dos Juizados Especiais Federais - JEFs, assim não é possível dizer ser inviável a renúncia de benefício previdenciário, posto que renúncia neste âmbito de direito é abrangida pelo ordenamento jurídico.
Em relação à vedação a restrição de direito fundamental vale ressaltar que a própria estrutura normativa desses direitos muitas vezes demanda intervenção do legislador infraconstitucional, sendo importante para a definição in concreto, em situações mais precisas e bem delimitadas.
Porém, os direitos fundamentais estabelecem ao mesmo tempo uma obrigação ao legislador infraconstitucional, impondo que este promova os direitos fundamentais, que algumas vezes precisam de regulamentação para ser alcançados, e uma vedação, determinando que estes não criem barreiras à liberdade legislativa de configuração do ordenamento jurídico.
Sem essa vedação impostas aos legisladores infraconstitucionais o direito fundamental pode vir a sofrer restrições, diminuindo as faculdades que a princípio estariam abrangidas nesse direito. Para que isso não ocorra, é permitido somente que o legislador crie requisitos para o alcance de algum direito, não podendo atentar contra o conteúdo nuclear do direito fundamental.
Qualquer alteração no conteúdo de um direito fundamental só pode advir de lei em sentido estrito, nunca através de hierarquia inferior à lei, que é justamente o que faz o Decreto 3048/99 em seu artigo 181-B, que afirma serem irrenunciáveis e irreversíveis as aposentadorias por idade, tempo de contribuição e especial, e que o segurado somente pode desistir do pedido de aposentadoria antes do pagamento do benefício.
Segundo repercussão doutrinária não há qualquer possibilidade que um conceito criado a partir da Carta Magna seja obstado por ato administrativo, nem mesmo lei poderia impedir a renuncia da aposentadoria para obtenção de situação mais favorável.
Além disso, não merece vigorar o argumento dos que se contrapõem ao instituto da desaposentação afirmando que esta seria um ato amoral por parte do segurado, que ao requerer a desaposentação está tentando obter vantagem indevida. Porém, é cediço que pretender progredir socialmente, melhorando seu meio de subsistência é natural de todos os cidadãos.
A desaposentação tem escopo no princípio da finalidade, que determina que a administração deve sempre buscar alcançar a finalidade normativa, ou seja, aplicar a lei na conformidade de sua razão de ser, do objetivo em vista quando foi editada.
Vale lembrar também que a desaposentação não implica violação à isonomia, ela abrange situações fáticas distintas que merecem tratamento jurídico diferenciado.
Por fim, a desaposentação também pode ser justificada baseada no direito fundamental do trabalho. Nesse sentido Serau (2011, p.24):
Não é possível obstar que o aposentado volte a trabalhar a fim de prover ou melhorar seu sustento e sua qualidade de vida (ainda que através de medidas econômicas indiretas, tais como a exigência de contribuição previdenciária destituída de qualquer contra partida social).
4.2 Modalidades de Desaposentação
A aposentadoria por tempo de contribuição pode ser obtida proporcionalmente ou de forma integral. Conforme já mencionado, para ter direito à aposentadoria integral, o trabalhador homem deve comprovar pelo menos 35 anos de contribuição e a trabalhadora mulher, 30 anos.
Diante do alto índice de desemprego atual e das grandes crises financeiras que toda a população mundial vem enfrentando, alguns trabalhadores, que ainda não preencheram o tempo mínimo de contribuição para se aposentarem integralmente, se veem obrigados a requerer sua aposentadoria de forma precoce, obtendo, dessa forma, uma renda mensal inicial menor.
Esse benefício requerido precocemente se dá através da aposentadoria por tempo de contribuição proporcional, a qual os homens podem requerer a partir dos 53 anos de idade e 30 anos de contribuição, mais um adicional de 40% sobre o tempo que faltava em 16 de dezembro de 1998 para completar 30 anos de contribuição. As mulheres têm direito à proporcional aos 48 anos de idade e 25 de contribuição, mais um adicional de 40% sobre o tempo que faltava em 16 de dezembro de 1998 para completar 25 anos de contribuição.
Estes, numa tentativa de obter melhores condições financeiras, já aposentados voltam ao mercado de trabalho e continuam contribuindo, visando uma aposentadoria integral. O que se daria através da desaposentação.
Existe entendimento doutrinário defendendo o fato de que, neste caso, o segurado deverá devolver as contribuições que auferiu durante os anos que se encontrava aposentado proporcionalmente e só após a restituição receberia a aposentadoria integral, fundamentando sua posição no fato de que sem a devolução poderia haver uma queda de 1/7 das reservas técnicas pessoais do INSS.
Porém, o RGPS adota regime de repartição simples e além disso, o salário de benefício possui natureza alimentar, não cabendo desta forma restituição dos anos recebidos a título de primeira aposentadoria.
Em se tratando de desaposentação nos Regimes Próprios de Previdência Social – RPPS é permitida a contagem recíproca de tempo de serviços não simultâneos. Desta forma, nada impede que o segurado se desaposente em um ente federativo e volte a se aposentar em outro, visto que os RPPS são considerados como um só em todo o país.
Em relação a desaposentação envolvendo regimes previdenciários distintos, Regime Geral de Previdência Social para o Regimes Próprios de Previdência Social, é possível que o tempo de contribuição na iniciativa privada seja contabilizado para a obtenção de aposentadoria no serviço público.
4.3 Cabimento e Procedimento Judicial da Desaposentação
O primeiro aspecto a ser observado para a realização da desaposentação é a existência de uma aposentadoria instituída e plenamente me vigor. Em seguida é necessário o ato da renúncia à essa primeira aposentadoria, que deve ser praticado por sujeito plenamente capaz e no exercício de seus direitos, devendo ser expressa, formal e escrita, pois atualmente só é obtida na via judicial. Nesse procedimento judicial aplicar-se-á a lei vigente no momento da concessão do segundo benefício previdenciário, pois, conforme Ibrahim (2010, p. 41-43) prevalece, aqui, o princípio tempus regict actum.
Grande parte da jurisprudência e da doutrina exclui da possibilidade de desaposentação o beneficiário da aposentadoria por invalidez, alegando que tal aposentado encontra-se incapaz de tornar ao trabalho. Porém, levando em conta que a qualidade de segurado, após a EC 20/98, não se dá mais pela condição de trabalhador, mas sim pelo recolhimento de contribuições previdenciárias, nada impede que a desaposentação para esse segurado ocorra em virtude de novas contribuições previdenciárias espontaneamente recolhidas, como contribuinte individual por exemplo.
Martinez (2010, p.148-151) defende inclusive a tese de que a desaposentação deve alcançar até o trabalhador rural, devendo indenizar o RGPS somente no caso de ocorrer migração para RPPS.
Para Serau (2011, p.47):
Talvez só se possa excluir totalmente da possibilidade de desaposentação aqueles que o pretendam perante os regimes próprios dos servidores públicos (desaposentando-se no RGPS) e já tenham superado a data limite para a aposentadoria compulsória (setenta anos).
A desaposentação vem sendo buscada, normalmente, através de ações ordinárias (processo de conhecimento), nas quais se discute amplamente sua possibilidade jurídica bem como a desnecessidade de repetição dos primeiros proventos de aposentadoria, dentre outras eventuais questões. Tais ações admitem a produção de provas, particularmente as de tipo pericial contábil, onde se verificará a existência de contribuições posteriores à primeira aposentadoria e os cálculos da nova aposentadoria.
Para os que entendem que a desaposentação é matéria exclusivamente de direito, pode-se optar pelo mandado de segurança, afinal trata-se de instituto dotado de plena viabilidade jurídica, configurando, portanto, verdadeiro direito liquido e certo dos aposentados que continuaram a trabalhar e buscam melhor benefício previdenciário.
A busca judicial da desaposentação não impede o recurso à utilização de medidas cautelares, caso necessário, mas seria mais adequada a utilização dos instrumentos de antecipação de tutela para tratar das questões de urgência.
Caso a desaposentação for requerida perante o RGPS, sem modificação de regime previdenciário, o legitimado ativo será o segurado já aposentado que pretende novo e mais vantajoso benefício previdenciário. Se a desaposentação for requerida perante o RPPS, o legitimado ativo será o servidor que almeja o benefício.
Em relação ao polo passivo, se a desaposentação for requerida no âmbito do próprio RGPS, o legitimado passivo será o INSS, porém se for pleiteada com a modificação de regime previdenciário vislumbra-se duas situações.
Se o segurado estiver saindo do RGPS e buscando a desaposentação no RPPS, o legitimado passivo será a União, no caso dos servidores públicos federais, ou outro órgão previdenciário, estadual, municipal ou distrital, conforme o caso. Caso o segurado esteja saindo do RPPS para buscar a desaposentação no RGPS o legitimado passivo será o INSS, com eventual litisconsórcio necessário do órgão gestor do regime próprio de origem.
Segundo determina o artigo 267, inciso VI do Código de Processo Civil – CPC são condições da ação a possibilidade jurídica do pedido, a legitimidade das partes e o interesse de agir. Em relação à primeira, foi argumentado no decorrer do trabalho o cabimento da desaposentação, assim como apresentado as partes legitimadas para propor tal ação, restando falar sobre o interesse de agir.
Essa condição da ação se concretiza quando, mesmo sem ingresso na via administrativa, a administração impõe obstáculos na simples protocolização de pedidos de análise e concessão de benefícios previdenciários.
Desta forma, é possível perceber que os pedidos de desaposentação podem ser requeridos no Poder Judiciário, independentemente de prévia análise administrativa, bem como, poderá ser ingressado na seara judiciária quando o INSS recusar-se a aceitar administrativamente esse pedido, sob alegação genérica de ausência de fundamentação legal.
Em relação a competência jurisdicional para os pedidos de desaposentação, será da Justiça Federal quando for buscada perante o INSS ou contra RPPS dos servidores públicos federais, pois são componentes da estrutura administrativa da União Federal.
Nesse sentido estabelece a Carta Magna em seu artigo 109, inciso I:
Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar:
I – as causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes, exceto as de falência, as de acidente de trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho.
Na hipótese de desaposentação requerida contra os órgãos gestores dos RPPS de servidores públicos municipais, estaduais ou distritais é que a Justiça Estadual será o órgão jurisdicional competente.
5 ANÁLISE CRÍTICA DA DESAPOSENTAÇÃO
Alguns doutrinadores ainda entendem não ser possível o instituto da desaposentação no direito brasileiro. Um dos argumentos utilizados por essa parte da doutrina envolve o conceito de ato jurídico perfeito.
É importante destacar a diferença entre os termos aposentadoria e aposentação. Este último termo, conforme ensina Ibrahim (2010, p.35), é o ato capaz de produzir a mudança do status previdenciário do segurado, que deixa de ser ativo e passa a ser inativo. Já o termo aposentadoria consiste no estado que surge com a aposentação, sendo consequência desta.
Desse modo, parte da doutrina defende que a admissão do instituto da desaposentação violaria o direito fundamental ao ato jurídico perfeito, pois é uma forma de desconstituir o ato administrativo da aposentação, considerado perfeito e acabado.
A constituição Federal, em seu artigo 5°, inciso XXXVI, resguarda o ato jurídico perfeito, ao afirmar que “A lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”. Porém, no caput do mesmo diploma legal, a Lei Maior estabelece:
Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade.
Portanto, levando em consideração regra de hermenêutica que estabelece que todo inciso e parágrafo devem respeitar o caput do artigo, a irreversibilidade absoluta do ato jurídico perfeito em favor do segurado é injustificável, pois a própria CF/88 assegura o direito à liberdade, inclusive a de trabalho.
Além disso, o ato jurídico perfeito é uma proteção do cidadão e não da Administração Pública, por isso, esse ato não poderá ser arguido contra aquele, ainda mais quando a modificação do ato, até então, perfeito, servir para beneficiar o particular, no caso o aposentado. Sendo assim, a invocação da garantia constitucional ao ato jurídico perfeito somente pode ser utilizada em favor do segurado-administrado, nunca contra este.
Ademais, conforme preceitua a mais conceituada doutrina, a desaposentação não constitui efetivamente uma forma de extinção do ato administrativo, não se enquadrando em nenhuma das hipóteses de revogação, cassação, caducidade, renúncia,invalidação, contraposição ou derrubada. Nesse sentido, defende Serau (2011, p.68 - 69):
Decerto que os segurados não almejam abrir mão de sua posição jurídica de aposentadoria, apenas desejam vê – La melhorada ( melhoria do valor de benefício com novas contribuições), o que entendemos seja mais próximo de transformação/alteração do ato administrativo.
Talvez, a desaposentação possa ser entendida como uma espécie de relação jurídica continuativa, na qual, em virtude de uma modificação das circunstâncias fáticas, houve a descontinuação do ato administrativo anterior que precisou ser modificado.
5.1 Ausência de Previsão Legal e Eventuais Modificações Legislativas
Conforme preceitua Meirelles (2003, p. 86), a legalidade, é um dos princípios de administração pública, prevista no art. 37, caput, da Constituição Federal, e tem como objetivo impor ao administrador público que haja sempre em conformidade com os mandamentos legais, em qualquer atividade funcional.
Como acentua Mello (2006, p.904-905), todo ato administrativo deve ser praticado com embasamento em alguma norma permissiva que lhe sirva de fundamento, permitindo, então que a atividade da Administração seja considerada legal.
Em face da necessidade premente de a Administração Pública agir dentro dos limites legais, alguns doutrinadores criaram o entendimento de que a recusa do INSS em acolher, na via administrativa, o pedido de desaposentação é manifestamente legítima, tendo em vista que se ampara no artigo 181-B do Decreto 3.048/99, já transcrito anteriormente.
Todavia, conforme já foi demonstrado, um decreto, como norma subsidiária, que não se submete ao processo legislativo formal e é confeccionado pelo Poder Executivo, não pode inovar na esfera jurídica criando algo ou vedando direitos. Nesse sentido, o referido diploma legal é alvo de discussão, no que concerne a sua legalidade, pois restringe a aquisição de um direito do aposentado que pretende renunciar ao seu benefício em prol de outro mais rentável.
Sobre o tema, Serrano (2006, 134-135) defende que somente a lei em sentido estrito, ou seja, o comando genérico, aprovado pelo Poder Legislativo, é que tem competência para reger as relações entre particulares e atividades públicas, conforme o estipulado no artigo 5°, inciso IIda Constituição Federal, portanto, os comandos de proibição e de obrigação só podem ser veiculados por meio de uma lei.
Ademais, é valido lembrar que o artigo 84, inciso IV, da Lei Maior, estabelece que o Presidente da República, ao expedir decretos e regulamentos deve manter-se fiel as determinações legais, demonstrando mais uma vez, a submissão do decreto ao comando legal. Dessa forma, um decreto não poderá dispor acerca da desaposentação para restringi-la ou vedá-la, pois não se enquadrar no conceito de lei em sentido formal, visto que não consta no rol do artigo 59 da CF/88.
Portanto, é cediço que a legitimidade da conduta do INSS, ao negar a desaposentação, chega a ser contraditória, pois ao mesmo a Administração Pública só pode agir nos limites da lei, negando a desaposentação com base na falta de previsão legal expressa que norteie a questão, vincula um direito do aposentado ao quanto disposto em um decreto.
Com o intuito de dirimir o problema concernente à falta de previsão legal do instituto da desaposentação, é que existem projetos de leis tramitando no Congresso Nacional, visando suprir a omissão legal e viabilizar a concessão desse instituto.
Há o Projeto de Lei n° 3900/97, de autoria do deputado Arnaldo Faria de Sá, que tem por fim conceder a possibilidade de renúncia à aposentadoria por tempo de serviço, podendo ser computado para outra aposentadoria de maior valor, o tempo servido de base para concessão da mesma.
Percebe-se que o projeto mencionado não contempla de forma completa o instituto da desaposentação, pois trata somente da questão atinente à mudança de regime previdenciário, não dispondo acerca desta dentro de um mesmo regime, não abrangendo, dessa forma, todos os campos abarcados pela desaposentação, ainda que constitua um avanço significativo.
Também está em tramitação no Congresso Nacional o Projeto de Lei n° 7.154/02, apresentado pelo deputado Inaldo Leitão em 27/08/2002, que tem por finalidade possibilitar a desaposentação de uma forma mais ampla, propondo a alteração da Lei 8.213/91, no seu artigo 54, parágrafo único, para prever a renúncia à aposentadoria concedida pelo RGPS.
Embora tais projetos não alcancem a desaposentação em toda a sua amplitude,conforme Ibrahim (2010, p.88), tais projetos evidenciam a conscientização do legislador no concerne à importância do instituto em estudo.
5.2 A Restituição dos Valores Recebidos a Título de Primeira Aposentadoria
Outro ponto bastante polêmico no debate acerca da desaposentação diz respeito ao cabimento ou não da devolução dos valores percebidos pelo segurado a título de primeira aposentadoria.
Como o atual ordenamento jurídico não contempla a possibilidade de desaposentação, a resposta da questão fica pendente até que o assunto seja disciplinado legalmente. Todavia, a doutrina e a jurisprudência, na tentativa de suprir a omissão legislativa e viabilizar o instituto da desaposentação, já se manifestaram no sentido dissipar tal embaraço.
Por ser uma questão bastante complexa ainda é distante de pacificação, pois existem vários posicionamentos conflitantes que dela decorrem. O INSS argumenta que a não restituição dos proventos já recebidos causa prejuízos aos demais beneficiários do sistema, rompendo com o equilíbrio financeiro e atuarial.
Do mesmo modo é o pensar de Martinez (1998, p.765) que afirma ser favorável ao pleito de desaposentação, desde que ocorra a devolução dos valores que o segurado recebeu anteriormente ao aludido pleito. Em seu ponto de vista, o autor defende que o importante é não causar prejuízo à Administração, à comunidade e ao equilíbrio do sistema.
No sentido contrário posiciona-se Ibrahim (2010, p. 63-64)
A desaposentação em mesmo regime previdenciário é, em verdade, um mero recálculo do valor da prestação em razão das novas cotizações do segurado. Não faz o menor sentido determinar a restituição de valores fruídos no passado.
Portanto, é plausível o entendimento de que não há a necessidade da devolução dessas parcelas, pois, não havendo irregularidade na concessão do benefício recebido, não há o que ser restituído. Como fundamento para esse posicionamento, pode-se utilizar analogicamente o instituto da reversão, previsto na Lei n. 8.112/90, que não prevê a devolução dos proventos percebidos.
Tal é o direcionamento que o Superior Tribunal de Justiça – STJ vem consagrando, no sentido de acolher a desaposentação, conforme colacionou Serau (2011, p.54):
EMENTA: “Previdenciário. Aposentadoria. Direito à renúncia. Expedição de certidão de tempo de serviço. Contagem recíproca. Devolução das
parcelas recebidas.
1. A aposentadoria é direito patrimonial disponível, passível de
renúncia, portanto.
2. A abdicação do benefício não atinge o tempo de contribuição.
Estando cancelada a aposentadoria no regime geral, tem a pessoa o
direito de ver computado, no serviço público, o respectivo tempo de
contribuição na atividade privada.
3. No caso, não se cogita a cumulação de benefícios, mas o fim de
uma aposentadoria e o conseqüente início de outra.
4. O ato de renunciar a aposentadoria tem efeito ex nunc e não gera
o dever de devolver valores, pois, enquanto perdurou a aposentadoria pelo regime geral, os pagamentos, de natureza alimentar, eram indiscutivelmente devidos.” 5. Recurso especial improvido. (STJ. Resp. 692628/DF. Recurso Especial 2004/01460733. Min Nilson Naves).
Conforme o julgado acima transcrito, o ponto nuclear do problema em tela, somente se perfaz a partir do exame do princípio do equilíbrio financeiro e atuarial do sistema previdenciário.
Faz-se mister expor também a posição adotada pela Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais - TNU quanto á desaposentação, vez que este é o verdadeiro órgão de cúpula dos Juizados Especiais Federais. Para o referido órgão o instituto aqui estudado é possível, mas condicionado à restituição de valores percebidos a título de primeiro benefício, visto que sua não restituição ensejariam desequilíbrio financeiro-atuarial para os cofres do INSS, assim como locupletamento ilícito dos segurados, um verdadeiro privilégio.
O equilíbrio financeiro e atuarial, previsto no artigo 201 da CF/88, determina que o sustento financeiro do sistema previdenciário deve ser mantido com a adequada proporção entre despesas e receitas, com o objetivo de preservar a estrutura operacional e o equilíbrio fiscal e atuarial. Portanto, é imprescindível um criterioso planejamento, principalmente no que tange às fontes de receita, já que é a União quem arca com os déficits da Previdência, sendo a responsável pela cobertura de eventuais insuficiências financeiras nos regimes previdenciários.
Dessa forma, é equivocado tentar obstar a desaposentação fundamentando tal impedimento na falta de regulação sobre a devolução ou não das parcelas já usufruídas pelo segurado, pois, o que se nota é que a doutrina e a jurisprudência cumprem a função de fornecer importante contribuição para a aplicação adequada do instituto.
Assim, os antagonismos em relação à devolução dos proventos percebidos pelo segurado a título de primeira aposentadoria, que, diga-se de passagem, é imprescindível para preservação de um sistema previdenciário equilibrado, não têm o condão de obstar a sua existência e efetiva aplicação.
6 CONCLUSÃO
Pelo demonstrado, resta comprovado o direito dos segurados de renunciar sua aposentadoria objetivando uma melhoria na sua condição social através da desaposentação, portanto, por mais que o instituto não possua fundamentação legal, não apresenta afronta a Constituição Federal, posto que não existe vedação expressa no texto da Carta Magna.
Ademais, resta comprovado que a desaposentação não implica nenhum tipo de prejuízo ao equilíbrio atuarial do sistema previdenciário, pois mesmo aposentado, o segurado continua a contribuir, o que não estava previsto pelo INSS.
No que tange a necessidade de restituição dos valores recebidos antes do pleito da desaposentação, pode-se perceber ser inexistente, pois como fora demonstrado através de posicionamentos doutrinários e jurisprudenciais, as verbas recebidas a título de primeira aposentadoria tem caráter alimentar. Além disso, deve-se levar em consideração o fato de, apesar de a Previdência Social ser eminentemente contributiva, também possui caráter solidário e protetivo o que torna incoerente a recusa a concessão de desaposentação fundamentada em possível prejuízo ao sistema previdenciário.
Desta feita, tais impedimentos não merecem vigorar, pois não possuem fundamentação suficiente para obstar a instituto em tela, não podendo negar o fato de que a desaposentação é meio para que o segurado possa melhorar sua qualidade de vida, bem como a de seus dependentes, pois não se trata de desfazimento de benefício, mas sim de obtenção de nova prestação, mais vantajosa do que a anteriormente recebida.
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Mestra em Ciência Política pela Universidade Federal do Piauí (2016). Especialista em Direito Previdenciário (2015). Especializanda em Direito Administrativo (2016). Bacharela em Direito pelo Instituto de Ciências Jurídicas e Sociais Prof. Camillo Filho (ICF). AssessoraTécnica na Secretaria de Estado do Planejamento (SEPLAN). Advogada inscrita na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB nº 10.797), com experiência profissional no contencioso cível e administrativo. Professora de Ensino Superior, nos cursos de Direito, Administração e Ciências Contábeis. Professora de preparatório para OAB e Concursos (AVP).
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: DéBORA GOMES GALVãO, . Garantia do trabalhador aposentado e a desaposentação Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 08 set 2016, 04:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/47467/garantia-do-trabalhador-aposentado-e-a-desaposentacao. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Maurício Sousa da Silva
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Por: DESIREE EVANGELISTA DA SILVA
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