RESUMO: Este artigo tem por objetivo abordar o tema sobre Cláusula Geral de Negociação do processo e o dispositivo que o regulamenta no Código de Processo Civil de 2015.
Palavras-chave: Código de Processo Civil. Cláusula Geral de Negociação do processo. Atipicidade da Cláusula dos Negócios Processuais.
INTRODUÇÃO
O Código de Processo Civil de 2015 tem algumas grandes novidades e talvez um dos mais impactantes temas é a Cláusula Geral de Negociação sobre o Processo, previsto no art. 190. Trata-se de um dispositivo sem precedentes no Brasil e no mundo, pois não há preceito que tenha a amplitude desse que está no Novo Código. Há, agora, um novo princípio espalhado pelo Código que é o do auto-regramento da vontade e o principal momento em que este se revela é neste dispositivo.
A NEGOCIAÇÃO PROCESSUAL À LUZ DO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
Negócio jurídico, que é uma categoria muito desenvolvida no âmbito do direito privado, também existe no processo e será considerada processual sempre que puder interferir no processo.
Há negócios processuais que se referem ao objeto litigioso do processo, que é a conciliação, e que reproduz efeito para extingui-lo. Por outro lado, há negócios processuais que repercutem sobre o modo pelo qual o processo será desenvolvido. Quando se pensa em um acordo, de logo, imagina-se um acordo sobre o que está sendo discutido, embora seja possível se fazer um acordo sobre o modo de se discutir.
Com o advento do Novo Código de Processo Civil, em seu art.190[1], o legislador torna possível às partes negociarem sobre mudanças no procedimento ou situações jurídicas processuais, podendo essas serem de forma típica, quando há previsão expressa em lei, ou atípica quando não há essa previsão.
Trata-se de uma cláusula geral dos negócios processuais.
A doutrina tradicional sempre defendeu que só poderia se falar em negócio processual típico. Porém, o Novo Código não só inova outros casos de negócios típicos, como também cria uma cláusula geral de atipicidade da negociação processual. Assim, fica claro que não são os negócios processuais que são novos, e sim, a criação da atipicidade dos negócios processuais.
O professor Fredie Didier[2] dá alguns exemplos de negócios processuais atípicos: acordo de instância única (quando as partes aceitam a irrecorribilidade), acordo para criação de litisconsórcio necessário, acordo para tornar impenhorável um bem penhorável, acordo para criar prova ilícita, prova atípica negociada, acordo das partes para ampliar ou reduzir os prazos, acordo para dispensa de assistente técnico, acordo para não ter perícia, acordo para permitir ingresso de terceiro foras das hipóteses legais, acordo para autorizar ou proibir execução provisória, acordo para autorizar jurisdição por equidade, legitimação extraordinária convencionada, entre outros.
A criatividade vale para adequar às especificidades da causa aos desejos dos litigantes.
Destaco, inclusive, que não vislumbro óbice de os negócios processuais serem celebrados em matéria de direito indisponível. Isto porque a interferência das partes ocorre no modo pelo qual o processo se desenvolve, e não, em relação ao objeto da lide.
Certamente, um dos desafios dos próximos anos será definir os limites sobre o que se é possível convencionar.
Para colaboração na elucidação do tema, alguns Enunciados do Fórum Permanente de Processualistas Civis[3], assim dispõem:
Enunciados nº 06: “O negócio jurídico processual não pode afastar os deveres inerentes à boa-fé e à cooperação”.
Enunciado nº 19: “São admissíveis os seguintes negócios processuais, dentre outros: pacto de impenhorabilidade, acordo de ampliação de prazos das partes de qualquer natureza, acordo de rateio de despesas processuais, dispensa consensual de assistente técnico, acordo para retirar o efeito suspensivo da apelação, acordo para não promover execução provisória”.
Enunciado nº 20: “Não são admissíveis os seguintes negócios bilaterais, dentre outros: acordo para modificação da competência absoluta, acordo para supressão da 1ª instância”.
Enunciado nº 21: “São admissíveis os seguintes negócios, dentre outros: acordo para realização de sustentação oral, acordo para ampliação do tempo de sustentação oral, julgamento antecipado da lide convencional, convenção sobre prova, redução de prazos processuais”.
Outra questão relevante a respeito do tema é sobre a possibilidade de o juiz conhecer de ofício eventual descumprimento de negócio processual.
Consoante o disposto no parágrafo único do art. 190[4], o magistrado deve se limitar ao controle de validade do negócio processual, não podendo conhecer de ofício eventual descumprimento, salvo se se tratar de caso de nulidade ou abuso em contrato de adesão ou a parte se encontrar em situação manifesta de vulnerabilidade.
Assim, não sendo nenhum desses casos previstos, cabe unicamente a outra parte, intimada para se manifestar, alegar tal descumprimento. Caso a parte não se manifeste sobre o inadimplemento, como já defendem alguns autores, ocorreria o distrato do negócio.
O dispositivo inovador reforça a idéia de que é preciso se pensar um processo como ambiente propício para o exercício do autoregramento, princípio espalhado ao longo de todo o Código. A regra agora é a liberdade e fica superada a idéia de que a vontade das partes é irrelevante.
A meu ver, com o novo sistema, as partes deixam de ser coadjuvantes e passam a atuar como verdadeiros atores principais, rompendo-se com a idéia de condução absoluta do processo por parte do Estado-juiz, e, por conseguinte, com a retomada de dois preceitos liberais clássicos do ponto de vista jurídico: autonomia da vontade e liberdade das partes.
Porém, assim como a liberdade tem limites claros e definidos, o que é fundamental para a segurança jurídica, todo negócio processual deve obedecer a regras de validade e princípios norteadores. A respeito, trago aqui o seguinte pensamento:
“Por força do art. 190 do NCPC, portanto, não reputamos ser possível a pactuação de negócio jurídico processual que tenha por objeto deveres processuais imperativamente impostos às partes, sob pena de ser-lhe ilícito o objeto. Não vigora, ipso facto, o ‘vale tudo’ processual. O negócio jurídico processual não tem, e nem deve ter, esta extensão. […] Não se pode, é nossa convicção, dispor, em negócio jurídico processual, que uma decisão poderá ser não fundamentada, ou que não vigora o dever de cumprir as decisões judiciais. Admiti-lo seria algo comparável à admissão do objeto ilícito na celebração do negócio jurídico processual.”[5]
Destaco ainda o entendimento do jurista Daniel Amorim Assumpção Neves[6]:
“Quem sabe, com a ampliação do objeto do acordo procedimental, ele se torne mais frequente, em especial, na formatação de contratos que não contam com convenção de arbitragem. As partes não abririam mão do acesso ao Poder Judiciário, mas já estabeleceriam de antemão as regras procedimentais para futuro e eventual processo judicial. Sinceramente, acredito que a consagração efetiva do art. 190 do Novo CPC depende de uma mudança na cultura jurídica, tanto contratual como processual, e por isso nutro grandes expectativas práticas quanto à novidade.”
Percebe-se, então, um novo paradigma onde foram redefinidos os papéis dos atores do processo, que agora tem dono: as partes, tudo a fim de dar mais racionalidade ao procedimento e reforçar o acerto da decisão final.
CONCLUSÃO
O presente artigo tem como pretensão tecer algumas considerações que reputo importantes sobre a inovação do Código de Processo Civil, ao criar a Cláusula Geral de Negociação Processual, que tem como um dos principais objetivos, senão o principal o de reduzir a utilização do processo judicial - método até então predominante de resolução de conflitos. Não é à toa que o tema promete ser um dos mais palpitantes na doutrina nos próximos anos.
BRASIL. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm. Acesso em: 05 de junho de 2016.
DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil. v. 1. 17ª ed. Salvador : Jus Podivm, 2015.
ENUNCIADOS DO FÓRUM PERMANENTE DE PROCESSUALISTAS CIVIS. Vitória, 01 ,02 e 03 de maio de 2015. Disponível em: http://portalprocessual.com/wp-content/uploads/2015/06/Carta-de Vit%C3%B3ria.pdf. Acesso em: 05 de junho de 2016.
NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Novo CPC: inovações, alterações e supressões comentadas. São Paulo: Método, 2015
WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; CONCEIÇÃO, Maria Lúcia Lins; RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva; MELLO, Rogério Licastro Torres de. Primeiros comentários ao Novo Código de Processo Civil. Artigo por artigo. São Paulo: RT, 2015.
[1] Art.190, do CPC: Versando o processo sobre direitos que admitam autocomposição, é lícito às partes plenamente capazes estipular mudanças no procedimento para ajustá-lo às especificidades da causa e convencionar sobre os seus ônus, poderes, faculdades e deveres processuais, antes ou durante o processo.
[2] DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil. v. 1. 17ª ed. Salvador : Jus Podivm, 2015, p. 381.
[3] http://portalprocessual.com/wp-content/uploads/2015/06/Carta-de-Vit%C3%B3ria.pdf
[4] Art.190, parágrafo único, do CPC: De ofício ou a requerimento, o juiz controlará a validade das convenções previstas neste artigo, recusando-lhes aplicação somente nos casos de nulidade ou de inserção abusiva em contrato de adesão ou em que alguma parte se encontre em manifesta situação de vulnerabilidade.
[5] WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; CONCEIÇÃO, Maria Lúcia Lins; RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva; MELLO, Rogério Licastro Torres de. Primeiros comentários ao Novo Código de Processo Civil. Artigo por artigo. São Paulo: RT, 2015, p. 356-357.
[6] (NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Novo CPC: inovações, alterações e supressões comentadas. São Paulo: Método, 2015, p. 172).
Bacharela em Direito pela Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP). Pós-graduada em Prática Judicante pela Universidade Estadual da Paraíba - UEPB.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SARINHO, Barbara Lins Travassos. Da cláusula geral de negociação do processo Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 15 set 2016, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/47511/da-clausula-geral-de-negociacao-do-processo. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: ELISA CARDOSO BATISTA
Por: Fernanda Amaral Occhiucci Gonçalves
Por: MARCOS ANTÔNIO DA SILVA OLIVEIRA
Por: mariana oliveira do espirito santo tavares
Precisa estar logado para fazer comentários.