RESUMO: O presente trabalho, resultado de pesquisas jurídicas em diversas obras, autores e jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, versa sobre tema relevante no estudo da Teoria dos Contratos. Desenvolve-se um raciocínio acerca da revisão contratual e Teoria da Imprevisão homenageada no Diploma Privado. Para tanto, faz-se uma abordagem histórica, de modo a demonstrar a evolução no tempo. Outrossim, através de uma investida doutrinária e jurisprudencial, busca-se analisar a revisão contratual de modo geral e em especial nos casos atinentes à Teoria da Imprevisão.
Palavras chave: Direito Civil. Revisão contratual. Teoria da imprevisão.
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
No presente trabalho buscar-se-á explanar acerca da teoria da imprevisão contratual e sua consequente revisão, como forma de manter a avença e minimizar os danos às partes. Para tanto, faremos uma breve viagem conceito-temporal de modo a adentrarmos no tema de forma precisa.
O contrato é uma avença de vontade entre duas ou mais partes, o qual possui importante função na movimentação de riquezas de um Estado. Juridicamente o contrato é uma espécie de negócio jurídico.
[...] o contrato é uma categoria jurídica que está a se alargar no próprio campo do Direito Civil; além de ser fonte de obrigações, na sua função tradicional atribuída no Direito Romano, opera, em alguns sistemas jurídicos, na esfera das relações reais, constituindo e transferindo direitos reais. Admite-se, demais disso, que o contrato não é apenas constitutivo de obrigações, mas também modificativo e extintivo.[1]
Como forma de movimentação de riqueza, a extinção do contrato afeta diretamente a economia do Estado, motivo pelo qual ao sistema jurídico cabe a regulação dos efeitos dos contratos e principalmente dos efeitos de sua extinção, e quando a mesma é cabível.
Em contrapartida à extinção do contrato, com intento de garantir a segurança jurídica e a vontade dos contratantes surgiu, há muito tempo, a cláusula rebus sic stantibus, segundo a qual os contratos firmados entre os combinantes permanecerão, a todo tempo, em estado de equilíbrio, mesmo que para isso seja necessária a modificação originariamente acordada.
Ou seja, segundo a cláusula supra indicada os contratos que tem sua situação de execução diferida no tempo ou de trato sucessivo, pois só quanto a estes há que se falar em modificação de situação anteriormente acordada, tendo em vista que a modificação da situação primária requer o transcurso do tempo, conforme veremos, devem ser adequados de modo a que o tempo não iniba o equilíbrio entre os contraentes, devendo para isso haverem ajustes na relação contratual, caso seja necessário.
Muito embora haja controvérsias sobre a origem da cláusula, se advinda do Direito Romano ou do período medieval, sabe-se que a mesma foi amplamente admitida do século XVIII. Com a revolução francesa e a instauração do Estado liberal, assentado em bases individualistas, a cláusula entrou em decadência, não sendo positivada no Código Napoleônico, de 1804, e, tampouco, no Código Civil Alemão, de 1896.[2]
Mais que antiga, a cláusula de revisão contratual remete-nos aos momentos econômicos históricos, deixando de ser considerada em oportunidades extremamente individualistas (liberalismo econômico) e voltando à tona com o interesse econômico social e novas conjunturas políticas, as quais se inauguraram com o término da 1ª Guerra Mundial.
Durante a Grande Guerra houveram situações contratuais que se modificaram drasticamente, outrossim, as relações começaram a se entrelaçar e intensificar, motivo pelo qual foi dada uma nova roupagem à cláusula revisionista através da Teoria da Imprevisão e, a partir de então, definitivamente constatar-se que o vínculo contratual é dinâmico, e está sujeito à influência de fatores determinantes de injunções da sociedade.[3]
No Brasil, o Código Civil de 1916, a exemplo do Código Napoleônico, nada dispunha sobre a revisão contratual, apesar de a jurisprudência cavalgar neste sentido. Os primeiros Diplomas normativos que trataram do assunto foram a Constituição Federal de 1988 e posteriormente o Código de Defesa do Consumidor. Hoje, com o advento do Código Civil de 2002, temos o regramento da Teoria da Imprevisão explicitamente previsto para as relações privadas.
Feito este breve aparato histórico, de modo a anteceder a análise direta do tema, importante fazermos uma viagem principiológica na teoria dos contratos, de modo a perceber os pilares da revisão contratual.
Inicialmente temos o princípio da autonomia da vontade, segundo o qual o contratante tem a possibilidade de escolher com quem contrata, o que contrata e de que modo contrata, sendo oriundo do século XIX, como reflexo do liberalismo:
O princípio da liberdade de contratação é de fundamental importância na circulação de riquezas. Assim, as pessoas gozam do direito de decidir livremente com quem contratar e têm liberdade para convencionar os termos de cada uma das suas operações. A liberdade de contratar é concebida, em primeiro lugar, como o poder de auto-regulamentação dos interesses privados. Apresenta-se em seguida a atuação da vontade, manifestando-se sob três aspectos: liberdade de contratar propriamente dita, liberdade de estipular o contrato e liberdade de estruturar o conteúdo do contrato. [4]
Entretanto, com os abusos ocasionados pela vontade livre de contratar, a lei passou a regulá-la e consequentemente limitar nos dizeres normativos, tendo então surgido o princípio liberdade contratual, previsto inclusive no art. 421 do Código Civil vigente: “A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato.”[5]
Outro importante princípio é da obrigatoriedade do contrato. Segundo este preceito o contrato faz lei entre as partes (pacta sunt servanda). É justamente sobre este princípio que atual a revisão contratual, afastando a obrigatoriedade originária da avença e dando-lhe feições equânimes entre as partes. Havida a revisão da avença, o contrato mantém-se obrigatório para as partes.
Nos termos do dispositivo legal supra mencionado, observa-se que a Lei também previu o princípio da função social do contrato, no qual teremos um verdadeiro limite à autonomia da vontade, ou seja, para contratar, além da vontade dos concordantes, o contrato deve ser de interesse para a própria sociedade, caso contrário o mesmo não poderá ser celebrado.
No novo Código Civil a função social surge relacionada à "liberdade de contratar", como seu limite fundamental. A liberdade de contratar, ou autonomia privada, consistiu na expressão mais aguda do individualismo jurídico, entendida por muitos como o toque de especificidade do Direito privado. São dois princípios antagônicos que exigem aplicação harmônica. No Código a função social não é simples limite externo ou negativo, mas limite positivo, além de determinação do conteúdo da liberdade de contratar. Esse é o sentido que decorre dos termos "exercida em razão e nos limites da função social do contrato.[6]
Outro princípio relevante é o da boa-fé objetiva, segundo o qual a parte deve conduzir-se com honestidade, retidão, lealdade, e sobretudo atenta às expectativas geradas através de suas condutas.[7] A aferição deste preceito é feita diante da conduta dos contratantes, motivo pelo qual difere da boa-fé subjetiva, a qual consta no íntimo dos contratantes, de apuração quase que impossível para o operador do Direito.
Para finalizar esta parte instrutória, necessário falarmos sobre os princípios do equilíbrio econômico do contrato e da conservação do contrato.
O princípio do equilíbrio econômico diz respeito à ideia de Justiça no seu mais puro sentido, ou seja, a prestação deve ser condizente à contraprestação, não pode haver desproporção absurda entre ambas, pelo contrário, é aceitável a observância de desproporções, desde que seja em um nível razoável.[8]
Já a conservação contratual está intimamente ligada à função social do contrato e a evitar maiores prejuízos para qualquer das partes, mantendo o contrato com a repartição dos ônus e em atenção à vontade das partes e ao interesse social. Destarte, quando possível sua revisão, não deverá o mesmo ser extinto.[9]
Eis o ensinamento da professora Cláudia Lima Marques, ao realizar um aparato geral acera dos princípios antes elencados e a evolução do pensamento jurídico, diante de uma sociedade preocupada com os reflexos das relações privadas:
À procura do equilíbrio contratual, na sociedade de consumo moderna, o direito destacará o papel da lei como limitadora e como verdadeira legitimadora da autonomia da vontade. A lei passará a proteger determinados interesses sociais, valorizando a confiança depositada no vínculo, as expectativas e a boa-fé das partes contratantes.
Conceitos tradicionais como os do negócio jurídicos e da autonomia da vontade permanecerão, mas o espaço reservado para que os particulares auto-regulem suas relações será reduzido por normas imperativas, como as do próprio Código de defesa do Consumidor. É uma nova concepção de contrato no Estado Social, em a vontade perde a condição de elemento nuclear, surgindo em seu lugar elemento estranho às partes, mas básico para a sociedade como um todo: o interesse social. Haverá um intervencionismo cada vez maior do Estado nas relações contratuais, no intuito de relativizar o antigo dogma da autonomia da vontade com as novas preocupações de ordem social, como a imposição de um novo paradigma, o princípio da boa-fé objetiva. É o contrato, como instrumento à disposição dos indivíduos na sociedade de consumo, mas assim como o direito de propriedade, agora limitado e eficazmente regulado para que alcance a sua função social.[10]
Pois bem, após este arremate teórico e a apresentação das premissas históricas e principiológica feitas neste momento instrutório, passemos à análise do tema proposto.
REVISÃO CONTRATUAL E TEORIA DA IMPREVISÃO NO ÂMBITO DO CÓDIGO CIVIL
A primeira legislação a tratar diretamente sobre a teoria da imprevisão, corolário da revisão contratual, foi uma norma francesa que regulava as modificações de situações bruscas causadas pela 1ª Grande Guerra.
Neste sentido, Pablo Stolze Gagliano verifica a modificação de roupagem do princípio rebus sic stantibus, conceituando da seguinte forma a teoria da imprevisão:
Com nova roupagem jurídica, a cláusula rebus sic stantibus desponta sob a denominação de teoria da imprevisão – consistente no reconhecimento de que a ocorrência de acontecimentos novos, imprevisíveis pelas partes e a elas não-imputáveis, refletindo sobre a economia ou na execução do contrato, autorizam sua revisão, para ajustá-lo às circunstâncias supervenientes.[11]
De forma complementar, eis as palavras de Rogério Ferraz Donnini:
Para que a prestação assumida num contrato não se tornasse, algumas vezes, a ruína de um dos contratantes e, quase sempre, o enriquecimento sem causa do outro, diante de um acontecimento imprevisível e extraordinário, é que foi criada a cláusula rebus sic stantibus, modernamente denominada teoria da imprevisão. Trata-se de flexibilização do princípio da intangilibilidade contratual, visando o restabelecimento da comutatividade (equilíbrio das prestações), por meio de intervenção judicial que tem por objetivo a revisão da avença ou sua resolução.[12]
Pois bem, a Teoria da Imprevisão é instrumento do principio da conservação dos contratos, limitando ainda mais a autonomia da vontade dos contratantes, em vista do bem social, modificando o originariamente contratado e fazendo Lei entre as partes após a correção do desequilíbrio.
Em nossa legislação privada vigente alguns dispositivos atentam para a prioridade da revisão contratual, e não sua extinção, consagrando o princípio da conservação do contrato, de modo a evitar os graves efeitos da resolução da avença, seja para os contratantes, seja para a própria sociedade e até mesmo para terceiros.
Art. 317. Quando, por motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção manifesta entre o valor da prestação devida e o do momento de sua execução, poderá o juiz corrigi-lo, a pedido da parte, de modo que assegure, quanto possível, o valor real da prestação.
Art. 479. A resolução poderá ser evitada, oferecendo-se o réu a modificar eqüitativamente as condições do contrato.
Art. 480. Se no contrato as obrigações couberem a apenas uma das partes, poderá ela pleitear que a sua prestação seja reduzida, ou alterado o modo de executá-la, a fim de evitar a onerosidade excessiva.[13]
Todos estes dispositivos homenageiam a conservação do contrato em detrimento de sua extinção, e modo a colocar a resolução da avença de modo subsidiário, ou seja, apenas quando impossível sua revisão.
Destarte, resta claro que a revisão contratual é instrumento da conservação dos contratos, só havendo possibilidade de o acordo ser extinto em caso de demonstrar-se imprestável sua revisão.
Válido observar que os três dispositivos colacionados fazem referência direta à vontade ou mesmo iniciativa de pelo menos uma das partes para a manutenção da avença. Destarte, buscando um dos contratantes o Judiciário, deverá o magistrado agir de forma diligente a revisar o contrato não mais equilibrado, devolvendo-lhe seu equilíbrio, imiscuindo-se na vontade dos concordantes.
Outrossim, a estipulação legal da Teoria da Imprevisão encontra guarida cristalina no art. 478 do Código Civil, o qual disciplinou a atuação do magistrado diante de contratos de trato diferido ou de execução continuada nos quais haja modificação substancial entre a prestação e a contraprestação, in verbis:
Art. 478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação.[14]
Pois bem, é sobre este dispositivo que nos debruçaremos a partir de agora.
Segundo o dispositivo, será necessário, para verificação da teoria da imprevisão, estarem presentes alguns pressupostos fáticos.
Inicialmente há necessidade de estar-se diante de contrato de execução continuada ou diferida. Segundo Maria Helena Diniz, contratos de execução continuada são aqueles que “se protraem no tempo, caracterizando-se pela prática ou abstenção, solvendo-se num espaço mais ou menos longo. Ocorrem quando a prestação de um ou de ambos os contraentes se dá a termo.”[15] Já os contratos de execução diferida são os que deverão ser adimplido a termo, sem qualquer prestação ou adimplemento imediato.
Outra circunstância que deve estar presente é a excessiva onerosidade. Segundo Orlando Gomes ocorre excessiva onerosidade “quando prestação relativa a uma obrigação contratual torna-se, no momento da execução, bem mais gravosa do que era no momento em que surgiu.”[16]
Ressalte-se que a extrema onerosidade não se confunde com a impossibilidade do adimplemento, a qual se caracteriza como caso fortuito ou força maior. A onerosidade excessiva está no âmbito do adimplemento possível, mas extremamente dificultado pela modificação da situação a quo.[17]
Ainda sobre a aferição da onerosidade, Orlando Gomes defende a demonstração da onerosidade de forma objetiva, ou seja, diante de uma percepção das condições do devedor face à situação das pessoas integrantes da sociedade[18]. Já Raquel Salles, em entendimento a nosso ver mais acertado, defende a apreciação da extrema dificuldade do adimplemento frente à singularidade da situação do devedor.[19]
Não bastasse isto, deve ser demonstrada a afetação do outro polo contratual, ou seja, é necessário que não só haja excessiva onerosidade, mas também extrema vantagem para o credor diante da modificação da situação contratual.
Por fim, para a verificação da Teoria da Imprevisão adotada no Brasil, o Código Civil ainda estipulou a necessidade de apreciação das causas do desequilíbrio terem sido provenientes de evento extraordinário e imprevisível. Extraordinário no sentido de não ser comum, ser algo além do normal, e imprevisível como algo que não poderia ser esperado ou mesmo previsto pelas partes. Tal verificação deve ser vista no momento em que os concordantes firmaram a avença.
Pois bem, presentes os requisitos do art. 478 do Código Civil, prevê o dispositivo a resolução do contrato. Mas seria esta a medida mais salutar?
Em uma interpretação apressada e literal do dispositivo mencionado, poderia o operador do direito chegar a uma reposta positiva, todavia, diante do sistema jurídico introduzido pelo Diploma Civil, percebemos que a resolução não é medida a ser adotada prima facie.
Conforme já constatado neste trabalho, os arts. 317, 479 e 480 do Código Civil homenagearam a conservação contratual, reputando à ultima ratio a extinção da avença. No esteio destes artigos, é correto concluir que o atual Código Civil, conforme já destacamos, aderiu amplamente ao princípio da conservação dos contratos. Sendo assim, a correta interpretação do art. 478 do CC/02 deságua na necessária revisão contratual, e só em caso de impossibilidade da modificação da avença desequilibrada é que se passará à extinção do acordo.
Este é o entendimento enunciado pelas Jornadas de Direito Civil da Justiça Federal, sob o nº 176:
176 – Art. 478: Em atenção ao princípio da conservação dos negócios jurídicos, o
art. 478 do Código Civil de 2002 deverá conduzir, sempre que possível, à revisão
judicial dos contratos e não à resolução contratual.[20]
Outrossim, o entendimento da Jurisprudência pátria sobre o assunto também é neste sentido, ratificando o entendimento enunciado e reconhecendo a obrigatoriedade da revisão contratual, admitindo a extinção da avença de forma subsidiária, devendo, inicialmente, haver a tentativa da revisão contratual:
RECURSO ESPECIAL – CONTRATO DE SEGURO-SAÚDE DE REEMBOLSO DE DESPESAS MÉDICO-HOSPITALARES – PLANO EMPRESARIAL – CONTRATO FIRMADO ENTRE O EMPREGADOR E A SEGURADORA – NÃO-APLICAÇÃO DO CDC - CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR - E DA HIPOSSUFICIÊNCIA NA RELAÇÃO ENTRE AS EMPRESAS CONTRATANTES – CONTRATO ONEROSO – REAJUSTE – POSSIBILIDADE – ARTIGOS 478 e 479 DO CÓDIGO CIVIL – RECURSO ESPECIAL IMPROVIDO. I - Trata-se de contrato de seguro de reembolso de despesas de assistência médica e/ou hospitalar, firmado entre duas empresas. II - A figura do hipossuficiente, que o Código de Defesa do Consumidor procura proteger, não cabe para esse tipo de relação comercial firmado entre empresas, mesmo que uma delas seja maior do que a outra e é de se supor que o contrato tenha sido analisado pelos advogados de ambas as partes. III - Embora a recorrente tenha contratado um seguro de saúde de reembolso de despesas médico-hospitalares, para beneficiar seus empregados, dentro do pacote de retribuição e de benefícios que oferta a eles, a relação da contratante com a seguradora recorrida é comercial. IV - Se a mensalidade do seguro ficou cara ou se tornou inviável paras os padrões da empresa contratante, seja por variação de custos ou por aumento de sinistralidade, cabe ao empregador encontrar um meio de resolver o problema, o qual é de sua responsabilidade, pois é do seu pacote de benefícios, sem transferir esse custo para a
seguradora. A recorrida não tem a obrigação de custear benefícios para os empregados da outra empresa. V - A legislação em vigor permite a revisão ou o reajuste de contrato que causa prejuízo estrutural (artigos 478 e 479 do Código Civil – condições excessivamente onerosas). Não prospera o pleito de anulação da cláusula de reajuste, pois não se configura abusividade o reequilíbrio contratual. VI – Recurso especial improvido.[21]
No presente julgado, restou claro o entendimento do Superior Tribunal de Justiça quanto à possibilidade da revisão contratual em caso de configuradas as hipóteses do art. 478 do Código Civil. Eis entendimento correlato do mesmo Tribunal:
Civil. Recurso especial. Ação revisional de contratos de compra e venda de safra futura de soja. Ocorrência de praga na lavoura, conhecida como 'ferrugem asiática'. Onerosidade excessiva. Pedido formulado no sentido de se obter complementação do preço da saca de soja, de acordo com a cotação do produto em bolsa que se verificou no dia do vencimento dos contratos. Impossibilidade. Direito Agrário. Contrato de compra e venda de soja. Fechamento futuro do preço, em data a ser escolhida pelo produtor rural. Ausência de abusividade. Emissão de Cédula de Produto Rural (CPR) em garantia da operação. Anulação do título, porquanto o adiantamento do preço consubstanciaria requisito fundamental. Reforma da decisão.
Reconhecimento da legalidade da CPR. Precedentes. - Nos termos de precedentes do STJ, a ocorrência de 'ferrugem asiática' não é fato extraordinário e imprevisível conforme exigido pelo art. 478 do CC/02. - A Lei 8.929/94 não impõe, como requisito essencial para a emissão de uma Cédula de Produto Rural, o prévio pagamento pela aquisição dos produtos agrícolas nela representados. A emissão desse título pode se dar para financiamento da safra, com o pagamento antecipado do preço, mas também pode ocorrer numa operação de 'hedge', na qual o agricultor, independentemente do recebimento antecipado do pagamento, pretende apenas se proteger contra os riscos de flutuação de preços no mercado futuro. Recurso especial conhecido e provido.[22]
Já neste caso, temos um pedido de revisão contratual ao qual o STJ, apesar de reconhecer a possibilidade da readequação da avença no caso do art. 478 do CC/02, deixa de fazê-la no caso sob exame uma vez que ausente se encontra a imprevisibilidade ou extraordinariedade da modificação das condições contratuais.
Sendo assim, resta demonstrado o acolhimento da jurisprudência pátria acerca da revisão contratual nas relações privadas.
CONCLUSÕES
Feitas essas considerações, inevitável reconhecermos a modificação do tratamento dado às relações civis desde a revolução francesa, a qual desencadeou o liberalismo, no qual não havia qualquer preocupação com os efeitos dos contratos, mas apenas com a liberdade da vontade. Atualmente, contudo, os contratos não só interessam às partes como também a toda a sociedade.
Neste sentido, reina no Direito Civil pátrio o entendimento da necessidade do aproveitamento do contrato, ou seja, a conservação das avenças, as quais já não mais são livres e desimpedidas, encontrando seus limites na Lei.
Assim é o regulamento dado pelo art. 478 do Diploma Privado que estabelece a revisão contratual pelo judiciário, independemente da vontade de ambas as partes, de modo a reequilibrar o acordo, desde que presentes os requisitos legais.
No que diz respeito à teoria da imprevisão adotada no dispositivo mencionado, vale fazer duas críticas. A primeira a respeito da excessiva onerosidade para o cumprimento da avença, a qual deve ser observada caso a caso, como forma de fazer valer o princípio da isonomia em sentido material. Não concordamos, pois, com a posição defendida por doutrina consagrada no sentido de que a onerosidade deve ser averiguada diante de padrão médio, o qual afasta o julgador das peculiaridades do caso concreto.
Outra crítica a ser feita diz respeito à exigência de demonstração de vantagem extrema para outra parte do contrato (credor, geralmente). Ora, a só excessiva onerosidade já seria suficiente a demonstrar a necessidade da revisão contratual, uma vez que quando há dificuldade extrema ao cumprimento da obrigação imposta entre particulares, está diante de situação de apuros, da qual o direito não pode esquivar-se, mas sim solucionar tal desequilíbrio.
Ademais, inegável os avanços que o caráter revisional diante do desequilíbrio contratual trouxe, em sobreposição á extinção da avença, evitando a inegável drasticidade do fim antecipado do acordo.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRASIL. Lei nº 10.406/2002. Institui o Código Civil. Disponível: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm>. Acesso em 17.10.2011.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Resp 1102848 / SP. RECURSO ESPECIAL – CONTRATO DE SEGURO-SAÚDE DE REEMBOLSO DE DESPESAS MÉDICO-HOSPITALARES – PLANO EMPRESARIAL – CONTRATO FIRMADO ENTRE O EMPREGADOR E A SEGURADORA – NÃO-APLICAÇÃO DO CDC - CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR - E DA HIPOSSUFICIÊNCIA NA RELAÇÃO ENTRE AS EMPRESAS CONTRATANTES – CONTRATO ONEROSO – REAJUSTE – POSSIBILIDADE – ARTIGOS 478 e 479 DO CÓDIGO CIVIL – RECURSO ESPECIAL IMPROVIDO. I - Trata-se de contrato de seguro de reembolso de despesas de assistência médica e/ou hospitalar, firmado entre duas empresas. II - A figura do hipossuficiente, que o Código de Defesa do Consumidor procura proteger, não cabe para esse tipo de relação comercial firmado entre empresas, mesmo que uma delas seja maior do que a outra e é de se supor que o contrato tenha sido analisado pelos advogados de ambas as partes. III - Embora a recorrente tenha contratado um seguro de saúde de reembolso de despesas médico-hospitalares, para beneficiar seus empregados, dentro do pacote de retribuição e de benefícios que oferta a eles, a relação da contratante com a seguradora recorrida é comercial. IV - Se a mensalidade do seguro ficou cara ou se tornou inviável paras os padrões da empresa contratante, seja por variação de custos ou por aumento de sinistralidade, cabe ao empregador encontrar um meio de resolver o problema, o qual é de sua responsabilidade, pois é do seu pacote de benefícios, sem transferir esse custo para a seguradora. A recorrida não tem a obrigação de custear benefícios para os empregados da outra empresa. V - A legislação em vigor permite a revisão ou o reajuste de contrato que causa prejuízo estrutural (artigos 478 e 479 do Código Civil – condições excessivamente onerosas). Não prospera o pleito de anulação da cláusula de reajuste, pois não se configura abusividade o reequilíbrio contratual. VI – Recurso especial improvido. Relator(a): Min. Nancy Andrigh. Disponível em: < http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?tipo_visualizacao=null&livre=revis%E3o&ref=CC- 02+MESMO+ART+ADJ+%2700478%27&b=ACOR> Acesso em 19 de outubro de 2011.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Resp 858785 / GO. Civil. Recurso especial. Ação revisional de contratos de compra e venda de safra futura de soja. Ocorrência de praga na lavoura, conhecida como 'ferrugem asiática'. Onerosidade excessiva. Pedido formulado no sentido de se obter complementação do preço da saca de soja, de acordo com a cotação do produto em bolsa que se verificou no dia do vencimento dos contratos. Impossibilidade. Direito Agrário. Contrato de compra e venda de soja. Fechamento futuro do preço, em data a ser escolhida pelo produtor rural. Ausência de abusividade. Emissão de Cédula de Produto Rural (CPR) em garantia da operação. Anulação do título, porquanto o adiantamento do preço consubstanciaria requisito fundamental. Reforma da decisão. Reconhecimento da legalidade da CPR. Precedentes. - Nos termos de precedentes do STJ, a ocorrência de 'ferrugem asiática' não é fato extraordinário e imprevisível conforme exigido pelo art. 478 do CC/02. - A Lei 8.929/94 não impõe, como requisito essencial para a emissão de uma Cédula de Produto Rural, o prévio pagamento pela aquisição dos produtos agrícolas nela representados. A emissão desse título pode se dar para financiamento da safra, com o pagamento antecipado do preço, mas também pode ocorrer numa operação de 'hedge', na qual o agricultor, independentemente do recebimento antecipado do pagamento, pretende apenas se proteger contra os riscos de flutuação de preços no mercado futuro. Recurso especial conhecido e provido. Relator(a): Min. Nancy Andrigh. Disponível em: < http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?tipo_visualizacao=null&livre=imprevis%E3o&ref=CC-02+MESMO+ART+ADJ+%2700478%27&b=ACOR> Acesso em 19 de outubro de 2011.
DINIZ, Maria Helena. Tratado Teórico e Prático dos Contratos. 3ª edição. V. I. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 103.
DONNINI, Rogério Ferraz. A revisão dos contratos no Código Civil e no Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 8.
DUQUE, Bruna Lyra. A revisão contratual no Código Civil e no Código de Defesa do Consumidor. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, 45, 30/09/2007 [Internet].
Disponível em http: <www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=2216>. Acesso em 17/10/2011.
GAGLIANO, Pablo Stolze. Algumas considerações sobre a Teoria da Imprevisão. Jus Navigandi, Teresina, ano 6, n. 51, 1 out. 2001. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/2206>. Acesso em: 17 out. 2011.
GOMES, Orlando. Contratos. 17ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 1997.
GOMES, Orlando. Contratos. 17ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 1995
LOPES, Patrícia da Silva. A atual concepção de contrato. Revisão contratual pela aplicação da teoria da imprevisão. Jus Navigandi, Teresina, ano 14, n. 2328, 15 nov. 2009. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/13861>. Acesso em: 17 out. 2011.
LOUREIRO, Luiz Guilherme. Teoria geral dos contratos no Novo Código Civil. São Paulo: Método. 2002.
MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor. 2ª edição. São Paulo: RT. 1995, p. 75.
PEREIRA, Caio Mario da Silva. Direito Civil: alguns aspectos da sua evolução. Rio de Janeiro: Forense. 2001.
SALLES, Raquel Bellini de Oliveira. O desequilíbrio da relação obrigacional e a revisão dos contratos no Código de Defesa do Consumidor: para um cotejo com o Código Civil. In: TEPEDINO, Gustavo (Coord.). Obrigações: estudos na perspectiva civil-constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2005.
[1] GOMES, Orlando. Contratos. 17ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 1997, p. 14.
[2] SALLES, Raquel Bellini de Oliveira. O desequilíbrio da relação obrigacional e a revisão dos contratos no Código de Defesa do Consumidor: para um cotejo com o Código Civil. In: TEPEDINO, Gustavo (Coord.). Obrigações: estudos na perspectiva civil-constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p 304.
[3] PEREIRA, Caio Mario da Silva. Direito Civil: alguns aspectos da sua evolução. Rio de Janeiro: Forense. 2001, p. 226.
[4] LOUREIRO, Luiz Guilherme. Teoria geral dos contratos no Novo Código Civil. São Paulo: Método. 2002, p. 45.
[5] BRASIL. Lei nº 10.406/2002. Institui o Código Civil. Disponível: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm>. Acesso em 17.10.2011.
[6] LÔBO, Paulo Luiz Netto. Princípios Sociais dos Contratos no Código de defesa do Consumidor e no Novo Código Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, abril-junho, 2002, p. 191 apud LOPES, Patrícia da Silva. A atual concepção de contrato. Revisão contratual pela aplicação da teoria da imprevisão. Jus Navigandi, Teresina, ano 14, n. 2328, 15 nov. 2009. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/13861>. Acesso em: 17 out. 2011.
[7] SALLES, Raquel Bellini de Oliveira. O desequilíbrio da relação obrigacional e a revisão dos contratos no Código de Defesa do Consumidor: para um cotejo com o Código Civil. In: TEPEDINO, Gustavo (Coord.). Obrigações: estudos na perspectiva civil-constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p 312.
[8] SALLES, Raquel Bellini de Oliveira. O desequilíbrio da relação obrigacional e a revisão dos contratos no Código de Defesa do Consumidor: para um cotejo com o Código Civil. In: TEPEDINO, Gustavo (Coord.). Obrigações: estudos na perspectiva civil-constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p 313.
[9] DUQUE, Bruna Lyra. A revisão contratual no Código Civil e no Código de Defesa do Consumidor. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, 45, 30/09/2007 [Internet].
Disponível em http: <www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=2216>. Acesso em 17/10/2011.
[10] MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor. 2ª edição. São Paulo: RT. 1995, p. 75.
[11] GAGLIANO, Pablo Stolze. Algumas considerações sobre a Teoria da Imprevisão. Jus Navigandi, Teresina, ano 6, n. 51, 1 out. 2001. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/2206>. Acesso em: 17 out. 2011.
[12] DONNINI, Rogério Ferraz. A revisão dos contratos no Código Civil e no Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 8.
[13] BRASIL. Lei nº 10.406/2002. Institui o Código Civil. Disponível: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm>. Acesso em 17.10.2011.
[14] BRASIL. Lei nº 10.406/2002. Institui o Código Civil. Disponível: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm>. Acesso em 17.10.2011.
[15] DINIZ, Maria Helena. Tratado Teórico e Prático dos Contratos. 3ª edição. V. I. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 103.
[16] GOMES, Orlando. Contratos. 17ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 1995, p. 139.
[17] SALLES, Raquel Bellini de Oliveira. O desequilíbrio da relação obrigacional e a revisão dos contratos no Código de Defesa do Consumidor: para um cotejo com o Código Civil. In: TEPEDINO, Gustavo (Coord.). Obrigações: estudos na perspectiva civil-constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p 326.
[18] GOMES, Orlando. Contratos. 17ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 1995, p. 491.
[19] SALLES, Raquel Bellini de Oliveira. O desequilíbrio da relação obrigacional e a revisão dos contratos no Código de Defesa do Consumidor: para um cotejo com o Código Civil. In: TEPEDINO, Gustavo (Coord.). Obrigações: estudos na perspectiva civil-constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p 327.
[20] Disponível em:< http://www2.cjf.jus.br/portal/publicacao/engine.wsp?tmp.area=115> Acesso em 19 de outubro de 2011.
[21] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Resp 1102848 / SP. Relator(a): Min. Nancy Andrigh. Publicado em 25/10/2010 no Dje. Disponível em: < http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?tipo_visualizacao=null&livre=revis%E3o&ref=CC- 02+MESMO+ART+ADJ+%2700478%27&b=ACOR> Acesso em 19 de outubro de 2011.
[22] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Resp 858785 / GO. Relator(a): Min. Nancy Andrigh. Publicado em 03/08/2010 no Dje. Disponível em: < http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?tipo_visualizacao=null&livre=imprevis%E3o&ref=CC-02+MESMO+ART+ADJ+%2700478%27&b=ACOR> Acesso em 19 de outubro de 2011.
bacharel em direito pela Associação Caruaruense de Ensino Superior-ASCES e especialista em direito Civil e Processual Civil pela Escola Superior da Magistratura de Pernambuco.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MARTINS, Thiago Carvalho. Teoria da imprevisão e a revisão contratual no Direito Civil Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 20 set 2016, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/47534/teoria-da-imprevisao-e-a-revisao-contratual-no-direito-civil. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: MARIANA BRITO CASTELO BRANCO
Por: Jorge Hilton Vieira Lima
Por: isabella maria rabelo gontijo
Por: Sandra Karla Silva de Castro
Por: MARIA CLARA MADUREIRO QUEIROZ NETO
Precisa estar logado para fazer comentários.