RESUMO: O presente estudo tem por objetivo analisar a adequação das prisões cautelares com o princípio constitucional da presunção de inocência, apesar, de, a princípio, transparecer que prender alguém antes do trânsito em julgado de uma sentença penal condenatória fere a Constituição da República em seu postulado da não culpabilidade. Analisar-se-á as posições, tanto dos que defendem a constitucionalidade das prisões cautelares quanto dos que defendem sua inconstitucionalidade, será possível constatar que estas medidas cautelares, apesar dos entendimentos divergentes, que tantos debates acalorados que provoca, podem ser aplicadas em consonância com princípio da presunção de inocência, desde que presentes os pressupostos.
PALAVRAS-CHAVE: Prisão cautelar; Processo penal; Presunção de inocência; Dignidade da pessoa humana.
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Antes da Carta Magna de 1988, tal princípio não constava expressamente em nosso ordenamento jurídico, somente existia de maneira implícita como corolário do princípio do devido processo legal. Com o advento da Constituição Cidadã, o princípio não só veio expresso, como está inserto no capítulo dos direitos fundamentais, no inciso LVII do art. 5º: “ninguém será considerado culpado até o transito em julgado de sentença penal condenatória”.
Embora, o Estado tenha direito e interesse em aplicar sanções aos indivíduos que violem a lei, podendo aplicar sanção a quem cometer infrações penais. É preciso ressaltar que esse direito-dever punitivo do Estado deve conviver e respeitar o direito de liberdade individual, observando os ditames legais, visto ser um dos bens mais valiosos de qualquer individuo.
Logo, diante da prática de um ilícito, para que o Estado aplique a punição, deverá no decorrer da persecução respeitar o suposto autor do crime, assegurando-lhe todas as garantias constitucionais, garantindo assim um devido processo legal, no qual o acusado faz jus a todos os meios de provas fundamentais a sua defesa – princípio da ampla defesa, e para desqualificação das provas produzidas pela acusação – princípio do contraditório, e ainda tenha assegurado o seu direito de liberdade. Portanto, no decorrer do processo, enquanto não tiver condenação transitada em julgado declarando-o culpado, o suposto autor será presumido inocente.
O entendimento dominante é de que as prisões cautelares são perfeitamente admissíveis, não afrontando o postulado da presunção de inocência, desde que pautadas em regras de excepcionalidade concretizadas no binômio necessidade/fundamentação.
Origens históricas
Renato Brasileiro em sua obra traz as lições do mestre, Beccaria que nos idos de 1764 em sua notória obra “Dos delitos e das penas”, já advertia que “um homem não pode ser chamado réu antes da sentença do juiz e a sociedade só lhe pode retirar a proteção pública após ter decidido que ele violou os pactos por meio dos quais ela lhe foi outorgada”. (2012, p.12)
Esse direito foi acolhido expressamente no art. 9º da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1791, aprovada pela Assembleia Nacional da França, no contexto da Revolução Francesa, a qual proclamava que: “Tout homme ètant presume innocent jusqu’a ce qu’il ait été declare coupable; s’il est jugé indispensable de l’arrêter, toute rigueur Qui ne sarait nécessaire pour s’assurer de as personne, doit être sévèrement reprimée par la loi”
O mencionado princípio foi reproduzido pela Declaração dos Direitos Humanos da ONU, que em seu art. 11, assim dispõe: “Toda pessoa acusada de delito tem o direito a que se presuma sua inocência, enquanto não se prova a sua culpabilidade, de acordo com a lei e em processo público no qual se assegurem todas as garantias necessárias para sua defesa”.[1]
Esta Declaração da ONU sintetiza a necessidade de dar dimensões mundiais aos direitos fundamentais, neste sentido é a lição do mestre José Afonso da Silva:
O sentido universalizante das declarações de direitos, de caráter estatal, passou a ser objeto de reconhecimento supra-estatal em documentos declaratórios de feição multinacional ou mesmo universal, as primeiras manifestações nesse sentido foram propostas de organismos científicos internacionais, visando estender a defesa de direitos humanos a todos os países e a todos os indivíduos de todas as nacionalidades, (...)[2]
Na Itália, já no século XX o princípio passou a integrar o texto da Constituição italiana de 1948 ganhando, portanto status constitucional. Posteriormente passou a integrar a Constituição portuguesa de 1976 e a espanhola de 1978.
Embora o Brasil tenha participado da Assembléia-Geral das Nações Unidas de 1948, que deu origem à Declaração dos Direitos Humanos, o supramencionado princípio só veio a ser positivado no nosso Ordenamento Jurídico com a Constituição Federal de 1988, ou seja, com quarenta anos de atraso. Nesse sentido é o magistério de Renato Brasileiro quando discorre a cerca do princípio da presunção de não culpabilidade afirma: “(...) até a entrada em vigor da Constituição de 1988, esse princípio somente existia de forma implícita, como decorrência da cláusula do devido processo legal. Com a Constituição Federal de 1988, o princípio da presunção de não culpabilidade passou a constar expressamente do inc. LVII do art. 5º”. (2011, p. 13)
Em que pese o silêncio das nossas Constituições anteriores, o Principio da presunção de inocência já vinha sendo aplicado, ainda que de maneira tímida em decorrência dos princípios do contraditório e da ampla defesa contemplados no direito processual penal.
Ressalte-se ainda, que o Brasil é signatário do Pacto de São José da Costa Rica2 a chamada Convenção Americana sobre Direitos Humanos, aprovada pelo Congresso Nacional em 1992, que assim dispõe em seu art. 8, inciso I: “Toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocência enquanto não se comprove legalmente sua culpa”.
Saliente-se que, o principio da presunção de inocência em nosso ordenamento jurídico está duplamente assegurado, pelo art. 5º, inciso LVII, da Carta Magna, segundo o qual “ninguém será considerado culpado até o transito em julgado da sentença penal condenatória” e o art. 8, I, do Pacto de São José da Costa Rica acima citado, que tem status de norma constitucional a luz parágrafo 2º do art. 5º, da Constituição Federal.
Presunção de inocência como norma de garantia
Ressaltada como dogma de sistema processual acusatório, a presunção de inocência está entre as garantias do devido processo legal. Foi relegada ao esquecimento no direito processual penal, é resgata para por fim as práticas inquisitivas usadas no período medieval.
Apenas a comprovação legal da culpabilidade do acusado, contraposta à propagada presunção, pode suprimir a inocência do acusado.
A presunção de inocência constitui garantia fundamental do devido processo legal que assegura, contra o arbítrio punitivo estatal, valores constitucionais tais como: a dignidade da pessoa humana, a liberdade, a verdade e a segurança.
Está intimamente ligada ao princípio do favor rei também conhecido como favor libertatis, que se baseia na predominância do direito de liberdade do acusado quando colocado em confronto com o direito de punir do Estado, ou seja, na dúvida, sempre prevalece o interesse do réu. Portanto, toda questão pertinente ao status libertatis deve ser interpretada de forma mais benigna ao cidadão que venha a ser criminalmente perseguido.
Dessa forma, é inadmissível a punição antecipada ou a imposição de medidas que importem em prévio reconhecimento de culpabilidade. A repercussão desse principio é tamanha, que a própria constituição dispõe que ao réu é assegurado o direito de ficar calado, sem que isso importe prejuízo para o mesmo.
Em sua obra Antonio Magalhães Gomes Filho destaca que, a presunção de inocência "impede a adoção de medidas restritivas da liberdade pessoal antes do reconhecimento da culpabilidade, salvo os casos de absoluta necessidade”. (2003, p.139)
Corolário da aplicação desse princípio é a determinação quanto à necessidade de fundamentação para todas as medidas coercitivas que antecedam uma possível condenação.
Presunção de inocência e princípio da não culpabilidade
Na Constituição Federal a nomenclatura é presunção de não culpabilidade, conforme se extrai do inciso LVII do art. 5º: “Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”
Nesse sentido, Pedro Lenza, fazendo alusões às lições de Bechara e Campos (2008, p. 626), nos ensina que: "melhor denominação seria princípio da não culpabilidade. Isso porque a Constituição Federal não presume a inocência, mas declara que ninguém será considerado culpado antes de sentença condenatória transitada em julgado"
Quando se analisa os Tratados Internacionais, nota-se que neles geralmente a referencia é presunção de inocência, ao contrário da Constituição em nenhum momento faz
referencia a expressão inocente, dizendo sempre que ninguém será culpado.(Brasileiro, 2011, p.14)
Já a jurisprudência pátria tanto se refere ao principio da presunção de inocência como ao princípio de não culpabilidade. Nesse sentido vem se posicionando o STJ, conforme demonstram os arrestos abaixo colacionados:
HABEAS CORPUS. ROUBO QUALIFICADO. RÉU QUE APELOU EM LIBERDADE. JULGAMENTO DO RECURSO PELO TRIBUNAL A QUO. AUSÊNCIA DE TRÂNSITO EM JULGADO. INEXISTÊNCIA DOS REQUISITOS DO ART. 312 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA. PRECEDENTES DA SUPREMA CORTE E DESTE TRIBUNAL SUPERIOR. 1. Esta Corte Superior, acompanhando o entendimento do Supremo Tribunal Federal acerca da possibilidade de decretação de prisão antes do trânsito em julgado da condenação, já consolidou o entendimento no sentido de que se o réu respondeu o processo em liberdade e, não tendo sido demonstrada a necessidade da custódia cautelar, nos termos do art. 312 do Código de Processo Penal, tem o direito de assim permanecer até o trânsito em julgado da condenação. 2. Ordem concedida, para assegurar ao Paciente o direito de aguardar em liberdade o trânsito em julgado da condenação, expedindo-se em seu favor alvará de soltura, se por outro motivo não estiver preso, sem prejuízo de novo decreto prisional por fatos supervenientes.[3] (grifo nosso).
HABEAS CORPUS. REGIME SEMI-ABERTO. REGRESSÃO. DENÚNCIA POR OUTRO CRIME. DESNECESSIDADE DE SENTENÇA CONDENATÓRIA TRANSITADA EM JULGADO. VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE NÃO-CULPABILIDADE. INOCORRÊNCIA. 1. Para a regressão de regime, nos termos do art. 118, I, da Lei 7.210/1984, não se mostra necessário que haja nova sentença com trânsito em julgado, bastando o conhecimento da prática de fato tipificado como crime doloso, não sendo de falar em ofensa ao princípio da presunção de não-culpabilidade.2. Ordem denegada[4] (grifo nosso)
Ou seja, as Cortes pátrias não fazem distinção entre a presunção de inocência e presunção de não culpabilidade, pois é apenas uma questão de nomenclatura, deve-se sim, reconhecer a equivalência desta formulações.
No esteio dessa distinção, o que se extrai é que o texto constitucional é mais abrangente, na medida em que estende a dita presunção até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória, já para a Convenção Americana sobre Direitos Humanos esta se entende apenas até a comprovação legal da culpa, esse é o entendimento do professor Renato Brasileiro. (2011, p. 14)
Logo, da análise do texto do Pacto de São José da Costa Rica, a chamada Convenção Americana sobre Direitos Humanos, poderia se concluir que a presunção de inocência, pode ser elidida antes do transito em julgado, bastando para tanto a comprovação da culpa.
Entretanto, a Constituição Federal é muito clara ao determinar que apenas o trânsito em julgado de sentença penal condenatório tem o condão de afastar o estado inicial de inocência do qual todos gozam, pois somente esta, após todo procedimento probatório, estará apta a declarar ou não a sua culpabilidade com base na verdade processual alcançada. E exatamente por sua maior amplitude deve prevalecer sobre o contido na Convenção Americana sobre Direitos Humanos. Pois como a própria Convenção prevê, em seu art. 28, “b” os direitos nela previstos não podem ser interpretados de maneira a restringir ou tolir a aplicação de normas mais amplas existentes no direito interno dos países signatários (art.29, b). (Brasileiro, 2011, p. 14)
Como decorrência do principio da presunção de inocência surgem duas regras fundamentais: a regra probatória (também chamada de regra de juízo) e a regra de tratamento. Nesse diapasão é o ensinamento de Pacelli. (2008, p. 35):
(...) o princípio da presunção de inocência, impõe ao Poder Público a observância de duas regras específicas em relação ao acusado: uma de tratamento, segundo a qual o réu, em nenhum momento do iter persecutório pode sofrer restrições pessoais fundadas exclusivamente na possibilidade de condenação, e outra de fundo probatório a estabelecer que todos os ônus da prova relativa à existência do fato e à sua autoria devem recai exclusivamente sobre a acusação.
A regra probatória também chamada de juízo trata do fato de que o ônus da prova da culpa é exclusivo da parte acusadora, portanto não está o acusado obrigado a provar sua inocência. Como consectários dessa regra, no momento da decisão judicial, a presunção de inocência consiste em regra de juízo reclamando a absolvição do imputado em caso de dúvida sobre sua culpabilidade ou quando insuficientes as provas referente à autoria e a materialidade do delito. Em resumo, nesta acepção a presunção de inocência confunde-se com o in dúbio pro reo. (Brasileiro, 2011, p. 15)
Já como regra de tratamento, o principio da presunção de inocência impede qualquer antecipação de juízo condenatório ou de culpabilidade. Portanto, por força da regra de tratamento decorrente do princípio constitucional da não culpabilidade exige-se que antes da condenação, ou seja, durante todo o processo e também na fase de investigação, o suspeito,
indiciado, denunciado ou acusado não sofra qualquer equiparação ao culpado. (Brasileiro, 2011, p. 15)
A regra constitucional tem como premissa o respeito à dignidade do acusado e impõe uma norma de comportamento que impede qualquer efeito negativo que possa decorrer exclusivamente da imputação.
DA IPRINCIPIOLOGIA DAS PRISÕES CAUTELARES
O processo penal deve estar sempre pautado e embasado na Constituição da República, pois, esta, através de seus princípios o direciona contra qualquer tipo de arbitrariedade estatal, José Cretella Junior, conceitua princípios como “as proposições básicas, fundamentais, típicas que condicionam todas as estruturações subsequentes. Princípios, neste sentido, são os alicerces, os fundamentos da ciência”.[5]
No tocante ao estudo das prisões cautelares especialmente, necessário entender os princípios que permitem que estas possam conviver com a garantia do também, princípio de presunção de inocência.
Da Jurisdicionalidade
Pelo princípio da Jurisdicionalidade pode-se asseverar que, não pode ser admitida a decretação de qualquer prisão cautelar sem a ordem judicial devidamente fundamentada, a doutrina majoritária aponta como exceção a esse princípio a prisão em flagrante, mas como já vimos no tópico da prisão em flagrante item 1.2.1, a prisão em flagrante é de natureza pré-cautelar.
O princípio da Jurisdicionalidade é corolário do princípio do devido processo legal (due processo of Law), disciplinado expressamente no artigo 5º, LIV da CF. “Ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”. Destarte, diante desse comando constitucional podemos inferir que não deveria haver privação de liberdade antes do final do processo, ou seja, só admitir-se-ia prisão após a conclusão do processo.
Complementando nossa linha de raciocínio colacionamos a escorreita lição de Aury Lopes Junior,[6] que de forma clara aduz:
Ainda nessa dimensão, insere-se a necessidade de observância do princípio da legalidade, de modo que somente podem ser utilizadas medidas cautelares previstas em Lei e nos limites da Lei. Como explicamos anteriormente, são ilegais as medidas cautelares inominadas ou atípicas, bem como o estabelecimento de outras medidas restritivas de direitos fundamentais a título de poder geral de cautela, sendo ilegais as exigências de entrega de passaporte, restrições de viagens etc.
Sendo assim, com a devida vênia, quando o magistrado exige para concessão da liberdade do acusado, certos requisitos que não estão previstos em lei, como por exemplo, não poder se mudar sem a devida autorização ou não se ausentar de uma comarca para outra, restrições de viagem etc., invocando o denominado poder geral de cautela do art. 798 do Código de Processo Civil, está agindo em desacordo com o princípio da legalidade, pois no processo penal não existem medidas cautelares inominadas como no processo civil, como também, no Processo penal, o juiz não detêm esse poder geral de cautela, e, o art. 310 do CPP, exige para concessão de liberdade provisória, apenas o mero comparecimento aos atos processuais, nada mais, o que passa disso fica na esfera da ilegalidade.
Para corroborar nosso entendimento, como argumento ab autoritatem colacionamos a escorreita lição do sempre lúcido Aury Lopes Junior, in verbis:
Como todas as medidas cautelares (pessoais ou patrimoniais) implicam severas restrições na esfera dos direitos fundamentais do imputado, exigem estrita observância do princípio da legalidade e da tipicidade do ato processual por conseqüência. Não há a menor possibilidade de tolerar-se restrição de direitos fundamentais a partir de analogias, menos ainda com o processo civil, como é a construção dos tais “poderes gerais de cautela”.
Com efeito, se conjugarmos o princípio da Jurisdicionalidade com o princípio da presunção de inocência as prisões cautelares seriam inadmissíveis, no mesmo sentido dispõe Aury Lopes Junior[7], in verbis:
A rigor cotejando os princípios da jurisdicionalidade, com a presunção de inocência, a prisão cautelar seria completamente seria completamente inadmissível. Contudo, o pensamento liberal clássico buscou sempre justificar a prisão cautelar (e a violação de diversas garantias) a partir da “cruel necessidade”. Assim, quando ela cumpre sua função instrumental-cautelar, seria tolerada, em nome da necessidade e da proporcionalidade. Mas, quando a prisão cautelar é assumidamente utilizada como pena antecipada (especialmente na prisão preventiva para garantia da ordem pública ou econômica), com função de prevenção geral e especial e imediata retribuição, é completamente inadmissível.
Em última análise, registre-se que no processo penal não há lugar para medidas cautelares inominadas, nem poder geral de cautela para o magistrado, para se evitar com isso, o mínimo de restrições aos direitos fundamentais do acusado. Devendo, no processo penal, se garantir a máxima efetividade desses direitos e garantias, não se admitindo analogia nem sequer interpretações extensivas, como as denominadas medidas cautelares inominadas. Só se admitindo no processo penal as medidas que estão expressamente dispostas no Código de Processo Penal, e, com estrita observância ao princípio da legalidade.
Da Provisionalidade
Este princípio tem como característica principal a possibilidade de se admitir a prisão cautelar, apenas e tão somente, quando se apresente determinadas situações fáticas que exijam a imprescindível tutela da medida. Conforme ensina Aury Lopes Junior, “nas prisões cautelares, a provisionalidade é um princípio básico que tem sido pouco observado no sistema brasileiro”.[8]
É que as medidas cautelares são eminentemente situacionais, na medida em que protegem tão somente determinada situação fática, passada aquela situação, óbvio que deve prevalecer a volta ao status quo. Nesse diapasão a lição de Aury Lopes Junior, in verbis:
Uma vez desaparecido o suporte fático legitimador da medida e corporificado no fumus commisi delicti e/ou no periculum libertatis, deve cessar a prisão. O desaparecimento de qualquer uma das “fumaças” impõe a imediata soltura do imputado, na medida em que é exigida a presença concomitante de ambas (requisito e fundamento) para manutenção da prisão. [9]
Conforme explicita o Código de Processo Penal no seu art. 316, in verbis:
“Art. 316. O juiz poderá revogar a prisão preventiva se, no correr do processo, verificar a falta de motivo para que subsista, bem como de novo decretá-la, se sobrevierem razões que a justifiquem”.
Sendo assim, desaparecidos os motivos que ensejaram a autorização da decretação da prisão cautelar esta deve ser imediatamente revogada em qualquer fase, tanto do inquérito, como do processo. A permanência ou manutenção da prisão cautelar, após a extinção dos motivos ensejadores da sua decretação quer nos parecer uma flagrante ilegalidade, além de um indevido constrangimento para o acusado. Como também, o juiz pode decretar outra vez a prisão cautelar, desde que, surja a necessidade (periculum libertatis).
Da Provisoriedade
Este princípio diferentemente do princípio da provisionalidade está relacionado com o fator do lapso temporal, ou seja, de acordo com a provisoriedade, impõe-se às medidas cautelares o requisito da constrição de liberdade em curto lapso temporal, isto é, segundo este princípio, só é admissível a decretação de qualquer medida cautelar de breve duração.
Manifestando-se acerca do referido princípio Aury Lopes Junior[10] aduz:
Aqui reside um dos maiores problemas do sistema cautelar brasileiro: a indeterminação. Reina a absoluta indeterminação acerca da duração da prisão cautelar, pois em momento algum foi disciplinada essa questão. Excetuando-se a prisão temporária, cujo prazo máximo de duração está previsto em Lei, as demais prisões cautelares (preventiva, decorrente de pronúncia e decorrente de sentença penal condenatória recorrível) são absolutamente indeterminadas, podendo durar enquanto o juiz ou tribunal entender existir o periculum libertatis.
Quanto à prisão decorrente de sentença penal condenatória recorrível, urge enfatizar que o art. 594, do CPP foi revogado pela Lei 11.719/08, no que concerne a prisão decorrente de pronúncia, só é admissível, caso o juiz verifique que existem os requisitos ensejadores da prisão preventiva, ai motivadamente poderá decretá-la, por força do art. 413, § 3º, do CPP.
No tocante a prisão temporária, está disciplinada na Lei 7.960/89, impondo a segregação de 5 dias, prorrogáveis por igual período, em se tratando de crime hediondo ou equiparado, regulados pela Lei 8.072/90, o lapso temporal limite para a prisão temporária é de 30 dias, prorrogáveis também por igual período.
Em se tratando de prisão preventiva, é justamente ai, como alegado por Aury Lopes, que mora o perigo, senão vejamos, não existe um lapso temporal delimitando-a, por conta disso ocorrem os verdadeiros abusos, com efeito, nos presídios pátrios existem acusados que ainda não foram condenados e estão presos há mais de ano, e pasmem, para muitas vezes, no final do processo, ser absolvidos. E o tempo que o imputado ficou encarcerado, como pode ser restituído? Essa é a grande questão.
Nós defendemos a possibilidade do legislador delimitar um lapso temporal para a prisão preventiva baseado no prazo para a instauração e instrução do processo, ou seja, um lapso temporal razoável de aproximadamente 75, dias, com base no disposto do art. 400, c/c o 403, §3º, do CPP, in verbis;
Art. 400. Na audiência de instrução e julgamento, a ser realizada no prazo máximo de 60 (sessenta) dias, proceder-se-á à tomada de declarações do ofendido, à inquirição das testemunhas arroladas pela acusação e pela defesa, nesta ordem, ressalvado o disposto no art. 222 deste Código, bem como aos esclarecimentos dos peritos, às acareações e ao reconhecimento de pessoas e coisas, interrogando-se, em seguida, o acusado.
Art. 403. Não havendo requerimento de diligências, ou sendo indeferido, serão oferecidas alegações finais orais por 20 (vinte) minutos, respectivamente, pela acusação e pela defesa, prorrogáveis por mais 10 (dez), proferindo o juiz, a seguir, sentença.
§ 1 º (...)
§ 2º (...)
§ 3o O juiz poderá, considerada a complexidade do caso ou o número de acusados, conceder às partes o prazo de 5 (cinco) dias sucessivamente para a apresentação de memoriais. Nesse caso, terá o prazo de 10 (dez) dias para proferir a sentença.
O art. 5º, inciso LXXIII, da Constituição federal aduz que “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”. Sendo assim, este artigo da Constituição assegura o prazo razoável do processo, enquanto o artigo 400, do CPP, acima citado, assegura a razoável duração da instrução, depreende-se, com isso que a instrução não põe termo ao processo, nesse sentido adverte Badaró, “encerrada a instrução, ainda poderão ser realizadas diligências complementares deferidas pelo juiz, memoriais substitutivos dos debates orais, finalmente, o prazo para a sentença”.[11]
Assim, após a instrução poderá ocorrer uma dilatação de mais ou menos quinze dias para a efetiva prolação da sentença o que embasaria o prazo sugerido de aproximadamente 75 dias. Para Aury Lopes Junior os verbetes das súmulas 21 e 52, do STJ respectivamente, estão superadas, o que concordamos completamente, pois vejamos o teor das referidas súmulas na íntegra e logo após a fundamentação do autor em epígrafe, no sentido da superação das súmulas, in verbis:
Súmula 21. Pronunciado o réu, fica superada a alegação do constrangimento ilegal da prisão por excesso de prazo na instrução.
Súmula 52. Encerrada a instrução criminal, fica superada a alegação de constrangimento por excesso de prazo.
Com efeito, estas súmulas não estão em sintonia com o direito à razoável duração do processo, disposto na Constituição, corroborando com isso, assim se expressa Aury Lopes Junior[12], “É chegado o momento de serem canceladas as Súmulas nº 52 e 21 do STJ, pois incompatível com o direito fundamental de ser julgado em prazo razoável”.
Além do prazo preestabelecido em lei, cujo lapso temporal nós sugerimos algo em torno de 90 dias, Aury Lopes ainda vai além sugerindo uma sanção para o descumprimento do prazo vejamos:
Voltando ao problema brasileiro, faltam a definição em lei da duração máxima da prisão cautelar e também a previsão de uma sanção processual em caso de excesso (imediata liberação do detido). O limite aos excessos somente ocorrerá quando houver prazo com sanção. Do contrário os abusos continuarão. Ademais a norma processual deveria (pois não existe) consagrar expressamente um “dever de revisar periodicamente” a medida adotada.
Em última análise, diante do exposto, depreende-se que, urge a necessidade de haver uma normatização acerca do lapso temporal da prisão cautelar preventiva, já que a decorrente se sentença penal condenatória recorrível foi revogada e a decorrente de pronúncia só poderá ser decretada caso preenchidos os requisitos autorizadores da preventiva, e, esse lapso temporal giraria em torno 90 dias, ou seja, caso a preventiva fosse decretada na fase inquisitiva, teríamos 10 dias para a conclusão do inquérito, 05 dias para o oferecimento da denúncia, adicionados aos 60 dias para o encerramento da instrução processual, art. 400, do CPP, mais 05 dias, para apresentação de memoriais escritos, quando o juiz entender que há complexidade no caso ou no número de réus, por força do art. 403, § 3º do CPP, sendo que nesse caso em particular o juiz ainda tem 10 dias para proferir a sentença, totalizando 90 dias.
Ademais, além do prazo instituído em lei, para delimitar o marco final da prisão preventiva, como já ocorre com a prisão temporária, necessário que esta Lei também viesse dotada de sanção, caso houvesse o seu fiel descumprimento, só assim, cessaríamos os abusos que de forma alguma se coaduna num estado Democrático de direitos, e, é o mínimo que se espera num sistema de garantias dos direitos fundamentais do acusado.
Da Excepcionalidade
Este princípio deve estar sempre conjugado com o princípio da presunção de inocência, constituindo no dizer de Aury Lopes Junior “um princípio fundamental de civilidade”. De acordo com a excepcionalidade deve-se admitir a prisão cautelar quando esta se tornar imprescindível, ou seja, a última trincheira a ultima ratio do sistema penal reservada apenas e tão somente para os crimes mais graves, levando em consideração o mau que tais medidas cautelares representam para os acusados principalmente para aqueles que no final do processo fica consubstanciada sua inocência.
Acerca da falta de critérios para decretar as medidas cautelares Aury preleciona, in verbis:
No Brasil, as prisões cautelares estão excessivamente banalizadas a ponto de primeiro se prender, para depois ir atrás do suporte probatório que legitime a medida. Ademais, está consagrado o absurdo primado das hipóteses sobre os fatos, pois prende-se para investigar, quando, na verdade, primeiro se deveria investigar, diligenciar, para somente após prender, uma vez suficientemente demonstrados o fumus commissi delicti e o periculum libertatis.
É cediço que na práxis forense, e quem labora no ramo da advocacia pode comprovar, que as decisões que decretam as medidas cautelares em número bastante significativo, tendem a deferir a concessão das referidas medidas, como sendo a regra e não a exceção, sendo assim, os magistrados que assim agem sem uma aferição aos princípios embasadores das medidas, infelizmente coloca os acusados de algum delito no mesmo patamar do condenado definitivo, sem a devida observância e em flagrante desrespeito ao princípio da presunção de inocência.
Da Proporcionalidade
É entendido como princípio dos princípios, Aury Lopes Junior,[13] diz que este princípio, “é o princípio sustentáculo das prisões cautelares”. Por conseguinte, de acordo com o princípio da proporcionalidade, o juiz, através da lógica da ponderação, vai ter que sopesar entre os bens em jogo, de um lado, valorar o custo que é ter que submeter um indivíduo presumidamente inocente, sem o devido processo legal e sem sentença definitiva às agruras do cárcere, principalmente no cruel e fracassado sistema carcerário brasileiro, e, por outro lado, a necessidade da decretação da medida e do colhimento dos elementos probatórios, para a busca efetiva da “verdade real” (que na realidade é a verdade processual, pois a verdade real é um dogma inatingível).
Para Aury Lopes Junior[14] “deve-se considerar a imprescindível incidência do princípio da proporcionalidade – sempre conectado que está ao valor dignidade da pessoa humana – quando da aplicação da prisão cautelar”. Destarte, ainda seguindo a lição do citado autor, a título de exemplo podemos asseverar que é desproporcional decretar a prisão preventiva em se tratando de crimes:
- cometidos sem violência ou grave ameaça, cuja perspectiva de eventual pena aplicada seja inferior a 4 anos, pois caberá a substituição nos termos do art. 44 do Código Penal;
- que permitam a transação penal ou a suspensão condicional do processo;
- cuja pena projetada não seja superior a 2 anos em que seja possível a concessão de sursis,
- quando o regime de cumprimento de eventual pena a ser aplicada seja aberto ou mesmo semiaberto (considerando a especificidade do caso penal).
Sendo assim, é inadmissível a decretação da prisão preventiva nos crimes como de furto simples, estelionato, receptação, apropriação indébita etc., pois nesses crimes em que não houve violência ou grave ameaça, no final do processo o réu, caso seja condenado, não será submetido à pena privativa de liberdade, considerando que ao final do processo o réu pode ser absolvido. Com efeito, também é desproporcional a encarceramento antecipado quando a pena projetada (partindo-se da hipótese do resultado mais gravoso para o réu) é inferior a 2 anos, ou de outra forma o regime de cumprimento inicial de pena seja o aberto e até mesmo o semiaberto.
Ressalte-se também, a possibilidade de ser decretada a medida cautelar em sede de prisão domiciliar, que, diga-se de passagem, já é realidade a partir da nova reforma processual, projeto de Lei 4.208-C, art. 319, V, do referido projeto, em avançada tramitação. Manifestando-se a respeito da possibilidade da prisão domiciliar em sede de medida cautelar, aduz Aury Lopes Junior[15], in verbis:
Também se deve considerar a perfeita possibilidade de prisão cautelar domiciliar, aplicada por analogia aos casos em que o apenado poderia gozar desse direito. Ora, se condenado definitivamente o agente teria direito à prisão domiciliar, com muito mais razão em se tratando de prisão processual em que ele ainda se encontra protegido pela presunção de inocência. Deve-se atentar, ainda, para a ampliação do cabimento de prisão domiciliar na execução penal, para também admiti-la em se tratando de medida cautelar. Aqui, a analogia somente é admissível porque não amplia o exercício do poder punitivo de Estado, mas sim a proteção constitucional do imputado.
Destaque-se que a lei 12.403 de 04 de maio de 2011 efetivamente possibilitou a prisão domiciliar no iter processual, antes do advento da referida lei Aury Lopes e o STF, numa visão garantista já admitiam, na fase processual, a prisão domiciliar. Nessa mesma esteira colacionamos a seguinte decisão do STF, no HC nº 88.018/ES, Relator Min. EROS GRAU, j. 05/09/2006, in verbis:
EXECESSO DE PRAZO E PRISÃO DOMICILIAR
A Turma, por maioria, deferiu habeas corpus impetrado em favor de pronunciado pela prática dos crimes de homicídio duplamente qualificado, ocultação de cadáver e quadrilha (CP, artigos 121, § 2º, I, IV e V; 211 e 288, c/c os artigos 29 e 69), preso preventivamente a sete anos. Entendeu-se configurado o excesso de prazo da prisão, haja vista que a demora no julgamento do paciente seria imputável à defesa quanto à acusação. Considerou-se, ademais, que, embora o paciente se encontrar-se em prisão domiciliar, depois de ter ficado preso no sistema carcerário por tempo significativo, esta seria, igualmente, forma de cumprimento antecipado de pena imposta em eventual condenação. Vencido o Min. Joaquin Barbosa que indeferia writ, ao fundamento de fazer diferença substancial o fato de estar o paciente em prisão domiciliar e por julgar ser da defesa a responsabilidade pelos sucessivos adiamentos ocorridos no processo. HC deferido para determinar a expedição de alvará de soltura do paciente.
Pela análise do julgamento acima citado, nota-se o absurdo da possibilidade de uma medida de natureza cautelar durar o lapso temporal de sete anos, e pasmem os senhores, o Ministro Joaquin Barbosa, com o devido respeito, na contramão do garantismo penal, ainda indeferiu o habeas corpus em favor do paciente, que embora estivesse preso em prisão domiciliar, como aduziu o referido Ministro, não deixa de ser uma antecipação de pena, e pena restritiva de liberdade.
PONTO DE TENSÃO ENTRE PRISÃO CAUTELAR E PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA
É cediço que as prisões cautelares situam-se no ponto de tensão entre dois interesses opostos, no entorno dos quais gira o processo penal, a saber, a observiência e devida observância aos direitos fundamentais, em especial o direito a liberdade, e a eficácia na repressão dos delitos, destarte, impõe-se ao juiz utilizar a técnica de ponderação de interesses, sopesando entre os bens juridicamente tutelados.
Óbvio que se faz necessário o combate ao crime, contudo, a repressão aos delitos, por si só, não pode justificar a supressão de direitos fundamentais consagrados constitucionalmente, desta feita, como aceitar uma prisão em flagrante, cuja natureza é de pré-cautelaridade, que se protrai no tempo sem ser convertida em preventiva, por não satisfazer os requisitos desta, pois tal medida não deve exceder o imprescindível para a realização do resultado que almeja, ou seja, evitar o crime. Nesse sentido aduz Aury Lopes,[16] “essa certeza visual da prática do crime gera a obrigação para os órgãos públicos, e a faculdade para os particulares, de evitar a continuidade da ação delitiva, podendo, para tanto, deter o autor”.
Essa faculdade que é outorgada ao particular, ocorre, exatamente porque, no dizer do autor em epígrafe, “existe a visibilidade do delito, o fumus commissi delicti é patente e inequívoco e, principalmente, porque essa detenção deverá ser submetida ao crivo judicial no prazo máximo de 24h”.[17] Portanto, o flagrante constitui uma medida precária, mera detenção, não tem finalidade precípua de garantir o resultado final do processo, por isso, abre-se a possibilidade da hipótese de ser praticada facultativamente pelo particular e compulsoriamente pela autoridade policial.
Logo, ninguém pode permanecer preso sob o fundamento prisão em flagrante, pois esse por si só, não é título judicial suficiente e idôneo para a restrição da liberdade de qualquer pessoa, além do que, não deve ultrapassar o prazo máximo de 24h (prazo máximo para que o auto de prisão em flagrante seja enviado ao juiz competente nos termos do art. 306 do CPP).
Superada essa abordagem em que argumentamos a natureza de pré-cautelaridade da prisão em flagrante e a provável ilegalidade em caso de sua postergação após o prazo para o juiz convertê-la em preventiva, caso satisfeitos os requisitos, ou o imediato relaxamento da prisão, passamos a uma abordagem reflexiva acerca do ponto de tensão entre a possibilidade da prisão preventiva e o princípio da presunção de inocência.
É necessário que promovida urgentemente uma mudança cultural e legislativa, no que concerne a prisão preventiva, para que ela seja efetivamente a ultima ratio do no sistema penal. Com o advento da Lei 12.403 de 04 de maio de 2011, já percebemos que houve um pequeno avanço, no sentido de se apresentar um leque de medidas alternativas à prisão preventiva que finalmente poderá ter sua excepcionalidade concretizada, assim, transliteramos o artigo 319 da referida Lei, in verbis:
Art. 319. São medidas cautelares diversas da prisão:
I - comparecimento periódico em juízo, quando necessário para informar e justificar atividades;
II - proibição de acesso ou freqüência a determinados lugares quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado permanecer distante desses locais para evitar o risco de novas infrações;
III - proibição de manter contato com pessoa determinada quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado dela permanecer distante;
IV - proibição de ausentar-se da Comarca para evitar fuga, ou quando a permanência seja necessária para a investigação ou instrução;
V - recolhimento domiciliar no período noturno e nos dias de folga nos crimes punidos com pena mínima superior a 2 (dois) anos, quando o acusado tenha residência e trabalho fixos;
VI - suspensão do exercício de função pública ou de atividade de natureza econômica ou financeira quando houver justo receio de sua utilização para a prática de infrações penais;
VII - internação provisória do acusado nas hipóteses de crimes praticados com violência ou grave ameaça, quando os peritos concluírem ser inimputável ou semi-imputável (art. 26 do Código Penal) e houver risco de reiteração;
VIII - fiança, nas infrações que a admitem, para assegurar o comparecimento a atos do processo, evitar a obstrução do seu andamento ou em caso de resistência injustificada a ordem judicial.
Comentando sobre as mudanças propostas no projeto de Lei em epígrafe preleciona Aury Lopes Junior:[18]
Importantíssima evolução no sistema de medidas cautelares pessoais poderá ocorrer com a aprovação deste projeto de Lei, cabendo aos juízes e tribunais romperem com a cultura até então existente, para finalmente reservar-se a prisão preventiva para situações excepcionalíssimas.
Depreende-se então, que a medida cautelar deve ser apta a atingir sua finalidade, destarte, se houver alguma outra medida diversa da prisão, que venha satisfazer essa finalidade, como é o caso das medidas propostas pela nova lei, e que se apresente eficaz ao objetivo colimado pela preventiva e menos gravosa para o imputado, ela deve ser adotada impreterivelmente, deixando a prisão como a ultima ratio do sistema penal.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente trabalho teve como finalidade apreciar as medidas cautelares em face do princípio da presunção de inocência e se é possível uma convivência harmônica entre ambos, para responder estes questionamentos, o presente estudo, utilizou como método de estudo a pesquisa documental, bibliográfica e jurisprudencial.
Nesse diapasão, o presente artigo discorreu acerca das medidas cautelares e de eventuais abusos na decretação dessas, como por exemplo, a falta de motivação, excesso de prazo e a cultura já impregnada na práxis forense da banalização das medidas cautelares, querendo parecer até que estas são as regras e não a exceção. Para alertar acerca dessa excepcionalidade o estudo ora em comento, colacionou jurisprudências dos tribunais pátrios, apontou posições doutrinárias consubstanciando nosso trabalho.
Após a exposição da breve síntese da proposta desse estudo, depreende-se que é muito difícil a possibilidade de coexistência harmônica entre as prisões cautelares e o princípio de presunção de inocência, contudo, não é impossível, desde que, haja, por parte dos magistrados e tribunais uma verdadeira conscientização no sentido de respeitar-se as categorias jurídicas próprias do processo penal, a saber, o fumus commissi delicti e periculum libertatis e principalmente os princípios norteadores das medidas cautelares, pois a Principiologia do sistema cautelar é fundamental para estabelecer o ponto de equilíbrio que permita a dificílima coexistência entre prisão cautelar e presunção de inocência.
Daí porque, apontamos a necessidade de um prazo máximo, fixado em lei, para a duração da prisão preventiva, pois a nosso ver essa falta de prazo gera graves problemas. Também que esse prazo venha atrelado de uma sanção processual em caso de excesso, de modo que, toda prisão preventiva deveria ser temporária, ou nos moldes da prisão temporária, já que é situacional tutelando apenas uma situação fática e não pode assumir contornos de pena antecipada.
Também foi abordado, no tocante a Principiologia, que de acordo com o princípio da proporcionalidade, a conduta do julgador, frente ao caso concreto deverá sempre ponderar a gravidade da prisão, atentando sempre para o fumus commissi delict e do periculum libertatis, para que pela lógica da ponderação esses elementos justifiquem a gravidade das conseqüências do ato e a estigmatização jurídica e social que, sem dúvida, irá sofrer o acusado.
Nesse ponto foi dado destaque às medidas alternativas à prisão preventiva, elencadas com a reforma de 2011 do Código de Processo Penal, dentre as quais apontamos a medida cautelar na modalidade prisão domiciliar, que, embora seja prisão de natureza restritiva de liberdade, não acarreta ao acusado, os malefícios do sistema carcerário brasileiro hodierno.
Ressalte-se que, somente com a estrita observância de toda Principiologia das cautelares, por parte dos julgadores, aliada a algumas mudanças no âmbito da legislação pátria, como é o caso de fixar um limite temporal para a duração da prisão preventiva, diga-se de passagem, com a recente a reforma processual, já percebemos um ligeiro avanço no sentido de frear a banalização das medidas cautelares, de modo que a prisão preventiva poderá estar constitucionalmente legitimada. Do contrário, é uma medida substancialmente inconstitucional, por se tratar indubitavelmente de flagrante antecipação de pena, desarrazoada, desproporcional e desnecessária.
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[1] TRADUÇÃO: Todo homem é presumido inocente até que tenha sido declarado culpado; se for considerado essencial para a paragem, qualquer rigor que faz por exemplo necessário para garantir como pessoa, devem ser severamente punidos pela lei.
[2] SILVA, José Afonso da, Curso de Direito Constitucional Positivo. 10ª ed. São Paulo. Editora:Malheiros. 1994. p. 161.
[3] Brasil. Supremo Tribunal Federal. HC 224200 / SP, Rel. Ministra LAURITA VAZ, T5, 24/04/2012, DJe 03/05/2012. Disponível em: http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp. Acessado em: 15/06/2012;
[4]Brasil. Superior Tribunal de Justiça. HC 51170 SP 2005/0207528-0, Rel. PAULO GALLOTT, J 06/12/2006, T6, DJ 11.02.2008 p. 1. Disponível em: http://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia, Acessado: 12/06/2012;
[5] JUNIOR, José Cretella. Filosofia do direito administrativo, Rio de janeiro: Ed. Forense, 1999, p. 35.
[6] LOPES JUNIOR, Aury. Direito processual penal e sua conformidade constitucional, Volume II – 3. ed. rev. e atual. – Rio de janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 60.
[7] LOPES JUNIOR, Aury. Direito processual penal e sua conformidade constitucional, Volume II – 3. ed. rev. e atual. – Rio de janeiro: Lumen Juris, 2010, p 61.
[8]. LOPES JUNIOR, Aury. Direito processual penal e sua conformidade constitucional, Volume II – 3. ed. rev. e atual. – Rio de janeiro: Lumen Juris, 2010, p 61.
[9] Idem, ibidem. p. 61.
[10] LOPES JUNIOR, Aury. Direito processual penal e sua conformidade constitucional, Volume II – 3. ed. rev. e atual. – Rio de janeiro: Lumen Juris, 2010. p.62.
[11] BADARÓ, Gustavo Henrique; LOPES JUNIOR, Aury. Direito ao processo penal no prazo razoável. Rio de janeiro, Ed. Lumen Juris, 2007, p. 110.
[12] LOPES JUNIOR, Aury. Direito processual penal e sua conformidade constitucional, Volume II – 3. ed. rev. e atual. – Rio de janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 64
[13] LOPES JUNIOR, Aury. Direito processual penal e sua conformidade constitucional, Volume II – 3. ed. rev. e atual. – Rio de janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 67.
[14] LOPES JUNIOR, Aury. Direito processual penal e sua conformidade constitucional, Volume II – 3. ed. rev. e atual. – Rio de janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 69.
[15] LOPES JUNIOR, Aury. Direito processual penal e sua conformidade constitucional, Volume II – 3. ed. rev. e atual. – Rio de janeiro: Lumen Juris, 2010.p.69.
[16] LOPES JUNIOR, Aury. Direito processual penal e sua conformidade constitucional, Volume II – 3. ed. rev. e atual. – Rio de janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 71.
[17] Idem, Ibidem. p. 71.
[18] LOPES JUNIOR, Aury. Direito processual penal e sua conformidade constitucional, Volume II – 3. ed. rev. e atual. – Rio de janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 180.
bacharel em direito pela Faculdade do Vale do Ipojuca-FAVIP, Advogado, especialista em Direito Constitucional, Direito Penal e Processual Penal.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SOUZA, Vamario Soares Wanderley de. Da incompatibilidade entre o princípio da presunção de inocência e as prisões cautelares Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 05 out 2016, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/47617/da-incompatibilidade-entre-o-principio-da-presuncao-de-inocencia-e-as-prisoes-cautelares. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Nathalia Sousa França
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