DEBORAH MARQUES PEREIRA: Docente do Curso de Direito da Faculdade Guanambi - FG. Mestrado em Desenvolvimento Social (subárea Direito Urbanístico). Coordenadora do Observatório FG do Semiárido Nordestino. Líder do Núcleo Direito à Cidade.
RESUMO: A incidência do suicídio nos contratos de seguro de vida tornou-se objeto de debates desde a égide do Código Civil de 1916, quando se instituiu que o ônus da prova da premeditação do ato incumbiria a seguradora, sendo está determinação muito questionada, pois que difícil na prática tal constatação. Contudo, a questão tornou-se ainda mais emblemática com a edição do Código Civil de 2002 em que se estabeleceu na doutrina e jurisprudência controvérsias, no que concerne ao direito do beneficiário em receber o capital estipulado quando o segurado comete suicídio nos dois primeiros anos ulteriores a vigência do contrato. Denota-se do exposto que o presente trabalho tem como objetivo analisar as divergências doutrinárias, jurisprudenciais e sumulares que perduram sobre a incidência do suicídio nos contratos de seguro principalmente aquelas determinadas pelo Código Civil de 2002 em seu artigo 798. Para atingir o objetivo proposto, utilizou-se como metodologia a realização da pesquisa bibliográfica do tema, em livros e revistas, salientando-se a importância do Código Civil e das determinações sumulares, para a discussão da temática, sobretudo o artigo 798 CC/2002 e a Súmula 105 do STF e 61 do STJ. Assim, observa-se que a análise dos contratos de seguro por ato de suicídio deve respaldar-se não apenas na literalidade do artigo 798, devendo também pautar-se na observância do princípio da boa-fé objetiva inerente a todos os tipos de contratos, bem como, merece especial atenção às Súmulas 105 do STF e 61 do STJ.
Palavras-Chaves: Boa-fé Objetiva. Carência. Morte provocada. Negócio jurídico.
ABSTRACT: The incidence of suicide in the life insurance contracts has become the subject of debate since the aegis of the Civil Code of 1916, when it established that the burden of proof of the act of premeditation is the insurer responsibility, a determination widely questioned, because practically such a finding is very difficult. However, the issue has become even more iconic with the edition of the Civil Code of 2002 which established a different doctrine and jurisprudence, regarding the right of the recipient to receive the stipulated capital when the insured commits suicide within the first two years thereafter the contract period. Thereby this study aims to analyze the doctrinal, jurisprudential and brief differences that involve the incidence of suicide in insurance contracts mainly those determined by the Civil Code of 2002 in its art.798. To achieve this purpose, it was used a bibliographic research methodology of the subject, in books and magazines, to emphasize the importance of the Civil Code and brief determinations, to discuss the subject, especially Article 798 CC / 2002 and the summary of the SFT 105 and 61 of the STJ. So, notice that the insurance contract´s analyses of suicide cases should not be based only in the textual of art. 798, should also be guided by the principle of objective good faith inherent in all types of contracts as well as the special attention that the dockets of the Supreme Court 105 and 61 of the STJ deserves.
Keywords: Death caused, Good faith objective, Juridic business, Need.
1 INTRODUÇÃO
O trabalho em tela vislumbra a questão do suicídio sob a ótica da sua repercussão na seara contratual, no que concerne ao pagamento efetuado pelas seguradoras do capital estipulado no contrato de seguro de vida, quando o segurado comete suicídio.
Trata-se de uma pesquisa sobre as divergências doutrinas, sumulares e jurisprudenciais sobre a temática, em que se discute o direito ou não do beneficiário em receber o pagamento do capital securitário no contrato de seguro de vida por morte do segurado em virtude de suicídio, perante a inovação dada ao tema com a edição do artigo 798 do Código Civil de 2002, ao assim dispor: “o beneficiário não tem direito ao capital estipulado quando o segurado se suicida nos primeiros dois anos de vigência inicial do contrato, ou da sua recondução depois de suspenso [...]” (BRASIL, 2015, p. 203). Ante o elucidado, se depreende que houve com a promulgação do referido artigo a instauração da polêmica sobre a necessidade de comprovação da premeditação do ato, uma vez que, o diploma normativo instituiu um período de carência, em que a seguradora diante da incidência do suicídio poderia eximir-se de efetuar o pagamento.
A problemática do presente trabalho consiste na observação de que a incidência do suicídio do segurado no período de carência previsto no Código Civil de 2002 culmina em questionamentos que estão consubstanciados em saber, se ocorrendo o suicídio do segurado neste período de carência, estaria a seguradora isenta de realizar o pagamento do capital avençado ou deveria para tanto comprovar a premeditação por parte do segurado para poder desobrigar-se, vez que mister se faz a análise do princípio da boa-fé e das súmulas editadas pelo STJ e STF que versam sobre o assunto.
Diante do exposto, vislumbra-se que, o objetivo primordial do trabalho em tela é analisar as divergências doutrinárias e jurisprudenciais acerca das interpretações passíveis de serem aplicadas ao artigo 798 do Código Civil, bem como das súmulas editadas pelo STF e STJ sobre o tema (BRASIL, 2015). Com fito de atingir os objetivos previamente expostos, será realizada inicialmente uma breve abordagem conceitual das relações securitárias, bem como o conceito dos contratos de seguro e suas características.
Posteriormente, será abordado o tratamento jurídico do contrato de seguro no Código Civil de 1916, apreciando a regulamentação do instituto, o conceito adotado, bem como o estudo das espécies existentes, quais sejam o seguro de dano e de vida. Logo após, serão explanadas as determinações presentes no Código Civil de 2002 a respeito do contrato de seguro, e em seguida, passar-se-á a versar sobre os contratos de seguro de vida, verificando-se as disposições atuais concernentes ao tema, assim como as suas subespécies.
Ainda serão objeto de análise os princípios da boa-fé e da função social dos contratos, nos quais serão direcionados sobremaneira aos contratos de seguro, estabelecendo-se uma análise da importância de tais princípios na perspectiva das relações securitárias.
Apresenta-se ainda, um tópico relacionando o suicídio e o seguro de vida, em que primeiro explana-se sobre o suicídio, e suas espécies de acordo com a acepção civilista, posteriormente a positivação sumular acerca do tema, que consiste na análise das Súmulas 61 do STJ e 105 do STF, abordando-se logo após o suicídio nos contratos de seguro de acordo com o Código Civil de 2002, observando-se a inovação perpetrada pelo legislador ao instituir um período de carência no art. 798, assim como as divergências doutrinárias que sucederam de tal regulamentação (BRASIL, 2015). E para finalizar, a fim de discorrer sobre as divergências apresentadas analisa-se a decisão proferida pelo Tribunal de Justiça de Goiás e outra do Rio Grande do Sul. Por fim, mas não menos importante, serão tecidas considerações finais.
Isto posto, justifica-se a elaboração do trabalho pela necessidade da apreciação das implicações do suicídio nos contratos de seguro de vida, haja vista a inexistência de fixação sobre a interpretação mais adequada ao tema, o que conduz a insegurança jurídica, refletidas nas destoantes decisões proferidas por Tribunais de Justiça Brasileiros.
2 ABORDAGEM CONCEITUAL DAS RELAÇÕES SECURITÁRIAS
Os contratos de seguro são oriundos da necessidade do homem em proteger-se contra a insegurança e os riscos que permeiam a vida humana, e nesse viés assevera Nader (2009) que, por intermédio dos contratos de seguro busca-se atenuar as implicações de eventos danosos tanto no que concerne a bens patrimoniais como seus reflexos na saúde e vida do ser humano.
A origem dos contratos de seguro esta intimamente ligada a busca pela segurança, haja vista, que esta caracteriza-se como dispõe Silva (2004, p. 1.266), “[...] tornar a coisa livre de perigos, livre de incertezas, assegurada de danos ou prejuízos, afastada de todo mal”. Nesta acepção, pode-se inferir que os contratos de seguro apresentam e seu cerne a ideia de proteção, em que o homem almejava, sobretudo resguardar-se das incertezas e riscos.
Nesse mesmo sentido leciona Tartuce (2014), ao alegar que os contratos de seguro constituem em um dos contratos mais complexos e relevantes, tendo em vista que viver tornou-se algo arriscado. Afirma ainda o referido autor que o contrato de seguro na prática representa um meio pelo qual os riscos são socializados.
A partir, das ideias expostas acima sobre a origem dos contratos de seguro, pode-se asseverar que estes são constituídos por intermédio de uma aquiescência entre as partes, instituindo um negócio jurídico. Comentando sobre o tema, dispõe Venosa (2008. p. 122), “[...] a vontade contratual, que se subsume em um consentimento no contrato, é uma vontade negocial: isto é, dirigida para a obtenção de efeitos jurídicos, tutelados e vinculantes. O consentimento contratual é o cerne desse negócio jurídico”.
Após tecer estas breves noções introdutórias, faz-se imperioso proceder uma análise conceitual dos contratos de seguro, que conforme leciona Diniz (2010, p. 524), “contrato de seguro é aquele pelo qual uma das partes (segurador) se obriga para com a outra (segurado), mediante pagamento de um prêmio, a garantir-lhe interesse legítimo relativo a pessoa ou a coisa e a indeniza-la de prejuízo decorrente de riscos futuros, previstos no contrato”.
Denota-se do exposto, que são partes integrantes dos contratos de seguro, o segurado e o segurador, em que cabe ao segurado efetuar o pagamento do prêmio, e em contrapartida o segurador se obriga a garantir o interesse legítimo que pode ser relativo a pessoa ou a coisa, assim como efetuar o pagamento de indenização nos casos de existência de prejuízos previstos contratualmente. Corroborando com o tema afirma Tartuce (2014), que no concernente à natureza jurídica, o contrato de seguro caracteriza-se como sendo bilateral, uma vez que, instituem direitos e deveres proporcionais. Vislumbrando-se, portanto, que subsiste entre as partes, obrigações recíprocas e equivalentes.
Conforme salienta Alvim (2001, p. 113), “seguro é o contrato pelo qual o segurador, mediante o recebimento de um prêmio, obriga-se a pagar ao segurado uma prestação, se ocorrer o risco a que está exposto”. No que tange ao conceito fornecido pelo autor, compreende-se que o elemento essencial constante no contrato de seguro é o risco, uma vez que, é diante da existe deste que origina-se a noção de manter o objeto do contrato em seguro, e somente diante da efetiva ocorrência do risco que incumbirá ao segurador realizar o pagamento do capital estipulado no contrato.
Pode-se definir o contrato de seguro, como sendo o contrato pelo qual o segurador se obrigada a garantir interesse legítimo do segurado, recebendo para tanto um determinado valor que se denomina prêmio, conforme dispõe Rizzardo (2013, p. 833):
Pelo seguro um dos contratantes (segurador) se obriga a garantir, mediante o recebimento de uma determinada importância, denominada prêmio, interesse legítimo de uma pessoa (segurado), relativamente ao que vier a mesma a sofrer, ou os prejuízos que decorrerem a uma coisa, resultantes de riscos futuros, incertos e especificamente previstos.
Considerando, portanto, que os contratos de seguro são provenientes da necessidade de segurança que norteia a vida humana, sendo este caracterizado como acordo entre as partes, que se vislumbra sua importância na órbita jurídica o que fez com que a legislação civilista se declinasse para a abordagem dessa relação com o desígnio dar maior segurança jurídica.
3 O TRATAMENTO JURÍDICO DO CONTRATO DE SEGURO NO CÓDIGO CIVIL DE 1916
Para a melhor compreensão da temática constante no presente artigo, faz-se imperioso efetuar uma breve análise do tratamento dado os contratos de seguro no Código Civil de 1916, para que seja possível observar como estes estavam regulamentados, a conceituação do instituto, bem como as espécies contidas na norma.
Com a promulgação do Código Civil de 1916 houve a efetiva regulamentação dos contratos de seguro, conduzindo a um significativo progresso ao tratamento do tema, haja vista sua importância na seara jurídica. Neste diapasão, Pereira (2013) afirma que na elaboração do referido diploma, pretendeu-se regulamentar de forma definitiva os contratos de seguro, representando, portanto, um avanço substancial frente a ausência de tipificação do instituto em vários sistemas, assim como a inexistência de ordenamento doutrinário e legal. Segundo ainda o mencionado autor, o seguro marítimo seria uma exceção, pois que já encontrava-se presente no Código Comercial de 1850.
Estabeleceu-se, sob a égide do Código Civil de 1916 a definição dos contratos de seguro no artigo 1.432, no qual definiu-se como sendo o contrato de seguro: “aquele pelo qual uma das partes se obriga para com a outra, mediante a paga de um prêmio, a indenizá-la do prejuízo resultante de riscos futuros, previstos no contrato” (BRASIL, 1916).
Versando sobre o conceito exposto no aludido artigo, Venosa (2014) aduz que o legislador ao abordar o conceito de contrato de seguro definiu o que seria excepcional no ordenamento, afirmando que muito se criticava essa dicção, haja vista, que o diploma normativo não abrangia a possibilidade de seguro em benefício de terceiros, como é o caso do seguro de vida.
Tendo em vista o tratamento dos contratos de seguro na vigência do Código Civil de 1916, nota-se que o conceito legal contido na norma não diferenciava o seguro de coisa do seguro de pessoas, aduzindo expressamente a percepção de indenizar, o que culminou em críticas quanto a abrangência do conceito estabelecido.
Na legislação civilista de 1916, dividiam-se os contratos de seguro em duas espécies sendo estas: os contratos de seguro de coisa e de vida. Estando estes regulamentados em cinco seções diferentes, quais sejam: I- Das disposições gerais sobre o seguro; III- Das obrigações do segurado; III- Das obrigações do segurador; IV- Do Seguro mútuo; V- Do seguro sobre a vida (BRASIL, 1916).
Ao abordar sobre o seguro de coisas, cabe ressaltar que, durante a vigência do código civilista de 1916, este era também conhecido como seguro de danos, conforme se apreende das lições de Alvim (2001, p. 79):
Os seguros de dano são também conhecidos como seguros de coisa, denominação que tem sido abandonada pelos autores, porque se refere apenas a algumas espécies de seguros do grupo. São seguros de coisa o de incêndio, de transportes, de automóveis etc., mas não se incluem ai os de responsabilidade civil, de garantia, de fidelidade e outros. A expressão “seguros de dano” é mais abrangente e envolve todos eles. Refere-se tanto aos prejuízos materiais como a perda de valores patrimoniais.
Insta salientar, após as disposições contidas acima que, no concernente ao seguro de dano, estes abrangem os prejuízos materiais, bem como perda de valores patrimoniais, apresentando como objetivo segundo Alvim (2001) a ideia de indenização, por meio de uma reparação, compensação ou satisfação de danos sofridos.
No que se referente aos contratos de seguro de vida, pode-se inferir, que houve um desafio jurídico no que tange a sua recepção, conforme assevera Pereira (2013), ao dispor que na elaboração do Código de Napoleão, Portalis considerava ser imoral arriscar sobre a vida ou morte de uma pessoa, além de rechaça-lo sob a alegação de que álea constante o aproximava do jogo e da aposta. Ulteriormente, mesmo ajustado como espécie de seguro, adveio discussões a respeito da sua natureza, nas quais refutava-se o caráter indenizatório do instituto, sob o embasamento de que a vida é um bem de valor inestimável (PEREIRA, 2013).
A vida e as faculdades humanas passaram a constituir objeto segurável, no Código Civil de 1916, como visto nas disposições contidas em supra, encontrando-se o seguro sobre a vida regulamentado nos artigos 1.471 ao 1.476 (BRASIL, 1916).
Convém mencionar, no pertinente ao contrato de seguro de vida que se instaurou na doutrina embates, sobre se seria passível de aborda-lo sob o viés indenizatório, e neste sentido com propriedade esclarece Alvim (2001, p. 448), “[...] a indenização constitui, então, a obrigação do segurador tanto num, como noutro, embora ela seja apurada de maneira diferente, atendendo-se a natureza desses dois grupos de seguros”. Assim sendo, conclui-se que, apesar da ideia de ser o contrato de seguro caracterizado pagamento de indenização, esta deveria ser averiguada de forma distinta, conforme a espécie de seguro a ser analisada.
4 REVISÃO DE DETERMINAÇÕES A RESPEITO DOS CONTRATOS DE SEGURO NO CÓDIGO DE 2002
Os contratos de seguro com o advento do Código Civil de 2002, foram regulamentados em capítulo específico, estando a temática inserida nos artigos 757 ao 802 (BRASIL, 2015). Nas disposições gerais do capítulo destinado aos contratos de seguro, o legislador instituiu como preceito normativo basilar a sua definição, conforme denota-se da dicção do artigo 757 do CC/02, a seguir exposto: “pelo contrato de seguro, o segurador se obriga, mediante o pagamento do prêmio, a garantir interesse legítimo do segurado, relativo a pessoa ou coisa, contra riscos predeterminados” (BRASIL, 2015, p. 201).
Apreciando o tema, Gomes (2008) assevera que almejou o legislador com a edição deste artigo aperfeiçoar a definição de seguro para abranger tanto o seguro de dano como de pessoa. Segundo ainda o referido autor, ao invés do legislador exibir a acepção de obrigação do segurador, de recompensar os danos sofridos pelo segurado, este aludiu à obrigação de se garantir através do contrato de seguro interesse legítimo do segurado, seja este relacionado a pessoa ou a coisa.
Neste aspecto, percebe-se que, ao realizar uma análise comparativa da definição do instituto, entre a determinação anteriormente adotada na legislação civilista de 1916, e as inovações vislumbradas com a edição do Código Civil de 2002, depreende-se que o legislador ao modificar o conceito de contrato de seguro passou a abranger as duas classificações do tema, sendo esta, os contratos de seguro de dano e do seguro de pessoa.
Ademais salienta Nader (2009) que, o Código Civil de 2002 diferente do diploma civilista anterior ao dispor sobre os contratos de seguro, realizou uma divisão no tange as disposições normativas em duas modalidades contratuais como visto acima, sendo estas, o seguro de dano e seguro de pessoa, possuindo estes, estrutura técnica distinta, pois que o primeiro apresenta caráter indenizatório, enquanto o segundo apresenta viés compensatório. Dessa maneira, nota-se da análise das disposições elencadas que, o diploma civilista de 2002, ao abordar os contratos de seguro realizou uma divisão em suas disposições conforme a modalidade de seguro, que se consubstancia em dividi-lo em seguro de dano e seguro de vida, que serão a seguir melhor analisados.
4.1 DO SEGURO DE DANO
O seguro de dano, regulamentando nos artigos 778 ao 788 do Código Civil de 2002, constituem em uma espécie de seguro de caráter indenizatório, visto que, sua característica basilar consiste na busca pelo ressarcimento dos prejuízos advindos de eventos danosos na seara patrimonial do segurado (BRASIL, 2015). Corroborando com tema Gomes (2008, p. 510) dispõe que: “o seguro de danos ou de coisas, compreende diversas espécies que abrangem os prejuízos sofridos por um indivíduo em seu patrimônio. Caracteriza-se pelo fato de consistir a obrigação do segurador no pagamento de indenização do dano”.
Observar-se da abordagem realizada que, os contratos de seguro de danos, dividem-se em diversas espécies, que apresentam em seu cerne a ideia de ressarcimento de prejuízos sofridos por uma pessoa no que se refere ao seu patrimônio, de forma que ao segurador incumbe o dever de realizar o pagamento de indenização diante da ocorrência dos riscos previstos contratualmente.
Coadunando com o mencionado, dispõe Nader (2009, p. 379) que: “no seguro de dano, também chamado por seguro de coisa, os objetos garantidos referem-se a bens materiais ou a qualquer outro interesse suscetível de avaliação econômica”.
Nesse âmbito, analisando as disposições normativas concernentes ao seguro de dano, destaca-se que, institui o artigo 778 do Código Civil de 2002, “nos seguros de danos, a garantia prometida não pode ultrapassar o valor do interesse segurado no momento da conclusão do contrato, sob pena do disposto no art. 766, e sem prejuízo da ação penal que no caso couber” (BRASIL, 2015, p. 202).
Sendo assim, pode-se inferir que, de acordo com a regulamentação civilista, a garantia prevista na modalidade de seguro de dano não pode exceder a importância do interesse segurado na ocasião em que o contrato for concluído, pois, caso tal preceito seja infligido, segurado deixa de ter direito a garantia, além de ficar compelido ao prêmio vencido. Realizadas estas exposições, faz-se mister a abordagem dos contratos de seguro de pessoa.
4.2 DO SEGURO DE PESSOA
O seguro de pessoa, encontra-se expressamente disposto nos artigos 789 ao 802, caracterizando-se conforme estabelece Tartuce (2014), por visar à pessoa humana, com intento de proteção contra riscos de morte, bem como comprometimentos da saúde e incapacidades que possam ocorrer em virtude de acidentes.
Compreende-se, que o seguro de pessoa tem por intento a proteção da vida do ser humano, no que tange aos riscos que circundam tanto a saúde como a sua integridade. Sob a mesma acepção afirma Rizzardo (2013, p. 858), “o contrato tem em vista, aqui, a proteção da pessoa, garantindo interesses que envolvem o dano pessoal ou que se referem a certos eventos sem trazer danos, como a satisfação de uma importância determinada ao atingir uma idade mais avançada, ou quando da morte do segurado”.
Perante o apresentado, pode-se afirmar que os contratos de seguro de pessoa diferenciam-se sobremaneira dos contratos de seguro de danos em virtude de sua natureza não indenizatória, pois que a vida humana não seria passível de ser indenizada, sendo que se denomina capital o estipulado no contrato, conforme verifica-se no artigo 789 do Código Civil que assim aduz: “nos seguros de pessoas, o capital segurado é livremente estipulado pelo proponente [...] (BRASIL, 2015, p. 203).
Impende avivar ainda que, os contratos de seguro de pessoa divide-se em várias espécies, que segundo Gomes (2008), comporiam as mais relevantes o seguro de acidentes pessoais e o seguro de vida. E diante da acuidade do tratamento do seguro de vida no presente trabalho, torna-se necessário realizar algumas considerações sobre esta espécie de seguro.
4.2.1 O Contrato de Seguro de vida
Os contratos de seguro de vida com a promulgação do Código Civil de 2002 passaram a estar regulamentado na Seção concernente ao seguro de pessoa, já que constitui espécie deste, inserido no Capítulo que versa sobre os contratos de seguro. Sobre tal normatização esclarece Gonçalves (2012, p. 508):
Essa seção, no Código de 1916, era denominada “Do seguro de vida”, que é uma das espécies daquele. O seguro de pessoa compreende o de vida, o de acidentes pessoais, o de natalidade, o de pensão, o de aposentadoria e de invalidez e o seguro-saúde. Todavia, o art. 802 do novo diploma exclui expressamente este último do âmbito do Código Civil, deixando a sua disciplina para a legislação especial.
Apreende-se do apresentado que, com edição do atual Código Civil houve uma bifurcação do seguro de pessoas em várias espécies, tais como o de acidentes pessoais, natalidade, pensão, de aposentadoria e de invalidez, e o seguro de vida, que constitui objeto de especial atenção na presente obra.
No artigo 795 do Código Civil de 2002 estabeleceu-se a previsão de nulidade, no seguro de pessoa, quando realizada qualquer transação que configure o pagamento de reduzido capital ao segurado (BRASIL, 2015). Em referência ao artigo supramencionado afirma Tartuce que (2014, p. 485), “a norma tem uma enorme carga ética, mantendo relação direta com a boa-fé objetiva e a função social dos contratos”.
Determina ainda o artigo 796 do diploma normativo uma estipulação na qual, o seguro de vida poderá ser conveniado por prazo limitado ou por toda vida do segurado (BRASIL, 2015). Neste ínterim, leciona Venosa (2014, p. 420-421):
Várias são as modalidades admitidas no seguro de vida. Pode ter por objeto o seguro da vida inteira, mediante pagamento de prêmio anual, beneficiando terceiros indicados com a morte do segurado. Pode ser fixado o pagamento para certo e determinado período, após o qual o segurado se libera de pagamento, beneficiando também terceiros, no caso de morte.
Corroborando com o tema, Gonçalves (2012), assevera que o seguro de vida apresenta-se como o mais relevante seguro de pessoas, tendo em vista que ao ser firmado, a duração da vida humana age como critério fixador para o cálculo do prêmio que será devido ao segurador, e este por sua vez restará obrigado a efetuar o pagamento ao beneficiário de capital ou renda, ocorrendo a morte do segurado ou mesmo nas hipóteses deste sobreviver por um prazo determinado. Deste modo, ao firmar um contrato de seguro de vida, a duração desta atua de maneira fundamental para o cálculo do prêmio a ser pago ao segurador, e a este por sua vez incumbe o dever de realizar o pagamento ao beneficiário.
Cabe ainda ressaltar que existem duas subespécies de seguros de vida conforme se depreende dos ensinamentos de Pereira (2013, p. 428):
Há duas subespécies de seguros de vida: a) seguro de vida propriamente dito, em que o segurado paga o prêmio indefinidamente ou por tempo limitado, assumindo o segurador a obrigação de pagar aos beneficiários o valor do seguro, em função da álea específica da morte do segurado; b) seguro de sobrevivência, em que se ajusta a liquidação em vida do segurado, após um certo termo ou na ocorrência de um certo evento, inscrevendo- se nesta modalidade o seguro para a velhice, o seguro para custeio de estudos etc. É lícita a sua combinação.
Nessa acepção, observa-se que os seguros de vida estão divididos em duas subespécies, sendo estas, o seguro de vida propriamente dito e o seguro de sobrevivência. O seguro de vida propriamente dito pressupõe o pagamento do prêmio pelo segurado ao segurador, seja por prazo determinado ou indeterminado, constituindo obrigação do segurador o pagamento ao beneficiário quando ocorrer a morte do segurado. Por sua vez, o seguro de sobrevivência ajusta-se o pagamento ao segurado, sendo este em vida, tendo como base o decurso de um termo ou mesmo evento.
Neste aspecto, ao abordar o seguro de vida tradicional, salienta Rodrigues (2002, p. 343- 344):
O seguro de vida tradicional, também chamado seguro de vida propriamente dito, é aquele em que, mediante um prêmio anual, se obriga o segurador ao pagamento de certa soma, por morte do segurado, a pessoa ou pessoas por este indicadas no contrato. Trata-se de negócio de previdência, em que o segurado, desejando assegurar a sobrevivência e o bem-estar de sua família ou de outras pessoas que lhe são caras, estipula que por ocasião de sua morte o segurador fornecerá, a seus beneficiários, uma soma em dinheiro desde logo fixada no contrato, pagando ele, segurado, a partir de então, um prêmio periódico, anual ou mensal. Tal prêmio, pago pelo segurado, pode ser devido durante toda a vida deste, ou por prazo determinado.
Portanto, o seguro de vida apresenta-se não como meio de auferir vantagens de cunho patrimonial, na tutela de interesses meramente patrimoniais, mas sim como maneira de assegurar o bem estar e sobrevivência do beneficiário, tendo em vista que caberá ao segurador realizar o pagamento do avençado no contrato, quando ocorrer a morte do segurado e tais valores terá natureza de sustento. Observa-se do exposto que, os contratos de seguro de vida na contemporaneidade constituem em uma espécie de contrato de relevante importância na sociedade, dado seu caráter assistencial, pois que visa assegurar o bem estar de entes familiares e outras pessoas que lhe são queridas.
Após as exposições feitas acima, a respeito dos contratos de seguro, bem como o instituto do seguro de vida e as determinações presentes no diploma civilista de 2002, faz-se de suma importância a análise dos principais princípios que lhes são aplicáveis, sendo estes o princípio da boa-fé objetiva e da função social dos contratos.
5 PRINCÍPIO DA BOA-FÉ OBJETIVA E OS CONTRATOS DE SEGURO
Ao versar sobre a origem da concepção de boa-fé, asseveram Gagliano & Pampolha Filho (2012, p. 101) que: “a noção de boa-fé (bona fides), ao que consta, foi cunhada primeiramente no Direito Romano, embora a conotação que lhe foi dada pelos juristas alemães, receptores da cultura romanista, não fosse exatamente a mesma”. Nota-se assim que a boa-fé esteve presente desde as origens primárias das tratativas negociais.
Houve com a promulgação do Código Civil de 2002, a regulamentação do princípio da boa-fé no artigo 422 ao expressamente dispor que: “os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé” (BRASIL, 2015, p.183).
Após análise do artigo acima descrito, pode-se aduzir que, o preceito expresso na norma é de cunho obrigacional, haja vista que se impõem as partes à observância do princípio da boa-fé, sendo que será obrigatória tanto no momento da conclusão do contrato como também no decorrer de sua execução.
Tecendo considerações sobre a boa-fé objetiva, esclarece Pereira (2013), que seria a boa-fé expressa no art. 422 do Código Civil a objetiva, por ser característica das relações obrigacionais. Aduz ainda o mencionado autor que, a boa-fé objetiva não constituiria um estado de consciência do agente, mas sim o seu comportamento de cooperação perante a relação jurídica, estabelecendo um padrão de conduta que apresentam-se de forma variável de acordo com a relação vigente entre as partes.
Corroborando com tema dispõe Silva (2011, p. 9), que “a boa-fé de que cuida o Código Civil no art. 422 é a objetiva, que impõe certos deveres às partes contratantes, possuindo a função de fonte de novos deveres especiais de conduta durante o vínculo contratual”.
Compreende-se, portanto, o princípio da boa-fé como aspecto primordial nas relações contratuais, pois que deve ser observada obrigatoriamente na fase anterior a concretização do contrato, durante a vigência e também a fase pós- contratual.
No que refere-se à aplicação do princípio da boa-fé na seara dos contratos de seguro, esclarece Tartuce (2014), que nos contratos de seguro a boa-fé objetiva deve estar presente em todas as fases, tanto na fase pré-contratual, como nas fases contratuais e pós-contratuais, constando no referido instituto uma norma específica para a abordagem do princípio em tela, pois que, dispõe o artigo 765 do Código Civil: “O segurado e o segurador são obrigados a guardar na conclusão e na execução do contrato, a mais estrita boa-fé e veracidade, tanto a respeito do objeto como das circunstâncias e declarações a ele concernentes” (BRASIL, 2015, p. 202).
Depreende-se da análise do mencionado artigo que o legislador notoriamente destacou o princípio da boa-fé ao regular os contratos de seguro, instituindo a obrigação bilateral entre as partes de observância do referido princípio tanto na conclusão como na execução do contrato. Destacando a importância do princípio da boa-fé na seara dos contratos de seguro assevera Venosa (2008, p. 343): “mais do que em outra modalidade de contrato, cumpre que no seguro exista límpida boa-fé objetiva e subjetiva, aspecto que deve ser levado em conta primordialmente pelo intérprete”.
Constata-se do elucidado que, o respeito ao princípio da boa-fé constitui aspecto essencial das tratativas securitárias, devendo ser de observância obrigatória às partes integrantes da relação securitária. Outrossim, o princípio em estudo, deve servir de lastro ao intérprete ao aplicar os preceitos normativos.
6 A FUNÇÃO SOCIAL DOS CONTRATOS DE SEGURO
Antes de adentrar propriamente na normatização da função social dos contratos na legislação civilista, impende ressaltar o sentido da expressão função social, que conforme asseveram Farias & Rosenvald (2012, p. 307):
A expressão função social procede do latim functio, cujo significado é de cumprir algo ou desempenhar um dever ou uma atividade. Utilizamos o termo função para exprimir finalidade de um modelo jurídico, um certo modo de operar um instituto, ou seja, o papel a ser cumprido por determinado ordenamento jurídico.
Verifica-se do exposto que, a expressão função social apresenta em síntese a ideia de exteriorização da finalidade de determinada norma, revelando, o papel desta perante o diploma normativo a que se aplica, a fim de que seja possível compreender o real sentido da regulamentação.
Ao ponderar a respeito das disposições gerais dos contratos, o Código Civil de 2002 trouxe como mandamento nuclear do instituto a observância da sua função social ao dispor em seu artigo 421 que: “a liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato” (BRASIL, 2015, p. 183).
Dispondo sobre o princípio da função social dos contratos instituído no Código Civil leciona Costa (2005, p. 41): “o princípio da função social, ora acolhido expressamente no Código Civil [...] constitui, em termos gerais, a expressão da socialidade no Direito Privado, projetando em seus corpora normativos e nas distintas disciplinas jurídicas a diretriz constitucional da solidariedade social [...]”.
Observa-se do exposto que o dispositivo em comento consagra o princípio da função social dos contratos, estando este intimamente atrelado não apenas à vontade das partes em pactuarem, mas também a percepção de que esta vontade não poderá significar detrimentos a terceiros não integrantes da relação contratual.
Neste mesmo sentido leciona Diniz (2010, p. 23), ao asseverar que “o contrato deve ter alguma utilidade social, de modo que os interesses dos contratantes venham a amoldar-se ao interesse da coletividade”. Segundo ainda a referida autora, apesar do reconhecimento da importância da liberdade contratual, deve-se ter em mente que o exercício desta apresenta como fatores condicionantes a observância da função social dos contratos e implica valores de boa-fé e probidade.
De acordo ainda com Pereira (2013), resta clara a intenção do legislador ao abordar a função do contrato de não tratar com supremacia os interesses das partes que integram a relação contratual, sendo indispensável levar em consideração o mundo que os cercam. Dispõe ainda o aludido autor que, “hoje o contrato é visto como parte integrante de uma realidade maior e como um dos fatores de alteração da realidade social” (PEREIRA, 2013, p.13).
Perante o apresentado, pode-se afirmar que apesar da liberdade de contratar constituir fator preponderante na relação contratual, uma vez que, surge os contratos do acordo entre as partes, vislumbra-se sob a égide do princípio da função social dos contratos que esta liberdade encontra como limites, sendo estes atinentes ao bem comum e os fins sociais que os contratos devem alcançar. Relacionando o princípio exposto, com os contratos de seguro Kriger Filho (2000, p. 18) dispõe que:
Indiscutível a função social contemporânea que exerce este instituto, sendo atividade a ele afeita considerada de verdadeira utilidade pública, quando se percebe que a mesma movimenta a economia a economia de incontáveis segurados para formar um fundo comum e proporciona a segurança e tranquilidade necessários ao bem estar das pessoas e do progresso.
Verifica-se, por conseguinte que, os contratos de seguro apresentam cunho social, pois que há uma socialização dos riscos, buscando tranquilizar o indivíduo das inseguranças que permeiam sobremaneira a vida humana, através da compensação nos contratos de seguro de vida, almejando dirimir os danos ajustados contratualmente.
7 OS SEGUROS DE VIDA E A QUESTÃO DO SUICÍDIO
Abordou-se até o presente tópico, o instituto dos contratos de seguro, a sua conceituação, o tratamento jurídico deste no Código Civil de 1916, posteriormente as determinações a respeito dos contratos de seguro no Código Civil de 2002, analisando as espécies contidas no diploma normativo, bem como sobre o princípio da boa-fé objetiva e a função social dos contratos nos contratos de seguro, de maneira a propiciar a compreensão da temática objeto do artigo ora apresentado.
Sendo assim, após as exposições realizadas, proceder-se-á um breve exame do suicídio, bem como a distinção realizada por doutrinadores civilistas entre suicídio voluntário e involuntário, em seguida as determinações concernentes a implicação da incidência do suicídio nos contratos de seguro de vida na vigência do Código Civil de 1916, e as disposições sumulares, para em seguida apresentar as inovações perpetradas com a edição do Código civil de 2002 e a análise jurisprudencial acerca da temática.
7.1 O SUICÍDIO
O suicídio consoante assevera o célebre sociólogo Durkheim (2000, p.14), caracteriza-se como sendo “[...] todo caso de morte que resulta direta ou indiretamente de um ato, positivo ou negativo, realizado pela própria vítima e que ela sabia que produziria esse resultado”. Conforme ainda o referido autor, existem três espécies de suicídio, sendo estes, o egoísta, altruísta e por anomia.
Ressalta-se que em sua obra intitulada suicídio Durkheim (2000, p. 384), dedica capítulo específico a abordagem do suicídio como elemento social instituindo que:
De todos os fatos por nós estudados, resulta que a taxa social dos suicídios só se explica sociologicamente. É a constituição moral da sociedade que determina a cada instante o contingente das mortes voluntárias. Existe, pois, para cada povo, uma força coletiva, de determinada energia, que impele os homens a se matarem. Os movimentos que o paciente realiza, e que, à primeira vista, parecem só exprimir o seu temperamento pessoal, são, em realidade, a consequência e o prolongamento de um estado social que manifestam exteriormente.
Tecendo considerações sobre a análise realizada por Durkheim sobre o suicídio como fenômeno social Lucena (2010), leciona que apesar do suicídio caracterizar-se como fenômenos individuais, apresentam causas fundamentalmente sociais. Segundo ainda o referido autor, “as circunstâncias sociais que criam o suicídio criam também as predisposições psicológicas, porque os indivíduos, vivendo em condições peculiares da sociedade moderna, são mais sensíveis e, por conseguinte, mais vulneráveis” (LUCENA, 2010, p. 299).
É válido mencionar ainda que o suicídio constitui um fato jurídico, conforme salienta Borges (2006, n. p.) ao afirmar que “aceita a tese de que o instante suicida é de pura anormalidade, em que a vontade não seria juridicamente levada em conta, tal ação jamais poderia ser considerada como ato jurídico, por lhe faltar o elemento essencial, consubstanciado na manifestação de volitiva”. Aduz ainda o autor que, seria, por conseguinte o suicídio um fato jurídico.
Entrementes, a abordagem a ser realizada aqui a respeito do suicídio será sob o prisma jurídico e mais especificamente a classificação civilista do tema, já que a distinção entre o suicídio voluntário e involuntário norteia a compreensão do assunto, haja vista que ocorrendo o suicídio de forma voluntária haveria a exclusão do dever de indenizar por parte das seguradoras.
A classificação do suicídio em voluntário e involuntário advém das disposições contidas na égide do Código Civil de 1916, em virtude de estabelecer, que não poderia ser objeto de seguro a morte voluntária. Como denota-se do ensinamento de Kriger Filho (2000, p. 173):
Consiste o suicídio na morte provocada pelo próprio segurado, de forma voluntária ou involuntária. Conforme determina o artigo 1.440 do Código, não pode ser objeto do seguro de vida a morte voluntária, isto é, a que o segurado procura por sua livre e espontânea vontade, uma vez que o risco deve sempre pressupor um fato independente da sua vontade e quase sempre incerto.
O suicídio voluntário conforme leciona Costa (2014, p. 237) seria “aquele em que o segurado, para fraudar o seguro (e, assim, prejudicar a comunidade de pessoas segurada) contratava o seguro já com a intenção de por cabo à própria vida, visando, muitas vezes, proporcionar ao beneficiário meios de fazer frente aos credores”. Nota-se da apreciação do conceito fornecido que, o suicídio voluntário ou premeditado é aquele mediante o qual o sujeito ao realizar o contrato de seguro já possui o desígnio deliberado de ceifar a própria vida, agindo em muitos casos com intento de beneficiar terceiros.
No que concerne ao suicídio involuntário ensina Alvim (2001, p. 236) “nem todo suicídio é voluntario ou consciente. Pode originar- se de um estado mórbido do segurado, em que sua decisão de auto eliminar-se perde as características de um ato premeditado para configurar-se num caso fortuito ou de força maior”. Destarte, pode-se inferir que o suicídio dito involuntário, é aquele em que o sujeito ao cometer o ato não encontra-se em pleno gozo de suas faculdades mentais, não pensando nas consequências da sua ação e por conseguinte somente neste caso estaria o segurador obrigado a efetuar o pagamento do capital securitário pactuado.
Ante o exposto, nota-se que no Código de 1916, a fim de regulamentar a incidência do suicídio nos contratos de seguro de vida houve a inserção da distinção do suicídio voluntário e involuntário, pois que, apesar do suicídio ser um risco sujeito a previsão contratual, somente assistiria direito ao beneficiário de reclamar o capital securitário, se a sua incidência decorresse de ato inconsciente do agente, que não poderia ter a intenção de beneficiar terceiro quando da prática do ato. Com a edição do Código Civil de 2002, também houve disposição neste sentido ao prescrever o artigo 768 que: “o segurado perderá o direito à garantia se agravar intencionalmente o risco objeto do contrato” (BRASIL, 2015, p. 202).
Deste modo, torna-se possível estabelecer uma correlação entre os dois diplomas que visando inibir que a pessoa ao contratar tenha a intenção de agravar o risco ali pactuado, estabeleceu as disposições acima explanadas. E neste viés, para melhor apreensão do tema, deve-se analisar o tratamento dispensado a incidência do suicídio nos contratos de seguro quando ainda vigente o Código Civil de 1916.
7.2 ABORDAGEM DO SUICÍDIO NOS CONTRATOS DE SEGURO NO CÓDIGO CIVIL DE 1916
O Código Civil de1916 ao versar sobre a incidência do suicídio nos contratos de seguro de vida, pouco explanava sobre o tema, regulamentando de forma sucinta em seu artigo 1.440 o conceito de morte voluntária conforme constata-se de sua transcrição:
Art. 1440. A vida e as faculdades humanas também se podem estimar como objeto segurável, e segurar, no valor ajustado, contra os riscos possíveis, como o de morte involuntária, inabilitação para trabalhar, ou outros semelhantes. Parágrafo único. Considera-se morte voluntária a recebida em duelo, bem como o suicídio premeditado por pessoa em seu juízo (BRASIL, 1916).
Consoante observa-se da dicção do artigo supramencionado, o Código Civil de 1916 considerava não ser possível ao beneficiário reclamar o direito do capital convencionado se a morte do segurado ocorresse de forma voluntária, sendo esta perpetrada por quem encontrava-se em pleno gozo de suas faculdades mentais. Baseando-se o referido Código em critério de índole subjetiva, vez que o pagamento do capital estipulado estava condicionado a comprovação da vontade do agente, tal como sua real intenção ao suicidar-se.
Segundo leciona Kriger Filho (2000), a abordagem do suicídio nos contratos de seguro sempre constituiu objeto de debates na doutrina e jurisprudência, ressaltando que diverso é o tratamento conferido ao instituto nas legislações estrangeiras. Asseverando ainda que, “entre nós, não podendo ser objeto do seguro a morte voluntária, a qual se equipara o suicídio premeditado, nos termos do parágrafo único do artigo 1.440, não resta dúvida de que por este não deve responder o segurador” (KRIGER FILHO, 2000, p. 173-174).
Dispondo ainda sobre as disposições contidas no diploma civilista de 1916, Alvim (2001) aduz que houve uma harmonia entre o legislador e o segurador, ao estabelecer que o suicídio voluntário não estivesse sujeito a cobertura securitária, muito embora o primeiro tenha sido instituído em nome da ordem pública e dos bons costumes e o segundo por motivos de natureza técnica. Ademais, salienta ainda “não obstante esta harmonia de propósitos, a questão do suicídio não logrou uma solução tranquila; ao contrário, tem sido objeto de controvérsias, de orientações diversas na legislação e na jurisprudência das nações” (ALVIM, 2001, p. 236).
O artigo 1.460 do Código Civil de 1916, pugnava a liberdade de contratar permitindo as seguradoras ajustar cobertura securitária aos riscos que almejassem, não respondendo por outros não previamente pactuados, ao dispor: “quando a apólice limitar ou particularizar os riscos do seguro, não responderá por outros o segurador” (BRASIL, 1916). Diante desta disposição, as seguradoras passaram a inserir em suas apólices de seguro de vida, cláusulas que tinham por escopo excluir a cobertura do suicídio, mesmo caracterizando-se como involuntário o que ocasionou diversas ações judiciais por parte dos beneficiários que insatisfeitos almejavam reverter essa situação e diante deste contexto foram editadas as Súmulas 105 do STF e 65 do STJ, que serão a seguir abordadas.
7.3 POSITIVAÇÃO SUMULAR SOBRE O SUICÍDIO NO CONTRATO DE SEGURO
Na seara jurídica existe uma necessidade de que o ordenamento jurídico apresente parâmetros para o apropriado direcionamento aos destinatários, das normas ao caso concreto, para que seja possível vislumbrar a aplicação destas de forma adequada. Neste sentido, afirma Ericksen (2013, p. 181) que:
Existe uma necessidade premente de que a ordem jurídica ofereça certeza quanto ao direito vigente, dando clara definição às normas jurídicas para melhor orientação de seus destinatários, algo que leva crer que a jurisprudência, quando dissonante entre si (desde que considerada em sua acepção ampla), seja tida como um problema que clama por uma solução. É nesse horizonte que exsurge no panorama jurídico a questão da edição de súmulas, ou seja, o resumo jurisprudencial de um determinado tema tendente a se impor como orientação dominante em certo cenário jurídico.
Constata-se do exibido acima que, a edição das súmulas tem por escopo precípuo orientar os destinatários, sobre a mais pertinente aplicação da norma, quando instituído na seara jurídica dissonâncias acerca de determinada temática.
Adaptando a aplicabilidade das súmulas no objeto de estudo do presente trabalho, qual seja, o tratamento jurídico do suicídio nos contratos de seguro de vida, cabe a análise, das Súmulas 105 do Supremo Tribunal Federal e em seguida a súmula 61 do Superior Tribunal de Justiça, que foram editadas ainda na vigência do Código Civil de 1916, que serão a seguir explanadas (BRASIL, 2015).
No âmbito do Superior Tribunal Federal, foi editada a Súmula 105, com o seguinte teor: “salvo se tiver havido premeditação, o suicídio do segurado no período contratual de carência não exime o segurador do pagamento do seguro” (BRASIL, 2015, p. 2034). Observa-se da apreciação da súmula mencionada, que o objetivo da súmula em comento consistiu na tentativa de coibir a edição de cláusulas nos contratos de seguro de vida que permitisse as seguradoras eximir-se do pagamento do capital estipulado, no período de carência estabelecido no contrato, em virtude de morte do segurado por suicídio, à exceção dos casos em que restasse caracterizada a premeditação do ato.
Nesse mesmo viés, pronunciou-se o Superior Tribunal de Justiça ao editar a Súmula 61 afirmando que: “O seguro de vida cobre a morte por suicídio não premeditado” (BRASIL, 2015, p. 2014). Depreende-se do exame das súmulas em supra, que estas, apresentam como cerne a ideia de que para haver exoneração por parte das seguradoras de efetuar o pagamento do capital estipulado no contrato de seguro de vida, deveria ter o suicídio ocorrido de maneira voluntária, ou seja, premeditado.
Ocorre que, fazer prova da premeditação do ato, tornou-se objeto de discussão, visto que, aferir se houve ou não se apresentava como uma tarefa árdua para as seguradoras, uma vez que, incumbia a estas o ônus de provar que o segurado ao firmar o contrato já tinha o intuito de ceifar a própria vida, e só diante desta prova poderia eximir-se de realizar o pagamento ao beneficiário.
7.4 SUICÍDIO NOS CONTRATOS DE SEGURO DE ACORDO COM O CÓDIGO CIVIL DE 2002
Com o advento do Código Civil de 2002, houve significativa mudança na matéria, tendo em vista o período de carência inserido no diploma normativo, conforme se apreende do exame do artigo 798 do CC/2002:
Art. 798 O beneficiário não tem direito ao capital estipulado quando o segurado se suicida nos primeiros dois anos de vigência inicial do contrato, ou da sua recondução depois de suspenso, observado o disposto no parágrafo único do artigo antecedente. Parágrafo único. Ressalvada a hipótese prevista neste artigo, é nula a cláusula contratual que exclui o pagamento do capital por suicídio do segurado (BRASIL, 2015, p. 203).
Vislumbra-se da análise do referido artigo, que restou determinado um período de carência, correspondendo este aos dois anos subsequentes a assinatura do contrato ou de sua recondução depois de suspenso, em que ocorrendo o suicídio do segurado não teria o beneficiário direito ao capital estipulado, regulamentando ainda em seu parágrafo único uma exceção quanto a proibição de constituir cláusula no contrato prevendo exclusão do pagamento por morte do segurado em virtude de suicídio. Explanando sobre as disposições inseridas no artigo mencionado, leciona Tartuce (2014, p. 487):
Percebe-se que o legislador do Código Civil de 2002 preferiu não tratar da questão da premeditação do suicídio, o que dependia de difícil prova. Desse modo, a codificação em vigor traz um prazo de carência de dois anos, contados da celebração do contrato. Somente após esse período é que o beneficiário terá direito à indenização ocorrendo o suicídio do segurado, o que não exclui o seu direito à reserva técnica.
Segundo o referido autor, o Código Civil não abordou a questão da premeditação do suicídio em virtude das dificuldades notadas anteriormente para sua comprovação. Afirmando ainda, que interpretação do artigo 798 do Código Civil pressupõe a ideia de que o beneficiário somente possui o direito de indenização securitária em virtude de suicídio do segurado se este ocorrer após dois anos, da assinatura do contrato, não excluindo, no entanto, o direito à reserva técnica. De forma adversa dispõe Pereira (2013, p. 429-430) ao asseverar:
Esta regra deve ser interpretada no sentido de que após 2 anos da contratação do seguro presume-se que o suicídio não foi premeditado. Se o suicídio ocorrer menos de 2 anos após a contratação do seguro caberá à seguradora demonstrar que o segurado assim fez exclusivamente para obter em favor de terceiro o pagamento da indenização. Essa prova da premeditação é imprescindível, sob pena de o segurador obter enriquecimento sem causa, diante das pesquisas da ciência no campo da medicina envolvendo a patologia da depressão. Essa tinha sido a solução sugerida por mim no Código das Obrigações, e adotada no Código de 2002.
Nota-se das disposições contidas acima que para o autor, a interpretação do tema deve ser no sentido de que ocorrendo suicídio do segurado dentro do período de carência fixado, caberia a seguradora comprovar que ocorreu de forma premeditada, tendo o segurado, portanto, cometido o ato com intuito de favorecer terceiro que receberia a indenização. Cabe ressaltar ainda, que segundo o autor a prova da premeditação do ato revela-se de suma importância, por evitar o enriquecimento sem causa do segurador.
Assim sendo, percebe-se que com a edição do Código Civil de 2002 surgiram relevantes controvérsias a respeito do tema, que permeiam em torno de aferir o que o legislador pretendeu ao sistematizar o artigo. E nessa vertente, formaram-se duas correntes, uma sob o prisma de que a intelecção deveria ser feita de forma literal ou gramatical do artigo, e outra voltada para a interpretação sistemática ou analítica do artigo.
Sob o prisma da interpretação gramatical, o direito do beneficiário em auferir o capital estipulado nas hipóteses de suicídio do segurado estaria condicionado, ao lapso temporal transcorrido entre a realização do contrato e a incidência do sinistro, pois que, ocorrendo o suicídio nos dois primeiros anos ulteriores a vigência do contrato estaria a segurado isenta de efetuar o pagamento. Já para a interpretação sistemática, deve haver uma ponderação, na interpretação de uma norma, analisando o sistema jurídico como um todo e, por conseguinte aplicando no caso concreto o princípio da boa-fé objetiva, bem como as súmulas anteriormente analisadas, que continuam vigentes.
7.5 ANÁLISE DAS DECISÕES: AgRg no AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 1.244.022 - RS E RESP 1.334.005-GO
Para melhor discorrer sobre as divergências suscitadas anteriormente, procedeu-se pesquisas sobre a aplicação da temática no campo jurisprudencial, e assim sendo, foram selecionadas duas decisões proferidas por Tribunais de Justiça brasileiros. A primeira consiste em um Agravo Regimental em Agravo de Instrumento nº 1.244.022, exarado pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, julgado em 13 de abril de 2011, e a segunda um Recurso Especial nº 1.334.005-GO, julgado em 8 de abril de 2015.
Convém destacar que a primeira jurisprudência foi escolhida em virtude de ter sido apontada como referência em diversos julgados, destacando-se como pertinente ao caso concreto a linha jurisprudencial adotada, dentre as quais encontra-se o Recurso Especial nº 1.334.005-GO que será posteriormente analisado.
Trata-se a decisão abaixo colacionada de Agravo Regimental proferido pela 2ª Seção do Superior Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, tendo sido interposto por Companhia de Seguros Aliança do Brasil contra a decisão monocrática do relator Exmo. Sr. Ministro Luis Felipe Salomão que havia negado seguimento ao agravo de instrumento da recorrente, alegando que houve mudança do entendimento do Tribunal de Origem, notadamente sobre a não ocorrência de premeditação, que demandaria o reexame de prova, conduta esta vedada em sede de Recurso Especial (STJ/RS, 2011).
Nas razões do agravo, a agravante afirmou que a discussão é atinente a desnecessidade de demonstração da premeditação no suicídio, quando este ocorre nos dois primeiros anos de vigência do contrato, podendo a seguradora recusar-se de efetuar à cobertura securitária, com fulcro o art. 798 do Código Civil. Além de aduzir que, tendo o suicídio do segurado ocorrido no prazo inicial de 2 anos da vigência do contrato, não haveria que se proceder a análise da premeditação (STJ/RS, 2011).
O Relator Luis Felipe Salomão ao expor as razões de seu voto, afirmou que, apesar do período de carência estabelecido no Código Civil este não teve o condão de afastar a aplicação da Súmula 61 do STJ, além de que não se poderia a má-fé ser presumida, haja vista que, a o princípio da boa-fé norteia as relações contratuais. Segundo ainda o relator, a boa-fé é que deve ser presumida, devendo, a má-fé ser comprovada, além de que ao interpretar uma norma de forma extensiva devem-se levar em consideração os princípios da boa-fé e da função social do contrato (STJ/RS, 2011).
Neste mesmo sentido os Ministros da Segunda Seção, por maioria, negaram provimento ao recurso interposto ao agravo regimental, apresentando nas razões dos votos, a invocação do princípio da boa-fé, prevista no artigo 422 do Código Civil, assim como a aplicação das referidas, conforme verifica-se da ementa a seguir:
AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE COBRANÇA. SEGURO DE VIDA. SUICÍDIO COMETIDO DENTRO DO PRAZO DE 2 (DOIS) ANOS DE INÍCIO DE VIGÊNCIA DA APÓLICE DE SEGURO. NEGATIVA DE PAGAMENTO DO SEGURO. ART. 798 DO CC/2002. INTERPRETAÇÃO LÓGICO-SISTEMÁTICA. BOA-FÉ. PRINCÍPIO NORTEADOR DO DIPLOMA CIVIL. PRESUNÇÃO. NECESSIDADE DE PROVA DA PREMEDITAÇÃO PARA AFASTAR-SE A COBERTURA SECURITÁRIA. PRECEDENTE. ACÓRDÃO DO TRIBUNAL. ANÁLISE DE PROVAS. AFASTADA A PREMEDITAÇÃO. REVISÃO. SÚMULA 7/STJ. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1. Nas razões do recurso especial, não foi evidenciada de que forma o acórdão recorrido teria vulnerado os arts. 130, 330, 331 e 332 do CPC. Incidência da Súmula 284/STF.
2. A interpretação do art. 798, do Código Civil de 2002, deve ser feita de modo a compatibilizar o seu ditame ao disposto nos arts.113 e 422 do mesmo diploma legal, que evidenciam a boa-fé como um dos princípios norteadores da redação da nova codificação civil. 3. Nessa linha, o fato de o suicídio ter ocorrido no período inicial de dois anos de vigência do contrato de seguro, por sí só, não autoriza a companhia seguradora a eximir-se do dever de indenizar, sendo necessária a comprovação inequívoca da premeditação por parte do segurado, ônus que cabe à Seguradora, conforme as Súmulas 105/STF e 61/STJ expressam em relação ao suicídio ocorrido durante o período de carência. AgRg no AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 1.244.022 - RS (2009/0205115-0), STJ. 2ª Seção. Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, julgado em 13/4/2011).
Diante do relatado, percebe-se que a decisão reflete a aplicação da interpretação sistemática, vez que invocou-se o princípio da boa-fé como instituto basilar na orientação das tratativas contratuais, bem como aplicação das súmulas como já mencionado.
No que tange a segunda decisão, trata-se esta de decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça de Goiás nº 1.334.005, tendo sido escolhida em virtude de que demonstrou-se de grande repercussão na seara jurídica por representar um rompimento com a linha jurisprudencial difundida anteriormente, qual seja, a de que diante da ocorrência do suicídio do segurado, nos dois primeiros anos de vigência do contrato, somente assistiria razão a seguradora de eximir-se de efetuar o pagamento do capital avençado se comprovasse a premeditação do ato (STJ/GO, 2015).
O recurso especial foi interposto pelo Banco Santander Brasil S/A sob o embasamento de que a decisão que recai sobre a recorrente constitui ofensa ao artigo 798 do Código Civil, tendo em vista que o suicídio ocorreu dentro do período de carência estabelecido, aproximadamente 25 dias após a assinatura do contrato, além de afirma que existe divergência jurisprudencial acerca do tema (STJ/GO, 2015).
O relator Sr. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, ao proferir voto, negou provimento ao recurso, por entender ser acertada a linha jurisprudencial primeiramente analisada e assim, não deveria a interpretação do o artigo 798 do Código Civil ser realizada apenas em sua literalidade, pois que considerando o aspecto sistemático mister seria a observância das súmulas 105 do STF e 61 do STJ, invocando ainda o princípio da boa-fé (STJ/GO, 2015).
Após o voto do relator, os demais componentes da segunda Seção por maioria deram provimento ao recurso, aduzindo em síntese que o artigo 798 do Código Civil deve ser aplicado em sua literalidade, haja vista que a intenção do legislador ao instituir um período de carência foi dirimir as controvérsias a respeito da premeditação do ato, vez que de difícil constatação. Portanto, ocorrendo o suicídio dentro desse período de carência, não haveria que se falar em prova da premeditação, pois que assiste direito a seguradora de se eximir por haver diploma normativo expressamente nesse sentido. Conforme observa-se da ementa a seguir exposta:
RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE COBRANÇA. SEGURO DE VIDA. SUICÍDIO DENTRO DO PRAZO DE DOIS ANOS DO INÍCIO DA VIGÊNCIA DO SEGURO.RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
1. Durante os dois primeiros anos de vigência do contrato de seguro de vida, o suicídio é risco não coberto. Deve ser observado, porém, o direito do beneficiário ao ressarcimento do montante da reserva já formada (Código Civil de 2002 c/c, parágrafo único).
2. O art. 798 adotou critério objetivo temporal para determinar a cobertura relativa ao suicídio do segurado, afastando o critério subjetivo da premeditação. Após o período de carência de dois anos, portanto, a seguradora será obrigada a indenizar, mesmo diante da prova mais cabal de premeditação.
3. Recurso especial provido. (REsp 1.334.005-GO (2012/0144622-7), STJ. 2ª Seção. Rel. originário Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Rel. para acórdão Min. Maria Isabel Gallotti, julgado em 08/04/2015).
As decisões apontadas acima materializam as divergências apresentadas a respeito do tema, vislumbrando-se no teor dos argumentos proferidos nos tribunais que, mesmo proferidas sob a égide de um mesmo regramento normativo a jurisprudência apresenta dissensos sobre a interpretação cabível a norma, o que conduz a insegurança no meio jurídico sobre qual seria a aplicação mais pertinente a solução da causa.
8 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ante as exposições empreendidas, pode-se afirmar que, o objeto de estudo do presente trabalho possui relevante importância na seara jurídica, vez que, a doutrina e a jurisprudência, têm apresentado dissonâncias sobre o direito do beneficiário em receber o capital securitário quando o segurado comete suicídio.
Tais divergências são vislumbradas desde a vigência do Código Civil de 1916, em que a análise da temática era realizada por intermédio de um critério de caráter subjetivo, no qual a seguradora desobrigava-se de efetuar o pagamento do capital estipulado mediante a comprovação da premeditação do ato por parte do segurado, surgindo assim, questionamentos acerca das dificuldades encontradas por estas de comprovar tal premeditação. Sob a égide do referido diploma normativo, foram editadas as súmulas nº 105 do STF e 61 do STJ, buscando dirimir as controvérsias, pois que basicamente instituíam a obrigação das seguras em comprovarem a premeditação do suicídio (BRASIL, 2015).
Com a edição do Código Civil de 2002, a questão tomou novos contornos, uma vez que, se estabeleceu em seu artigo 798 um período de carência em que ocorrendo o suicídio do segurado, não assistiria ao beneficiário o direito em receber o capital previsto contratualmente, instituiu assim, um critério de índole temporal, em que o intérprete ao aplicar de forma literal o supramencionado artigo somente se atentaria para o lapso temporal decorrido do momento da efetiva contratação do seguro de vida e o ato do suicídio, para conceder ou não o direito ao beneficiário de receber o capital securitário (BRASIL, 2015).
Contudo, passou-se a questionar o sentido da norma presente no Código Civil de 2002, sintetizadas por duas linhas interpretativas. Para a primeira, sob enfoque da interpretação literal, a disposição normativa deve ser aplicada em sua literalidade e assim, a incidência do suicídio do segurado no período de carência eximiria a seguradora do pagamento do capital securitário. Em contrapartida, através da perspectiva sistemática, a norma deve ser interpretada analisando o sistema jurídico como um todo, com observância dos princípios basilares relativos ao tema, bem como a observância das súmulas acima mencionadas.
Após o estudo realizado, percebeu-se que nos tempos atuais ainda existem grandes divergências a ser vislumbradas no caso concreto, em alguns casos são invocados a perspectiva civilista de 1916, em que atenta-se para aos disposições sumulares e em outros casos a perspectiva civilista de 2002, o que gera para os aplicadores do direito certas inseguranças jurídicas. Contudo, observa-se que o princípio da boa-fé e da função social dos contratos tem sido norteadores das relações contratuais primando sempre pela observância desses princípios ao caso concreto.
REFERÊNCIAS
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Acadêmica do curso de direito da Faculdade Guanambi.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SALES, Naiane de Jesus. Contratos de seguro de vida: embates doutrinários e jurisprudenciais sobre o fato de suicídio Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 04 out 2016, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/47612/contratos-de-seguro-de-vida-embates-doutrinarios-e-jurisprudenciais-sobre-o-fato-de-suicidio. Acesso em: 23 dez 2024.
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