RESUMO: A pesquisa tem por objetivo analisar o instituto da Responsabilidade Civil, permeando seu tratamento na disciplina civilista e consumerista, para após, avaliar as indústrias tabagistas e sua responsabilidade perante a sociedade, considerando seus malefícios para os usuários diretos, bem como os indiretos, ponderando todos os riscos que esse ramo empresarial põe no mercado de consumo. A pesquisa empreendida tem caráter dogmático instrumental, é essencialmente bibliográfica e jurisprudencial e utiliza o método de abordagem dedutivo, bem como os métodos de procedimento histórico, expositivo e interpretativo. O estudo contribui para informar a sociedade e os juristas sobre a necessidade se imputar a esse mercado tabagista a devida responsabilidade civil, decorrente dos danos à saúde inerentes a produção fumígena, levando em conta que os consumidores são pessoas vulneráveis, visto que estão em situação de dependência física e psíquica.
Palavras-chave: Responsabilidade Civil. Tabaco. Indústria Tabagista. Código de Defesa do Consumidor. Danos Indenizáveis.
INTRODUÇÃO
Com fulcro em informações e comparativos técnicos, realizaremos este estudo com o intuito de ilustrar a possibilidade jurídica de se responsabilizar civilmente as indústrias tabagistas pelos danos advindos do seu consumo, tanto passivamente quanto ativamente. Diante de um tema tão intrigante pela complexidade e poderia das indústrias do tabaco, tentaremos comprovar os deveres e obrigações destas para com a sociedade de uma forma global e para seu público alvo.
A nossa Carta Magna elucidou como um direito social o direito a saúde e, consequentemente o direito a vida, como disposto:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (Grifos nosso).
Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. (Grifos nosso).
Dessa forma, a nossa Constituição elevou como preocupação não apenas estatal, mas de toda a sociedade, o respeito à saúde e à vida. Assim sendo, as empresas não devem apenas visar o lucro desmedido, mas devem atender a sua função social, embasadas sempre nos valores e princípios constitucionais.
Nessa esteira, a possibilidade de responsabilidade civil das indústrias tabagistas atende corretamente os anseios do modelo constitucional, visto que com o advento da legislação consumerista, a tendência é não aceitar práticas contrárias ao bom senso e a boa-fé. A sociedade atual começa a galgar a consolidação das garantias individuais e de interesses difusos e coletivos, conquistando também outros campos protetivos, a exemplo do que já ocorreu em países capitalistas mais envolvidos.
A base desta pesquisa será a investigação das hipóteses em que será possível a responsabilização destas empresas, os malefícios do fumo, entenda-se também do ponto de vista do fumante passivo, os meios utilizados por essas indústrias para se eximirem de tal responsabilidade, como também os meios jurisdicionais de pleiteá-la.
A relevância de tal abordagem justifica-se por abranger temas jurídicos de extrema relevância, o Direito do Consumidor, juntamente com a preocupação com à saúde, bem de interesse coletivo, que não deve se submeter aos anseios setoriais.
Para tanto, tal pesquisa irá abordar o conceito e desdobramentos da responsabilidade civil em geral, depois irá ater-se ao tabaco e temas abrangentes e, por fim, os aspectos legais do consumo e da responsabilidade civil das indústrias tabagistas.
1. ASPECTOS GERAIS
1.1. DA RESPONSABILIDADE CIVIL
Atualmente, a praxe judiciária é no sentido da vítima sempre ser ressarcida por eventuais danos e ilícitos cometidos por outro. Deste modo, o instituto da responsabilidade civil mostrou-se de grande valia nesse contexto, tanto é que apesar de não ter no Brasil uma legislação precisa e suficiente em relação a ele, a nível doutrinário e jurisprudencial esse assunto mostra-se bastante estudado e discutido.
Tal instituto se insere no contexto do Direito Obrigacional, que, por sua vez, deve ser entendido como o vínculo jurídico que confere ao credor o direito de exigir do devedor o cumprimento de determinada prestação (GONÇALVES. 2010). As obrigações decorrentes de atos ilícitos advêm de ações ou omissões culposas ou dolosas do agente, infringindo uma conduta, resultando, assim, dano para outrem. Desta feita, surge a obrigação de indenizar ou ressarcir o prejuízo causado.
A responsabilidade civil deve ser vista não apenas como um instituto jurídico, mas também como um instrumento de equilíbrio social, sendo, portanto, um verdadeiro fenômeno social.
Os elementos essenciais da responsabilidade civil são: ação ou omissão, culpa ou dolo do agente, relação de causalidade, e o dano experimento pela vítima.
A ação ou omissão quer o agente tenha agido, quer tenha se omitido, a responsabilidade emerge da mesma forma. A culpa por omissão nasce da transgressão de um dever, segundo o qual alguém estava obrigado a fazer aquilo que não fez, pois há previsão que a responsabilidade possa derivar de ato próprio, de ato de terceiro que esteja sob a guarda do agente, e ainda de danos causados por coisas e animais que lhe pertençam (GONÇALVES. 2010).
Já a culpa ou dolo do agente a responsabilidade surge tanto da conduta intencionalmente desenvolvida, nas hipóteses de ação dolosa, quanto daquela que, embora não querida, acontece face à negligência, imprudência ou imperícia do agente Como será explicitado abaixo, surgiu a teoria do risco que traz a possibilidade de responsabilidade sem culpa (objetiva) centrando-se na ideia de que existem certas atividades em que é inerente o perigo, o risco de produzir danos. A partir daí, passou-se a admitir que independentemente da existência de culpa devendo o autor de certo dano por este responder, se houver entre a atividade produzida e o dano causado uma vinculação tal, que torne uma consequência da outra. Sumariamente, uma relação de causa e efeito.
Enquanto que a relação de causalidade é a relação de causa e efeito entre a ação ou omissão do agente e o dano verificado. Vem expressa no verbo “causar’, utilizado no art. 186, sem ela não existe a obrigação de indenizar (GONÇALVES. 2010).
Já o dano é causa geradora da responsabilidade civil, na medida em que provoca um desequilíbrio econômico-jurídico na vida da vítima. O dano gerador de responsabilidade é aquele que representa a diminuição patrimonial que alguém sofre em razão de conduta alheia, lesionando um direito e atingindo tanto elementos de cunho pecuniário, como de natureza moral. Sem a prova do dano, ninguém pode ser responsabilizado civilmente (GONÇALVES. 2010).
1.2.BREVE HISTÓRICO
Necessário se faz conceituar Responsabilidade Civil, sua evolução histórica, partindo da responsabilização sob o modelo clássico (responsabilidade subjetiva), até chegar na moderna visão objetiva.
O princípio da reparação do dano foi consequência de longa e gradual produção da atividade humana, tendo passado por várias fases, cada qual marcada por características próprias. Na origem da civilização predominava a vingança coletiva, típica reação conjunta de determinado grupo face a seus ofensores.
Posteriormente, viveu-se o período da reação individual, em que as pessoas na necessidade de verem seus prejuízos reparados, faziam justiça com as próprias mãos, fase conhecida como da vingança privada, não se cogitando o fator culpa, pois o dano provocava reação imediata. Foi nesse contexto, que surgiu a pena de Talião, do “olho por olho, dente por dente”.
Tempos depois eclodiu a época da composição, onde já claramente presente o Estado, iniciava na intermediação e também impunha solução para o litígio existente entre as partes, fixando o valor dos prejuízos sofridos, obrigando a vítima a aceitar a composição renunciando à vingança privada. Ainda, não se admitia a culpa, é a época do Código de Ur Nammu, de Código e Manu e da Lei das XII Tábuas.
Entretanto, apenas séculos após, por volta do século XVIII, já no período marcado pelo surgimento das várias codificações europeias, a exemplo do Código da Prússia, Áustria e França, que a teoria da responsabilidade civil se estabeleceu.
A definição de Savatier conceitua a responsabilidade civil como a obrigação que pode incumbir uma pessoa a reparar o prejuízo causado à outra, por fato próprio, ou por fato de pessoas ou coisas que dela dependam. A responsabilidade civil em sua acepção tradicional, responsabilidade subjetiva, pressupõe “uma ação ou omissão do agente”, “culpa”, “relação de causalidade” e “dano da vítima”. Assim, para o sucesso do demandante numa ação judicial teria que ser demonstrada a presença de todos esses pressupostos, pois a falta de algum deles levaria ao não acolhimento da pretensão. Seguindo este raciocínio podemos afirmar que a prova da culpa do agente causador do dano era indispensável para que surgisse sua obrigação de indenizar.
Como exemplo do afirmado acima, a noção de culpa in abstracto e a distinção entre culpa delitual e culpa contratual foram inseridas no Código de Napoleão.
Com o passar das épocas, com a evolução da sociedade, com o surto do progresso, as revoluções industriais e a exploração crescente dos mais fracos, no entanto, os conflitos de interesse foram cada vez mais tendo uma natureza plurissubjetiva, perdendo seu prisma individualista, fazendo com que vários doutrinadores fossem forçados a repensar a responsabilidade civil, pois do modo como até então era abordada a temática, já não mais bastava aos crescentes interesses sociais. A insatisfação com a teoria subjetiva tornou-se casa vez maior, e evidenciou-se na sua incompatibilidade com o ímpeto desenvolvimentista do nosso tempo. A multiplicação das causas de danos evidenciaram que a responsabilidade subjetiva apontava-se imprópria para resguardar os casos de reparação que foram surgindo. Surgindo assim, a chamada teoria do risco.
Nesta teoria se subsuma a ideia de exercício de atividade perigosa como fundamento da responsabilidade civil. O exercício de atividade perigosa que possa oferecer algum perigo apresenta um risco, que o agente assume, de ser obrigado a ressarcir os danos que venham resultar a terceiros dessa atividade (GONÇALVES. 2010).
Corroborando tal pensamento, Ripert afirma que a atual tendência do direito é no sentido de substituir a noção de responsabilidade por reparação, da culpa pelo risco e da responsabilidade subjetiva pela objetiva.
A realidade brasileira se fundamenta na responsabilidade por culpa, porém se esta apresentar-se insuficiente o legislador fixou casos em que há obrigação de reparar, independentemente dela. Segue abaixo dispositivos do nosso Código Civil para ilustrar isso, o primeiro tratando da responsabilidade subjetiva e os demais da objetiva:
Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.
Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.
Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.
Art. 933. As pessoas indicadas nos incisos I a V do artigo antecedente, ainda que não haja culpa de sua parte, responderão pelos atos praticados pelos terceiros ali referidos.
Assim sendo, a maior inovação com o Código Civil de 2002, foi esta possibilidade de reparação sem a observância necessária se houver ou não a culpa.
Verificou-se que nem sempre o lesado consegue provar estes elementos. Especialmente a desigualdade econômica, a capacidade organizacional da empresa, as cautelas do juiz na aferição dos meios de prova trazidos ao processo, nem sempre lograram convencer da existência da culpa e, em consequência, a vítima remanesce não reparada, posto que se admita que foi efetivamente lesada (Stoco. 2004, p. 107).
Dentro das divisões que se fazem existentes dentro do assunto da responsabilidade civil é também modalidade de responsabilidade pelo fato das coisas, a responsabilidade objetiva de que possuem os empresários individuais e as empresas pelos danos causados pelos produtos colocados em circulação, à vida, à integridade física e à saúde de terceiro, juntamente com as outras três modalidades: responsabilidade pelos animais, pela ruína de edifício e pelos danos oriundos de coisas que caírem de um prédio ou dele forem lançados em lugar indevido, respectivamente.
No entanto como o objetivo desta pesquisa é a responsabilidade de empresas e empresários individuais pelos produtos colocados em circulação, não será detalhado as outras modalidades que estão igualmente previstas no Código Civil, em seu Título IX.
Desta feita, embasado em tudo que fora explicado, apresentar-se-á a responsabilidade civil dos fabricantes de produtos derivados do tabaco e seus congêneres, pelos danos causados à saúde daqueles que convivem com tais produtos.
1.3.APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR
Consoante ao afirmado anteriormente, na seara do direito consumerista, Lei nº. 8.078/90, que aqui nos interessa, os regramentos da responsabilidade objetiva foram conceituados como “responsabilidade pelo fato do produto, ou serviço” são de natureza objetiva, prescindindo do elemento culpa a obrigação de indenizar atribuída ao fornecedor. (...) Parte-se da premissa básica de que o consumidor é a parte vulnerável das relações de consumo, o Código pretende restabelecer o equilíbrio entre os protagonistas de tais relações (GONÇALVES. 2010).
É válido ressaltar que com a publicação do Código de Defesa do Consumidor e consequentemente na busca de implantação dessa Política Nacional, foram instituídas as Promotorias de Justiça de Defesa do Consumidor, no âmbito do Ministério Público, a quem foi atribuído o papel preponderante nesse campo, ao lado de Delegacias de Polícia especializadas no atendimento a vítimas das relações de consumo (art. 5º). É oportuno lembrar que o artigo 931 do Código Civil de 2002 traça um plano abrangente no tocante à responsabilidade pelo produto.
Entre os princípios programáticos estabelecidos no art. 4º, há o reconhecimento da referida vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo (inciso I) e a coibição e repressão eficientes de todos os abusos praticados no mercado de consumo (inciso VI), corroborado ao art. 14 deste Digesto.
No mesmo diapasão, o artigo 6º define o que a lei entende como direitos básicos do consumidor. Constam o direito à proteção da vida e à saúde, direito à informação sobre produtos e serviços, proteção contra a publicidade enganosa etc. Entre os direitos expressos, interessaram diretamente à responsabilidade civil o que está expresso no inciso VI: “a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos”. Continuando na mesma temática, é fundamental o inciso VII:
A facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências.
Como exemplo prático, tem-se:
Reconhecimento de hipossuficiência do consumidor – Inversão do ônus probatório – art. 6º, inc. VIII, da Lei nº. 8.78/90 – Adiantamento de despesas processuais, entre eles, honorários do perito judicial – Responsabilidade transferida à agravante – Inadmissibilidade – Inversão pura e simples do ônus da prova em relação a todo e qualquer fato juridicamente relevante afronta o princípio constitucional da isonomia e estabelece a desigualdade entre os litigantes – Assim, se de um lado o reconhecimento da hipossuficiência facilita acesso do consumidos aos instrumentos de defesa conferidos pela lei, de outro, grave equívoco se comete quando procura conceituar o consumidor como hipossuficiente pelo critério econômico – Hipossuficiência se caracteriza não pelo poder econômico da parte, mas sim pelo nível de informação de que se dispõe e da possibilidade de defender adequadamente seus interesses – A lei fornece aos beneficiários da assistência judiciária mecanismos a possibilitar defesa de seus interesses – De forma que, embora tenha o consumidor condição econômica inferior ao do fornecedor, tendo ele meios adequados para se defender não deve ser declarado hipossuficiente a justificar a inversão do ônus da prova já que a lei especial não revogou as demais normas reconhecidas por nosso ordenamento jurídico- Recurso parcialmente provido” (TJSP – Al 136.670-4, 1º-12-99, 7ª Câmara de Direito Privado – Rel. Júlio Vidal).
Nota-se, assim, que a ótica consumerista gira sempre em torno da preocupação de proteger o pólo mais fraco da relação jurídica, que é o consumidor. Este deve ser defendido da sanha por lucro das empresas. Assim, a lei do consumo representa uma enorme evolução da sociedade em busca do equilíbrio que sempre deve permear todas as relações humanas, primando sempre pelos princípios da igualdade e da justiça.
Assim, o direito contratual ganha novas possibilidades decorrentes essa evolução, os quais foram assimilados pelo Código Civil de 2002. Tamanha é a importância do Código de Defesa do Consumidor, decorrente da própria Constituição, que muitas vezes se sobrepõe a aplicação ao próprio Código Civil.
2. TABACO
2.1. HISTÓRICO, COMPONENTES, MALEFÍCIOS À SAÚDE E DEFEITOS ASSOCIADOS AO CIGARRO
Têm-se notícias que desde o século antes de Cristo o tabaco já era usado por sociedades indígenas da América Central com fins terapêuticos, religiosos e purificadores. De acordo com a passagem, principalmente a partir do século XVI, gradualmente foi se expandindo na Europa o hábito de se fumar tabaco para fins medicinais, que logo teve desvirtuamento, pois pessoas sadias passaram a fazer uso dele e desse modo, adveio o vício. Somente no início do século XX iniciou-se o processo de industrialização do tabaco em forma de cigarro, tendo a partir da metade do mesmo século seu consumo atingido proporções gigantescas em todos os continentes, fomentado pelo desenvolvimento das comunicações e práticas comerciais inovadoras. Paralelamente, foram surgindo vários estudos no sentido de mostrar todos os malefícios do tabaco.
O cigarro trata-se de verdadeiro complexo de produtos químicos. Sua fumaça é composta de aproximadamente quatro mil e oitocentas substâncias tóxicas. Na verdade, o cigarro pode ser dividido em duas fases: uma gasosa e outra particulada. A fase gasosa é composta de substâncias, tais como monóxido de carbono, cetonas, formaldeíldo, acetaldeído e acroleina. Já na fase particulada encontra-se a nicotina e o alcatrão, este responsável pelo amarelamento dos dentes dos fumantes, concentrando quarenta e três substâncias cancerígenas, podendo-se citar como exemplos o arsênio, níquel, benzopireno (substância derivada do petróleo e altamente cancerígena), cádmio, chumbo, além de substâncias retroativas como o Polônio 210, o Carbono 14, o Rádio 226, o Rádio 228 e o Potássio 40.
Ademais, calcula-se que a cada tragada o fumante introduz no seu organismo substâncias como amônia, benzeno, acetona (solvente), formol, propileno, acetato de chumbo, naftalina, fósforo, xileno, butano e muitos outros gases tóxicos e partículas em suspensão. Para o papel queimar de maneira uniforme e a cinza não se fragmente são, ainda, somados ao cigarro mais doze tipos de venenos químicos. No cigarro “light” – aquele com baixos teores de nicotina e alcatrão – faz-se necessário adicionar outros dez tipos de substâncias tóxicas. (DELFINO, 2001, P. 06-08).
Não obstante, a nicotina presente no cigarro ganha relevo especial, pois é responsável basicamente, pela dependência e vasoconstrição. Atua não só no cérebro, mas também em outros sistemas do corpo, como muscular, ósseo, cardíaco e vascular, sendo considerada droga pela Organização Mundial de Saúde. Trata-se, pois, de substância psicotrópica, responsável pela dependência do fumante, estando o tabagismo classificado no Código Internacional de Doenças no grupo dos transtornos mentais e de comportamentos decorrentes do uso de substâncias psicoativas.
A nicotina, em altas concentrações, favorece a atuação do sistema parassimpático, bloqueando o simpático, dando a sensação de bem estar ao fumante. Seu uso contínuo fará com que o indivíduo habitue-se a essa situação, entrando em desconforto quando as cargas regulares de substâncias são suspensas. O tabagista poderá, então, ficar irritado, ansioso, insone e até ter ânsia de vômito. O fumante deseja manter a concentração habitual de nicotina no sangue, capaz de gerar sensações consideradas por eles como agradáveis, mais essa é uma situação provisória, pois ela se decompõe no organismo, em média, entre 20 e 30 minutos, quanto, então, surge à vontade de acender outro cigarro. Além disso, a substância, quando usada por longos períodos, pode provocar o desenvolvimento da tolerância. O fumante, então tende a consumir um número cada vez maior de cigarros para sentir os mesmos efeitos que originalmente eram produzidos por doses menores (DELFINO, 2001, P. 23-27).
Se um fumante resolver parar de fumar, terá que lhe dar com a síndrome de abstinência que inclui quatro ou mais dos seguintes sintomas: humor disfórico ou deprimido; insônia; irritabilidade, frustração ou raiva; ansiedade; dificuldade para concentrar-se; inquietação ou impaciência; frequência cardíaca diminuída e aumento de apetite ou ganho de peso. Entre outros diversos efeitos colaterais, que prejudicam em demasia a convivência social. (BATISTA, 1995, P. 235).
Em termos gerais, as principais doenças e problemas que podem ser atribuídas ao cigarro:
a) Câncer de pulmão;
b) Doenças coronarianas;
c) Bronquite crônica e enfisema pulmonar;
d) Acidentes vasculares cerebrais;
e) Enfraquece o sistema imunológico;
f) Irritação do nariz com consequência no olfato;
g) Perda de audição antecipada em 16 anos em relação aos não fumantes;
h) Câncer de garganta;
i) Envelhecimento precoce;
j) Enrijecimento da aorta;
k) Duplicação da possibilidade de perda dos dentes;
l) Retarda o desenvolvimentos dos dentes permanecente em crianças expostas a fumaça;
m) Deixa o hálito com odor fétido;
n) Provoca doenças nos ossos;
o) Deixa o cabelo branco mais cedo;
p) Nas mulheres, acelera a menopausa;
q) Envelhecimento precoce da pele;
r) Problemas dentários;
s) Baixa imunidade;
t) Redução da densidade dos ossos.
Desta feita, por apresentar tamanhos malefícios, o Código de Defesa do Consumidor fixou o balizamento para determinar o grau de periculosidade ou nocividade e como dar-se-á sua comercialização.
O artigo 8º dessa Lei dispõe que produtos e serviços, em princípio, não poderão acarretar riscos à saúde ou segurança dos consumidores. De pronto, infere-se que em se tratando de riscos qualificados como “normais e previsíveis”, serão tolerados pelos consumidores, desde que venham os produtos, acompanhados de informações claras e precisas a seu respeito. A periculosidade inerente, em verdade, não induz defeito, por isso não há uma qualificação de desvalor do produto ou serviço. Antes, a virtude do produto ou serviço decorre, justamente, de sua inafastável periculosidade (Código de Defesa do Consumidor Comentado pelos Autores do Anteprojeto). Dessa forma, é de se entender que o cigarro não se inclui nesse rol, visto que os seus riscos não são normais e previsíveis.
Corroborando o afirmado no parágrafo anterior, não existe no fumante um desejo de, ao adquirir um maço de cigarros, depreciar sua saúde ou de buscar sua morte prematura. Não se pode considerar como verdadeiros esses fatos sob pena de se admitir a premissa insustentável de existir no mundo mais de um bilhão de suicidas. Não obstante o cigarro ceife e debilite diariamente milhares de vidas dos seus consumidores, essa não é a expectativa de quem está o adquirindo ou utilizando (DELFINO, 2001, P. 98/99).
Assim, a comercialização do cigarro se enquadra no disposto no art. 9º desta Lei:
Art. 9° O fornecedor de produtos e serviços potencialmente nocivos ou perigosos à saúde ou segurança deverá informar, de maneira ostensiva e adequada, a respeito da sua nocividade ou periculosidade, sem prejuízo da adoção de outras medidas cabíveis em cada caso concreto.
Neste sentido, deve-se fixar os elementos e conceitos técnicos para determinar a Responsabilização das Empresas fabricantes deste produto em decorrência de doenças ou óbito de seus usuários. A lei consumerista estabeleceu dois sistemas de responsabilização civil: por vícios de qualidade e quantidade, e por defeitos dos produtos.
As características de qualidade ou quantidade que tornem os produtos ou serviços impróprios ou inadequados ao consumo a que se destinam e também que lhes diminuam o valor. Da mesma forma são considerados vícios os de correntes da disparidade havida em relação às indicações constantes do recipiente, embalagem, rotulagem, oferta ou mensagem publicitária. (DELFINO, 2001, P. 51).
O vício seria algo intrínseco do produto ou serviço em si. Já os defeitos são um plus, que tem potencial para causar danos à saúde ou segurança do consumidor, seria o resultado ou consequência, proveniente de um vício. “O vício pertence ao próprio produto ou serviço, jamais atingindo a pessoa do consumidor ou outros bens. O defeito vai além do produto ou do serviço para atingir o consumidor em seu patrimônio jurídico, seja moral e/ou material”. (DELFINO, 2001, p. 87). Só é possível falar em acidente de consumo neste último.
Assim sendo, é válido mencionar os defeitos do cigarro que têm relevância no mundo jurídico, diz o art. 12 do CDC:
Art. 12. O fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador respondem, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento de seus produtos, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos.
§ 1° O produto é defeituoso quando não oferece a segurança que dele legitimamente se espera, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais:
I - sua apresentação;
II - o uso e os riscos que razoavelmente dele se esperam;
III - a época em que foi colocado em circulação.
§ 2º O produto não é considerado defeituoso pelo fato de outro de melhor qualidade ter sido colocado no mercado.
§ 3° O fabricante, o construtor, o produtor ou importador só não será responsabilizado quando provar:
I - que não colocou o produto no mercado;
II - que, embora haja colocado o produto no mercado, o defeito inexiste;
III - a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.
2.2.VÍCIOS DO CIGARRO
2.2.1. VÍCIOS DE CONCEPÇÃO E CRIAÇÃO DO CIGARRO
Necessário se coloca em vermos as imperfeições existentes no cigarro como produto voltado ao consumo de massa. Os vícios de criação e concepção são aqueles resultantes de erro desde a fase do projeto do produto, bem como podem ser ocasionados por escolha de material inadequado, podendo ser também componente orgânico ou inorgânico nocivo à saúde, não suficientemente testado. Esse vício nasce na fase de execução do projeto ou fórmula, comprometendo a integralidade da produção ou, ao menos, os produtos de uma mesma série.
Como é de saber de todos a fabricação e comercialização do cigarro é uma atividade lícita, embora tenha potencialidade para causar sérios danos. O vício de concepção ocorre pela presença da nicotina, substância anteriormente citada. Estudos comprovam que é responsável pela dependência, já, os fabricantes de cigarro afirmam que ela está ligada apenas ao sabor e negam a relação com o vício, visto que é crime importar, exportar, preparar, produzir e fabricar no Brasil, substância entorpecente ou qualquer outra que ocasione dependência física ou psíquica.
Desta sorte, comprovando-se que a nicotina é uma substância psicotrópica, estar-se-á diante de conduta que beira o crime, bem como de uma verdadeiro vício de concepção do cigarro, em consonância com o disposto no CDC. Todavia, no Brasil não há prova técnica para afirmar isto, embora seja reconhecida como droga pela Organização Mundial de Saúde.
Assim, a nicotina presente no cigarro, atualmente, é considerada uma substância lícita, porém se constatado seu caráter psicotrópico, será ilícita e estará presente o vício de concepção.
Nesse contexto, duas críticas podem ser levantadas: de início, será que o poder leonino das empresas tabagistas não exerce seus tentáculos nos órgãos responsáveis pela saúde no Brasil? E, ainda, o bem-estar provocado pelo cigarro é obtido artificialmente, pois, em suma, a nicotina alivia os efeitos provocados pela sua falta, funcionando como a cura para um mal que ela mesmo criou.
Ademais, o que se constata é a transformação do status de consumidor para viciado, culminando na quebra de boa-fé norteadora das relações de consumo, objetivando apenas um lucro desenfreado e crescente das indústrias tabagistas.
2.2.2. VÍCIO DE INFORMAÇÃO E A LIVRE ADESÃO AO CONSUMO
Por último, os defeitos de informações são aqueles que decorrem de sua apresentação ao consumidor, vale dizer, de informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização, veiculadas no próprio produto, em sua embalagem ou acondicionamento, bem como através dos meios de comunicação. (Código de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do anteprojeto).
Tutelado no art. 12 do CDC, os consumidores de qualquer produto ou serviço têm o direito de serem devidamente informados em sua plenitude acerca do que está consumindo. Tratando-se de fornecedores de produtos potencialmente nocivos ou perigosos à saúde ou segurança dos consumidores, como se dá com o cigarro, essa obrigação torna-se ainda mais acentuada, haja vista as graves consequências que o uso indiscriminado do produto pode ocasionar, devendo eles além de informar ostensiva e adequadamente sobre a nocividade ou periculosidade, adotar outras medidas cabíveis para esse fim, verificadas em cada caso concreto.
Antigamente, era possível a veiculação de propagandas de cigarro, vinculando-o a imagens de vida saudável e boa. Atualmente, vê-se o número crescente de medidas sendo tomadas para restringir o uso de cigarro, como as imagens postas na embalagens, medida recente, todavia, isso não é o bastante, até porque a maioria dos fumantes que hoje se encontram doentes, começaram a fumar muito antes da imposição daquelas espécies de contra propaganda.
Não são meras fases, contidas em nada mais que três linhas, que vão esclarecer eficiente e adequadamente o consumidor, auxiliando-o no momento de proceder a sua escolha entre uma vida saudável e a degradação de sua saúde em consequência do uso do tabaco. (DELFINO, 2001, P. 117).
O consumidor tem o direito de obter, para que possa fazer uma escolha adequada entre fumar e não fumar, informações claras e precisas sobre todas as substâncias nocivas contidas no cigarro, bem como sobre os riscos para sua saúde no caso de consumo ou exposição, a exemplo dos remédios, que vem acompanhados de uma bula apresentando todos os seus componentes, indicações, contraindicações, forma de utilização, além de todos os dados necessários para um consumo seguro. (DELFINO, 2001, P. 116). Assim, vê-se que informar, derivado da boa-fé contratual, não é suficiente, é mister que tenha eficácia social, que possa atingir a todos, de modo que o destinatário seja legitimamente instruído, sem ilusões.
É válido ressaltar que não se pode negar, existirem determinadas pessoas que realmente conhecem, não superficialmente, os males causados pelo fumo e, mesmo assim, mantêm seu consumo, a exemplo dos diversos médicos e profissionais da saúde que são tabagistas. Em caso de surgimento de ação judicial promovidos por tais indivíduos, terão as indústrias fumígenas, objetivando a exclusão de sua responsabilidade, demonstrar que aquele fumante conhecia, quando optou por iniciar-se no tabagismo, os riscos aos quais iria se sujeitar. Obtendo sucesso essa prova restará livre da indenização a fornecedora, por culpa exclusiva do consumidor. As particularidades de cada caso devem ser consideradas.
Assim sendo, é forçosa a apreciação da situação social, cultural e econômica da comunidade brasileira, para se difundir questões socialmente eficazes.
3. ASPECTOS LEGAIS
3.1.O CONSUMO DE MASSA E LICITUDE DAS INDÚSTRIAS TABAGISTAS
Sabe-se que o mercado global é regulado pelo consumo de massa e que as empresas buscam sempre obter mais lucro, conquistando a cada dia maior número de consumidores e desse modo, inserindo-se em um ciclo vicioso. Em se tratando de objeto lícito, sem nenhuma afronta ao Direito, tal comportamento possui guarida nos ordenamentos jurídicos mundiais.
Todavia, o caso do cigarro é singular. Sua fabricação e comercialização ferem frontalmente, além da CF/88, bom senso, o art. 4º, 6º e 8º do CDC, por significar um desrespeito à saúde, segurança e qualidade de vida dos consumidores. O art. 10º do CDC impede, inclusive, a colocação no mercado de produto que apresente alto grau de nocividade ou perigo à saúde ou segurança, sendo estes, segundo o art. 18 do mesmo código, impróprios para o consumo.
Sob a ótica de interesse público e coletivo, note-se que, entre as consequências do consumo do cigarro para os cofres públicos, estão os gastos da Seguridade Social com o tratamento de saúde de suas vítimas, da Previdência Social, com as aposentadorias precoces derivadas de incapacitações e invalidez na divulgação de dados e informações para alertar os consumidores dos riscos e tentar prevenir sua ocorrência. Todos estes gastos mitigam os orçamentos da União, Estados e Municípios empobrecerem os cofres públicos, e ao atender a estas “doenças sociais”, impedem investimentos reais, práticos e concretos, na Saúde.
No que diz respeito ao cigarro, bem de consumo inútil a qualquer finalidade construtiva, todavia, sobreleva o interesse individual a autonomia da vontade. E aqui a sua utilização gera tão somente consequências nocivas, seja ao próprio indivíduo, seja à coletividade.
Se constando que uma certa empresa põe em circulação produto nocivo e prejudicial à sociedade e que terá uma gama enorme de consumidores, ela deve ser submetida a uma série de deveres, antes mesmo da comercialização. Estes são, entre outros, o de testar exaustivamente o seu produto, através de métodos científicos adequados a monitorar, contínua e frequentemente, seus efeitos e somente coloca-lo no mercado após a certeza de que sua utilização não é nociva.
Ademais, destaca-se que um dependente químico de larga data não submete seu organismo à vontade ou consciência sem amparo adequado, que geralmente envolve acompanhamento especial de médicos, psicólogos ou psiquiatras (o que, por óbvio, requisitando recursos financeiros, inequivocamente) unido à força de vontade.
Portanto, ainda que se queira que a responsabilidade dos fabricantes de cigarro possa ser imputada apenas através da constatação da culpa, esta está mais do que demonstradas pela negligência a deveres básicos de diligência exigíveis de qualquer um que exerça com perícia e boa-fé a sua atividade.
Infelizmente, a maioria jurisprudencial é no sentido de que por ser lícita a atividade das indústrias fumígenas, não há espaço para indenização, pois o dano que enseja reparação deve advir de ato ilícito. Porém, há vários exemplos de casos concretos em que foram acatadas teses que fugiram da generalização, como ocorreu no caso em que a General Motors teve que reparar o dano causado, fabricou carros com defeito no cinto de segurança, acarretando a morte de duas pessoas. Então, mesmo a atividade sendo lícita, não exime as empresas de reparar danos causados por acidentes de consumo, independentes de culpa. É neste sentido que está disposta toda a legislação consumerista.
Aliada a esta corrente, Paulo de Tarso Vieira Sanseverino, jurista e Desembargador do Estado de Minas Gerais, em obra valorosa, publicada em 2003 pela Editora Saraiva, intitulada “Responsabilidade Civil no Código do Consumidor e a Defesa do Fornecedor”, preleciona que na hipótese especificada da responsabilidade por acidente de consumo, “a ilicitude do fornecedor está contida no conceito de defeito do produto ou do serviço, uma vez que a prioridade é a reparação do prejuízo sofrido pelo consumidor”.
Assim, o cigarro por conter vícios outrora vistos, pode gerar acidentes de consumo, acarretando danos a seus usuários. É neste ponto que se apresenta fundamentação da responsabilidade civil das indústrias fumígenas. O artigo 12 da Lei consumerista prevê, expressamente que:
Art. 12. O fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador respondem, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento de seus produtos, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos.
Desta feita, as empresas em geral têm o dever de empregar os bens de produção segundo tal função social obriga o seu titular a dar-lhes destino socialmente útil, que tenha em vista não somente os interesses individuais do proprietário, mas também os interesses da coletividade. As prerrogativas individuais estão condicionadas a um fim – que é a harmonia social.
A partir daí, começam a se definir os contornos do que pode ser entendido como Exercício Irregular de Direito e Abuso de Direito, que são modalidades de Ato Ilícito. Desde o exercício do direito se realiza em desconformidade com esta destinação, de maneira perturbadora do equilíbrio dos interesses juridicamente protegidos, que se enfrentam nas relações sociais, é claro que o ato deixa de ser lícito para ser reprovável. (MARTINS, 1993, p. 63).
3.2. SAÚDE: BEM JURÍDICO DE INTERESSE PÚBLICO
Pelo texto do artigo 196 da Constituição Federal, a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.
A Lei consumerista, ao dispor acerca da proteção do consumidor, estabeleceu em seu art. 4º que a Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria de sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos aos princípios do reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo e garantia dos produtos e serviços com padrões adequados de qualidade, segurança, durabilidade e desempenho. Corroborado a isto, é o artigo 6º do CDC.
Já os dispositivos conexos no Codecon dispõe:
Art. 8° Os produtos e serviços colocados no mercado de consumo não acarretarão riscos à saúde ou segurança dos consumidores, exceto os considerados normais e previsíveis em decorrência de sua natureza e fruição, obrigando-se os fornecedores, em qualquer hipótese, a dar as informações necessárias e adequadas a seu respeito.
Parágrafo único. Em se tratando de produto industrial, ao fabricante cabe prestar as informações a que se refere este artigo, através de impressos apropriados que devam acompanhar o produto.
Art. 9° O fornecedor de produtos e serviços potencialmente nocivos ou perigosos à saúde ou segurança deverá informar, de maneira ostensiva e adequada, a respeito da sua nocividade ou periculosidade, sem prejuízo da adoção de outras medidas cabíveis em cada caso concreto.
Art. 10. O fornecedor não poderá colocar no mercado de consumo produto ou serviço que sabe ou deveria saber apresentar alto grau de nocividade ou periculosidade à saúde ou segurança.
§ 1° O fornecedor de produtos e serviços que, posteriormente à sua introdução no mercado de consumo, tiver conhecimento da periculosidade que apresentem, deverá comunicar o fato imediatamente às autoridades competentes e aos consumidores, mediante anúncios publicitários.
§ 2° Os anúncios publicitários a que se refere o parágrafo anterior serão veiculados na imprensa, rádio e televisão, às expensas do fornecedor do produto ou serviço.
§ 3° Sempre que tiverem conhecimento de periculosidade de produtos ou serviços à saúde ou segurança dos consumidores, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios deverão informá-los a respeito.
Temos positivada então, através da Lei Ordinária, toda uma gama de princípios de ordem pública, conceitos e exigências, dos quais sobressaem a presunção legal de hipossuficiência do consumidor e a possibilidade de inversão do ônus da prova; a busca da proteção da saúde, segurança e qualidade de vida dos consumidores, bem como a facilitação do exercício de seus direitos; a definição do que os produtos perigosos e nocivos à vida são impróprios para o consumo; a responsabilidade objetiva do fornecedor por defeitos de seus produtos e informações ineficientes e inadequadas sobre fruição e riscos; a conceituação legal de certos produtos como nocivos ou perigosos pela imposição do dever de informar ao público de seu potencial danoso.
Consoante a isto, a Lei nº. 9.294/96 dispôs sobre as restrições ao uso à propaganda de produtos fumígenos, bebidas alcóolicas, medicamentos, terapias e defensivos agrícolas. Tal digesto traz louváveis restrições, como as imagens fortes presentes nas embalagens de cigarro, assim como as advertências. Mostra, ainda, possíveis sanções de quem descumprir tais normas.
3.3.INDENIZAÇÕES CABÍVEIS
Acerca do tema, disserta o mestre Araken de Assis (Indenização do Dano Moral, Júris Síntese nº. 11):
Nos últimos tempos, controverte-se a indenização pecuniária do dano moral. Averbam-se tais indenizações como uma fonte de dano, em inúmeros ilícitos, como uma fonte de enriquecimento sem causa e a própria constatação desta espécie de dano, em inúmeros ilícitos, como uma trava perniciosa à vida em sociedade. Com tais proposições, honestamente, não posso concordar. Em geral, elas provêm de contumazes contraventores de regras de conduta e de litigantes contumazes, interessados em minimizar os efeitos dos seus reiterados atos ilícitos. Ao contrário do que se alega, é imperioso, na sociedade massas, inculcar respeito máximo à pessoa humana, frequentemente negligenciada, e a indenização do dano moral, quando se verificar ilícito e dano desta natureza, constitui um instrumento valioso para alcançar tal objetivo. [...] Na verdade, não há como negar a ilicitude grave de comportamentos que representam condutas contrárias a direito e, eventualmente, afetam bens relacionados à personalidade humana. Por este motivo, merecem ser indenizados.
O dano moral atinge bens incorpóreos, deste modo, a sua comprovação decorre da própria existência do ilícito. Classificam-se em puros ou reflexos, estes últimos oriundos atentados a elementos patrimoniais. Convém ao Direito e à sociedade que o relacionamento entre os participantes do cenário jurídico se mantenha dentro de padrões normais de equilíbrio e de respeito mútuo. Assim, em hipótese de dano, resta ao agente suportar as consequências de seus atos, atribuindo-se severas indenizações, para desestimular a prática de atos ilícitos tendentes a afetar aspectos da personalidade humana. Assim, ocorre na prática jurisprudencial.
A orientação do Superior Tribunal de Justiça:
A concepção atual da doutrina orienta-se no sentido de que a responsabilização do agente causador do dano moral opera-se por força do simples fato da violação. Verificando o evento danoso, surge a necessidade da reparação não havendo que se cogitar da prova do prejuízo, se presentes os pressupostos legais para que haja a responsabilidade civil (nexo de causalidade e culpa)”. (RESP nº. 23.575-0, 09/06/97, 4ª Turma do STJ, , 4ª Turma do STJ, Rel. Ministro César Asfor Rocha).
Por vulto das empresas de tabaco é de senso médio estabelecer-se que as sanções sejam pesadas, visto o poderio das demandas e, ainda, sob risco de não ensejar mudança de comportamento.
Várias são as possibilidades jurídicas de se pleitear a indenização por danos morais, desde que o autor possua certos requisitos, como comprovar que é ou já foi fumante, a marca do cigarro (se fumou várias, seria hipótese de litisconsórcio), o nexo de causalidade entre o consumo de cigarro e as doenças contraídas e os danos sofridos. Essa última é de difícil comprovação, sendo interessante utilizar a inversão do ônus da prova, erigido no CDC. Se conclui, de maneira indireta, pois, que o ônus da prova é obrigatoriamente do fornecedor, a quem cabe demonstrar a inexistência do nexo causal (BARROS, 2001, P. 137).
Assim, o fumante é o pólo mais fraco nas ações movidas contra as empresas de cigarro, pois elas possuem e conhecem todo o processo de produção, a técnica utilizada, sendo quase impossível ao consumidor, ainda que com ampla capacidade econômica fazer a prova que pretende, principalmente quanto à dependência causada pela nicotina, sem, em regra, nessas demandas possível a inversão do ônus da prova, ainda que não baseada na verossimilhança de alegação, muito mais pela sua hipossuficiência técnica. Só assim, igualando desigualmente os desiguais, ter-se-á um processo justo, permitindo que as partes, na medida de suas forças, demonstrem suas alegações em pé de igualdade, permitindo ao magistrado uma perfeita solução para lide proposta.
Havendo, desta forma, a possibilidade de perquirir indenização por danos morais como materiais. O montante da indenização, ponto de grande controvérsia, há de ser aferido em cada caso concreto, levando-se em conta a extensão dos danos sofridos, materiais e morais, capacidade financeira de autor e réu, dentre outros elementos que possa se valer o julgador para proferir uma decisão justa, meta que deve ser norteadora ao exercício de julgar.
CONCLUSÃO
Diante de todo o estudado neste trabalho, como assim a fontes de pesquisa necessárias para o desenvolvimento deste, percebe-se que há tempos o problema do fumo e seus derivados se fazem presentes na nossa sociedade. Tanto é que facilmente qualquer pessoa conhece alguém fumante, que já fumou, ou que já enfrentou dificuldades para largar tal vício.
Assim, a presente pesquisa se mostra um trabalho atual e um estudo de um fenômeno social, de um lado uma indústria forte e influente e de outra, a população em geral que arca com a busca desenfreada pelo lucro.
Felizmente, pesquisas atuais mostram que o número de fumantes está diminuindo, conforme dado:
A concepção atual da doutrina orienta-se no sentido de que a responsabilização do agente causador do dano moral opera-se por força do simples fato da violação. Verificando o evento danoso, surge a necessidade da reparação não havendo que se cogitar da prova do prejuízo, se presentes os pressupostos legais para que haja a responsabilidade civil (nexo de causalidade e culpa)”. (RESP nº. 23.575-0, 09/06/97, 4ª Turma do STJ, , 4ª Turma do STJ, Rel. Ministro César Asfor Rocha).
Brasília – A proporção de fumantes no país caiu de 16,2% para 15,5% entre 2006 e 2009, revela a pesquisa de Vigilância de Fatores de Risco e Proporção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (Vigitel).
De acordo com o levantamento, 19% dos homens e 12,5% das mulheres fumam. A maior queda no uso de cigarro no país, ocorreu entre as pessoas na faixa etária de 35 a 44 anos. Em 2006, 19% da população nessa faixa era de dependentes do tabaco. Em 2009, a proporção de fumantes baixou para 15,1%.
(...).
“O Brasil é um dos países com maior êxito na campanha de combate ao tabagismo. Foi uma queda muito expressiva no número de fumantes em um tempo muito curto”, enfatiza a coordenadora de Vigilância de Agravos e Doenças Não Transmissíveis do Ministério da Saúde, Deborah Malta.
Desta forma, vê-se que todas as iniciativas do governo e estudos surtiram efeito, porém ainda é insuficiente, visto que tal droga ilícita ainda faz um enorme número de vítimas no nosso país. Deste modo, é mister a continuação e aumento da intensidade programas antitabagistas.
Não obstante, é interessante que o instituto da responsabilidade civil continue desenvolvendo neste campo para coibir todos os abusos presentes na fabricação e comercialização do fumo. Ademais, o Código de Defesa do Consumidor deve ser tido como um guia norteador para toda relação contratual decorrente das indústrias fumígenas e os consumidores, que se transformam vítimas de um sistema que visa apenas o lucro.
REFERÊNCIAS
DELFINO, Lúcio. Responsabilidade Civil e Tabagismo no Código de Defesa do Consumidor. Belo Horizonte, 2001.
Disponível em http://www.redebrasilatual.com.br/temas/saude/pesquisa-mostra-queda-na-proporcao-de-fumantes-no-pais, acessado em 18/08/2016.
GAGLIANO, Pablo Stolze; FILHO, Rodolfo Pamplona. Responsabilidade Civil, vol. III, 2º ed. São Paulo: Saraiva, 2009.
GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade Civil de acordo com o Novo Código Civil. 10ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010.
GRINOVER, Ada Pellegrine; BENJAMIN, Antonio Herman de Vasconcelos; FINN, Daniel Roberto; FILOMENO, José Geraldo Brito; WATANABE, Kazuo; JÚNIOR, Nelson Néri; DENARI, Zelmo – Código Brasileiro de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do anteprojeito. São Paulo: Forense Universitária, 1999.
Manual Diagnóstico e Estatístico e Transtornos Mentais, 4ª edição, tradução de Dayse Batista e Supervisão e Tradução de Alceu Fillmann, Médico e Psiquiatra, Editora Artes Médicas, Porto Alegre, 1995, páginas 234/238.
NUNES, Luiz Antonio Rizzato. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. Direito Material. São Paulo: Saraiva, 2000.
STOCO, Rui. Tratado de Responsabilidade Civil/ Responsabilidade Civil e sua interpretação doutrinária e jurisprudencial/ São Paulo: RT, 2002.
VENOSA, Sílvio de Salvo. Responsabilidade Civil. São Paulo: Atlas, 2006.
QUEIROGA, Antônio Elias de. Responsabilidade Civil e o Novo Código Civil. Rio de Janeiro/ São Paulo: Renovar, 2003.
Bacharela em Direito pela Universidade Federal da Paraíba - UFPB, ano de 2013, Pós-graduada em Direito Civil e Processo Civil pela Escola Superior da Advocacia - ESA/PB e Assessora Jurídica de Promotor de Justiça do Ministério Público da Paraíba.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FEITOSA, Erica Fonseca Matias Aguiar. A responsabilidade civil das indústrias tabagistas Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 20 set 2016, 04:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/47536/a-responsabilidade-civil-das-industrias-tabagistas. Acesso em: 23 dez 2024.
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