Resumo: O presente trabalho se presta a realizar uma análise/resumo da paradigmática obra "O Caso Dos Exploradores de Cavernas", de Lon Luvois Fuller. Trata-se majoritariamente de uma análise acrítica, mas que em sua conclusão traz conjugações com o direito e a sociedade jurídica.
Palavras-chave: exploradores; caso; conflito; normas.
1. Introdução
Em sua obra, Fuller desenvolve um caso fictício de interposição de recursos à também fictícia Corte de Instâncias Gerais do igualmente fictício Condado de Sotwfield, referente à condenação de quatro réus à forca, indiciados pelo crime de homicídio. Este caso é explanado pelo presidente da corte, Truepenny, e se constrói na forma apresentada a seguir. Os quatro réus fazem parte da Sociedade Espeleológica: um grupo de exploradores amadores de cavernas. Durante uma de suas explorações, os réus, em companhia de Roger Whetmore, também membro da sociedade, adentraram uma caverna típica. Quando já estavam todos a uma boa profundidade desta, ocorreu um desmoronamento de terra que bloqueou a única saída conhecida. Após notado seu desaparecimento e por terem deixado na sede da sociedade a localização da caverna que pretendiam visitar, foi promovido o envio de um grupo de salvamento.
O resgate foi frustrado várias vezes por novos desmoronamentos, um dos quais provocou a morte de dez trabalhadores; e se concluiu apenas no trigésimo segundo dia após a entrada dos exploradores. Desde o momento que se soube que os exploradores tinham poucos mantimentos, houve uma preocupação quanto a possibilidade de eles morrerem “de inanição” (FULLER, 2012, p.11). No vigésimo dia, descobriu-se que eles possuíam um rádio sem fio portátil; então, um dispositivo semelhante foi instalado próximo à entrada obstruída, possibilitando uma comunicação entre a equipe de resgate e os homens presos. Estes questionaram quantos dias se passariam até o resgate, a equipe deu a resposta de dez dias; eles então requisitaram uma equipe médica ao rádio, e descreveram a estes a condição em que se encontravam e os mantimentos que possuíam, pedindo uma opinião sobre a perspectiva de sobrevivência deles por mais dez dias sem alimentos, obtendo a resposta de uma possibilidade remota de sobrevivência. Depois de oito horas, Whetmore voltou ao rádio e perguntou, ainda à equipe médica, se a sobrevivência era possível por mais dez dias se eles consumissem a carne de um deles; o líder da equipe respondeu afirmativamente. Whetmore perguntou ainda se seria aconselhável que eles tirassem na sorte quem deveria ser comido, mas a equipe de médicos não emitiu opinião. Whetmore ainda perguntou se havia algum representante oficial do judiciário que pudesse responder tal questão, mas nenhum estava presente. Depois deste momento, mais nenhuma mensagem foi recebida de dentro da caverna. Quando os homens foram libertados, soube-se que no vigésimo terceiro dia após a entrada na caverna, “Whetmore tinha sido morto e comido pelos companheiros.” (FULLER, 2012, p. 13).
“De acordo com o testemunho dos réus, que foi aceito pelo júri” (FULLER, 2012, p. 13), Whetmore foi o primeiro a propor a busca de alimento neles próprios e também o uso de algum método para tirarem na sorte, e a sugerir o uso de dois dados que carregava consigo, proposta que foi aceita pelos réus. A princípio, eles hesitaram em recorrer a tal atitude, mas após o diálogo com a equipe médica, concordaram em seguir tal plano. Depois de discutido um método para a escolha através dos dados, a execução do plano se iniciou; porém, neste momento, “Whetmore declarou que estava se retirando do arranjado” (FULLER, 2012, p. 14), alegando querer aguardar mais tempo antes de adotar tal atitude. Os réus o acusaram de “violação do acordo” (FULLER, 2012, p. 14) e continuaram ao lançamento dos dados; quando chegou a vez de Whetmore, os dados foram lançados por um dos réus, e a aquele foi questionado se havia alguma “objeção quanto à justiça da jogada. Ele declarou que não tinha objeções a fazer.” (FULLER, 2012, p. 14). Tal lançamento teve como resultado o estabelecimento de que Whetmore deveria ser morto e comido por seus colegas.
Após certo tempo do resgate, os réus foram “denunciados pelo crime de homicídio de Roger Whetmore” (FULLER, 2012, p. 14). No julgamento, o presidente do júri, um advogado por profissão, requisitou se poderia ser passada ao juiz do Tribunal a decisão final acerca do caso; pedido que foi atendido com consentimento geral. Num longo veredito, o júri decidiu que, com base nos fatos acima relatados, os réus deveriam ser considerados “culpados do crime pelo qual foram indiciados” (FULLER, 2012, p. 15) e deveriam ser condenados. E com base neste veredito, o juiz de primeira instância também decidiu pela culpabilidade dos réus; em consequência, “sentenciou-os à forca” (FULLER, 2012, p. 15). Após o fim do julgamento, os membros do júri enviaram uma “petição conjunta” (FULLER, 2012, p. 15) ao chefe do Executivo demandando a modificação da sentença para reclusão de seis meses. Ato semelhante foi conduzido pelo juiz de primeira instância. Até o momento da discussão do caso na Corte, não houve resposta oficial do Executivo.
2. Desenvolvimento
2.1 Tópico I
Em seu voto, Truepenny mostra seu apoio ao ato dirigido pelo júri e pelo juiz de primeira instância, descrevendo-o como um curso “não somente justo e sábio, mas sim o único curso que lhes restava aberto em face dos dispositivos legais.” (FULLER, 2012, p. 16). O texto da lei vigente em Stowfield não deixa qualquer exceção ao caso dos exploradores, porém “nossas simpatias” (FULLER, 2012, p. 16) podem nos levar a reconsiderarmos o caso, vista a trágica situação em que os réus se encontravam. Neste cenário, Trupenny enfatiza que o recurso ao executivo é o meio mais adequado de “mitigar os rigores da lei” (FULLER, 2012, p. 16); e propõe a seus quatro colegas que sigam a mesma atitude do júri e do juiz e ratifiquem a condenação enquanto apoiam o pedido enviado ao executivo.Truepenny ainda destaca que existe uma grande chance de uma resposta positiva a tal recurso, posto que este possui prestígio por ter vindo daqueles que “estudaram o caso e tiveram a oportunidade de familiarizar-se totalmente com suas circunstâncias” (FULLER, 2012, p. 17). Portanto, é de se supor que algum tipo clemência será concedida a esses homens; se assim for, “então a justiça será feita sem prejudicar nem a letra nem o espírito dos nosso estatutos e sem oferecer qualquer estímulo para o desrespeito da lei.” (FULLER, 2012, p. 17).
2.2 Tópico II
Em seu voto, Foster deixa clara oposição frente à decisão do tribunal de declarar os réus como culpados. Ainda enfatiza que a dimensão moral do caso não deve ser ignorada e que “se este Tribunal declara que, sob nossa lei, estes homens cometeram um crime, então a nossa lei é em si mesma condenada no tribunal do senso comum” (FULLER, 2012, p. 18). Se então o regimento vigente leva a uma decisão da qual os juízes se envergonham e a única saída encontrada depende de “um capricho pessoal do Executivo” (FULLER, 2012, p. 18), Foster entende aqui uma evidência da falta de pretensão à justiça de tal regimento. Foster declara acreditar que, em oposição à decisão feita no tribunal, o regimento de Stowfield declara os réus inocentes, por dois motivos independentes.
O primeiro destes se trata do fato que o caso dos exploradores não está subjugado ao regimento positivado da comunidade, mas sim subjugado às chamadas “‘leis da natureza’” (FULLER, 2012, p. 19). Isto está embasada no fato de que o direito positivado pressupõe “a possibilidade de coexistência dos homens em sociedade” (FULLER, 2012, p. 19). Em uma situação em que tal coexistência é impossível, o alicerce de todos os precedentes e estatutos do regimento, deixa de existir; e, portanto, deixa de existir também a “coercibilidade do nosso direito positivo” (FULLER, 2012, p. 19). Dessa forma, Foster propõe que, neste caso, deve ser aplicada a máxima cessante ratione legis, cessat et ipsa lex “ao conjunto de nosso ordenamento jurídico” (FULLER, 2012, p. 19). Foster adiciona ainda que uma jurisdição possui uma “base territorial” (FULLER, 2012, p. 21), ou seja, só pode ser vigente em certa delimitação territorial. Este princípio tem embasamento no fato de que “só é possível impor uma ordem jurídica única a um grupo de homens de uma determinada área” (FULLER, 2012, p. 21). Pode-se assim chegar à conclusão de que os réus, devido às circunstâncias em que se encontravam, estavam “tão distantes de nossa ordem jurídica que poderiam estar a mil milhas de nossa fronteiras” (FULLER, 2012, p. 21). Foster conclui então que os réus, no momento em que mataram Whetmore, não estavam sob um “‘estado de sociedade civil’ mas sim num ‘estado de natureza’” (FULLER, 2012, p. 22). Consequentemente, a lei a ser aplicada a tal caso não é a lei positivada, mas sim a adequada às condições de tal caso. Foster completa que não hesita em dizer “que segundo estes princípios eles eram inocentes de qualquer crime.” (FULLER, 2012, p. 22).
Foster mostra ainda que, posta tal situação em que o direito positivado perde seu uso, foi necessário então a construção de um novo contrato entre os homens: o acordo firmado entre eles no interior da caverna. Contrato este que, uma vez estabelecido em consenso, dá justificativa moral aos atos estabelecidos em tal contrato. Foster destaca que tal interpretação será recebida “com um certo desconforto por muitos que venham a vê-la” (FULLER, 2012, p. 25), posto que a vida humana é vista usualmente como um valor absoluto e inegável. Porém essa concepção é ilusória, visto que todo e qualquer empreendimento promovido por qualquer sociedade em qualquer tempo tem como consequências mortes de certos indivíduos; mas estas ainda assim são ditas, por nós, compensadas pelos benefícios advindos de tais empreendimentos. A mesma lógica é aplicável ao caso dos exploradores.
O segundo motivo que corrobora a inocência dos réus está e um argumento de âmbito oposto ao do anterior, neste, os estatutos consolidados de Stwofield tem total prevalência sobre os homens dentro da caverna. Porém, mesmo nesse cenário, a condenação certa destes não existe, posto o tradicional principio de que “um homem pode infringir a letra da lei sem violar a lei em si.” (FULLER, 2012, p. 27). Isto implica que toda lei carece de uma interpretação racional, ligada ao caso. Foster usa o exemplo do caso Comunidade v. Staymore, em que um réu foi “condenado tendo em vista uma lei que considera crime estacionar um carro, em certas áreas, por um período superior a duas horas.” (FULLER, 2012, p. 28). Nesse caso, o réu foi impedido de retirar seu carro de tal local por ocasião de uma demonstração politica “da qual ele não participou e não pudera prever.” (FULLER, 2012, p. 28). Assim, levando-se em conta tal contexto, sua condenação foi anulada. Como outra evidência, Foster mostra o estabelecimento da excludente de culpabilidade da legítima defesa a casos de homicídio: mesmo sem estar explícita no texto, essa exceção é usada constantemente, visto que o texto legal não é aplicado literalmente. Dessa forma, tal excludente não pode ser emparelhada com as palavras da lei, mas sim com o seu propósito.
Neste caso em específico, tal propósito é a prevenção, ou seja, persuadir os homens a não cometerem homicídios postas as consequências advindas desta ação. Assim, posto que em uma circunstância de legítima defesa não há espaço para prevenção de qualquer tipo, o texto da lei não pode ser aplicado puramente. O mesmo raciocínio pode ser aplicado ao caso dos exploradores: suas decisões de vida não estavam controladas pelo “código penal” (FULLER, 2012, p. 30), mas sim por suas convicções de sobrevivência. Foster destaca que não quer aqui propor a não subordinação do tribunal às leis, mas sim a distinção entre “fidelidade inteligente e não inteligente” (FULLER, 2012, p. 31) ao texto do regimento. Foster conclui que “os réus são inocentes do crime de homicídio (...) e que a decisão de condenação deve ser reformada.” (FULLER, 2012, p. 32).
2.3 Tópico III
Em seu voto, Tatting destaca que geralmente preza pela dissociação dos “aspectos emocionais e intelectuais” (FULLER, 2012, p. 32) ao tomar suas decisões dentro de um tribunal, mas que encontra dificuldades em tal tarefa no julgamento deste caso. Tatting julga o voto de Foster repleto de lacunas e começa demonstrando tais desacertos no primeiro argumento. Neste, Foster diz que os réus estavam sob um “estado e natureza”; porém, tal transição de um estado para outro não se estabelece clara em nenhum momento, deixando espaço para inúmeras arbitrariedades dentro de tal perspectiva. Ainda dentro desse âmbito, na suposição de que os réus estavam sob um “estado de natureza” quando dentro da caverna, este tribunal não seria então capaz de sequer emitir opiniões acerca do caso, posto que o tal Tribunal é uma corte submetida a leis positivadas e não leis da natureza; não sendo portanto um “tribunal da natureza”.
Tatting destaca ainda o caráter odioso de tal código da natureza, visto que estabelece leis de contratos como mais fundamentais que leis de assassinatos e ainda mais, estabelece uma irrevogabilidade plena a contratos estabelecidos. Todas estas considerações, tornam, para Tatting, “impossível (...) aceitar a primeira parte do argumento do meu colega” (FULLER, 2012, p. 37). Quanto à segunda parte do argumento de Foster, Tatting destaca seu caráter “nebuloso e ambíguo” (FULLER, 2012, p. 37); posto que, ao declarar que nenhuma lei deve ser aplicada de forma a contradizer seu propósito, não completa tal argumento devido ao fato de que uma lei possui, caracteristicamente, múltiplos propósitos. Portanto, a existência de um curso plenamente fixo de uma lei é uma perspectiva meramente simplista do código. Apesar de reconhecer que uma lei deve ser aplicada com apoio de seus propósitos e que isto pode ser efetivamente exemplificado pelo caso Comunidade v. Parry, Tatting demonstra que tal argumento não é satisfatório. Tatting demonstra a impossibilidade de analogia da excludente da legítima defesa ao caso, posto que esta estabelece a não-intencionalidade do assassino ao proteger sua vida enquanto os réus não apenas agiram intencionalmente mas também arquitetaram tal ação por “horas de discussão a respeito do que fariam.” (FULLER, 2012, p. 40). Para reforçar sua contra-argumentação a Foster, Tatting usa o exemplo do caso Comunidade v. Valjean, em que um réu foi indiciado “pelo furto de um pão e ofereceu como defesa a circunstância de que se encontrava em uma situação próxima da morte por inanição.” (FULLER, 2012, p. 41). O Tribunal recusou esta defesa. Portanto, se a fome não pôde justificar o roubo de um alimento, aquela igualmente não pode justificar o assassinato de um homem. Dessa forma, aceitar o argumento de Foster é ignorar o caso Comunidade v. Valjean “e muitos outros precedentes construídos a partir deste caso.” (FULLER, 2012, p. 41).
Tatting demonstra ainda que haveria sim certo caráter preventivo em tal circunstância dentro da caverna, posto que, se soubessem que tal ato era “considerado como crime pela lei” (FULLER, 2012, p.), os réus teriam esperado por mais tempo antes te tomar tal atitude. Um outro ponto levantado por Tatting é o da arbitrariedade quanto ao âmbito da exceção que a declaração de inocência dos réus criaria: tal arbitrariedade traria inúmeras divergências e dificuldades em casos semelhantes no futuro, abrindo espaço a vereditos tendenciosos. Ao final de seu voto, Tatting demonstra que tem se envolvido demasiadamente com o caso, e que seus sentimentos e convicções o impedem de assumir uma ou outra posição. E então, estando totalmente incapaz de “resolver as dúvidas” (FULLER, 2012, p. 46) que o abatiam cada vez mais, Tatting declara sua retirada da decisão do caso.
2.4 Tópico IV
Keen inicia seu voto estabelecendo distinções entre elementos meramente morais e aqueles verdadeiramente competentes ao Trubunal. A primeira destas está ligada ao parecer emitido ao Executivo: Keen critica a pretensão do presidente do Tribunal de se ver na competência de passar instruções que deveriam ser seguidas pelo chefe do Executivo e ainda sugerir que “alguns inconvenientes irão surgir se tais instruções não forem atendidas.” (FULLER, 2012, p. 46-47). A aprovação ou não da clemência dirigida ao Executivo é de competência exclusiva do próprio Executivo, e não do Judiciário. Keen, em sua condição de cidadão privado, assume que iria até mais longe do que o chefe do Executivo pode ir aprovando a clemência dirigida a este, e “concederia perdão total a estes homens” (FULLER, 2012, p. 47). Porém, na sua condição de juiz, ele destaca que não deve emitir qualquer tipo de instrução ao chefe do Executivo.
A segunda questão se trata da tentativa de estabelecer se o que foi feito pelos homens é “certo” ou “errado”, esse é outro ponto irrelevante à função do juiz. A partir desta noção, é possível eliminar-se a primeira parte do voto de Foster: a fantasia de sua argumentação é deixada bem clara na longa declaração de Tatting acerca da mesma. A única questão diante dos juízes é “se estes réus, na concepção do N.C.S.A. (N.S.) § 12-A, deliberadamente tiraram a vida de Roger Whetmore.” (FULLER, 2012, p. 48); e o texto é bem claro: “‘Quem intencionalmente tirar a vida de outrem será punido com a morte.’ (Keen) Devo supor que qualquer observador imparcial (...) concederá imediatamente que os réus ‘intencionalmente tiraram a vida’ de Roger Whetmore.” (FULLER, 2012, p. 48). As discussões oriundas desse caso surgem simplesmente da insistência na indistinção entre os fatores legais dos aspectos morais deste caso. Keen diz ainda que seus colegas simplesmente “não gostam do fato de que a lei escrita requer a condenação destes réus” (FULLER, 2012, p. 49); o que se estende a ele mesmo. Porém, ao contrário de seus colegas, Keen respeita “as obrigações de um cargo que me obriga a colocar as minhas predileções pessoais de lado ao interpretar e aplicar a lei desta comunidade.” (FULLER, 2012, p. 49).
Keen destaca a construção de uma argumentação, por parte do Foster, que dá liberdade ao Tribunal de “desrespeitar o enunciado da lei quando algo não contido nela, chamado de seu ‘propósito’, pode ser empregado para justificar o resultado que o Tribunal considera adequado.” (FULLER, 2012, p. 49). Antes de discutir esse ponto, Keen faz uma explanação histórica acerca do estabelecimento das divisões de poderes em Stowfield: existiu um tempo em que os juízes legislavam com plena liberdade, o que abria espaço a modificações totais na lei por parte do Judiciário; neste cenário, “os princípios aceitos pela ciência politica não designavam de maneira segura a hierarquia e a função dos vários poderes
do Estado.” (FULLER, 2012, p. 50). O que resultou daí foi um confuso embate entre o Judiciário, de um lado, e o Executivo e o Legislativo, de outro. A questão aqui é que estes dias estão no passado, e que hoje reina um “princípio bem definido, que é a supremacia do Poder Legislativo” (FULLER, 2012, p. 51). Esse principio deixa claro o papel do Judiciário de fielmente aplicar a lei escrita, “de interpretá-la de acordo com seu significado evidente.” (FULLER, 2012, p. 51).
O que acontece em casos como o tratado aqui é que alguns juízes, como Foster, ainda não se acostumaram a tal delimitação de seu papel. Keen diz não estar aqui preocupado “se o principio que proíbe a revisão judicial das leis é certo ou errado” (FULLER, 2012, p. 51), mas sim “que este princípio tornou-se uma premissa tácita subjacente a toda ordem jurídica e governamental” (FULLER, 2012, p. 51). Keen descreve o processo de reforma jurídica em três etapas: a primeira é descobrir qual o propósito da lei, o que é feito apesar de nenhuma lei conter um propósito apenas; a segunda se trata de constatar que o legislador deixou lacunas na busca deste propósito; a terceira consiste em preencher esta lacuna. Keen, porém vê todo este processo, quando feito de forma imediata, como ilusório, posto que abre espaço a processos arbitrários e imprecisos, levando a resultados distante da realidade.
Nessa perspectiva, “se nós não sabemos a finalidade do § 12-A” (FULLER, 2012, p. 55), não há como afirmar a existência de quaisquer lacunas neste. Considerações similares podem ser feitas quanto à excludente da legítima defesa, posto que “a questão não está no suposto propósito da lei, mas sim no seu âmbito.” (FULLER, 2012, p. 57). Dessa forma, sendo o âmbito de tal excludente os casos de resistência a uma ameaça à vida, o caso em questão não pode ser enquadrado neste âmbito; posto que “Whetmore não fez nenhuma ameaça contra a vida destes réus.” (FULLER, 2012, p. 57). Keen destaca ainda que os efeitos a longo prazo de uma decisão tão distante do texto legal como esta são degradantes ao ordenamento jurídico, posto que geram decisões imediatas tipicamente poluídas por “verbalismos e distinções metafísicas” (FULLER, 2012, p. 59); Keen então conclui seu voto reafirmando a condenação.
2.5 Tópico V
Em seu voto, Handy destaca a questão do âmbito humano dentro deste caso, enfatizando que “é uma questão de sabedoria prática a ser exercida em um contexto (...) de realidades humanas.” (FULLER, 2012, p. 61). De forma mais profunda, Handy afirma que o próprio governo é um “assunto humano” (FULLER, 2012, p. 61) e que os homens tem seu governo construído por outros homens, não por teorias ou palavras. O Judiciário se mostra como o segmento mais propenso de se distanciar do homem comum, devido à sua forma de execução marcada por “regras e princípios abstratos” (FULLER, 2012, p. 62) enquanto as massas comuns reagem a “uma situação conforme algumas características marcantes da mesma” (FULLER, 2012, p. 62), ou seja, dimensões amplas. Essa marca do judiciário se mostra de fato como um mal necessário, posto que existem áreas em que a regulação é intrínseca ao próprio funcionamento efetivo da mesma; mas, fora desse âmbito, Handy diz acreditar que “todos os funcionários públicos (...) cumpririam melhor seus deveres se tratassem as formas e conceitos abstratos como instrumentos.” (FULLER, 2012, p. 63). Assim, o bom administrador é o que adequa as diretrizes e princípios ao caso e seleciona “dentro dos formulários disponíveis os mais adequados para alcançar o resultado correto.” (FULLER, 2012, p. 64). Apenas desse modo é possível construir a essencial flexibilidade que mantém as ações dos juízes “em concordância com os sentimentos daqueles sujeitos à lei.” (FULLER, 2012, p. 64).
A exposição da decisão exige a introdução de algumas realidades. A primeira destas é a de que o caso despertou “interesse público” (FULLER, 2012, p. 65) e assim, a opinião da massa de que os réus devem ser perdoados se tornou bem clara nas pesquisas conduzidas pela imprensa. Tal constatação torna claro o que deve ser feito pelos juízes se estes desejam “preservar uma harmonia razoável e decente” (FULLER, 2012, p. 66) entre eles e a “opinião pública” (FULLER, 2012, p. 66). Esta decisão não se mostra indigna, mas pelo contrário, coerente e precisa; posto que a opinião pública demonstra seu papel claro dentro das decisões do Judiciário constantemente. Um exemplo possível é o das quatro formas que um individuo acusado de um crime tem de se livrar da punição: a primeira é de fato interna ao direito, se trata da determinação, por parte do juiz, de que tal individuo não cometeu nenhum crime; a segunda, de uma decisão do Ministério Público “não solicitando a instauração do processo” (FULLER, 2012, p. 68); a terceira, uma absolvição por parte do júri; e a quarta, uma comutação ou indulto de pena provindo do Executivo. Dentro desse âmbito, todos os órgãos e indivíduos envolvidos são inegavelmente influenciados pela opinião pública, o que transcende a decisão tomada por aqueles.
Handy demonstra sua repulsa quanto à clemência dirigida ao executivo, embasando-se no fato de que nenhum dos indivíduos interrogados na pesquisa citada anteriormente declarou considerar ideal que dois ramos do governo atuassem para a resolução do caso. Mesmo assim, esta “é uma solução que tem (...) dominado” as discussões dentro do Tribunal, e “que o próprio presidente (...) propõe como um caminho pelo qual podemos evitar cometer injustiças e ao mesmo tempo preservar o respeito à lei.” (FULLER, 2012, p. 71). Porém, a única coisa preservada com essa decisão é a moral do próprio presidente “e não a do povo” (FULLER, 2012, p. 71). Por último, Handy destaca a grande possibilidade de o chefe do Executivo recusar tal clemência, visto que este está decidido em proceder de tal forma pela razão de acreditar na credibilidade da sentença promovida pelo Tribunal, ou seja, a de culpabilidade dos réus. Aqui Handy se embasou em uma “via indireta, porém totalmente confiável” (FULLER, 2012, p. 72), razão pela qual já espera que seus colegas não aceitem tal argumento; mas ainda acredita que estes também prevejam tal possibilidade iminente por parte do Executivo. Como conclusão, Handy cita seu primeiro caso como magistrado, em que chegou a um veredito fiel à realidade ao deixar à parte as complexidades legais e analisar o caso com foco nas circunstâncias de tal evento. Ele faz então algo análogo no caso dos exploradores, declarando os réus inocentes e que a condenação deve ser reformada.
4. Conclusão
Truepenny constrói uma demonstração de que a atitude de ratificar a sentença do Tribunal de primeira instância e apoiar o recurso enviado ao Executivo é a única forma de ao mesmo tempo não ferir a lei e ainda assim fazer verdadeira justiça quanto ao caso. Porém, essa atitude é condenável por promover descaradamente a transferência de funções de um poder a outro, o que gera delegações arbitrárias a certos órgãos, tendo como consequência, resultados igualmente arbitrários. Além de colocar em dúvida a independência do judiciário, como é demonstrado nas argumentações de Foster, Keen e Handy a esse respeito.
Foster deixa bem clara sua posição caracteristicamente naturalista em seu primeiro argumento, que se mostra verdadeiramente superficial e simplista, como é demonstrado posteriormente por Tatting e Keen. Mas seu segundo argumento conta com uma surpreendente força devido ao seu caráter profundo e positivado de averiguação, e consegue manter-se de pé mesmo frente às críticas de Tatting e Keen.
Tatting levanta um ponto relevante em sua contraposição à Foster, mas perde boa parte de seu papel no caso ao optar por se abster na votação. Keen se mostra claramente positivista, o que acaba por conduzi-lo a um caminho muito distante da realidade, devido ao atrelamento excessivo ao texto e à letra jurídica. Handy se mostra como o juiz que mais se aproxima de uma decisão que seja juridicamente racional e responsável enquanto também próxima da realidade, principalmente por levar em consideração os fatores humanos presentes no caso: não os permite determinar o veredito, mas os leva em consideração durante todo o desenvolvimento deste. E concomitantemente se atenta à interpretação racional do texto jurídico, chegando finalmente à decisão de inocência dos réus. Que, apesar de correta, é frustrada devido ao empate dos votos e consequente ratificação da condenação à morte.
5. Referências bibliográficas
FULLER, Lon Luvois: O caso dos exploradores de cavernas, tradução do original em inglês por Sabrina Lotaif Kheirallah. São Paulo: Hunter Books, 2012.
Acadêmico de Direito da Universidade de Brasília. Atualmente Graduando de Direito.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: VIEIRA, Marcelo Alves. "O Caso Dos Exploradores de Cavernas": Uma Breve Análise Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 13 set 2016, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/47495/quot-o-caso-dos-exploradores-de-cavernas-quot-uma-breve-analise. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Juliana Melissa Lucas Vilela e Melo
Por: Isnar Amaral
Por: LEONARDO RODRIGUES ARRUDA COELHO
Por: REBECCA DA SILVA PELLEGRINO PAZ
Precisa estar logado para fazer comentários.