RESUMO: Este trabalho analisa as características das medidas cautelares pessoais previstas no ordenamento jurídico brasileiro: condução coercitiva, prisão temporária e prisão preventiva, demonstrando que há uma gradação entre elas e que todas devem ser aplicadas, em cada caso, somente após a realização do chamado teste de proporcionalidade. Pretende-se demonstrar também que a condução coercitiva, como medida cautelar autônoma, possui primazia em relação às demais cautelares pessoais, uma vez que é a que priva o investigado de sua liberdade por menos tempo.
PALAVRAS-CHAVE: Condução coercitiva. Prisão temporária. Prisão preventiva. Teste de proporcionalidade.
1. INTRODUÇÃO
Nesse breve estudo, trataremos dos requisitos legais das medidas cautelares pessoais de condução coercitiva, prisão temporária e prisão preventiva, levando em consideração os estudos atuais do chamado “teste de proporcionalidade” e as especificidades do processo penal brasileiro, na fase da investigação criminal.
Pretendemos demonstrar que a condução coercitiva, como medida cautelar autônoma, possui primazia em relação às demais cautelares pessoais, uma vez que é a que priva o investigado de sua liberdade por menos tempo.
2. TESTE DE PROPORCIONALIDADE
A Constituição Federal estabelece que ninguém será privado da liberdade sem o devido processo legal e que ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente (artigo 5º, LIV e LXI).
As medidas cautelares pessoais, que importam em privação de liberdade do investigado ou réu, devem ser determinadas por autoridade judiciária desde que demonstrada, ante fundamentação idônea, a presença simultânea do fumus comissi delicti e do periculum libertatis.
Nesse passo, além da demonstração da materialidade e indícios de autoria (fumus comissi delicti), da indicação – com a menção a elementos concretos dos autos, de que o agente, em liberdade, possa criar risco à ordem pública/econômica, à instrução criminal ou à aplicação da lei penal (periculum libertatis) – a decisão que decretar a medida cautelar pessoal deve realizar também o chamado teste de proporcionalidade.
É o que ensina Gustavo Badaró[1]:
(...), na tutela cautelar, a proporcionalidade é uma decorrência lógica da instrumentalidade e da provisoriedade. Se a medida cautelar for mais gravosa que o provimento final a ser proferido, além de desproporcional, também não será dotada do caráter de instrumentalidade e acessoriedade inerentes à tutela cautelar. O instrumento não pode ir além do fim ao qual ele serve. O assessório segue o principal, mas não pode superá-lo ou ultrapassá-lo. Por outro lado, mesmo no que diz respeito à provisoriedade, não se pode admitir que a medida provisória seja mais severa que a medida definitiva que irá substituí-la e a qual ela deve preservar.
Atualmente, o artigo 282 do Código de Processo Penal cuida expressamente do “teste de proporcionalidade” referente à decretação das medidas cautelares pessoais. A lei exige a observância da necessidade para aplicação da lei penal, para a investigação ou a instrução criminal e, nos casos expressamente previstos, para evitar a prática de infrações penais, bem como da adequação da medida à gravidade do crime, circunstâncias do fato e condições pessoais do indiciado ou acusado.
Há uma gradação entre as medidas cautelares pessoais, partindo da que menos restringe a liberdade até chegar à que mais a restringe: condução coercitiva, prisão temporária e prisão preventiva. Cada uma delas tem pressupostos legais e âmbito de aplicação específicos.
Os órgãos de persecução penal devem verificar, dentre essas modalidades cautelares, qual aquela menos lesiva para o investigado, ou seja, a que importará menos tempo de privação de liberdade[2] e que, ao mesmo tempo, permitirá a realização de uma investigação eficiente dependendo de cada caso concreto.
O investigado somente deverá ter sua liberdade restringida pelo tempo mínimo necessário para a instrução criminal. Jellinek aborda a noção de proibição de excesso: não se abatem pardais com canhões[3].
Já Roberto Alexy ensina que um meio deve ser considerado menos oneroso quando atinge o mesmo grau de satisfação da finalidade perseguida criando um prejuízo menor ao direito fundamental afetado. O mesmo autor demonstra que na atribuição de pesos aos princípios em jogo deve ser promovida uma comparação entre a relevância da restrição ao direito fundamental e a importância da realização do fim que esta promove. Quanto mais importante for um princípio no quadro da axiologia constitucional, maior será a tendência do intérprete a qualificar uma restrição que sobre ele recaia de severa ou grave. Alexy escalona a intensidade das intervenções nos direitos fundamentais de forma a qualificá-las como leves, médias ou graves, tornando-se, assim, possível estabelecer um resultado racional para a ponderação. Aqui não há qualquer dúvida: a restrição à liberdade é a intervenção mais grave nos direitos fundamentais dos investigados.
Nesse diapasão, durante a investigação criminal e utilizando-se o princípio da precedência condicionada de Alexy vê-se, de antemão, que se for realmente necessária a privação da liberdade para a coleta de provas em determinada investigação, a medida cautelar da condução coercitiva deve ser priorizada em face da prisão temporária ou prisão preventiva, já que implica na privação da liberdade do investigado por menos tempo.
4. HIPÓTESES DE CABIMENTO DAS MEDIDAS CAUTELARES PESSOAIS: CONDUÇÃO COERCITIVA, PRISÃO TEMPORÁRIA E PRISÃO PREVENTIVA
Defendemos, aqui, a medida da condução coercitiva como medida cautelar autônoma, com base constitucional no poder geral de cautela, em consonância com a lição de Andrey Borges de Mendonça[4]:
Quando devidamente fundamentada e justificada diante do caso concreto, a condução coercitiva traz em seu bojo, de forma equilibrada (sem excessos, nem deficiências), a garantia da eficácia de demais medidas cautelares que estejam sendo realizadas concomitantemente sem interferir de forma injustificada (para além do tempo necessário) na restrição da liberdade daquela pessoa que for conduzida coercitivamente.
Noutras palavras, significa que, mesmo sem previsão legal específica conforme ora defendido, mas sempre mediante a devida e prévia justificação da necessidade, a condução coercitiva é um meio de garantir eficácia (não prejuízos) à produção de provas no processo penal sem que se lance mão, para tanto, de uma restrição de liberdade muito mais gravosa, como é o caso de prisões temporárias ou preventivas.
A condução coercitiva, em geral, é utilizada na fase de deflagração de operações policiais, com o escopo de assegurar a eficácia da investigação e proteger a instrução penal, permitindo-se que os investigadores coletem provas nos locais alvo de buscas e apreensões e evitando-se que os investigados entrem em contato entre si e combinem versões dos fatos apurados ou ainda que destruam provas. Possui prazo limitadíssimo, normalmente inferior a 24h, e pode ser determinada em qualquer investigação penal.
Já a prisão temporária, prevista na Lei 7.960/89, pode ser decretada quando imprescindível para as investigações do inquérito policial em relação ao rol de crimes previsto no artigo 1º, III, da referida lei, ou quando o indicado não tiver residência fixa ou não fornecer elementos necessários ao esclarecimento de sua identidade. Tem o prazo de 5 (cinco) dias, prorrogáveis por mais 5 (cinco).
A prisão temporária é uma prisão cautelar, acessória à investigação, que deve ser decretada nos casos em que a reclusão do investigado poderá “facilitar o trabalho da autoridade policial no curso da investigação”, ou ainda quando a autoridade policial “faça ver que as investigações não podem prosseguir sem a prisão provisória do indiciado”, ou seja, quando for imprescindível para o êxito das investigações em curso [5].
A prisão temporária costuma ser utilizada em operações policiais mais complexas, para assegurar a coleta de provas em casos maiores, nos quais é necessário cruzar informações de documentos apreendidos em locais variados, reinquirir investigados, analisar dados computacionais diversos, dentre outras medidas que demandem tempo razoável dos investigadores e que não teriam o mesmo êxito se realizadas com os investigados em liberdade.
Por fim, a prisão preventiva é considerada a última ratio, devendo ser aplicada somente se não for possível lançar mão das medidas diversas da prisão previstas no artigo 319 do Código de Processo Penal.
Com duração indeterminada, a prisão preventiva somente pode ser decretada, por exemplo, nos crimes dolosos punidos com pena privativa de liberdade máxima superior a 4 (quatro) anos, se tiver sido condenado por outro crime doloso, em sentença transitada em julgado (ressalvado o disposto no inciso I do caput do art. 64 do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal) ou se o crime envolver violência doméstica e familiar contra a mulher, criança, adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com deficiência, para garantir a execução das medidas protetivas de urgência.
Na prática, a prisão preventiva tem sido utilizada em investigações por crimes de especial gravidade, tais como tráfico de drogas, tráfico de armas, tortura e terrorismo e em casos em que ficar demonstrada concreta reiteração delitiva caso o investigado seja colocado em liberdade. Muitas vezes, porém, a prisão preventiva é a única medida eficaz para estancar a atividade reiterada de organizações criminosas em pleno funcionamento.
5. CONCLUSÃO
Defendemos que as autoridades incumbidas da persecução penal devem lançar mão das medidas cautelares menos invasivas possíveis aos direitos fundamentais dos investigados. Não basta somente resguardar os interesses da investigação, mas também proteger os direitos fundamentais dos investigados, em especial o direito à liberdade.
Nesse passo, há uma gradação legal entre as medidas cautelares pessoais, com destaque para a condução coercitiva. Além de ser instrumento importante para assegurar a efetividade da investigação e permitir a coleta de provas imprescindíveis, a condução coercitiva é a menos invasiva das cautelares pessoais e, se aplicada de forma correta, pode trazer êxito a operações policiais ao mesmo tempo em que priva o investigado de sua liberdade no limite mínimo indispensável para a coleta da prova.
Sob essa perspectiva, são infundadas as críticas generalizadas à adoção da medida de condução coercitiva decretada recentemente em grandes operações policiais, uma vez que tal medida é a menos invasiva dentre as modalidades de prisão cautelar vigentes.
6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALEXY, Robert. Epílogo a la teoría de los derechos fundamentales. Revista Espanola de Derecho Constituional 66:31. 2002, p. 31.
ÁVILA, Humberto Bergmann. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 166
BADARÓ, Gustavo. Processo Penal. São Paulo: Editora RT, 2016.
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 29ª ed. São Paulo: Malheiros, 2012.
GARCIA, Emerson. Ministério Público. 3ª ed – Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008.
JARDIM, Afrânio Silva. Direito processual penal. 8ª ed – Rio de Janeiro: Forense, 1999
MENDONÇA, Andrey Borges de. Prisões e outras medidas cautelares pessoais. São Paulo:Método, 2011.
MENDONÇA, Andrey Borges de. Prisão preventiva na Lei 12.403/2011. São Paulo: Juspodium, 2016.
MIRABETE, Julio Fabrini. Processo Penal. 10ª ed. rev. e atual – São Paulo: Atlas, 2000.
PEREIRA, Jane Reis Gonçalves. Os imperativos de Razoabilidade e Proporcionalidade. In: BARROSO, LUÍS ROBERTO. A reconstrução democrática do direito público no Brasil. Rio de Janeiro: Renovar, 2007, p. 153-216.
[1] In: BADARÓ, Gustavo. Processo Penal. São Paulo: Editora RT, 2016, p. 994.
[2] É a lição de Jane Reis Gonçalves Pereira, no trabalho “Os imperativos de Razoabilidade e Proporcionalidade. In: BARROSO, LUÍS ROBERTO. A reconstrução democrática do direito público no Brasil. Rio de Janeiro: Renovar, 2007, p. 153-216.
[3] Apud ÁVILA, Humberto Bergmann. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 166
[4] MENDONÇA, Andrey Borges de. Prisões e outras medidas cautelares pessoais. São Paulo:Método, 2011; MENDONÇA, Andrey Borges de. Prisão preventiva na Lei 12.403/2011. São Paulo: Juspodium, 2016.
[5] RHC 201500755750, MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, STJ - SEXTA TURMA, DJE DATA:27/05/2015 ..DTPB e HC 2005.01.00.029802-4, DESEMBARGADOR FEDERAL TOURINHO NETO, TRF1 - TERCEIRA TURMA, DJ DATA:29/07/2005 PAGINA:31
Mestre em Direito Público pela PUC-SP, Procurador da República.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FILHO, Paulo Gomes Ferreira. Hipóteses de cabimento das medidas cautelares pessoais durante a investigação criminal Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 10 out 2016, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/47637/hipoteses-de-cabimento-das-medidas-cautelares-pessoais-durante-a-investigacao-criminal. Acesso em: 23 dez 2024.
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