Resumo: Discute-se a viabilidade do recebimento de embargos de declaração no bojo de processos administrativos federais, regidos pela Lei nº 9.784/99, para concluir pela inadmissibilidade dessa espécie de impugnação de decisões administrativas e pelo recebimento da peça como pedido de reconsideração ou outro recurso administrativo lato sensu cabível, desde que presentes os requisitos específicos pertinentes, entre os quais a tempestividade.
Palavras-chave: Embargos de declaração. Processo administrativo. Recurso administrativo.
INTRODUÇÃO
É cediço que o devido processo legal deve ser observado nos processos administrativos, promovendo-se uma das características intrínsecas à manutenção do Estado Democrático de Direito.
O recurso administrativo possui proteção constitucional, a partir de dois incisos do art. 5º da Carta Constitucional:
Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:(…)
XXXIV – são a todos assegurados, independentemente do pagamento de taxas:
a) o direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidades ou abuso de poder;(…)
LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.
O art. 5º, inciso XXXIV, “a”, da Constituição Federal, acima transcrito, prevê o direito de petição e o recurso é uma faceta deste direito.
Acerca do direito de petição, Maria Sylvia Zanella Di Pietro[1] aduz o seguinte:
O direito de petição (right of petition) teve origem na Inglaterra, durante a Idade Média. Ele serve de fundamento a pretensões dirigidas a qualquer dos Poderes do Estado, por pessoa física ou jurídica, brasileira ou estrangeira, na defesa de direitos individuais ou interesses coletivos.
Quanto ao direito de petição como fundamento do recurso administrativo José dos Santos Carvalho Filho[2] vaticina:
Também é fundamento dos recursos administrativos o direito de petição, previsto no art. 5º, XXXIV, “a”, da CF. Quando o examinamos neste mesmo capítulo, destacamos ser o direito de petição um dos meios de controle administrativo. Aqui é propícia a extensão do sentido em ordem a ser esse direito considerado como fundamento dos recursos, porque os recursos não são senão um meio de postulação formulado normalmente a um órgão administrativo superior. Ora, a noção que encerra o direito de petição é ampla e logicamente abrange também os pedidos revisionais, como são os recursos administrativos. Podemos, assim, concluir que os recursos são uma forma de exercer o direito de petição, não podendo os indivíduos, em consequência, encontrar óbices para sua interposição.
DESENVOLVIMENTO
A Lei 9784/99, que estabelece normas gerais para o processo administrativo na esfera da Administração Pública Federal, prevê de maneira expressa em seu art. 2º a necessária observância, por parte do Poder Público, dos princípios da ampla defesa e do contraditório.
Diante desse cenário, é possível encontrar, em sede doutrinária, posicionamento no sentido da admissibilidade, em processos administrativos, de embargos declaratórios, que constituem espécie recursal prevista no Código de Processo Civil para os processos judiciais. Veja-se, à guisa de ilustração[3]:
Nesta esteira, a previsão de Embargos Declaratórios na Administração Pública soaria como uma forma de dar efetividade aos Princípios do Contraditório e Ampla Defesa, tomando-se por empréstimo um Recurso previsto nos Códigos de Processo, ou seja, de Direito Adjetivo, processual.
Entretanto, um dos obstáculos claros à interposição de Embargos de Declaração na esfera administrativa seria a falta de previsão legal expressa na legislação que cuida do processo administrativo. Quanto a omissão legislativa, acredito que, caso o julgador ou determinado órgão encarregado de formular pareceres viesse a receber "embargos de declaração", poderia recebê-lo como tal, sob fundamento do art. 5º, LV da CFRB/88 e em conjugação com o Princípio da Máxima Eficácia das Normas Constitucionais.
Todavia, com a devida vênia, entende-se que as normas constitucionais de regência incidem em conformidade com a escolha do regramento estabelecido pelo legislador infraconstitucional, o qual se afigura razoável e proporcional. Em outras palavras, não se mostra cabível a criação de uma nova espécie recursal não prevista em lei para os processos administrativos (embargos de declaração administrativos), com o regime jurídico que lhe seria inerente.
Com efeito, as espécies recursais próprias do processo administrativo já são suficientes para garantir a observância dos princípios e regras constitucionais. Entre as espécies de recursos administrativos, a doutrina costuma enumerar: a reclamação administrativa, o pedido de reconsideração, o recurso hierárquico e a revisão.
Na doutrina de Hely Lopes Meirelles e José dos Santos Carvalho Filho[4], é mencionado o recurso administrativo lato sensu do pedido de reconsideração, que poderia ser empregado para atacar os vícios impugnáveis, nos processo judiciais, pela via dos embargos de declaração:
PEDIDO DE RECONSIDERAÇÃO – Este recurso se caracteriza pelo fato de ser dirigido à mesma autoridade que praticou o ato contra o qual se insurge o recorrente. Se um ato é praticado por um Coordenador-Geral, por exemplo, haverá pedido de reconsideração se o interessado em revê-lo a ele mesmo se dirige.
Não há uma lei específica que regule esse recurso. Ao contrário, alguns diplomas fazem referência a ele. Não obstante, o pedido de reconsideração não precisa ser previsto expressamente em lei. Desde que o interessado se dirija ao mesmo agente que produziu o ato, o recurso de configurará como pedido de reconsideração.
Dois aspectos especiais merecem ser salientados neste tópico. O prazo para a interposição do pedido de reconsideração é de um ano, se não houver prazo diverso fixado em lei. Apesar de não haver regra geral nesse sentido, é razoável se admita esse prazo, tomando-se como fonte analógica a reclamação, como vimos anteriormente. É que, na verdade, o pedido de reconsideração não deixa de ser uma reclamação, caracterizando-se apenas por ser dirigido à mesma autoridade.
Contudo, o pedido de reconsideração não suspende nem interrompe a prescrição e também não altera os prazos para a interposição de recursos hierárquicos. Significa que a ausência de solução pelos órgãos administrativos não valerá como escusa para o interessado livrar-se da ocorrência da prescrição. Consumar-se-á, pois, a prescrição mesmo que o pedido de reconsideração não seja apreciado.
Desse modo, é certo que está aberta ao interessado a possibilidade de impugnar vícios nas decisões administrativas semelhantes àqueles que desafiam embargos de declaração em processos judiciais, seja pela via do recurso stricto sensu previsto na Lei nº 9.784/99, seja pela via do pedido de reconsideração admitida na doutrina.
Dito isso, é preciso alertar que a interposição de um recurso por outro não prejudica o direito do recorrente de revisão da decisão impugnada.
A uma, porque os ritos rigorosos e as formas solenes são dispensados no processo administrativo federal, exceto se a lei determinar uma formalidade específica. A dois, porque as hipóteses de inadmissibilidade do recurso são aquelas descritas na lei. No âmbito federal, a Lei nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999 estabelece:
Art. 63. O recurso não será conhecido quando interposto:
I - fora do prazo;
II - perante órgão incompetente;
III - por quem não seja legitimado;
IV - após exaurida a esfera administrativa.
§1º Na hipótese do inciso II, será indicada ao recorrente a autoridade competente, sendo-lhe devolvido o prazo para recurso.
§2º O não conhecimento do recurso não impede a Administração de rever de ofício o ato ilegal, desde que não ocorrida preclusão administrativa.
Observa-se que a possibilidade de interposição de um recurso por outro é defendida por José Armando da Costa[5]:
(...) que o servidor público recorrente não deverá ser prejudicado na hipótese de interpor um recurso específico no lugar do outro. Ocorrendo essa impropriedade, deve o pedido do interessado, em atenção ao princípio da maior flexibilidade do processo disciplinar, ser recebido no sentido virtual do recurso próprio. Se a autoridade que o recebeu for incompetente para o julgamento, será o recurso encaminhado para que o seja.
As normas administrativas disciplinares são silentes a esse respeito, mas entendemos que tal versatilidade deve preponderar como regra na processualística disciplinar, posto que todos os princípios que informam este setor do direito público aconselham, implicitamente, nesse sentido.
Nesse sentir, concorda-se com a posição de Enio Nakamura Oku[6], em trabalho específico sobre a utilização de embargos de declaração em processos administrativos, no sentido de que os embargos declaratórios deverão ser recebidos como recurso administrativo, caso atendidos os requisitos cabíveis:
Questiona-se acerca da admissibilidade do recurso de Embargos de Declaração, disciplinado no art. 535 e seguintes do Código de Processo Civil (Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973), contra decisões proferidas no âmbito do processo administrativo disciplinar.
[...]
[...] o princípio do informalismo é suficiente para tornar admissível o recurso administrativo interposto.
Não se trata, rigorosamente, de aplicação do princípio da fungibilidade recursal que informa o processo judicial (civil e penal), visto que a doutrina processual arquiteta requisitos para sua incidência, como a inexistência de erro grosseiro e a existência de dúvida objetiva do recurso cabível, o que impediria a conversão do recurso.
Desse modo, os Embargos de Declaração devem ser recebidos pela Administração Pública como pedido de reconsideração ou outro recurso administrativo adequado, desde que interpostos tempestivamente e preenchidos os demais requisitos do expediente adequado.
Como consequência, a parte não estará prejudicada pela interposição de um recurso por outro.
CONCLUSÃO
Ante o exposto, conclui-se pela inadmissibilidade de embargos de declaração em processos administrativos federais, diante da falta de previsão na legislação de regência. Contudo, a peça deverá ser recebida como pedido de reconsideração ou outro recurso administrativo lato sensu cabível, desde que presentes os requisitos específicos pertinentes, entre os quais a tempestividade.
Referências
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 21 ed. ver. ampl. e atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009.
COSTA, José Armando. Processo administrativo disciplinar. 4. ed. Brasília: Brasília Jurídica, 2002.
DI PIETRO, Maria Sylvia. Direito Administrativo. 17 ed. São Paulo: Atlas, 2004.
EICHLER, Matheus dos Santos Buarque. Embargos de declaração em processos administrativos. Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 17, n. 3110, 6 jan. 2012. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/20797>. Acesso em: 30 ago. 2016.
OKU, Enio Nakamura. Embargos de declaração no processo administrativo disciplinar: princípio do informalismo e princípio da fungibilidade dos recursos. Fórum administrativo: direito público, Belo Horizonte , v. 9, n. 97, mar. 2009.
[1] DI PIETRO, Maria Sylvia. Direito Administrativo. 17 ed. São Paulo: Atlas, 2004. p. 626.
[2] CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 21 ed. ver. ampl. e atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009. p. 905.
[3] EICHLER, Matheus dos Santos Buarque. Embargos de declaração em processos administrativos. Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 17, n. 3110, 6 jan. 2012. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/20797>. Acesso em: 30 ago. 2016.
[4] CARVALHO FILHO, José dos Santos, op. cit., p. 911.
[5] COSTA, José Armando. Processo administrativo disciplinar. 4. ed. Brasília: Brasília Jurídica, 2002. p. 479.
[6] OKU, Enio Nakamura. Embargos de declaração no processo administrativo disciplinar: princípio do informalismo e princípio da fungibilidade dos recursos. Fórum administrativo: direito público, Belo Horizonte , v. 9, n. 97, mar. 2009.
Advogado da União. Mestre em Direito Constitucional pela Universidade de Fortaleza (Unifor). Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Foi Analista Processual do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) e Técnico Judiciário da Justiça Federal no Ceará (JFCE).
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CAPISTRANO, Marcio Anderson Silveira. Pela inadmissibilidade de embargos de declaração em processos administrativos federais Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 14 set 2016, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/47504/pela-inadmissibilidade-de-embargos-de-declaracao-em-processos-administrativos-federais. Acesso em: 23 dez 2024.
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