Resumo: O presente trabalho versa sobre a natureza jurídica da EIRELI. A importância de se debater a natureza jurídica da EIRELI está na necessidade de enquadra-la dentro de um instituto jurídico específico, outorgando-a uma identidade, mas não é só isso. É também importante se debater qual a natureza jurídica da EIRELI para fins falimentares, tributários, previdenciários, trabalhistas, entre outros. A partir da definição de sua natureza jurídica será possível enquadra-la dentro de um grupo, digamos assim, dentro do qual todas as entidades que o compõem recebem tratamento legal igualitário, ou pelo menos análogo.
Palavras-chaves: EIRELI - Natureza Jurídica- Lei 12.441/11
SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO. 2. NATUREZA JURÍDICA DA EIRELI 2.1 CONCEITO E CARACTERÍSTICAS DA EIRELI 2.2 ANÁLISE DOS ENUNCIADOS INTERPRETATIVOS SOBRE A EIRELI PRODUZIDOS NA V JORNADA DE DIREITO CIVIL 2.3 A EIRELI E SUA POSSÍVEL NATUREZA JURÍDICA. 3. CONSIDERAÇÕES FINAIS.
1. INTRODUÇÃO
O artigo em deslinde relata a discussão doutrinária sobre a natureza jurídica da EIRELI.
Buscaremos, à luz da doutrina e dos enunciados da V jornada de direito civil, abordar sobre o conceito, origem e a sua natureza jurídica, não no sentido de dissiparmos todo o conteúdo e dúvidas acerca da matéria, mas como uma reflexão sobre a eficácia desta entidade para o avanço do empreendedorismo no Brasil .
Analisaremos, com base na Lei 12.441/11, como a EIRELI trouxe segurança jurídica, ao permitir que seu instituidor não responda com seu patrimônio particular pelas obrigações da entidade.
2. NATUREZA JURÍDICA DA EIRELI
É notório o fato de que o homem não apenas evolui biologicamente, mas também cresce à medida que desenvolve ideias para atingir um bem estar cada vez maior. É na busca por este conforto que ele estuda mais, cuida mais da própria saúde, procura construir um ciclo familiar e social sólido.
No que diz respeito ao conforto financeiro e autonomia no ambiente de trabalho, existem aquelas pessoas que optam por serem empreendedoras e constituírem seu próprio negócio. Os avanços sociais têm permitido que isso ocorra, existindo hoje um número expressivo de pessoas que são empreendedoras e formam seu próprio empreendimento.
Segundo Gonçalves Neto , a busca da proteção do patrimônio particular do empreendedor individual, face a possíveis danos ocasionados a seu estabelecimento, fez com que surgisse no direito empresarial várias fórmulas de limitação da responsabilidade dos sócios na estrutura societária, como por exemplo, a sociedade por quota de responsabilidade limitada.
Para a constituição desta sociedade, o empreendedor deveria se unir a um ou mais sócios, todavia, não raras vezes, esta sociedade era administrada por um só dos membros, aquele que, de fato, era o idealizador do negócio, sendo que o outro, ou outros, estavam ali presentes apenas para atender a uma exigência legal de formação societária.
Assim, muito embora no quatro societário figurassem dois ou mais sócios, apenas um figurava ativamente no negócio, situação essa totalmente vedada pela lei e que poderia ensejar a extinção da sociedade, salvo algumas exceções, como por exemplo, a estabelecida no art. 1.033, inciso IV do Código Civil . Contudo, como existia o interesse social em preservar o empreendimento, passou-se a admitir a constituição de sociedade com um único sócio (sociedade unipessoal originária), o que revolucionou o próprio conceito de sociedade.
Partindo-se da análise do art. 980-A do Código Civil, o que se nota é que a empresa individual de responsabilidade limitada, assim como a sociedade unipessoal de responsabilidade limitada, possui o objetivo de conter os possíveis riscos financeiros que possa vir a sofrer a pessoa natural que constitua uma empresa individual.
Embora apresente objetivo semelhante, verifica-se que a EIRELI não foi criada pelo legislador como sendo uma sociedade unipessoal.
A Lei 12.441/11 cria uma nova figura jurídica, vez que regula esta entidade através de um título próprio no Código Civil (Título I-A, do Livro Do Direito da Empresa), além de enquadrá-la no art. 44, como uma nova espécie de pessoa jurídica de direito privado (art. 44, IV, CC).
2.1 CONCEITO E CARACTERÍSTICAS DA EIRELI
Conforme disposto no art. 980-A do Código Civil, a EIRELI é constituída por uma única pessoa , que é a titular de todo o capital social (que representa 100 vezes o valor do salário mínimo vigente), totalmente integralizado já na constituição da empresa.
Para Gonçalves Neto , a conjugação do dispositivo acima citado, juntamente com a análise dos artigos 44, IV e 1.033, parágrafo único do CC, e com os dispositivos da Lei 12.441/11, torna possível a verificação de que a EIRELI pode ser constituída tanto de forma originária (art. 980-A, CC) quanto de modo derivado (art. 980-A, § 3°, CC), assim dizendo :
Se o fundador da empresa individual de responsabilidade limitada já for empresário e quiser criar a nova figura, utilizará o conjunto de bens de sua propriedade, até então destinado ao seu negócio (à sua empresa individual) para compor, no todo ou em parte, o capital daquela. Trata-se, aí de constituição a modo originário, visto que não há aproveitamento de ente anterior, conquanto possa ser aplicada, por analogia, a regra do art. 968, § 3.º, do CC/2002 (LGL 2002400) , que determina seja feito pedido ao Registro Público de Empresas Mercantis, visando à substituição dos registros sem o cumprimento das formalidades estabelecidas para o cancelamento de sua inscrição de empresário e para a inscrição da nova empresa. Em se tratando de sociedade unipessoal, dá-se sua conversão em empresa individual de responsabilidade limitada segundo a previsão do art. 1.033, parágrafo único, do CC/2002 (LGL 2002400), mediante requerimento ao mesmo órgão para o fim de cancelar a inscrição da sociedade e abrir uma nova para a empresa nascente.
Independente de qual seja a forma de sua constituição, percebe-se que a empresa individual de responsabilidade é um novo ente jurídico personificado, pronto a exercer atividade empresária (atividade econômica, exercida de forma organizada, própria de empresário) ou simples (atividade intelectual ou técnica), sem, contudo, ser uma espécie de sociedade empresária ou empresário individual.
A EIRELI possui certas características que a torna entidade personificada distinta das demais. Contudo, antes que tais características sejam mencionadas, faz-se mister destacar a distinção existente entre empresa, empresário e empreendedor.
É que existe certa confusão na definição desses termos, sobretudo, pelo fato de que seus conceitos técnicos raramente são aplicados na linguagem cotidiana.
O conceito de empresa é poliédrico. No vocabulário diário, a pessoa jurídica empresária é chamada de “empresa” e os seus membros são chamados de “empresários”.
Em linguagem técnica, contudo, a empresa é a atividade explorada, e não a pessoa que a explora.
Ademais, empresário não é o membro/sócio (pessoa física), mas a própria pessoa jurídica. Enfatiza-se, assim, que a empresa é a atividade que é explorada; e, empresário é a pessoa jurídica que explora esta atividade. Aquele que integra a pessoa jurídica é denominado de empreendedor e, como ensina Ulhoa (2012), não está sujeito às normas que definem os direitos e deveres do empresário.
Para o empreendedor, os direitos e responsabilidades são outros, definidos por lei direcionada a quem ostente esta qualidade, e não aqueles direitos e obrigações reservados à pessoa jurídica. Nesse sentido, diz Ulhoa (2012, p. 124):
A empresa pode ser explorada por uma pessoa física ou pessoa jurídica. No primeiro caso, o exercente da atividade econômica se chama empresário individual; no segundo, sociedade empresária. Como é a pessoa jurídica que explora a atividade empresarial, não é correto chamar de “empresário” o sócio da sociedade empresário.
Feitas estas considerações, pode-se mencionar como características da EIRELI que, o empresário, ou seja, a pessoa jurídica age através de seu titular (empreendedor), sendo que este apenas exterioriza a vontade da pessoa jurídica.
Outra peculiaridade diz respeito ser a EIRELI uma nova pessoa jurídica que nasce no ordenamento jurídico pátrio, distinta das sociedades empresárias ou simples. Sua responsabilidade é limitada relativamente ao patrimônio destinado à atividade econômica.
Além disso, exige a integralização total de um capital social mínimo no valor de 100 vezes o salário mínimo vigente no país.
2.2. ANÁLISE DOS ENUNCIADOS INTERPRETATIVOS SOBRE A EIRELI PRODUZIDOS NA V JORNADA DE DIREITO CIVIL
As disposições legais e doutrinárias acerca desta pessoa jurídica ainda são singelas e superficiais, o que acarreta inúmeras dúvidas ao intérprete na busca de desvendar quais são seus efeitos, alcance, natureza jurídica, formação de patrimônio, entre outros.
Entre os dias 08 a 10 de novembro de 2011 foi realizada em Brasília a V Jornada de Direito Civil , onde muito se foi discutido sobre a empresa individual de responsabilidade limitada.
Relativos à EIRELI, foram aprovados seis enunciados, os quais serão reproduzidos a seguir.
Enunciados Aprovados :
a) 468 – Art. 980-A: A empresa individual de responsabilidade limitada só poderá ser constituída por pessoa natural.
b) 469 – Art. 44 e 980-A: A empresa individual de responsabilidade limitada (EIRELI) não é sociedade, mas novo ente jurídico personificado.
c) 470 – Art. 980-A: O patrimônio da empresa individual de responsabilidade limitada responderá pelas dívidas da pessoa jurídica, não se confundindo com o patrimônio da pessoa natural que a constitui, sem prejuízo da aplicação do instituto da desconsideração da personalidade jurídica.
d) 471 – Os atos constitutivos da EIRELI devem ser arquivados no registro competente, para fins de aquisição de personalidade jurídica. A falta de arquivamento ou de registro de alterações dos atos constitutivos configura irregularidade superveniente.
e) 472 – Art. 980-A: É inadequada a utilização da expressão “social” para as empresas individuais de responsabilidade limitada.
f) 473 – Art. 980-A, § 5°: A imagem, o nome ou a voz não podem ser utilizados para a integralização do capital da EIRELI.
Da análise do enunciado 470, verifica-se que o patrimônio da EIRELI possui tratamento distinto daquele deferido ao patrimônio de seu titular.
Explica Gonçalves Neto que isso decorre do fato dessa entidade possuir personalidade jurídica própria, assim, seu patrimônio fica sujeito a regras distintas do patrimônio de seu fundador, vez que este transferiu o patrimônio à pessoa jurídica e, em contrapartida, recebeu a titularidade dos direitos que seu capital representa.
Assim, o patrimônio social da EIRELI responde por suas dívidas e não se confunde com o patrimônio pessoal do seu titular, sem prejuízo da aplicação da desconsideração da personalidade jurídica.
Márcio Souza Guimarães , um dos juristas participou da V Jornada de Direito Civil, justifica este enunciado assim se manifestando:
O veto presidencial ao § 4° do art. 980-A do Código Civil pode engendrar duas interpretações, que merecem ser afastadas: 1) a diferenciação patrimonial entre o patrimônio da pessoa constituinte da EIRELI estaria mitigada; e 2) por essa razão, seria descabida a aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica.
Ainda, na mesma Jornada, também ficou definido que a empresa individual de responsabilidade limitada não é uma sociedade, bem como o termo “social” não deve ser utilizado para esta pessoa jurídica de direito privado (Enunciados 469 e 472).
Segundo o jurista Wilges Bruscato , que também contribuiu com enunciados, a técnica existente na sociedade unipessoal não foi utilizada para definir a limitação da responsabilidade do empresário individual e, consequentemente, a separação patrimonial entre este e a EIRELI.
Desta forma, entende que “qualquer menção à sociedade se representa atécnica, gerando discussões estéreis e complexidades desnecessárias”, concluindo, no tocante ao artigo 890–A, caput e parágrafos, que “todas as alusões à sociedade, como o adjetivo social, usados nos dispositivos em questão devem ser tidos como não escritos” .
Quanto à constituição da EIRELI por uma pessoa jurídica, grande é o debate. Conforme se verifica no enunciado 468 , a empresa individual de responsabilidade limitada só poderá ser constituída por pessoa natural.
Entende o jurista Márcio Souza Guimarães , que a EIRELI pode ser constituída tanto por pessoa natural ou por pessoa jurídica, sendo que esta pode figurar em mais de uma empresa desta modalidade. Justifica sua argumentação assim se manifestando:
O caput do art. 980-A fez alusão à possibilidade da constituição da EIRELI por uma única “pessoa”. Quando pretendeu restringir à pessoa natural, o fez no § 2°, aduzindo que a pessoa natural que constituir empresa individual de responsabilidade limitada somente poderá figurar em uma única empresa dessa modalidade”.
Em entendimento diametralmente oposto ao apresentado, Gonçalves Neto entende ser inconcebível a possibilidade de uma pessoa jurídica constituir uma EIRELI, e assim diz:
É bem verdade que o art. 980-A do CC/2002 ( LGL 2002400 ) menciona “pessoa” (excluindo o termo “natural” que figurava no projeto original).9-10 No entanto, seu § 2.º, ao proibir a criação de mais de uma empresa individual de responsabilidade limitada por pessoa natural, complementa-o, deixando claro que é exclusivamente a esta que se refere o caput. Efetivamente, se a norma pudesse ser interpretada no sentido de permitir a criação da empresa individual de responsabilidade limitada, não só por pessoa natural, mas também por pessoa jurídica, não haveria coerência lógica senão com ofensa ao princípio constitucional da isonomia, em restringir a criação de mais de uma dessas empresas apenas por aquela, ficando esta liberada para gerar tantas quantas quisesse. Mais que isso: a própria pessoa física contornaria facilmente a regra de só poder criar uma Eireli, fazendo com que aquela por ela criada constituísse outras de mesma natureza indefinidamente.
Conforme já destacado, o entendimento predominante na jurisprudência, seguindo os enunciados do DNRC (instrução normativa nº 117, item 1.2.11), é de que é vedado à pessoa jurídica constituir uma EIRELI, preservando-se, assim, o princípio da isonomia face às pessoas.
Quantos aos atos constitutivos da EIRELI, estes devem ser arquivados em registro competente , a fim de que a empresa individual de responsabilidade limitada adquira personalidade jurídica. É o que se extrai do Enunciado 471 .
O ato constitutivo da EIRELI materializa-se pela declaração firmada pelo seu titular, segundo o entendimento de Gonçalves Neto , sendo necessária toda a identificação deste, bem como os dados referentes à pessoa jurídica que será criada, como o nome do empreendimento, sempre seguido da expressão “EIRELI”, o endereço de sua sede, a descrição da atividade a ser explorada, o capital destinado ao empreendimento, a data de início de funcionamento, entre outros.
Finalizando os comentários acerca dos enunciados aprovados na V Jornada de Direito Civil relativos à EIRELI, tem-se o enunciado nº 473 que discorre sobre a possibilidade da utilização de nome, imagem, marca ou voz para a integralização da empresa individual de responsabilidade limitada.
Em que pese a aprovação deste enunciado, o art. 980-A, § 5º do CC é claro no tocante à possibilidade de ser utilizado na constituição da EIRELI a remuneração decorrente da cessão de direitos patrimoniais de autor ou de imagem, nome, marca ou voz de que seja detentor o titular da pessoa jurídica, vinculados à atividade profissional.
2.3. A EIRELI E SUA POSSÍVEL NATUREZA JURÍDICA
Para a obtenção de um conceito razoável e válido de qual possa ser a natureza jurídica da EIRELI, deve-se partir de premissas verdadeiras inerentes a ela.
A empresa individual de responsabilidade limitada é uma pessoa jurídica de direito privado, cuja personalidade jurídica surge com o registro de seu ato constitutivo (art. 45, CC).
A criação da EIRELI não parte de um acordo de vontade entre partes, mas sim de um ato unilateral de vontade de seu titular, assim, enquadra-se no gênero de negócios jurídicos unilaterais, devendo seguir as exigências disposta no art. 104 do Código Civil, (agente capaz, objeto lícito, possível, determinado ou determinável, forma prescrita ou não defesa em lei) .
Por ser constituída através de um ato unilateral de vontade, a empresa individual de responsabilidade limitada assemelha-se à fundação, que também é constituída desta forma. Tanto numa como noutra, este ato de vontade confere personalidade jurídica a um patrimônio, distanciando-se, assim, totalmente das sociedades e associações, que possuem como condições de constituição a união de pessoas.
Outra semelhança que possui com a fundação é quanto à criação de um novo ente jurídico, capaz de direitos e obrigações, com patrimônio próprio destinado a um fim determinado.
Embora possuam estas características em comum, EIRELI e fundação possuem peculiaridades bem distintas, vez que possuem fins econômicos diferentes.
Ademais, a fundação se desvincula totalmente de seu fundador, enquanto que a EIRELI é sempre vinculada a seu titular. A vontade da fundação é própria, enquanto que a vontade da EIRELI confunde-se com a vontade de seu criador.
Ainda, quanto à dissolução dessas pessoas jurídicas, também existem diferenças.
A morte do fundador da fundação em nada lhe afeta e seus bens migram para entidades de fins iguais ou semelhantes, salvo disposição diversa.
A dissolução da EIRELI pode ser determinada a qualquer tempo pelo titular de seu capital, retornando os bens ao seu patrimônio ou, por falecimento, indo os bens para os herdeiros do titular da EIRELI.
A EIRELI é o próprio agente econômico e única titular do patrimônio destinado ao exercício da atividade de empresa . O criador da EIRELI não é o empresário, já que é ela quem exerce a atividade econômica.
Com base em todas estas considerações, Gonçalves Neto conclui que a EIRELI é um novo ente personificado, sem estabelecer mais qualquer outro conceito a respeito, todavia, sempre apontando em suas considerações características inerentes às sociedades empresárias.
Já o jurista, e também participante da V Jornada de Direito Civil, André Melo Gomes Pereira , entende que a EIRELI é uma sociedade unipessoal incidental, justificando:
Observamos que o legislador pretendeu claramente criar uma nova modalidade de pessoa jurídica, inspirada e derivada do conceito de empresário individual, exposto no art. 966 do Código Civil. Contudo, menciona em várias passagens da Lei 12.441/2011, termos e expressões que induzem ao equivocado pensamento de que estamos diante da personificação da empresa, o que equivaleria à personificação de uma atividade, em razão do perfil funcional descrito na citado art. 966 do Código Civil. Em outras oportunidades, ainda, usa de institutos e palavras que induzem a noção de que estamos diante de uma sociedade unipessoal, quando na realidade seus próprios atos denotam sentido diverso, ao criar nova modalidade de pessoa jurídica no art. 44 do mesmo código. Não se vislumbra, de certo, a alteração do dogma da pluripessoalidade, apenas excepcionando nas hipóteses da companhia constituída sob a forma de subsidiária integral ou temporariamente na unipessoalidade incidental.
Na concepção de Alexandre Ferreira de Assumpção Alves , a EIRELI é um tipo de sociedade, sociedade unipessoal, e pode ser constituída para o exercício de atividade empresarial ou não.
Aduz que a intenção do legislador foi, na verdade, criar uma sociedade de tipo próprio, uma vez que no art. 980-A, caput, incisos e parágrafos, utiliza expressões inerentes às sociedades, como por exemplo, “capital social”, “denominação social” e “outra modalidade societária num único sócio”.
Graciano Pinheiro Siqueira , também entende que a EIRELI é uma sociedade unipessoal, contudo, afirma que se trata de uma sociedade unipessoal de responsabilidade limitada, justifica sua tese afirmando:
Cria-se, aparentemente, no direito pátrio, a tão sonhada “sociedade unipessoal de responsabilidade limitada”, que, além de limitar o risco daquele que, individualmente, exerce atividade econômica, garantindo-lhe maior segurança jurídica, fará com que deixem de existir “sócios fictícios”, verdadeiros “laranjas”, apenas para cumprir exigências legais, em que pesem posições divergentes no sentido de que a EIRELI é uma pessoa jurídica de direito privado sui generis ou um patrimônio de afetação dotado de personalidade jurídica. O certo é que essa nova modalidade de pessoa moral poderá fazer, no mínimo, muito bem, as vezes da sociedade unipessoal de responsabilidade limitada. A propósito, do próprio texto legal se conclui que a EIRELI seja uma nova espécie societária, pois manterá ela capital social, firma ou denominação social, patrimônio social, podendo resultar de outra modalidade societária. A EIRELI é, por assim dizer, uma derivação da sociedade limitada, tanto que as regras desta, no que couber, àquela se aplicam (§ 6° do art. 980-A), lembrando que o tipo LIMITADA pode ser usado tanto pela sociedade de natureza empresária como pela de natureza simples. Assim sendo, a EIRELI é pessoa jurídica unipessoal que pode ser adotada tanto pelo empresário como pelo não empresário. Ademais, a regra do art. 1033 é própria da sociedade simples, daí não poder se falar, no parágrafo único do mesmo, apenas, em RPEM (o correto seria “registro competente”). Verifique-se que o § 5° do art. 980-A do CC faz alusão aos prestadores de serviços de qualquer natureza que, no mais das vezes, exercem atividade econômica não empresária. (Grifos do autor).
O que há, até então, são debates e discussões, dos quais os operadores do Direito procuram se basear para, ao final, expressarem seus respectivos entendimentos.
Por cuidar de matéria relativamente nova, tal discussão ainda não chegou à seara dos Tribunais Superiores, não existindo qualquer jurisprudência a respeito do tema .
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante da expectativa de uso cada vez mais frequente desta modalidade de pessoa jurídica, imprescindível se torna a identificação de sua natureza jurídica, vez que, como visto, é a natureza jurídica que informará sua essência, sua origem e/ou significado, permitindo que lhe seja dado uma classificação dentro do Direito.
A partir desta identificação, será possível enquadrar a EIRELI no âmbito do direito tributário, falimentar, trabalhista, econômico, entre outros, bem como será possível que os operadores do direito, como por exemplo, magistrados, advogados, e até mesmo estudiosos do tema, apliquem as legislações pertinentes a ela. Mas não é só isso. O próprio empreendedor, muita vezes leigo nas questões jurídicas, terá a facilidade de entender, ao menos um pouco, o que é a EIRELI. Assim, poderá fazer uma comparação com as demais modalidades de pessoa jurídica de direito privado e optar por aquela que melhor atenda seus interesses.
Embora o legislador tenha incluído a EIRELI no rol das pessoas jurídicas de direito privado, deixou claro que ela não seria uma espécie de sociedade ou associação, vez que criou novo título para regulamentá-la (Título I-A). Todavia, da analise do texto da Lei 12.441, percebe-se que em várias oportunidades, o legislador emprega termos inerentes às sociedades, como por exemplo, “capital social”, “outra modalidade societária”, entre outros.
Estas informações somadas ao fato de que em nenhum momento foi estabelecida qual, de fato, é sua a natureza jurídica, fez surgir grandes dúvidas e discussões sobre a natureza jurídica da EIRELI.
Por conta desta polêmica, o que se tem hoje são os mais variados entendimentos e posicionamentos dos juristas, doutrinadores e estudiosos do tema.
Conforme demonstrado na pesquisa, há aqueles juristas que entendem que a EIRELI é simplesmente um novo ente personificado, já que a lei a destaca e distingue das demais modalidades de pessoas jurídicas.
Em entendimentos opostos, existem aqueles que sustentam que a EIRELI seria uma sociedade unipessoal ou uma sociedade unipessoal incidental, sob a justificativa de que o legislador inspirou-se no conceito de empresário individual estabelecido no art. 966 do Código Civil para criar uma sociedade de tipo próprio, vez que em vários momentos do texto do dispositivo legal utiliza expressões inerentes às sociedades, como por exemplo, “capital social”, “denominação social” e “outra modalidade societária num único sócio”. Assim, a EIRELI seria uma espécie de sociedade unipessoal e poderia ser constituída para o exercício de atividade empresarial ou não.
Há, ainda, o entendimento de que este instituto seria uma sociedade unipessoal, contudo, uma sociedade unipessoal de responsabilidade limitada, sob a justificativa de que ela limita o risco daquele que, individualmente, exerce atividade econômica, garantindo-lhe maior segurança jurídica.
Outra interpretação quanto à natureza jurídica da EIRELI, bem coerente com a realidade até então conhecida, é aquela que a classifica como uma entidade sui generis, isso porque embora, de fato, possua várias características inerentes às sociedades, se fosse intenção do legislador enquadrá-la como tal, teria a inserido dentro do Título referente às sociedade. De igual forma, se fosse sua intenção lhe dar a essência de qualquer outra pessoa jurídica de direito privado já conhecia, tê-la-ia posicionado dentro do respectivo título. Contudo, resta claro que esta não foi a intenção do legislador, vez que formou título novo para a EIRELI (Título I-A), mostrando-se, pois, como um novo instituto jurídico no ordenamento jurídico, diferente de tudo que existia até então, podendo ser compreendida como uma pessoa jurídica unipessoal que pode ser adotada tanto pelo empresário como pelo não empresário.
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Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CARVALHO, Eduardo Álvares de. A natureza jurídica da EIRELI Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 09 set 2016, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/47479/a-natureza-juridica-da-eireli. Acesso em: 23 dez 2024.
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