Resumo: O presente artigo objetiva analisar a ilegalidade da prisão preventiva decretada com fundamento na garantia da ordem pública, em decorrência do clamor social gerado pela infração penal. Para tal desiderato, serão realizadas breves considerações sobre a prisão preventiva. Por conseguinte, serão cotejados entendimentos doutrinários acerca da matéria. Por fim, verificar-se-á o entendimento do C. Superior Tribunal de Justiça acerca da problemática.
Palavras-chave: Prisão Preventiva. Garantia da Ordem Pública. Clamor Social. Superior Tribunal de Justiça.
Sumário: Introdução. 1. Breves considerações sobre a prisão preventiva. 2. Requisito Garantia da ordem pública. 3 A interpretação do requisito Garantia da ordem pública sob a ótica do clamor social. Conclusão. Referências.
Introdução
O presente trabalho guarda a legítima expectativa de apresentar ao leitor de forma resumida a origem da prisão preventiva, notadamente sob a ótica Constitucional de presunção de inocência.
Parte-se desta forma, da análise extremamente peculiar da relativização do estado de inocência ancorado em nível de Direitos e Garantias Fundamentais pela Constituição da República Federativa do Brasil.
Ultrapassada a fase introdutória e de compreensão da autorização desta segregação cautelar, será inaugurado o cerne deste trabalho, sendo a interpretação legal – de baixa contextualização, de um dos requisitos autorizadores da decretação da prisão preventiva, qual seja, a ‘garantia da ordem pública’, positivado no artigo 312, do Código de Ritos Penais.
Ato contínuo, por ocasião da provocação realizada, proceder-se-á ao estudo cirúrgico do requisito que sedimenta a elaboração deste artigo, em especial, o reflexo promovido pelo ‘clamor social’, no momento em que os operadores do direito necessitam apreciar o cabimento desta modalidade segregatória em crimes de grande repercussão – principalmente aqueles que envolvem vítimas ou autores famosos.
Por fim, já em sede conclusiva, será apresentado o posicionamento do autor deste estudo, fazendo análise comparativa das interpretações existentes, privando sempre por uma visão interpretativa sob a ótica do direito constitucionalizado.
É de curial importância revelar que as informações de maiores relevância trazidas no estudo, serão corroboradas com entendimento dos principais doutrinadores processualistas penais, bem como apresentar-se-á a utilidade e aplicação prática do instituto, através do repertório jurisprudencial contido no bojo do trabalho.
1. Breves considerações sobre a prisão preventiva
Com o advento da Constituição Federal de 1988, restou positivado no ordenamento jurídico pátrio o princípio de Presunção de Inocência daqueles jurisdicionados submetidos ao constrangimento da Ação Penal, cunhado no artigo 5º, inciso LVII do Texto Maior.
Ocorre que, conquanto a garantia elevada a nível constitucional de presunção de inocência, o Código de Ritos Penais estabelece situações específicas em que se admite a prisão antes do trânsito em julgado de sentença penal condenatória a título preventivo/cautelar.
Cumpre enaltecer que referida modalidade de segregação deve respeitar integralmente as normas estatuídas no Código de Processo Penal, bem como em demais diplomas que regulamentam a matéria, haja vista se tratar da privação de liberdade de indivíduo tecnicamente inocente.
Merece destaque na seara da prisão preventiva a redação incerta no artigo 312 do Código de Ritos Penais, dispositivo que informa as circunstâncias e condições imprescindíveis para a decretação da Prisão Preventiva.
Válido ressaltar também, que a prisão preventiva se qualifica como de natureza cautelar – consoante já exposto, ao passo que, a partir do momento que se perde de vista os elementos fáticos que sustentavam a manutenção deste decreto cautelar, deverá o jurisdicionado ser imediatamente posto em liberdade.
Verifica-se, portanto, que o ordenamento jurídico brasileiro, embora relativize a garantia constitucional de presunção de inocência, não subtrai do indivíduo de forma banal seu direito individual de liberdade, regulamentando de forma ríspida as hipóteses em que caberá a decretação de prisão preventiva, enaltecendo de maneira positivada o dever da autoridade judicial de revogar a segregação cautelar quando não mais existentes as razões que lhe sedimentaram quando do decreto prisional.
2. Requisito garantia da ordem pública
Ultrapassada a fase introdutória e de suporte científico para análise deste artigo, chega-se ao ápice do trabalho, que é a análise de um dos requisitos da decretação da prisão preventiva, sendo a garantia da ordem pública.
A expressão ‘garantia da ordem pública’ se constitui como polissêmica, tendo sido interpretada de formas distintas por alguns doutrinadores, ademais, não se tem um conceito exato do significado, cabendo ao intérprete, esmiuçá-lo.
Em decorrência da compatibilidade de argumentação se verificará que o trabalho estará se filiando ao posicionamento defendido, principalmente, pelo professor Nestor Távora, haja vista ser de melhor favorecimento ao investigado ou acusado, tendo em vista sua ótica constitucional.
Convém ressaltar também que Tourinho Filho, é adepto à corrente sustentada pelo doutrinador anteriormente citado, de vez que assoalha o entendimento de que a opinião social ou da própria mídia, não se confunde jamais com o caráter cautelar da prisão em estudo.
Vale registrar que há interpretações no sentido de que a prisão cautelar com esteio na ‘garantia da ordem pública’ se prestará também para acautelar o meio social e a própria credibilidade da justiça, aos fundamentos de que se trataria de uma ‘resposta’ à sociedade de que o Poder Judiciário não permanece inerte frente à violação das normas penais.
Irremediavelmente cumpre destacar que a doutrina em grande maioria repudia a decretação da segregação cautelar com esteio na garantia da ordem pública, na expectativa de proteger o acusado, ademais, sabe-se que o deve de guarda e tutela dos jurisdicionados é do Estado, não podendo, em hipótese alguma, esta responsabilidade ser transferida ao acusado de um delito.
Compete ainda evidenciar, diga-se de maneira exaustiva, a margem interpretativa calcada na reunião de fatores que sedimentaria a subsistência do requisito garantia da ordem pública.
É que se afastando da principal corrente de ótica Constitucional, revelada notadamente pelo doutrinador Nestor Távora, se verifica que a segunda melhor fonte interpretativa, seria a aglutinação de causas extraídas via interpretação do artigo 312 do Código de Processo Penal – em específico o requisito em estudo, no escopo de justificar eventual segregação cautelar.
Por fim, após as digressões executadas, ultrapassadas as interpretações diversas do requisito que serve de fundamento para o presente trabalho, colima-se a corrente doutrinária de maior compatibilidade particular.
Nestor Távora, (2013 p. 581/582):
Não se tem um conceito exato do significado da expressão ordem pública, o que tem levado a oscilações doutrinárias e jurisprudenciais quanto ao seu real significado. Em nosso entendimento, a decretação da preventiva com base neste fundamento, objetiva evitar que o agente continue delinqüindo no transcorrer da persecução criminal. A ordem pública é expressão de tranqüilidade e paz no seio social. Em havendo risco demonstrado de que o infrator, se solto permanecer, continuará delinqüindo, é sinal de que a prisão cautelar se faz necessária, pois não se pode esperar o trânsito em julgado da sentença condenatória. É necessário que se comprove este risco. As expressões usuais, porém evasivas, sem nenhuma demonstração probatória, de que o indivíduo é um criminoso contumaz, possuidor de uma personalidade voltada para o crime etc., não se prestam, sem verificação, a autorizar o encarceramento. A mera existência de antecedentes criminais também não seria, por si só, um fator de segurança, afinal, de acordo com a jurisprudência da Suprema Corte, o simples fato de já ter sido indiciado ou processado, implica no reconhecimento de maus antecedentes. Obriga-se assim ao magistrado contextualizar a prisão e seu fundamento. Se os maus antecedentes, ou outros elementos probatórios, como testemunhas e documentos, revelam que o indivíduo pauta o seu comportamento na vertente criminosa, permitindo-se concluir que o crime apurado é mais um, dentro da carreira delitiva, é sinal de que o requisito encontra-se atendido.
[...]
Filiamo-nos, como já destacado, à corrente intermediária, conferindo uma interpretação constitucional à acepção da ordem pública, acreditando que ela está em perigo quando o criminoso simboliza um risco, pela possível prática de novas infrações, caso permaneça em liberdade. Destarte, a gravidade da infração ou a repercussão do crime não seriam fundamentos idôneos à decretação prisional. Cabe ao técnico a frieza necessária no enfrentamento dos fatos, e se a infração impressiona por sua gravidade, é fundamental recorrer-se ao equilíbrio, para que a condução do processo possa desaguar na punição adequada, o que só então permitirá a segregação. Caso contrário, estaríamos antecipando a pena, em verdadeira execução provisória, ferindo de morte a presunção de inocência.
Nem se diga que a liberdade do infrator durante a persecução penal poderia afetar a imagem da justiça. Ora, sentimento popular não pode pautar a atuação judicial com repercussão tão gravosa na vida do agente. A política de ‘boa vizinhança’ com a opinião pública ou com a imprensa não pode levar ao descalabro de colocarmos em tabula rasa as garantias constitucionais, em prol da falaciosa sensação de segurança que o encarceramento imprimiria. A imagem do Judiciário deve ser preservada, com a condução justa do processo, não cabendo ao réu suportar este ônus com sua liberdade.
Advirta-se, por fim, que a preventiva não poderá ser decretada para preservação da integridade do próprio suspeito, por medo de que seja linchado ou assassinado por familiares da vítima. A toda evidência, a prisão não pode significar fator de preservação da integridade física do criminoso, cabendo ao Estado promover as condições necessárias para assegurá-la. (Grifou-se).
Filiando-se ao entendimento patrocinado pelo doutrinador supra, assenta-se a jurisprudência:
RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. ROUBO QUALIFICADO. PRISÃO EM FLAGRANTE CONVERTIDA EM PRISÃO PREVENTIVA. NECESSIDADE DA CUSTÓDIA CAUTELAR NÃO DEMONSTRADA. AUSÊNCIA DE MOTIVAÇÃO CONCRETA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. RECURSO PROVIDO. 1. A prisão cautelar, ex VI do art. 312 do código de processo penal, é medida extrema e excepcional, sendo imprescindível, para sua decretação, em face do princípio constitucional da inocência presumida, que seja apontada, concretamente, sua necessidade, bem assim sejam indicados, objetivamente, os requisitos autorizadores da constrição. 2. Não pode o magistrado tecer considerações abstratas, sem comprovar a existência dos pressupostos e motivos autorizadores da medida cautelar, com a devida indicação dos fatos concretos legitimadores de sua manutenção, nos termos do art. 93, inciso IX, da Constituição Federal. 3. In casu, a decisão que converteu a prisão em flagrante em prisão preventiva, mantida pelo acórdão recorrido, apesar de a folha de antecedentes do recorrente não apresentar qualquer intercorrência penal, está motivada na garantia da ordem pública, em face de supostos antecedentes e reincidência, o que indicaria sua personalidade voltada para a prática de delitos. 4. Recurso provido para revogar a prisão preventiva decretada contra o recorrente, com aplicação de medidas cautelares do art. 319 do código de processo penal, conforme ressaltado no voto. (STJ; RHC 37.912; Proc. 2013/0153892-2; MG; Quinta Turma; Relª Minª Laurita Vaz; DJE 21/06/2013; Pág. 1382). (Grifou-se).
3. A interpretação do requisito garantia da ordem pública sob a ótica do clamor social
O estudo realizado no capítulo anterior possibilitou a verificação de interpretações distintas do requisito ‘garantia da ordem pública’, insculpido no artigo 312 do Código de Ritos Penais.
Exatamente no bojo destas interpretações é que advém a exegese sob a ótica do clamor social provocado por determinado delito, tema este, inclusive já abordado superficialmente pelos doutrinadores apontados no tópico anterior.
Todavia, por ocasião do reflexo direto no cerne deste trabalho, exige-se uma avaliação verticalizada do tema em estudo, ao passo que a ilegalidade suscitada pelo trabalho advém justamente dos efeitos deste ‘clamor social’, pautado na análise do texto legal, merecendo, portanto, um item específico para tratar o tema.
É que conforme bem registrado nas linhas anteriores, por vezes, a repercussão de um delito por meio – em regra da imprensa, surte no meio social acaloradas opiniões sobre o meio empregado na prática criminosa, como a própria infração em si.
É nesta seara que alguns doutrinadores, na expectativa de ofertarem subsídios aos executores da atividade jurisdicional, sustentam que este ‘clamor público/social’, provocado pela prática de um crime, seria também suficiente à ensejar o decreto prisional, calcado na garantia da ordem pública – requisito incerto no corpo do artigo 312 do Código de Processo Penal.
Vale colacionar a lição exarada por Guilherme de Souza Nucci (2013 p. 670) acerca deste reflexo social em decorrência da prática criminosa:
[...] Entretanto, não menos verdadeiro é o fato de que o abalo emocional pode dissipar-se pela sociedade, quando o agente ou a vítima é pessoa conhecida, fazendo com que os olhos se voltem ao destino dado ao autor do crime. (Grifou-se).
Sob a ótica ponderada nos parágrafos anteriores, capitaneada pelo doutrinador citado acima, é que se verifica a possibilidade de decretação da prisão preventiva em decorrência deste clamor – opinião, ovulada pelo delito praticado pelo agente.
Inimaginável perder de vista, que a doutrina mantenedora desta corrente interpretativa – possibilidade de decretação de prisão preventiva com supedâneo na garantia da ordem pública, em decorrência do clamor social, alimenta a expectativa de que assim procedendo, o Judiciário estaria respondendo aos jurisdicionados na medida de sua repudia ao fato criminoso ocorrido.
O que se pretende em verdade – norteado por esta linha de raciocínio, seria zelar pela imagem do Poder Judiciário, na aplicação pronta e eficaz da lei penal, notadamente nos casos em que a população – especialmente do distrito da culpa, pugna e aguarda providências imediatas.
É o que se deflui dos ensinamentos de Guilherme de Souza Nucci (2013 p. 670):
Nesse aspecto, a decretação da prisão preventiva pode ser uma necessidade para a garantia da ordem pública, pois se aguarda uma providência do Judiciário como resposta a um delito grave, envolvendo pessoa conhecida (autor ou vítima). Se a prisão não for decretada, o recado à sociedade poderá ser o de que a lei penal é falha e vacilante, funcionando apenas contra réus e vítimas anônimas.
Na mesma esteira lógica, acompanha Fernando Capez (2010 p.323):
A prisão cautelar é decretada com a finalidade de impedir que o agente, solto, continue a delinqüir, ou de acautelar o meio social, garantindo a credibilidade da justiça, em crimes que provoquem grande clamor popular.
No primeiro caso, há evidente perigo social decorrente da demora em se aguardar o provimento definitivo, porque até o trânsito em julgado da decisão condenatória o sujeito já terá cometido inúmeros delitos.
Na segunda, a brutalidade do delito provoca comoção no meio social, gerando sensação de impunidade e descrédito pela demora na prestação jurisdicional, e de tal forma que, havendo ‘fumus boni iuris’, não convém aguardar-se até o trânsito em julgado para só então prender o indivíduo. (Grifou-se).
A hermenêutica polissêmica do conceito inserido em um dos requisitos de decretação da segregação cautelar a título de preventiva, oferece à atividade judicante à interferência subjetiva do aplicador da Lei, de sorte que se verificará inúmeras decisões aparentemente conflitantes em meio aos órgãos jurisdicionais.
Isto ocorre, haja vista a possibilidade de interpretação subjetiva do requisito em estudo, como se representado com fundamento no clamor social provocado pelo crime executado pelo agente, e, noutro giro, a exegese de ótica Constitucional, claramente visualizada, no sentido de que se representaria tão somente diante da probabilidade do sujeito ativo do delito tornar à prática criminosa.
Inobstante a oscilação em sede de Juízes de Direito e Tribunais Estaduais ou Regionais, se depreende uma unicidade interpretativa junto ao Colendo Superior Tribunal de Justiça e o Excelso Supremo Tribunal Federal, obviamente, sob o crivo interpretativo Constitucional do requisito sob exame.
Entrementes, não raro a mídia surpreende com informações dando conta de que um determinado fato criminoso ocorrido abalou determinado meio social, e, ao se verificar atos processuais desencadeados deste delito, já sob a ótica acadêmica, se depreende o cerceamento da liberdade de locomoção do indivíduo, em decorrência deste espalhafato apresentado pelos meios de comunicação.
Se verificará, portanto, que a segregação do agente – propulsor de um fato criminoso, ocorrerá especificamente em decorrência da repercussão causada pelo delito, e o consequente clamor social/público, aludido pela doutrina acostada nos parágrafos anteriores.
Observe-se a fixação interpretativa da corrente delineada neste capítulo, consoante o julgado abaixo colacionado:
HABEAS CORPUS. PROCESSO PENAL. HOMICÍDIO QUALIFICADO. PRISÃO PREVENTIVA. PERICULOSIDADE CONCRETA DO ACUSADO. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA QUE RECOMENDA A MEDIDA CONSTRITIVA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO EVIDENCIADO. ORDEM DENEGADA. 1. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça tem consagrado o entendimento de que o juízo valorativo sobre a gravidade genérica do delito e o clamor ou comoção social não constituem, por si sós, fundamentação idônea a autorizar a prisão preventiva (V.g. HC nº 44.833/MT, 5ª Turma, Rel. Min. GILSON Dipp, DJ de 19/09/2005). 2. Na espécie, porém, a segregação questionada encontra-se suficientemente fundamentada, em face das circunstâncias do caso que, pelas características delineadas, retratam, in concreto, a periculosidade do agente, a indicar a necessidade de sua segregação para a garantia da ordem pública. Conforme salientado, é de se observar a "extrema violência e frieza empregadas no delito", uma vez que o Paciente disparou espingarda contra a vítima na residência onde moravam juntos, o que efetivamente causou temor generalizado na família e na pequena cidade de Comendador Gomes/MG. 3. É importante ressaltar, ainda, que o Superior Tribunal de Justiça já firmou o entendimento de que "o modus operandi, os motivos, a repercussão social, dentre outras circunstâncias, em crime grave (na espécie, inclusive, hediondo), são indicativos, como garantia da ordem pública, da necessidade de segregação cautelar, dada a afronta a regras elementares de bom convívio social" (RHC 15.016/SC, 5ª Turma, Rel. Min. Felix Fischer, DJ de 09/02/2004). Precedentes do STJ e STF. 4. Ordem denegada. (STJ; HC 198.499; Proc. 2011/0039262-9; MG; Quinta Turma; Relª Minª Laurita Hilário Vaz; Julg. 13/12/2011; DJE 01/02/2012). (Grifou-se).
Conclusão
Com base nos argumentos expostos, depreende-se que a Constituição Federal assegura em nível de Direitos e Garantias Fundamentais o estado de presunção de inocência dos jurisdicionados, e ainda, seu direito de ir e vir, ao passo que a inclusão da prisão cautelar – configurando-se a partir daí modalidade de execução provisória de pena, reclama por observância de regras Constitucionais.
Exatamente nesse contexto é que se depreende a mitigação do estado Constitucional de presunção de inocência, em se tratado de necessidade da segregação cautelar – espécie Preventiva, imperativamente, quando verificados os requisitos e pressupostos insculpidos nos artigos 312 e 313, do Código de Processo Penal.
A apreciação dos pressupostos e requisitos da Prisão Preventiva no presente estudo transcorreu de maneira tranquila, até depara-se com um destes, sendo o cerne do trabalho, qual seja, ‘a garantia da ordem pública’, previsto no artigo 312, do Código de Ritos Penais.
Se percebeu a celeuma interpretativa que recai sobre referido requisito, haja vista que se faz presente sua exegese sob as mais diversas margens interpretativas, de vez que a própria legislação processual penal, em si, não delimitou a abrangência hermenêutica, ficando à cargo dos operadores do direito.
Entrementes, imperioso revelar que o sistema jurídico deve ser analisado como um conjunto acoplado e interligado, ao passo que, notadamente as normas infraconstitucionais – incluindo-se aqui o Código de Processo Penal que regula a prisão preventiva, devem guardar continência ao texto promulgado pelo legislador Constituinte, haja vista estar se tratado do direito à liberdade de locomoção dos indivíduos.
A expectativa conclusiva não caminha aqui, no sentido de que se deveria promover uma unicidade interpretativa do requisito ‘garantia da ordem pública’ – fundamentador da prisão preventiva, uma vez que nem mesmo a legislação processual penal se desincumbiu deste ônus, quiçá o intérprete, que, não obstante as fortes correntes jurisprudenciais e doutrinárias já firmadas, não atraem para si, a força vinculante.
Todavia, é de curial importância que o operador do direito não extrapole a margem interpretativa do requisito em estudo, considerando que, conforme já explanado em linhas anteriores, o sistema jurídico deve ser apreciado de forma conjunta, sempre submissa ao texto Constitucional, haja vista estar mitigando o direito à liberdade do indivíduo.
Inadmissível que uma mera opinião pública emitida através do clamor social, se preste a nortear a restrição deste direito, uma vez que conforme cediço, deve o julgador promover seu convencimento através das circunstâncias objetivas e subjetivas constantes do caderno processual, ferindo de morte a legislação processual e Constitucional, quando vincular-se, ainda que superficialmente aos fundamentos do meio social.
Depreende-se do presente estudo, notadamente quando da interpretação do requisito ‘garantia da ordem pública’ - sob a ótica do clamor social, assentamentos interpretativos conduzidos à barbárie de que hipotético ato criminoso que envolva vítima ou acusado popularmente conhecido, impunha a necessidade de segregação cautelar preventiva, aos fundamentos de que os ‘olhos da sociedade automaticamente se voltariam para este jurisdicionado’.
Todavia, cumpre enaltecer que se apresenta em caráter inexorável a garantia Constitucional estatuída no artigo 5º, caput, da Constituição da República Federativa do Brasil, representada pelo ‘princípio da igualdade’, ao passo que, inadmissível conferir tratamento distinto em situações análogas, sob pena de emergir a partir de então, um cárcere seletivo, com espeque na segregação cautelar preventiva.
Pautado nas premissas operacionalizadas nos parágrafos anteriores, é que se verifica de forma uma tanto razoável a interpretação restritiva do requisito em análise, tendo em vista que o próprio sistema processual penal, é orientado pelo princípio in dubio pro reo, de sorte que, não nos aparenta lógico, que intérprete promova uma estratificação do texto da lei processual em prejuízo aos interesses do jurisdicionado submetido ao constrangimento da ação penal.
Neste diapasão é que se impõe a filiação à corrente doutrinária e jurisprudencial que preconiza o cabimento da decretação da prisão preventiva com suporte na ‘garantia da ordem pública’, estritamente na hipótese em que o indivíduo a ser segregado oferecer risco à paz social, traduzindo-se para tanto, aquela circunstância em que, caso em liberdade, volte à delinquir.
Por fim, é de curial importância revelar que não se pode admitir que meras expectativas ensejem a possibilidade deste agente voltar a cometer delitos, e sim, carecendo de uma análise aprofundada de sua personalidade, com esteio nos elementos trazidos aos autos do processo criminal.
Ademais, a Suprema Corte já firmou entendimento no sentido de que a mera existência de antecedentes criminais não seria por si só, um fator de insegurança, devendo o Magistrado pautar sua decisão de forma contextualizada à prisão e seus fundamentos.
Cabe, portanto, ao técnico a frieza necessária no enfrentamento dos fatos, e se a infração impressiona por sua gravidade, é fundamental recorrer-se ao equilíbrio, para que a condução do processo possa desaguar na punição adequada, o que só então permitirá eventual segregação do indivíduo.
A política de ‘boa vizinhança’ com a opinião pública ou com a imprensa não pode levar ao descalabro de colocarmos em tabula rasa as garantias Constitucionais, em prol da falaciosa sensação de segurança que o encarceramento imprimiria.
Eventual privação e zelo pela imagem do Poder Judiciário deverão ser realizados com uma condução justa e efetiva do processo criminal, não cabendo, em hipótese alguma, transferir este gravoso ônus ao réu, diga-se, à sua liberdade de locomoção.
Referências
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BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 05 de outubro de 1988. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm> Acesso em: 09 set. 2016.
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Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito de Cachoeiro de Itapemirim - FDCI. Pós-graduado em Direito Processual. Advogado.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SOUZA, Tadeu Trancoso de. A ilegalidade da prisão preventiva decretada com supedâneo na garantia da ordem pública em decorrência do clamor social Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 19 set 2016, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/47526/a-ilegalidade-da-prisao-preventiva-decretada-com-supedaneo-na-garantia-da-ordem-publica-em-decorrencia-do-clamor-social. Acesso em: 23 dez 2024.
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