RESUMO: Este trabalho se propõe a tratar da teoria da relativização da coisa julgada inconstitucional, tendo como objetivo mostrar uma visão jurídica evolutiva sobre a teoria e apresentar em quais hipóteses a coisa julgada inconstitucional pode ser rescindida no novo código de processo civil. Vislumbra-se que o grande questionamento do tema proposto fundamenta-se no fato de que não somente os atos do Legislativo e do Executivo devem ser editados conforma a Carta Magna, mas, também, os atos do Poder Judiciário, sobretudo as decisão já transitadas em julgado. Para a elucidação do debate jurídico e uma melhor compreensão do tema, realizar-se-á, inicialmente, um estudo da coisa julgada. Ulteriormente, o estudo focaliza-se no conceito de coisa julgada inconstitucional, as posições doutrinárias sobre a sua relativização, o tratamento da teoria na vigência do antigo código de processo civil e a sua maior aceitação no atual CPC.
Palavras-chave: Coisa julgada inconstitucional. Relativização. Evolução da teoria. Novo CPC.
SUMÁRIO: 1 INTRODUÇÃO. 2 DA COISA JULGADA. 2.1 Coisa Julgada como proteção Constitucional. 2.2 O Princípio da Segurança Jurídica. 2.3 Conceito. 2.4 Natureza jurídica. 2.5 Classificação da Coisa Julgada. 2.6 Instrumento de revisão da coisa julgada. 2.7 Relativização da coisa julgada. 3 OS EFEITOS DA INCONSTITUCIONALIDADE NA COISA JULGADA. 3.1 Coisa julgada inconstitucional. 3.2 Posições contrárias à relativização da coisa julgada inconstitucional. 3.3 Posições favoráveis à relativização da coisa julgada inconstitucional. 3.4 A relativização da coisa julgada inconstitucional e o CPC de 1973. 3.5 A relativização da coisa julgada inconstitucional e o novo CPC. 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS. REFERÊNCIAS.
Nos últimos anos, um dos temas mais discutidos perante a sociedade jurídica foi a influência das decisões do Supremo Tribunal Federal em controle abstrato e difuso de constitucionalidade sobre sentenças que tenham transitado em julgado.
É neste contexto que o presente trabalho que se segue intitulado “A relativização da coisa julgada inconstitucional e o novo código de processo civil” abordará o instituto da res iudicata, de modo que se veja a evolução do tema no ordenamento jurídico brasileiro com a entrada em vigor do NCPC.
O objetivo do tema proposto é apresentar uma visão jurídica evolutiva sobre a teoria da relativização da coisa julgada inconstitucional, mostrando como esta teoria era tratada na vigência do CPC de 1973 e a sua maior aceitação no atual regime.
Tentando angariar embasamento necessário para a elucidação da controvérsia, será adotado o método de estudo histórico-comparativo e exegético jurídico, realizando consultas a doutrinas, jurisprudências e sites jurídicos, sempre no sentido de tentar dirimir a crescente discussão sobre o tema proposto.
Cabe esclarecer que a controvérsia doutrinária baseia-se no fato de que o sistema legal brasileiro proclama o princípio da Supremacia da Constituição como norteador do Estado Democrático de Direito, subordinando e vinculando todas as leis ou atos normativos à Constituição Federal de 1988. A partir disso, vislumbra-se que não somente os atos do Legislativo devem ser editados conforme a Carta Magna, mas, também, os atos do Poder Executivo e do Poder Judiciário, sobretudo as decisões já transitados em julgado.
É neste ponto, quanto à obrigatoriedade de conformidade das decisões do Judiciário à Carta Magna, que surgem questionamentos em torno da relativização da coisa julgada inconstitucional, ou melhor, da possibilidade de relativização da coisa julgada material quando a decisão proclamada pelo juiz for contrária às normas constitucionais.
Ademais, para uma melhor compreensão do tema, o presente trabalho foi estruturado em dois capítulos. No primeiro capítulo estudar-se-á a coisa julgada, partindo-se do seu conceito, fundamento, regime jurídico, natureza, classificação, suas formas de revisão, a sua ligação com o Princípio da Segurança Jurídica e, por fim, verificar-se-á a tese da relativização da coisa julgada. Percebe-se que será feito um estudo pormenorizado da res iudicata levando-se em consideração a sua importância na preservação da certeza jurídica.
No capítulo segundo, analisar-se-á o foco do presente trabalho, ou seja, serão trabalhados o conceito de coisa julgada inconstitucional, as posições contrárias e a favor da relativização da coisa julgada em desconformidade com a Constituição, o tratamento da teoria na vigência do antigo código de processo civil e a sua maior aceitação no atual CPC.
Diante disso, cabe dizer que o presente trabalho não tem a intenção de esgotar o tema, mas, sim, ao contrário, pretende-se contribuir para o estudo da coisa julgada inconstitucional, adotando os posicionamentos doutrinários mais recentes, buscando instigar o estudo sobre ele.
Em face do exposto, o estudo será estruturado com uma coordenada sistematização e pragmatismo na exposição de ideias e contribuirá de forma concreta para a área de conhecimento em que se situa.
O Estado tem como fim último, na prestação jurisdicional, a resolução de conflitos de interesses que seus membros levem ao seu conhecimento. A parte leva seu pedido ao Judiciário, o qual decide se é procedente ou não, colocando fim à situação litigiosa. Tal decisão deve ser respeitada por todos e visa dar garantia e segurança para as relações entre os membros da coletividade.
Todavia, como o ordenamento jurídico brasileiro adota o sistema do duplo grau de jurisdição, é possível que essa decisão seja reexaminada e modificada por um órgão superior. A parte inconformada pode requerer este exame por meio de recurso, que é um remédio voluntário, que visa à reforma, à invalidação, ao esclarecimento ou à integração de decisão judicial. Até aqui, pode-se falar que a decisão ainda poderá ser alterada, levando em consideração que ainda não foi dada uma decisão definitiva ao caso.
Após chegar ao término do processo e com fim de alcançar uma solução imutável sobre a lide, conferindo força e segurança à decisão, surge o instituto da coisa julgada, que nada mais é do que a solução definitiva dada ao litígio, tornando-o material e formalmente imodificável.
O insigne doutrinador Wambier (2006, p. 501) destaca que “se algo pode dizer a respeito da coisa julgada é que se trata de instituto ligado ao fim do processo e à imutabilidade daquilo que tenha sido decidido”.
Assim, a coisa julgada é um instituto que visa dar firmeza a tutela jurisdicional, tendo como objetivo, após serem esgotados ou não utilizados os recursos previstos em lei, dar-se como encerrado o debate, colocando a decisão como perpétua para garantir estabilidade e segurança ao ordenamento jurídico.
A res iudicata é a autoridade que cria para o juiz um impedimento de proferir nova decisão sobre matéria em que tenha se verificado a resolução da lide. Está prevista no art. 5º, inciso XXXVI, da Carta Magna, que dispõe que a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada.
Em essência, o que aí se veda é a retroatividade da lei, isto é, lei posterior que passe a reger fatos passados. Entretanto, a proteção constitucional da coisa julgada não impede que a lei preordene regras para a sua rescisão mediante atividade jurisdicional.
Nesse sentido, Silva (2003, p.435) ao dispor sobre este princípio preleciona que:
A Constituição ao dizer que a lei não prejudicará a coisa julgada, quer-se tutelar esta contra a atuação direta do legislador, contra ataque direto de lei. A lei não pode desfazer (rescindir ou anular ou tornar ineficaz) a coisa julgada. Mas pode prever licitamente, como fez o art. 485 do Código de Processo Civil, sua rescindibilidade por meio da ação rescisória.
A ação rescisória, como ação autônoma de impugnação da decisão de mérito transitada em julgado, não ofende a Constituição, pois não há retroatividade quando se rescinde sentença, proferindo-se novo julgamento, com base na mesma legislação existente ao tempo da sentença rescindida.
Ademais, apesar do status constitucional que a coisa julgada possui, cabe ao legislador infraconstitucional traçar o seu perfil dogmático, onde se pode dá como exemplo a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, art. 6°, §3°, na qual define que a coisa julgada ou caso julgado é a decisão judicial de que já não caiba recurso.
O Princípio da Segurança Jurídica não é expresso na Constituição Federal de 1988, este é decorrência lógica do Estado de direito, pois só poderá haver Direito onde houver Segurança Jurídica, que é complementado pelo princípio da legalidade, pela garantia à coisa julgada, ao direito adquirido e ao ato jurídico perfeito, isto é, pelo princípio da irretroatividade da lei.
A segurança jurídica é a essência do direito, haja vista que se uma norma cria Direito ou se uma sentença declara direitos, devem ambos ser protegidos e seguros de qualquer ataque, como forma de evitar surpresas nas relações entre particulares e entre eles e o Poder Público. Este princípio faz parte do corpo de toda sociedade democrática, tendo em consideração que é primordial para a estabilidade da convivência social.
Aqui, destaque-se Canotilho (1991, p. 105):
O homem necessita de segurança para conduzir, planificar e conformar autônoma e responsavelmente a sua vida. Por isso, desde cedo se consideram os princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança com elementos constitutivos do Estado de direito.
Sobre o princípio da segurança jurídica, ainda, elucida SILVA (2003, p. 431):
A segurança jurídica consiste no ‘conjunto de condições que tornam possível ás pessoas o conhecimento antecipado e reflexivo das conseqüências diretas de seus atos e de seus fatos à luz da liberdade reconhecida’. Uma importante condição da segurança jurídica está na relativa certeza de que os indivíduos têm de que as relações realizadas sob o império de uma norma de perdurar ainda quando tal norma seja substituída.
Diante disso, percebe-se que a importância do princípio da Segurança Jurídica está na confiança que a sociedade deposita no Direito, de que naquele determinado momento as regras são aquelas e nada poderá modificá-las, tendo em vista todo um conjunto de ações que sob ela se fundaram. Se assim não fosse, o estado de insegurança reduziria absurdamente a formação de uma idéia acerca da liberdade, já que poderia haver mudanças repentinas e inesperadas nas normas que regulavam um fato.
No sistema do ordenamento jurídico brasileiro o juiz ao proferir a sentença configurará a esta apenas uma resolução de uma situação jurídica, na medida em que as partes podem ainda adentrar com recurso, seja para reformar parcialmente ou totalmente a decisão. Apenas no momento em que a sentença não está mais suscetível de recurso ou quando já estiver decido todos os atos impugnados no mesmo, é que teremos o trânsito em julgado da sentença e consequentemente a coisa julgada, passando a ser conhecida pela ordem jurídica como a emanação da vontade da Lei.
Machado (2005, p. 50), referindo-se a coisa julgada e especificamente ao trânsito em julgado, estabelece que:
Diz-se, então, que a sentença terá força de lei entre as partes, ‘nos limites da lide e das questões decididas’ (Código de Processo Civil, artigo 468), sendo que, contra seu conteúdo lógico-jurídico não poderão reagir nem os tribunais, proibidos estarão de decidir novamente a mesma lide (CPC, artigo 471), nem os legisladores, impedidos estão de legislar, retroativamente, em prejuízo da res iudicata (Constituição, artigo 5º, inciso XXXVI).
Cabe frisar que o Código de Processo Civil de 2015, no art. 337, §§ 1° e 4°, trouxe a positivação do instituto, definindo que a coisa julgada ocorre quando se repete ação que já foi decidida por decisão transitada em julgado.
Diante disso, percebe-se que a coisa julgada ocorre quando a sentença já não é mais suscetível de reformulação, tendo em vista que a lei não concede mais recurso, e cuja finalidade é concretizar estabilidade e segurança as relações jurídicas, fazendo com que não haja uma perpetuação dos litígios, tendo em vista a paz social e a manutenção da ordem jurídica.
Na doutrina brasileira, a coisa julgada possui duas acepções acerca da natureza jurídica. A primeira posição considera que a coisa julgada tem natureza processual, tendo em vista que se dá no plano do processo. Entre os processualistas que defendem esta tese, cita-se: Daniel Carneiro Machado, Celso Neves e Frederico Marques.
Diferentemente da primeira, a segunda posição defende a ideia que a coisa julgada é o direito material estabelecido pelos efeitos da sentença de mérito. Esta teoria é a substancialista, onde os mestres que a proclamam são os elencados a seguir: Rosemiro Pereira Leal, Fabiano Holz Beserra, entre outros.
Vale dizer que grande parte da doutrina e o Código de Processo Civil pátrio seguem a primeira posição, na medida em que a coisa julgada é uma qualidade dos efeitos da sentença, seguindo claramente a teoria de Liebman (1981).
O Código Processual Civil no decorrer da sua sistematização divide a coisa julgada em formal e material, levando-se em consideração os seus efeitos para além do processo. A coisa julgada formal ocorre quando não se pode discutir no processo o que já se decidiu, além do mais, deve-se dizer que a sentença prolatada pelo juiz apenas irradia seus efeitos dentro da relação processual em que foi proferida, decorrendo isto na imutabilidade pela impossibilidade de interposição de recursos.
Ademais, a coisa julgada formal não impede que o objeto do julgamento volte a ser discutido em outra demanda, haja vista que atua apenas dentro da relação processual (relação endoprocessual) em que a decisão terminativa foi proclamada.
Já em relação à coisa julgada material, esta ocorrerá quando o juiz ao proferir uma sentença, acolhendo parcialmente ou totalmente o pedido, estiver solucionando a pendência em determinado processo. Sendo assim, a partir do momento que a sentença não mais se sujeita a recurso ordinário ou extraordinário para impugnar o fato resolvido, passa-se a ter autoridade de coisa julgada, não podendo as partes bater as portas do judiciário para resolver novamente o litígio, haja vista que a decisão emanada já se tornou imutável e com força de Lei para ambos os litigantes.
A coisa julgada material tem efeito endo/extraprocessual, a contento que a imutabilidade dada no processo tem reflexos, também, para fora do mesmo, impedindo com isso, a renovação da lide em outros processos.
A res iudicata nesse caso só diz respeito ao julgamento da lide, ou seja, quando o juiz emana uma decisão de mérito solucionando o conflito de interesses estabelecidos entre as partes. Assim sendo, apenas as sentenças definitivas produzem a eficácia material da coisa julgada, deixando as sentenças terminativas com o efeito endoprocessual da coisa julgada formal.
Cabe elucidar a explicação dada por Marinoni (2012, p.639) sobre como se manifesta a coisa julgada:
Como fixação da lei do caso concreto que é, a coisa julgada somente se manifesta em relação às sentenças definitivas, ou seja, em relação às sentenças que efetivamente examinam o pedido do autor, acolhendo-o ou rejeitando-o (art. 269, I e IV, do CPC). Somente essa sentença certifica e estabelece a vontade concreta do direito em face do caso concreto. Não se produz, portanto, coisa julgada material sobre as sentenças meramente terminativas, nem sobre as sentenças homologatórias (art. 269, II, III e V).
Diante disso, percebe-se que a coisa julgada material é a verdadeira res iudicata, tendo em vista que esta realmente importa e constitui verdadeiramente o âmbito de relevância da coisa julgada.
O Código de Processo Civil permite que a coisa julgada material seja desconstituída e tenha uma nova reapreciação do seu mérito por meio da ação rescisória, que nada mais é do que uma ação de competência originária dos Tribunais por meio da qual se pede a rescisão da sentença de mérito transitada em julgado.
O fundamento essencial da citada ação é a necessidade de reparar injustiças contidas em decisões transitadas em julgado e prover a reestabilização das relações jurídicas. Para ser proposta deve estar presente uma das hipóteses de cabimento do art. 966 ou dos arts. 525, §15, e 535, § 8º, todos do NCPC, respeitando-se o prazo decadencial de 02 (dois) anos, cujo termo inicial, como regra, é a data do trânsito em julgado da última decisão proferida no processo (art.975, caput).
Cabe frisar, ainda, as hipóteses previstas nos arts. 525, § 1º, I, e 535, I, que são meios de rescisão da sentença de mérito transitada em julgado em que se funda a execução, independentemente de ação rescisória. Essa impugnação deve ser emanada por vícios transrescisórios, que existem quando a decisão for proferida em desfavor do réu em processo que, na fase de conhecimento, correu à sua revelia por falta ou nulidade da citação. Esta ação é diferente da rescisória por referir-se a hipóteses de cabimento mais restritas e por ser imprescritível.
De grande relevância para o presente trabalho, deve-se citar a revisão da coisa julgada baseada em sentença inconstitucional, por previsão dos artigos 525, § 12º, e 535, § 5º, do novo CPC, que proclamam a inexigibilidade de título judicial fundado em lei ou ato normativo declarados inconstitucionais pelo STF, ou fundado em aplicação ou interpretação da lei ou ato normativo tidos pelo Supremo como incompatíveis com a nossa Carta Magna.
Em busca pela primazia da justiça, na vigência do CPC/73, alguns renomados juristas defendiam uma nova disciplina no tratamento da coisa julgada, no sentido de propor limites à imutabilidade dos efeitos do julgado. Os mesmos defendiam a rediscussão do que foi afirmado pela sentença transitada em julgado, argumentando que a indiscutibilidade da res iudicata não podia prevalecer sobre a realidade, e por isso devia ser possível rever a conclusão formada.
A tese era a da relativização da coisa julgada, fora das hipóteses previstas pelo CPC/73, que seria uma forma de rediscussão de uma ação que outrora foi solucionada.
No entanto, apesar de ser um tema bastante estudado pelos juristas, não existia um ponto pacífico, ocorrendo várias divergências acerca do tema, até mesmo nas decisões dos Tribunais, tendo em vista que a tese da relativização possui dois pontos antagônicos: os princípios da Segurança Jurídica e da Justiça Social.
3 OS EFEITOS DA INCONSTITUCIONALIDADE NA COISA JULGADA
O ordenamento jurídico brasileiro atribui aos cidadãos direitos e deveres, sendo estes organizados através de normas de direito impostas pelo Estado. Observa-se que poderá ocorrer violação de uma norma legal, ocasionando conflitos de interesses privados entre os cidadãos, sendo chamada esta desavença de lide ou litígio.
Nesse sentido, estabeleceu-se a Jurisdição, como o poder que toca ao Estado de solucionar ou dirimir conflitos de interesses com vista à pacificação da sociedade, escopo que é alcançado pela atuação da vontade do direito material que o juiz realiza por meio do processo.
O Juiz analisará a relação processual e formulará o seu posicionamento, através da sentença, resolvendo assim a discórdia entre as partes. Vale ressaltar que o juiz ao prolatar a decisão deverá fundamentá-la, interligando o fato ao direito normatizado.
Ademais, a fim de não tornar o litígio sem fim, instituiu-se a coisa julgada, cujo objetivo é tornar imutável a decisão que dirimiu o conflito, depois de esgotados ou não utilizados os recursos previstos em lei. Vê-se, pois, que a coisa julgada veio para garantir estabilidade e segurança ao ordenamento jurídico brasileiro, na medida em que afastará surpresas entre as partes litigantes.
É interessante observar que a lei em que o juiz baseou a decisão deve está em consonância com a Constituição Federal, respeitando os princípios e as garantias fundamentais que nela estão consubstanciados. Cabe lembrar que a lei contrária às normas constitucionais deverá ser expurgada do ordenamento jurídico através do controle de constitucionalidade.
Nesse teor, faz-se necessário esclarecer que a lei terá presunção de constitucionalidade até que venha a ser declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal. Com base nisso, o juiz poderá julgar a lide baseada em lei considerada supostamente constitucional.
Verifica-se que esta decisão, passado o trânsito em julgado, formará coisa julgada e, consequentemente, não poderá mais ser mudada. Surge a partir disso uma problemática jurídica, uma vez que poderá a coisa julgada ser emanada de uma sentença cuja fundamentação foi baseada em lei que foi posteriormente declarada inconstitucional.
Analisando tal fato, percebe-se que se estará diante, conforme os doutrinadores chamam, da coisa julgada inconstitucional, que nada mais é do que a decisão intangível motivada em lei ou ato normativo inconstitucional. A controvérsia é enorme, tendo em vista que é necessário saber se a coisa julgada será atingida ou não pela declaração de inconstitucionalidade de uma lei ou ato normativo.
Theodoro Júnior (2001, p. 3) ao tratar desta problemática, propõe a seguinte reflexão:
O problema para cuja reflexão se deseja fazer convite é o de já não mais ser a decisão judicial inconstitucional passível de impugnação recursal. Nesta hipótese, existiria um mecanismo de controle de constitucionalidade da coisa julgada ou esta é isenta de fiscalização? Ou reformulando o questionamento: verificando-se que uma decisão judicial sob o manto da res iudicata avilta a constituição, seja porque dirimiu o litígio aplicando lei posteriormente declarada inconstitucional, seja porque deixou de aplicar determinada norma constitucional por entendê-la inconstitucional ou, ainda, porque deliberou contrariamente a regra ou princípio diretamente contemplado na Carta Magna, poderá ser ela objeto de controle? Cuida-se na lição de PAULO OTERO, ‘de um problema central do actual momento do Estado de Direito’.
A teoria da relativização da coisa julgada inconstitucional surgiu defendendo profundas mudanças na res iudicata, para que esta não fosse considerada um direito absoluto, podendo a decisão ser revista, em virtude de ser contrária ao vértice do sistema jurídico do país, a Constituição Federal.
No entanto, nunca existiu um ponto pacífico quanto à relativização deste instituto, mas sim divergências doutrinárias e jurisprudenciais que têm como foco o antagonismo dos princípios da Segurança Jurídica e da Supremacia da Constituição. Tendo em relevo esta problemática e sua peculiaridade, antes de analisar as mudanças ocorridas sobre o tema com a entrada em vigor do novo CPC, faz-se necessário conceituar a coisa julgada inconstitucional e expor as posições contrárias e a favor da sua relativização.
Entende-se por coisa julgada inconstitucional como sendo a decisão judicial transitada em julgado que for contrária à aplicação de preceito, princípio ou norma constitucional, assim declarada pelo órgão supremo do Judiciário.
Esta denominação intitulada pela doutrina trouxe a preocupação de garantir a Supremacia da Constituição frente a casos julgados desconforme com as normas constitucionais. O enfoque desta visão doutrinária está na necessidade de proteger a Constituição, condicionando a validade de uma lei, ato normativo, ou decisão judicial, à adequação constitucional, tendo em vista que esta Carta Soberana é uma emanação de cunho jurídico que expressa a vontade soberana da nação.
Vale lembrar que o Estado Democrático de Direito trouxe a preocupação de garantir a Supremacia da Constituição, como o único meio de assegurar aos cidadãos a certeza da tutela da segurança e da justiça como valores máximos da organização da sociedade. Assim, a hierarquia normativa da Constituição, com a afirmação do princípio de constitucionalidade, veio assegurar que o ato do poder público e o ordenamento jurídico estejam conforme a lei fundamental do Estado.
Observa-se que o controle de constitucionalidade é o meio idôneo para expurgar a norma inconstitucional do mundo jurídico, porém terá que ser feito através de ação direta, na qual poderá seu julgamento demorar anos. Nesse lapso temporal, poderá o juiz no caso concreto julgar a lide conforme a lei viciada, o que acarretará um dissídio, na medida em que posteriormente essa decisão realizará o trânsito em julgado e consequentemente a coisa julgada, ocasionando a imutabilidade da decisão que o juiz prolatou, fazendo lei para ambas as partes da relação processual.
O problema se torna maior ainda quando a sentença não é impugnada através da Ação Rescisória, caso em que a decisão se torna soberanamente julgada, não podendo mais ser reformulada de forma alguma.
No entanto, os defensores da coisa julgada inconstitucional pretendem evitar a perpetuidade de ilegalidades e incongruências em nome do mito da intangibilidade absoluta da coisa julgada, devendo as decisões contrárias aos preceitos constitucionais serem anuladas, uma vez que não estão de acordo com o vértice do sistema jurídico do país. Assim, a execução da sentença se tornaria inviável juridicamente, não podendo ser cumprida pelos seus destinatários, sob pena de ruptura da própria ordem constitucional e do Estado Democrático de Direito.
Segundo Theodoro Júnior (2001), a excessiva proteção da coisa julgada acarreta uma hipervalorização do papel do juiz que o torna supremo em relação aos demais poderes do Estado. Afirma o referido autor que a preocupação teria que ser com a constitucionalidade e legalidade das decisões, não podendo mais, no momento atual, serem deixadas à margem de um controle efetivo, em virtude de que os atos do Poder Judiciário, em especial suas decisões, são também passíveis de serem desconformes à Constituição.
Para Otero (apud THEODORO JÚNIOR, 2001, p. 5):
Admitir, resignados, a insidicabilidade de decisões judiciais inconstitucionais seria conferir aos tribunais um poder absoluto e exclusivo de definir o sentido normativo da Constituição: Constituição não seria o texto formalmente qualificado como tal; Constituição seria o direito aplicado nos tribunais, segundo resultasse da decisão definitiva e irrecorrível do juiz.
Nesse sentido, aceitar como válida a noção de Constituição ali esposada significa, ainda segundo Otero (apud THEODORO JÚNIOR, 2001, p. 5) que: “todos os poderes públicos constituídos são iguais, porém, o poder judicial é mais igual do que os outros”.
Diante disso, percebe-se que a coisa julgada inconstitucional é uma ideia que surgiu com o fim de garantir o respeito à Constituição, controlando os atos de todos os poderes, inclusive do Judiciário, uma vez que as normas que norteiam a Carta Magna devem ser obedecidas, na medida em que é uma garantia do cidadão que as criou.
Como já enfatizado, a tese da relativização da coisa julgada, afora os casos expressamente previstos em lei, sempre foi um tema polêmico, não encontrando posição uníssona, nem na doutrina, nem na jurisprudência. Na vigência do CPC/73, indagava-se se era possível e conveniente, diante de certas circunstâncias, dispensar a ação rescisória para abrir oportunidade para a revisão de sentenças transitadas em julgado, principalmente quando esta decisão violar dispositivo constitucional.
Para os críticos do movimento da relativização da coisa julgada, a ponderação que tem que se fazer é basicamente em face do risco que essa vulnerabilidade pode acarretar à segurança jurídica e à estabilidade das relações jurídicas, que formam o escopo sociológico do instituto da coisa julgada. Defendem que a tese da relativização da coisa julgada prega, na verdade, a própria abolição da coisa julgada.
Criticavam, ainda, informando que já existiam no ordenamento jurídico brasileiro vários meios de revisão da decisão injusta ou inconstitucional transitada em julgado, não necessitando, assim, de uma mitigação ainda maior da coisa julgada.
Parte da doutrina considera que o controle concentrado não surte efeitos em relação à coisa julgada, ou seja, a res iudicata fica protegida da declaração de inconstitucionalidade da lei, tendo em vista que a imutabilidade da sentença é um direito do cidadão de ver-se protegido de incertezas jurídicas.
Para Marinoni (2012, p. 677):
A tentativa de eliminar a coisa julgada diante de uma nova interpretação constitucional não só retira o mínimo que o cidadão pode esperar do Poder Judiciário – que é a estabilização da sua vida após o encerramento do processo que definiu o litígio – como também parece ser uma tese fundada na ideia de impor um controle sobre as situações pretéritas.
Acredita-se, ainda, que a tese da relativização não fornece qualquer resposta para o problema da correção da decisão que substituiria a decisão qualificada pela coisa julgada. Argumentam os incrédulos da teoria da relativização que admitir que o Estado-Juiz errou no julgamento que se cristalizou implica em aceitar que o Estado-Juiz pode errar novamente, que a ideia de relativizar a coisa julgada não traz qualquer benefício ou situação de justiça neste caso.
Percebe-se, assim, que o tema sempre foi extremamente divergente, pois respeitadas vozes do Direito Processual Civil brasileiro não aceitam a possibilidade da desconstituição da coisa julgada inconstitucional, optando estes pela intangibilidade das sentenças transitadas em julgado e pela segurança jurídica. Dentre eles destacam-se: Barbosa Moreira, Gisele Góes, Nelson Nery Jr., Ovídio Baptista, Fredie Didier Jr., Greco e Marinoni, como já exposto.
Para evidenciar a posição destes doutrinadores, deve-se colocar o entendimento de Didier Jr. (2007. p.506) considerando que:
A relativização com base na inconstitucionalidade é problemática, pois a qualquer momento que a lei em que se fundou a decisão fosse reputada inconstitucional a decisão poderia ser descontituída. Com isso, malferir-se-ia frontalmente a garantia da segurança jurídica.
Desta feita, observa-se que os doutrinadores contrários à relativização sustentam a inadmissibilidade da revisão da coisa julgada, por ser esta uma garantia fundamental que deve prevalecer sobre a unidade constitucional assegurada pelo controle de constitucionalidade.
Um dos precursores da tese da relativização da coisa julgada foi o então Ministro do Supremo Tribunal de Justiça, José Augusto Delgado, que revestiu seu posicionamento da seguinte forma (apud THEODORO JÚNIOR, 2001, p.17):
Não posso conceber o reconhecimento de força absoluta da coisa julgada quando ela atenta contra a moralidade, contra a legalidade, contra os princípios maiores da Constituição Federal e contra a realidade imposta pela natureza. Não posso aceitar, em sã consciência, que, em nome da segurança jurídica, a sentença viole a Constituição Federal, seja veículo de injustiça, desmorone ilegalmente patrimônios, obrigue o Estado a pagar indenizações indevidas, finalmente desconheça que o branco é branco e que a vida não pode ser considerada morte, nem vice-versa.
Cândido Rangel Dinamarco (apud ROCHA, 2012) afirma que não é legítimo eternizar injustiças a pretexto de evitar a eternização da incerteza, enfatizando que o rigor com que vem sendo encarado o instituto da coisa julgada chega ao ponto de transformar a realidade.
O que se defende é que a coisa julgada deve existir sem afrontar os princípios da razoabilidade e proporcionalidade, não podendo prevalecer sentenças absurdas por terem transitado em julgado. Assim, os doutrinadores e estudiosos do direito passaram a expor a tese de que não seria cabível admitir que uma decisão judicial manifestamente contrária a todos os fins de justiça esperados do Poder Judiciário pudesse produzir validamente efeitos e não ser desconstituída, ainda que já transcorrido o prazo legal para a sua rescisão, mormente quando violasse princípios e regras diretamente encartadas na Constituição Federal.
A possibilidade da relativização da coisa julgada está fundamentada nos princípios da moralidade, legalidade, razoabilidade e proporcionalidade, inerentes estes na Lei Maior, e cuja lição foi difundida por grande parte da doutrina processualista brasileira.
A doutrina, ainda, parte da lógica da instrumentalidade do processo, advertindo que o processo é um meio para concretização de um direito material e não um fim em si mesmo. E mesmo sendo a coisa julgada uma garantia coberta pelo manto da cláusula pétrea não é um valor absoluto e deve ter uma convivência harmoniosa com outras garantias e princípios igualmente previstos na ordem constitucional, sobretudo quando se tratar de direitos fundamentais e do valor constitucional supremo atribuído à dignidade da pessoa humana.
Dinamarco (apud ROCHA, 2012) é contra a rigidez do procedimento, pois, conforme o autor, o processo não é um fim em si mesmo, devendo, pois, existir a flexibilização de vários institutos processuais, não só da coisa julgada, mas também do procedimento como um todo, para que não sejam feitas injustiças em nome de um injustificável culto à forma. Para referido autor, ainda, a segurança jurídica, argumento utilizado pelos opositores da teoria relativizadora, só poderia ser decisiva para a não relativização da coisa julgada se fosse um valor superior à vida e à felicidade das pessoas.
Alguns tribunais já aderiram à tese da relativização da coisa julgada, tendo o STJ assim decidido:
PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. DÚVIDAS SOBRE A TITULARIDADE DE BEM IMÓVEL INDENIZADO EM AÇÃO DE DESAPROPRIAÇÃO INDIRETA COM SENTENÇA TRANSITADA EM JULGADO. PRINCÍPIO DA JUSTA INDENIZAÇÃO. RELATIVIZAÇÃO DA COISA JULGADA. 1. Hipótese em que foi determinada a suspensão do levantamento da última parcela do precatório (art. 33 do ADCT), para a realização de uma nova perícia na execução de sentença proferida em ação de desapropriação indireta já transitada em julgado, com vistas à apuração de divergências quanto à localização da área indiretamente expropriada, à possível existência de nove superposições de áreas de terceiros naquela, algumas delas objeto de outras ações de desapropriação, e à existência de terras devolutas dentro da área em questão. 2. Segundo a teoria da relativização da coisa julgada, haverá situações em que a própria sentença, por conter vícios insanáveis, será considerada inexistente juridicamente. Se a sentença sequer existe no mundo jurídico, não poderá ser reconhecida como tal, e, por esse motivo, nunca transitará em julgado. 3. "A coisa julgada, enquanto fenômeno decorrente de princípio ligado ao Estado Democrático de Direito, convive com outros princípios fundamentais igualmente pertinentes. Ademais, como todos os atos oriundos do Estado, também a coisa julgada se formará se presentes pressupostos legalmente estabelecidos. Ausentes estes, de duas, uma: (a) ou a decisão não ficará acobertada pela coisa julgada, ou (b) embora suscetível de ser atingida pela coisa julgada, a decisão poderá, ainda assim, ser revista pelo próprio Estado, desde que presentes motivos preestabelecidos na norma jurídica, adequadamente interpretada. " (WAMBIER, Tereza Arruda Alvim e MEDINA, José Miguel Garcia. 'O Dogma da Coisa Julgada: Hipóteses de Relativização', São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003, pág. 25) (...) 5. Verifica-se, portanto, que a desconstituição da coisa julgada pode ser perseguida até mesmo por intermédio de alegações incidentes ao próprio processo executivo, tal como ocorreu na hipótese dos autos. 6. Não se está afirmando aqui que não tenha havido coisa julgada em relação à titularidade do imóvel e ao valor da indenização fixada no processo de conhecimento, mas que determinadas decisões judiciais, por conter vícios insanáveis, nunca transitam em julgado. Caberá à perícia técnica, cuja realização foi determinada pelas instâncias ordinárias, demonstrar se tais vícios estão ou não presentes no caso dos autos. 7. Recurso especial desprovido. REsp 622.405/SP, Rel. Min. Denise Arruda, DJU de 14.08.2007.
Em outro julgado, o Superior Tribunal de Justiça admitiu a relativização da coisa julgada nos seguintes termos:
PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. IMPOSSIBILIDADE DE ANÁLISE DAS QUESTÕES RELATIVAS À TITULARIDADE DO IMÓVEL. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA 211/STJ. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC. NÃO-OCORRÊNCIA. TITULARIDADE DE BEM IMÓVEL INDENIZADO EM AÇÃO DE DESAPROPRIAÇÃO INDIRETA COM SENTENÇA TRANSITADA EM JULGADO. RELATIVIZAÇÃO DA COISA JULGADA. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE ATO JURÍDICO CUMULADA COM REPETIÇÃO DE INDÉBITO. QUERELA NULLITATIS. CONDIÇÕES DA AÇÃO. INTERESSE DE AGIR. ADEQUAÇÃO.
[...]4. Ação declaratória de nulidade de ato jurídico cumulada com repetição de indébito, em que a Fazenda do Estado de São Paulo, invocando o instituto da querela nullitatis, requer seja declarada a nulidade de decisão proferida em ação de indenização por desapropriação indireta, já transitada em julgado, escorando a sua pretensão no argumento de que a área indenizada já lhe pertencia, de modo que a sentença não poderia criar direitos reais inexistentes para os autores daquela ação.
5. Segundo a teoria da relativização da coisa julgada, haverá situações em que a própria sentença, por conter vícios insanáveis, será considerada inexistente juridicamente. Se a sentença sequer existe no mundo jurídico, não poderá ser reconhecida como tal, e, por esse motivo, nunca transitará em julgado. A nulidade da sentença, em tais hipóteses, deve ser buscada por intermédio da actio nullitatis.[...] 8. Não resta dúvida, portanto, que o ajuizamento da presente ação declaratória de nulidade de ato jurídico é um dos meios adequados à eventual desconstituição da coisa julgada. REsp 710.599, Rel. Min. Denise Arruda, DJU de 21.06.2007.
O Supremo Tribunal Federal, com fundamento na prevalência do direito à personalidade, adotou a tese da relativização da coisa julgada:
EMENTA RECURSO EXTRAORDINÁRIO. DIREITO PROCESSUAL CIVIL E CONSTITUCIONAL. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE DECLARADA EXTINTA, COM FUNDAMENTO EM COISA JULGADA, EM RAZÃO DA EXISTÊNCIA DE ANTERIOR DEMANDA EM QUE NÃO FOI POSSÍVEL A REALIZAÇÃO DE EXAME DE DNA, POR SER O AUTOR BENEFICÁRIO DA JUSTIÇA GRATUITA E POR NÃO TER O ESTADO PROVIDENCIADO A SUA REALIZAÇÃO. REPROPOSITURA DA AÇÃO. POSSIBILIDADE, EM RESPEITO À PREVALÊNCIA DO DIREITO FUNDAMENTAL À BUSCA DA IDENTIDADE GENÉTICA DO SER, COMO EMANAÇÃO DE SEU DIREITO DE PERSONALIDADE. 1. É dotada de repercussão geral a matéria atinente à possibilidade da repropositura de ação de investigação de paternidade, quando anterior demanda idêntica, entre as mesmas partes, foi julgada improcedente, por falta de provas, em razão da parte interessada não dispor de condições econômicas para realizar o exame de DNA e o Estado não ter custeado a produção dessa prova. 2. Deve ser relativizada a coisa julgada estabelecida em ações de investigação de paternidade em que não foi possível determinar-se a efetiva existência de vínculo genético a unir as partes, em decorrência da não realização do exame de DNA, meio de prova que pode fornecer segurança quase absoluta quanto à existência de tal vínculo. 3. Não devem ser impostos óbices de natureza processual ao exercício do direito fundamental à busca da identidade genética, como natural emanação do direito de personalidade de um ser, de forma a tornar-se igualmente efetivo o direito à igualdade entre os filhos, inclusive de qualificações, bem assim o princípio da paternidade responsável. 4. Hipótese em que não há disputa de paternidade de cunho biológico, em confronto com outra, de cunho afetivo. Busca-se o reconhecimento de paternidade com relação a pessoa identificada. 5. Recursos extraordinários conhecidos e providos. RE 363889/DF, Rel. Min. Dias Toffoli, DJU de 16.12.2011.
Percebe-se, assim, que a tese da relativização da coisa julgada aos poucos vinha ganhando espaço nos nossos tribunais na vigência do CPC de 1973.
É nessa linha de raciocínio que nasceu na doutrina e jurisprudência pátrias a teoria da coisa julgada inconstitucional. Trata-se de fenômeno teórico-jurídico que também objetiva a flexibilização ou desconsideração de provimentos jurisdicionais imutáveis, porém, não com fulcro nas hipóteses expressamente previstas no CPC, mas, sim, com fundamento constitucional, cujo substrato decorreria da própria interpretação conferida pelo Supremo Tribunal Federal ao texto magno quando do julgamento da constitucionalidade ou inconstitucionalidade das leis ou atos normativos federais ou estaduais.
Segundo os estudiosos, conforme acima explanado, a teoria da relativização da coisa julgada inconstitucional defende a possibilidade da desconsideração do dispositivo sentencial transitado em julgado fundado em lei ou ato normativo declarado incompatível com a Constituição pelo Supremo Tribunal Federal. Dita acepção teórica tem por pressupostos: a natureza relativa e infraconstitucional da coisa julgada, o aquilatamento constitucional de princípios de mesma grandeza, a consagração da supremacia constitucional e a não soberania dos atos judiciais.
O Supremo Tribunal Federal já pacificou o entendimento de que a lei declarada inconstitucional em ação direta é nula de pleno direito, tendo a decisão eficácia ex tunc, invalidando-se, consequentemente, todos os atos praticados com base na lei inconstitucional. Cabe frisar, entretanto, que para o órgão supremo essa nulidade refere-se apenas a lei, não alcançando o caso concreto, ou seja, a coisa julgada.
Porém, seguindo o raciocínio da nulidade da lei, os justificadores da coisa julgada inconstitucional atestam que a decisão que for baseada em uma lei posteriormente declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal deverá ser anulada, uma vez que está agredindo a Constituição. Assim, a coisa julgada que tenha revestido sentença baseada em lei declarada inconstitucional, não terá validade jurídica diante dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade exarada pelo Supremo Tribunal Federal, uma vez que a Supremacia Constitucional deverá prevalecer sobre a Segurança Jurídica.
Para Machado (2005) a res iudicata será atingida pelos efeitos da declaração de inconstitucionalidade em virtude que a Constituição da República de 1988 não fez qualquer ressalva em relação ao controle de constitucionalidade. Além do mais, o mesmo expõe que a lei já ressalvou a possibilidade de proteger a segurança jurídica e o relevante interesse social, em face da Lei n. 9.868/99 que restringe os efeitos da inconstitucionalidade, permitindo que sejam preservados de forma expressa na decisão os atos pretéritos que se basearam naquela lei ou ato normativo declarado inconstitucional.
Machado (2005, p.97) conclui seu raciocínio lecionando que:
Portanto, sustentável é, juridicamente, a relativização da coisa julgada material, pelos seguintes motivos: não é crível, num Estado Democrático de Direito, eternizar decisão judicial inconstitucional em prol da imutabilidade absoluta da coisa julgada quando um valor ou direito maior, garantido pela Constituição foi, está sendo, ou será, frontalmente violado pelo referido ato judicial; os atos dos poderes Executivo e Legislativo podem ser revistos e declarados inconstitucionais a qualquer tempo; logo, as decisões judiciais, inclusive as já transitadas em julgado, também o devem ser; assim como uma lei inconstitucional é nula, uma sentença que ofende a Constituição da República e seus princípios não pode ser considerada ato jurídico válido, mas nulo, o que impede que a coisa julgada que sobre ela se forme imunize seus imaginários efeitos, já que, em sendo nula, não poderia produzi-los; finalmente, admitir que a coisa julgada convalesça no tempo, tornando-se soberanamente transitada em julgado, seria o mesmo que dar a ela, importância maior que a própria Constituição da República.
Assim sendo, verifica-se que para os defensores da teoria da coisa julgada inconstitucional a validade de um ato estatal está condicionada à sua compatibilidade com a Constituição. Não existindo esta relação de conformidade, o ato jurisdicional padece de um vício tão grave que nem a coisa soberanamente julgada terá o poder de convalidá-lo.
No contexto enfatizado, percebe-se que o grande antagonismo entre os doutrinadores, está no conflito de princípios, uma vez que de um lado permanece a Segurança Jurídica em favor da coisa julgada, e do outro lado o da Supremacia da Constituição.
3.4 A relativização da coisa julgada inconstitucional e o CPC de 1973
Em que pesem os posicionamentos a favor da relativização da coisa julgada inconstitucional, cabe ressaltar que o CPC/73 só permitia que a coisa julgada inconstitucional fosse desconstituída por meio da ação rescisória, na hipótese do art. 485, V, ou nos casos dos artigos 475-L, § 1º, e 741, parágrafo único, quando o título executivo era tido por inexigível, eis que fundamentado em lei ou ato normativo que já haviam sido declarados inconstitucionais pelo STF, ou fundado em aplicação ou interpretação de lei ou ato normativos já tidas pela Corte Suprema como incompatíveis com a Carta Magna.
3.4.1 Os efeitos da declaração de inconstitucionalidade e a ação rescisória
Ao ser declarada a inconstitucionalidade de uma norma, esta produzirá efeitos somente para as partes (inter partes), ou para toda sociedade (erga omnes), dependendo do tipo de controle executado, ou seja, difuso ou concentrado, respectivamente.
Diante da coisa julgada inconstitucional, merece razão interpretar esses efeitos de acordo com o ordenamento jurídico, para poder analisar os possíveis reflexos sobre a res iudicata.
No controle difuso o julgador não anula ou invalida lei ou ato normativo, mas apenas lhe recusa aplicação a uma espécie litigiosa concreta. Vale lembrar que neste tipo de controle qualquer interessado poderá suscitar a questão da inconstitucionalidade, em qualquer processo, seja de que natureza for, qualquer que venha ser o juízo.
Os efeitos da decisão no referido método de controle, portanto, são inter partes, ou seja, o ato normativo questionado permanece válido no que se refere à sua força obrigatória perante terceiros. Ademais, os efeitos também são retroativos, desfazendo desde a origem todos os atos pretéritos que tenham sido praticados com base no ato normativo questionado, mas desde que os atos sejam referentes às mesmas partes processuais.
Assim sendo, os efeitos da inconstitucionalidade no controle difuso são inter partes e ex tunc. É importante ressaltar que mesmo que a matéria chegue ao Supremo Tribunal Federal, mediante recursos cabíveis, a decisão continuará surtindo efeitos apenas perante as partes, por se tratar de controle difuso.
Cabe esclarecer, contudo, que o Supremo Tribunal Federal já entendeu que, mesmo no controle difuso, poderá ser dado efeito ex nunc ou pro futuro. Assim, em situações excepcionais, tendo em vista razões de segurança jurídica ou relevante interesse social, poderá o STF, por dois terços de seus membros, outorgar efeitos meramente prospectivos (ex nunc) à sua decisão, ou mesmo fixar um outro momento para o início de sua eficácia (art. 27 da Lei n. 9.868/99).
Verifica-se, também, que se o órgão supremo declarar, de forma incidental, a inconstitucionalidade de lei, por decisão definitiva, poderá o Senado Federal expedir resolução suspensiva dos efeitos da norma, conforme autoriza o art. 52, X, da Constituição Federal. Neste caso, a resolução do Senado estenderá os efeitos da decisão para todos (erga omnes).
Diante dessas considerações, observa-se que a decisão emanada em sede de controle difuso não tem o condão de causar impacto direta e automaticamente nas decisões que transitaram em julgado anteriormente ao pronunciamento do guardião da Carta Magna. Isso porque o controle difuso de constitucionalidade não invalida ou reconhece a nulidade da lei ou ato normativo questionado, ele apenas reconhece a inconstitucionalidade no caso concreto, tendo a eficácia apenas inter partes.
Nesse sentido, já se pronunciou Theodoro Júnior (apud MACHADO, 2005, p. 108):
Não há em nosso sistema jurídico, nem mesmo na Constituição, regra alguma que torne absolutamente nula e desprovida de efeitos jurídicos a decisão que eventualmente aplique norma que o Supremo Federal considere, incidentalmente, como contrária a Carta Magna. O julgamento incidental da Suprema Corte não retira a vigência da lei averbada de inconstitucional, que, portanto, continua vigente e eficaz, não obstante a censura que o tribunal maior lhe tenha feito. O alcance da inconstitucionalidade incidental tantum não ultrapassa a lide e as partes perante as quais a declaração se deu.
Por sua vez, as decisões definitivas de mérito proferidas pelo Supremo Tribunal Federal nas ações do controle concentrado produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração Pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal.
Pode-se afirmar então que a decisão do referido órgão, no controle abstrato, é dotada de eficácia contra todos (erga omnes), efeitos retroativos (ex tunc), e efeito vinculante. Verifica-se que a decisão tem eficácia erga omnes porque alcança todos os indivíduos que estariam sujeitos à aplicação da lei ou ato normativo impugnado; tem efeito ex tunc porque fulmina a lei desde sua origem; e vinculante, uma vez que todos os órgãos do Judiciário e todos os órgãos da Administração Pública direta e indireta, nas três esferas de governo, ficam vinculados à decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal.
Cabe dizer que esses efeitos decorrem da adoção pelo Supremo Tribunal Federal da tradicional tese jurídica segundo a qual o ato que desrespeita a Constituição é nulo, atingindo até o nascedouro da lei. Esse posicionamento decorreu da necessidade de se preservar a unidade da ordem jurídica constitucional, consagrando o princípio da Supremacia da Constituição.
A este respeito o Ministro Celso de Melo (apud MACHADO, 2005, p. 111) no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) 652/MA, estabelece que:
Esse postulado fundamental de nosso ordenamento normativo impõe que preceitos revestidos de menor grau de positividade jurídica guardem, necessariamente, relação de conformidade vertical com as regras inscritas na Carta Política, sob pena de ineficácia e de consequentemente inaplicabilidade. Atos inconstitucionais são, por isso mesmo, nulos e destituídos, em conseqüência, de qualquer carga de eficácia jurídica.
Acontece, porém, que a Lei n. 9.868/1999 trouxe importante inovação no controle concentrado, uma vez que introduziu a técnica da manipulação dos efeitos da decisão de inconstitucionalidade, podendo o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado, mas desde que seja em razão de segurança jurídica e interesse social.
Em que pesem os efeitos da declaração de inconstitucionalidade no controle concentrado, observa-se que eles apenas se operam no plano abstrato-normativo, sem atingir diretamente os atos concretos já praticados com base na lei ou ato normativo. A decisão, assim, apenas torna possível que os atos já praticados sejam desfeitos por meio das ações cabíveis, se ainda houver tempo hábil.
Segundo Paulo (2007) a declaração de inconstitucionalidade não atingirá automaticamente a coisa julgada. O Supremo Tribunal Federal apenas cria condições para que a parte prejudicada intente na via adequada para obter o desfazimento da res iudicata, que se dá através da ação rescisória. Lembre-se que exaurido o prazo legal sem ajuizamento da citada ação, ocorrerá a coisa soberanamente julgada, não podendo mais a decisão ser alterada.
Assim, segundo esse entendimento, ainda que o ato sentencial encontrasse fundamento em legislação que, em momento posterior, fosse declarada inconstitucional pelo STF, quer em sede de controle abstrato, quer no âmbito incidental de constitucionalidade, só poderia a sentença de mérito transitada em julgado ser desconstituída mediante o ajuizamento de ação rescisória, com fundamento no art. 485, inciso V, do Código de Processo Civil de 73, proposta na fluência do prazo decadencial de dois anos, pois, com o exaurimento do referido lapso temporal, estar-se-ia diante da coisa soberanamente julgada, insuscetível de ulterior modificação.
Contudo, os defensores da relativização da coisa julgada inconstitucional proclamavam que a res iudicata deveria ser anulada independentemente de ter passado o prazo exíguo de dois anos.
Instado a se manifestar sobre o assunto, o Supremo Tribunal Federal, em sede de repercussão geral, no RE 730462/SP, julgado em 28/05/2015, em sentido contrário à tese da relativização da coisa julgada inconstitucional, decidiu que a decisão do STF que declara a inconstitucionalidade de preceito normativo não produz a automática reforma ou rescisão das decisões proferidas em outros processos anteriores que tenham adotado entendimento diferente do que posteriormente decidiu a Suprema Corte. Para que houvesse essa reforma ou rescisão, seria necessário a interposição do recurso próprio ou, se for o caso, a propositura da ação rescisória, nos termos do art. 485, V, do CPC/73, observado o prazo decadencial de dois anos, contados da data do trânsito em jugado da decisão rescindenda.
Assim, verifica-se que na égide do CPC de 1973, após a declaração de inconstitucionalidade pelo STF, a única alternativa cabível era, desde que não se tratasse de coisa soberanamente julgada, ajuizar ação rescisória. Se já houvesse transcorrido o prazo de dois anos, a coisa julgada inconstitucional tornava-se imutável, prevalecendo os princípios da segurança jurídica e da intangibilidade da coisa julgada.
3.4.2 Os efeitos da declaração de inconstitucionalidade e os artigos 475-L, § 1º, e 741, parágrafo único, do CPC de 1973
O Código de Processo Civil de 1973 ainda permitia que a coisa julgada inconstitucional fosse desconstituída nas hipóteses dos artigos 475-L, § 1º, e 741, parágrafo único, ou seja, quando o título executivo era tido por inexigível, eis que fundamentado em lei ou ato normativo que já haviam sido declarados inconstitucionais pelo STF, ou fundado em aplicação ou interpretação de lei ou ato normativo já tidas pela Corte Suprema como incompatíveis com a Carta Magna.
Tais dispositivos traziam a previsão de matérias que podiam ser alegadas em sede de defesa típica do executado (na impugnação ao cumprimento de sentença ou nos embargos à execução contra a Fazenda Pública) e que afastavam a imutabilidade da coisa julgada material.
Assim, ainda que a sentença já tivesse transitado em julgado, ou seja, durante a sua execução definitiva, o executado conseguiria se livrar da execução, afastando a imutabilidade da sentença, característica típica da coisa julgada.
Pendia no Supremo Tribunal Federal uma ação direta de inconstitucionalidade (ADI 2418/DF) sobre o referido art. 741, parágrafo único, do CPC/73, sob o argumento de que ele violaria o instituto da coisa julgada, protegido pelo art. 5º, XXXVI, da CF.
Em 4/5/2016, o Supremo Tribunal Federal julgou a referida ADI, decidindo pela constitucionalidade do parágrafo único do art. 741 do CPC de 73. Segundo o STF, tal dispositivo busca harmonizar a garantia da coisa julgada com o primado da Constituição e agregam ao sistema processual brasileiro um mecanismo com eficácia rescisória de certas sentenças inconstitucionais, com hipóteses semelhantes às da ação rescisória (art. 485, V, do CPC 1973).
Para o STF, a inexigibilidade do título executivo a que se refere o referido dispositivo se caracterizaria exclusivamente nas hipóteses em que: a) a sentença exequenda estivesse fundada em norma reconhecidamente inconstitucional, fosse por aplicar norma inconstitucional, fosse por aplicar norma em situação ou com um sentido inconstitucionais; b) a sentença exequenda tivesse deixado de aplicar norma reconhecidamente constitucional; e c) desde que, em qualquer dos casos, o reconhecimento dessa constitucionalidade ou a inconstitucionalidade tivesse decorrido de julgamento do STF realizado em data anterior ao trânsito em julgado da sentença exequenda.
É de se deixar claro, portanto, que, na vigência do CPC de 1973, se a decisão do Supremo Tribunal Federal que declarava a norma inconstitucional tivesse sido proferida após o trânsito em julgado, a matéria não poderia ser alegada em defesa executiva, mas em ação rescisória, com prazo de dois anos, contados da data da sentença a ser rescindida.
Esse era o panorama da relativização da coisa julgada inconstitucional a égide do Código de Processo Civil de 1973, sendo necessário analisar, neste momento, se o atual CPC alterou esse regime.
3.5 A relativização da coisa julgada inconstitucional e o novo CPC
O novo CPC não acolheu a tese dos defensores da relativização da coisa julgada inconstitucional, havendo nítida resistência a essa possibilidade. Contudo, houve uma mudança significativa do panorama anterior, com uma maior possibilidade de revisão da sentença inconstitucional.
Isso porque, conquanto a decisão emanada do STF em sede de controle de constitucionalidade continue a não ter o condão de causar impacto direta e automaticamente nas decisões que transitaram em julgado anteriormente ao pronunciamento do guardião da Carta Magna, sendo necessário, portanto, o ajuizamento de ação rescisória, o NCPC (arts. 525, § 15º, e 535, § 8º) inovou ao prever que o prazo decadencial de dois anos para a referida ação conta-se do trânsito em julgado da decisão proferida pelo STF.
Os arts. 525, § 15º, e 535, § 8º, permitem, assim, que a ação rescisória fundada em inconstitucionalidade da norma que fundamentou a decisão rescindenda tenha como termo inicial do prazo de dois anos a data do trânsito em julgado da decisão proferida pelo STF declarando tal inconstitucionalidade, e não mais a data do trânsito da decisão que se busca rescindir.
O termo inicial passa a depender da data da decisão da Corte Constitucional, possibilitando o novo código a ação rescisória e, portanto, a relativização da coisa julgada inconstitucional, mesmo depois de transcorridos vários anos da última decisão proferida no processo.
No que diz respeito às hipóteses dos dispositivos do CPC/73 que traziam a previsão de matérias que podiam ser alegadas em sede de defesa típica do executado (na impugnação ao cumprimento de sentença ou nos embargos à execução contra a Fazenda Pública) e que afastavam a imutabilidade da coisa julgada material, não houve mudança significativa com o NCPC.
Da mesma forma que no antigo regime, o título executivo, nos termos dos arts. 525, § 12º, e 535, § 5º, do NCPC, considera-se inexigível quando fundamentado em lei ou ato normativo já tidos por inconstitucionais pelo STF, ou fundado em aplicação ou interpretação de lei ou ato normativos já havidas pela Corte Suprema como incompatíveis com a Carta Magna.
O que se verifica é que o novo CPC, em consonância com o entendimento atual do STF, deixa claro que a decisão da Corte Suprema declarando a inconstitucionalidade da norma deve ter sido proferida antes do trânsito em julgado da decisão exequenda. Vale dizer, o executado poderá alegar a pronúncia do STF apenas quando a sentença exequenda houver aplicado lei que já havia sido declarada inconstitucional ou tiver adotado interpretação que já havia sido declarada incompatível com a Constituição.
A novidade é que, diferentemente do CPC/73, o atual código prevê expressamente que a decisão do Supremo pode ter sido proferida em controle de constitucionalidade concentrado ou difuso.
Diante de todo o exposto, percebe-se que o atual regime (CPC/2015) não adotou a teoria da relativização da coisa julgada inconstitucional nos exatos termos propostos pela doutrina a seu favor, já que os únicos meios possíveis de desconstituir a coisa julgada continuam sendo a ação rescisória e as defesas do executado, conforme previsão dos arts. 525, § 12º, e 535, § 5º, do NCPC. Contudo, ainda que minimamente, houve o acolhimento da citada tese, na medida em que o NCPC permite, sendo a decisão do STF sobre a inconstitucionalidade superveniente ao trânsito em julgado da sentença exequenda, o cabimento de ação rescisória, com prazo contado do trânsito em julgado da decisão proferida pelo Supremo.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A abordagem fática do presente trabalho teve como objetivo demonstrar a grande divergência existente no campo jurídico quanto à tese da relativização da coisa julgada inconstitucional e a pequena aceitação da referida teoria no novo Código de Processo Civil
Não se tem dúvida que a coisa julgada é um dos institutos processuais mais polêmicos e fascinantes, pelo fato de estar relacionada à estabilidade dos efeitos da prestação jurisdicional. A partir disso, foi iniciado o trabalho abordando a res iudicata, delimitando os seus objetivos, classificação, natureza jurídica, tendo em vista que era preciso conhecer o tratamento conferido pelo ordenamento jurídico à coisa julgada, eis que pertinente com o objeto do trabalho.
Em seguida, foram demonstradas as posições doutrinárias contrárias e favoráveis à relativização da coisa julgada inconstitucional, bem como a forma como o tema era tratado na vigência do antigo CPC.
Ao final, restou demonstrado que embora o Novo CPC não tenha adotado a teoria da relativização da coisa julgada inconstitucional nos exatos termos propostos pela doutrina a seu favor, houve, ainda que minimamente, o acolhimento da citada tese, na medida em que o NCPC passou a permitir, sendo a decisão do STF sobre a inconstitucionalidade superveniente ao trânsito em julgado da sentença exequenda, o cabimento de ação rescisória, com prazo de dois anos contados do trânsito em julgado da decisão proferida pelo Supremo.
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WAMBIER, Luiz Rodrigues (Coord.); ALMEIDA, Flávio Renato Correia de Almeida; TALAMINI, Eduardo. Curso avançado de processo civil v.1: teoria geral do processo e processo de conhecimento. 8. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006.
Analista Judiciário do Tribunal de Justiça do Estado da Paraíba; Especialista em Direito Processual Civil.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SOUZA, Luciana Cláudia Medeiros de. A relativização da coisa julgada inconstitucional e o novo Código de Processo Civil Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 13 set 2016, 06:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/47491/a-relativizacao-da-coisa-julgada-inconstitucional-e-o-novo-codigo-de-processo-civil. Acesso em: 23 dez 2024.
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