RESUMO: Os contratos de seguro são cada vez mais frequentes em nossa sociedade, principalmente, em razão do aumento dos riscos no Brasil. A fim de dar maior segurança aos citados contratos, o Código Civil de 2002 trouxe extensa regulamentação, dando maior segurança aos contratantes. No mesmo sentido caminha a jurisprudência dos tribunais superiores, que vem pacificando entendimentos sobre o tema.
Palavras-chave: Contratos. Seguro. De Dano.
1. Introdução.
O presente trabalho tem por finalidade estudar o contrato de seguro, com foco na jurisprudência dos tribunais brasileiros, entretanto, sem se abster de citar entendimentos doutrinários sobre o tema, principalmente, os enunciados das Jornadas de Direito Civil.
Assim, diante do inegável crescimento dos riscos de se viver no Brasil, esse tipo de contrato se torna cada dia mais comum, e do mesmo modo, cada vez mais demandado nos tribunais brasileiros, em face das discordâncias das seguradoras e dos segurados.
2. Disposições Gerais.
Inicialmente, importa frisar a conceituação do que vem a ser um contrato de seguro, realizado pelo próprio Código Civil, em seu artigo 757, segundo o qual neste contrato “o segurador se obriga, mediante o pagamento do prêmio, a garantir interesse legítimo do segurado, relativo a pessoa ou a coisa, contra riscos predeterminados”.
Brilhantemente conceitua o contrato de seguro a professora Maria Helena Diniz (2002, p. 316):
“[...] é aquele pelo qual uma das partes (segurador) se obriga para com a outra (segurado), mediante o pagamento de um prêmio, a garantir-lhe interesse legítimo
relativo a pessoa ou a coisa e a indenizá-la de prejuízo decorrente de riscos futuros, previstos no contrato”.
Como se pode notar, o contrato de seguro possui peculiaridades, pois se visa garantir certa pessoa ou coisa, de modo que em caso de lesão, nasce para o segurador o dever de reparar o segurado. Caracterizando-se pela existência de três elementos: as partes, o prêmio e os riscos.
Sendo assim, no contrato de seguro, há verdadeira socialização dos riscos entre a seguradora, e o segurado, como bem leciona o professor Fábio Ulhoa Coelho (2012), conforme exposto a seguir:
“A função do seguro é socializar entre as pessoas expostas a determinado risco as repercussões econômicas da verificação do sinistro. A atividade desenvolvida pelas seguradoras consiste em estimar, através de cálculos atuariais, a probabilidade de ocorrência de certo fato, normalmente um evento de consequências danosas para os envolvidos. De posse desses cálculos, a seguradora procura receber dos sujeitos ao risco em questão o pagamento de uma quantia (prêmio) em troca da garantia consistente no pagamento de prestação pecuniária, em geral de caráter indenizatório, na hipótese de verificação do evento”.
Entretanto, não é qualquer pessoa jurídica que pode ser parte no contrato, como seguradora, de acordo com o artigo 758, do Código Civil, esta deverá obter autorização especifica.
Além da autorização específica, as seguradoras, em razão de sua importância para a sociedade são reguladas pelo Estado, tendo sido instituído pelo Decreto-Lei 73/66, o Sistema Nacional de Seguros privados, o qual de acordo com seu artigo 8º, será composto pelo Conselho Nacional de Seguros Privados, pela Superintendência de Seguros Privados, dos resseguros, das Sociedades autorizadas a operar em seguros privados e dos corretores habilitados.
Quanto à natureza jurídica do contrato de seguro, entende a doutrina majoritária que se trata de um contrato bilateral, de adesão, oneroso, aleatório e consensual. Neste sentido aduz Flávio Tartuce (2016, p. 856):
“Quanto à sua natureza jurídica, o contrato de seguro é um contrato bilateral, pois apresenta direitos e deveres proporcionais, de modo a estar presente o sinalagma. Constitui um contrato oneroso pela presença de remuneração, denominada prêmio, a ser pago pelo segurado ao segurador. O contrato é consensual, pois tem aperfeiçoamento com a manifestação de vontade das partes. Constitui um típico contrato aleatório, pois o risco é fator determinante do negócio em decorrência da possibilidade de ocorrência do sinistro, evento futuro e incerto com o qual o contrato mantém relação”.
O artigo 758, do Código Civil, expõe que “o contrato de seguro prova-se pela exibição da apólice ou bilhete de seguro, e, na falta deles, por documento comprobatório do pagamento do respectivo prêmio”. Já o art. 759, que “a emissão da apólice deverá ser precedida de proposta escrita com a declaração dos elementos essenciais do interesse a ser garantido e do risco”.
Em regra, a apólice constitui o instrumento do contrato de seguro, podendo ser nominativo, à ordem, ou ao portador, como leciona o artigo 760, do Código Civil, entretanto, em alguns casos, poderá servir como instrumento do contrato a simples emissão de bilhete de seguro, em razão da previsão do artigo 10, do Decreto-lei 73/66.
O bilhete ou a apólice “mencionarão os riscos assumidos, o início e o fim de sua validade, o limite da garantia e o prêmio devido, e, quando for o caso, o nome do segurado e o do beneficiário” (Art. 760, CC). Entretanto, importante frisar que havendo dúvida sobre o contrato, deve-se interpretá-lo em benefício do aderente, por ser um contrato de adesão (Art. 424, CC)
O modo em que se prova o contrato de seguro o momento a partir do qual se inicia a proteção securitária é fruto de diversos questionamentos, os quais são julgados frequentemente nos tribunais brasileiros. Colaciono a seguir, decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), acerca da demora excessiva da seguradora para responder a proposta de seguro.
A seguradora de veículos não pode, sob a justificativa de não ter sido emitida a apólice de seguro, negar-se a indenizar sinistro ocorrido após a contratação do seguro junto à corretora de seguros se não houve recusa da proposta pela seguradora em um prazo razoável, mas apenas muito tempo depois e exclusivamente em razão do sinistro. Isso porque o seguro é contrato consensual e aperfeiçoa-se tão logo haja manifestação de vontade, independentemente da emissão da apólice, que é ato unilateral da seguradora, de sorte que a existência da relação contratual não poderia ficar a mercê exclusivamente da vontade de um dos contratantes, sob pena de se ter uma conduta puramente potestativa, o que é vedado pelo art. 122 do CC. Ademais, o art. 758 do CC não confere à emissão da apólice a condição de requisito de existência do contrato de seguro, tampouco eleva esse documento ao degrau de prova tarifada ou única capaz de atestar a celebração da avença. Além disso, é fato notório que o contrato de seguro é celebrado, na prática, entre corretora e segurado, de modo que a seguradora não manifesta expressamente sua aceitação quanto à proposta, apenas a recusa ou emite a apólice do seguro, enviando-a ao contratante juntamente com as chamadas condições gerais do seguro. A propósito dessa praxe, a própria SUSEP disciplinou que a ausência de manifestação por parte da seguradora, no prazo de quinze dias, configura aceitação tácita da cobertura do risco, conforme dispõe o art. 2º, caput e § 6º, da Circular SUSEP 251/2004. Com efeito, havendo essa prática no mercado de seguro, a qual, inclusive, recebeu disciplina normativa pelo órgão regulador do setor, há de ser aplicado o art. 432 do CC, segundo o qual, "se o negócio for daqueles em que não seja costume a aceitação expressa, ou o proponente a tiver dispensado, reputar-se-á concluído o contrato, não chegando a tempo a recusa". Na mesma linha, o art. 111 do CC preceitua que "o silêncio importa anuência, quando as circunstâncias ou os usos o autorizarem, e não for necessária a declaração de vontade expressa". Assim, na hipótese ora analisada, tendo o sinistro ocorrido efetivamente após a contratação junto à corretora de seguros, se em um prazo razoável não houver recusa da seguradora, há de se considerar aceita a proposta e plenamente aperfeiçoado o contrato. De fato, é ofensivo à boa-fé contratual a inércia da seguradora em aceitar expressamente a contratação, vindo a recusá-la somente depois da notícia de ocorrência do sinistro. REsp 1.306.367-SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 20/3/2014.
Importante frisar também, julgado do próprio STJ, no mesmo ano, sobre a inexistência de contrato de seguro antes da entrega da proposta de seguro à seguradora.
O proprietário de automóvel furtado não terá direito a indenização securitária se a proposta de seguro do seu veículo somente houver sido enviada à seguradora após a ocorrência do furto. O contrato de seguro, para ser concluído, necessita passar, comumente, por duas fases: i) a da proposta, em que o segurado fornece as informações necessárias para o exame e a mensuração do risco, indispensável para a garantia do interesse segurável; e ii) a da recusa ou aceitação do negócio pela seguradora, ocasião em que a seguradora emitirá, no caso de aceitação, a apólice. A proposta é a manifestação da vontade de apenas uma das partes e, no caso do seguro, deverá ser escrita e conter a declaração dos elementos essenciais do interesse a ser garantido e do risco. Todavia, a proposta não gera, por si só, o contrato, que depende de consentimento recíproco de ambos os contratantes. Assim, para que o contrato de seguro se aperfeiçoe, são imprescindíveis o envio da proposta pelo interessado ou pelo corretor e o consentimento, expresso ou tácito, da seguradora, mesmo sendo dispensáveis a apólice ou o pagamento de prêmio. Desse modo, nota-se que, no caso em apreço, não há a manifestação de vontade no sentido de firmar a avença em tempo hábil, tampouco existe a concordância, ainda que tácita, da seguradora. Além disso, nessa hipótese, quando o proponente decidiu ultimar a avença, já não havia mais o objeto do contrato (interesse segurável ou risco futuro). REsp 1.273.204-SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 7/10/2014.
Dos julgados acima transcritos, pode-se notar que o STJ para definir o momento a partir do qual o contrato de seguro passa a gerar efeitos, utiliza-se do princípio da boa-fé.
Quando o contrato de seguro for garantido por mais de uma seguradora, haverá o chamado cosseguro, o qual deverá ser administrado por uma seguradora líder, é o que prever o artigo 761. A seguir, segue, brilhante explanação sobre o tema e sua distinção com o resseguro feita pelo professor Flávio Tartuce (2016, p. 859):
O art. 761 do CC trata do cosseguro, quando os riscos de um seguro direto são assumidos por várias seguradoras. Em casos tais, a apólice indicará a seguradora que administrará o contrato e representará os demais, para todos os seus efeitos (seguradora líder). O cosseguro não se confunde com o resseguro, hipótese em que uma seguradora contrata outra seguradora (resseguradora), temendo os riscos do contrato anterior, aplicando-se as mesmas regras previstas para o contrato regular.
Do mesmo modo que o cosseguro, não se confunde com o resseguro, estes não se confundem com o chamado seguro cumulativo. Neste sentido, no escólio de Fábio Ulhoa Coelho (2012) sobre o tema:
“Seguro cumulativo. O seguro cumulativo consiste na contratação de dois ou mais seguros sobre o mesmo interesse, quando esse fica garantido por valor superior ao que tem. Imagine a hipótese de o dono do veículo segurá-lo contra roubo, pelo valor total, junto a duas seguradoras. É claro que a liquidação dos dois seguros, na hipótese de o sinistro se verificar, importaria enriquecimento do segurado — ele passaria a ter, por assim dizer, dois carros ao invés de um. Isso contraria a natureza indenizatória da prestação devida, nos seguros de danos, pela seguradora. Por isso, a cumulatividade no seguro de danos é coibida pela lei”.
Importante frisar que o próprio Código Civil, em seu artigo 765, determina expressamente a aplicação do princípio acima citado ao preconizar que “O segurado e o segurador são obrigados a guardar na conclusão e na execução do contrato, a mais estrita boa-fé e veracidade, tanto a respeito do objeto como das circunstâncias e declarações a ele concernentes”.
Diante da importância do citado princípio, o desrespeito a boa-fé gera o descumprimento do contrato e a responsabilização objetiva daquele que o violou. “Em virtude do princípio da boa-fé, positivado no art. 422 do novo Código Civil, a violação dos deveres anexos constitui espécie de inadimplemento, independentemente de culpa” (Enunciado 24 do CJF).
O seguro de dano visa garantir o ressarcimento ao segurado, em caso de prejuízo sob a coisa assegurada. Nos seguros de dano, a garantia prometida não pode ultrapassar o valor do interesse segurado no momento da conclusão do contrato (Art. 778, do Código Civil).
O seguro de dano não tem por finalidade o lucro, mas apenas a proteção do interesse assegurado, de modo a se evitar prejuízo ao segurado. Neste sentido ensina, Carlos Roberto Gonçalves (2012, p. 500):
“O contrato de seguro não se destina à obtenção de um lucro. Ao celebrá-lo o segurado procura cobrir-se de eventuais prejuízos decorrentes de um sinistro, não podendo visar nenhum proveito. Por essa razão, já dizia o art. 1.437 do Código de 1916 que “não se pode segurar uma coisa por mais do que valha, nem pelo seu todo mais de uma vez”. O novo diploma, no dispositivo supratranscrito, considera locupletamento ilícito o segurado receber pelo sinistro valor indenizatório superior ao do interesse segurado ou da coisa sinistrada. A infração à proibição acarreta como consequência a perda do direito de garantia e a obrigação ao pagamento do prêmio vencido, além de responder o segurado pela ação penal que no caso couber por ter feito declaração falsa com o fim de obter vantagem patrimonial”.
Essa natureza não lucrativa do contrato de seguro de dano também se pode encontrar no art. 781, do Código Civil, o qual dispõe que a “A indenização não pode ultrapassar o valor do interesse segurado no momento do sinistro, e, em hipótese alguma, o limite máximo da garantia fixado na apólice, salvo em caso de mora do segurador”.
Da leitura do citado artigo 781, pode-se notar que o legislador fixou que o valor a ser ressarcido pela seguradora ao segurado, é o do valor do interesse, no momento do sinistro, ou seja, a partir do momento em que se caracterizou o prejuízo. Este entendimento foi ratificado pelo STJ:
É abusiva a cláusula de contrato de seguro de automóvel que, na ocorrência de perda total do veículo, estabelece a data do efetivo pagamento (liquidação do sinistro) como parâmetro do cálculo da indenização securitária a ser paga conforme o valor médio de mercado do bem, em vez da data do sinistro. De início, cabe ressaltar que o Código Civil de 2002 adotou, para os seguros de dano, o princípio indenitário, de modo que a indenização securitária deve corresponder ao valor real dos bens perdidos, destruídos ou danificados que o segurado possuía logo antes da ocorrência do sinistro. Isso porque o seguro não é um contrato lucrativo, mas de indenização, devendo ser afastado, por um lado, o enriquecimento injusto do segurado e, por outro, o estado de prejuízo. Dessa forma, nos termos do art. 781 do CC, a indenização no contrato de seguro possui alguns parâmetros e limites, não podendo ultrapassar o valor do bem (ou interesse segurado) no momento do sinistro nem podendo exceder o limite máximo da garantia fixado na apólice, salvo mora do segurador. Nesse contexto, a Quarta Turma do STJ já decidiu pela legalidade da "cláusula dos contratos de seguro que preveja que a seguradora de veículos, nos casos de perda total ou de furto do bem, indenize o segurado pelo valor de mercado na data do sinistro" (REsp 1.189.213-GO, DJe 27/6/2011). Nesse sentido, a Terceira Turma deste Tribunal (REsp 1.473.828-RJ, Terceira Turma, DJe 5/11/2015) também firmou o entendimento de que o princípio indenizatório deve ser aplicado no contrato de seguro de dano, asseverando que a indenização deve corresponder ao valor do efetivo prejuízo experimentado pelo segurado no momento do sinistro, mesmo em caso de perda total dos bens garantidos. Assim, é abusiva a cláusula contratual do seguro de automóvel que impõe o cálculo da indenização securitária com base no valor médio de mercado do bem vigente na data de liquidação do sinistro, pois onera desproporcionalmente o segurado, colocando-o em situação de desvantagem exagerada, indo de encontro ao princípio indenitário, visto que, como cediço, os veículos automotores sofrem, com o passar do tempo, depreciação econômica, e quanto maior o lapso entre o sinistro e o dia do efetivo pagamento, menor será a recomposição do patrimônio garantido. Trata-se, pois, de disposição unilateral e benéfica somente à seguradora, a qual poderá também atrasar o dia do pagamento, ante os trâmites internos e burocráticos de apuração do sinistro. De fato, a regulação do sinistro e seus prazos (arts. 1º, § 2º, da Lei n. 5.488/1968 e 21, § 1º, da Circular/SUSEP n. 145/2000) não devem interferir no dia inicial para o cálculo do valor indenizatório, pois apenas se referem à análise do processo de sinistro quanto à sua cobertura pela apólice contratada bem como à adequação da documentação necessária. Desse modo, a cláusula do contrato de seguro de automóvel a qual adota, na ocorrência de perda total, o valormédio de mercado do veículo como parâmetro para a apuração da indenização securitária deve observar a tabela vigente na data do sinistro, e não a data do efetivo pagamento (liquidação do sinistro). REsp 1.546.163-GO, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 5/5/2016, DJe 16/5/2016.
O contrato de seguro de danos tem natureza indenizatória, visa a reparar o prejuízo sofrido pelo segurado, sendo vedado o lucro. Por isso, o artigo 782, prevê que havendo novo contrato de seguro sobre o mesmo risco, deve haver comunicação ao segurador, a fim de comprovar a obediência ao artigo 778, ou seja, de que não ultrapassou o valor da coisa.
A fim de esclarecer a natureza indenizatória do contrato de seguro da dano, colaciono explanação do professor Flávio Tartuce (2016, p. 569) sobre o tema:
“Relativamente à indenização a ser recebida pelo segurado, enuncia o art.781 do CC que essa não pode ultrapassar o valor do interesse segurado no momento do sinistro, e, em hipótese alguma, o limite máximo da garantia fixado na apólice, salvo em caso de mora do segurador. Para exemplificar, alguém celebra um contrato de seguro para proteger um veículo contra roubo, furto e avaria. Quando da celebração do contrato, o veículo, novo, valia R$ 50 .000,00. Dois anos após a celebração do contrato, quando o veículo vale R$ 30.000,00, é roubado (sinistro). Esse último será o valor devido pela seguradora, devendo ser observado o valor de mercado. Para tanto, é aplicada, na prática, a Tabela Fipe, adotada pelas seguradoras. Ressalte-se, contudo, a previsão final do art. 7 8 1 do CC, pela qual a única hipótese em que se admite o pagamento de indenização superior ao valor que consta da apólice é no caso de mora da seguradora”.
Quando à coisa segurada for danificada e a seguradora indenizar o segurado pelos prejuízos, aquela terá direito à sub-rogação, nos limites do valor respectivo, nos direitos e ações que competirem ao segurado em face do autor do dano (Art. 786).
Como a seguradora, após o pagamento da indenização, se sub-roga nos direitos do segurado, ela poderá ajuizar ação regressiva contra o causador do dano. O tema possui tanta importância pratica que foram editas diversas súmulas, frisando aqui as de número 151, 188 e 257, todas do Supremo Tribunal Federal:
Súmula 151, STF: “Prescreve em um ano a ação do segurador sub-rogado para haver a indenização por extravio ou perda de carga transportada por navio”.
Súmula 188, STF: “O segurador tem ação regressiva contra o causador do dano, pelo que efetivamente pagou, até o limite previsto no contrato de seguro”.
Súmula 257, STF: “são cabíveis honorários advocatícios na ação regressiva do segurador contra o causador do dano”.
Segundo o Código Civil, ao segurado cabe comunicar imediatamente ao segurador a ocorrência do dano, sendo-lhe vedado reconhecer sua responsabilidade ou confessar sua culpa, bem como transacionar com o terceiro prejudicado, ou indeniza-lo diretamente, sem autorização expressa do segurador (art. 787).
Acontece que o Superior Tribunal de Justiça ao se deparar com o tema, entendeu relativizar a interpretação do dispositivo acima citado, utilizando-se do princípio da boa-fé, a fim de garantir a cobertura securitária do segurado que reconheceu a culpa no sinistro, desde evidente que o fato, realmente, aconteceu e o acordo foi realizado em termos favoráveis, tanto para o segurado, quanto para o segurador.
DIREITO CIVIL. MANUTENÇÃO DA GARANTIA SECURITÁRIA APESAR DE TRANSAÇÃO JUDICIAL REALIZADA ENTRE SEGURADO E TERCEIRO PREJUDICADO. No seguro de responsabilidade civil de veículo, não perde o direito à indenização o segurado que, de boa-fé e com probidade, realize, sem anuência da seguradora, transação judicial com a vítima do acidente de trânsito (terceiro prejudicado), desde que não haja prejuízo efetivo à seguradora. De fato, o § 2º do art. 787 do CC disciplina que o segurado, no seguro de responsabilidade civil, não pode, em princípio, reconhecer sua responsabilidade, transigir ou confessar, judicial ou extrajudicialmente, sua culpa em favor do lesado, a menos que haja prévio e expresso consentimento do ente segurador, pois, caso contrário, perderá o direito à garantia securitária, ficando pessoalmente obrigado perante o terceiro, sem direito do reembolso do que despender. Entretanto, como as normas jurídicas não são estanques e sofrem influências mútuas, embora sejam defesos, o reconhecimento da responsabilidade, a confissão da ação ou a transação não retiram do segurado, que estiver de boa-fé e tiver agido com probidade, o direito à indenização e ao reembolso, sendo os atos apenas ineficazes perante a seguradora (enunciados 373 e 546 das Jornadas de Direito Civil). A vedação do reconhecimento da responsabilidade pelo segurado perante terceiro deve ser interpretada segundo a cláusula geral da boa-fé objetiva prevista no art. 422 do CC, de modo que a proibição que lhe foi imposta seja para posturas de má-fé, ou seja, que lesionem interesse da seguradora. Assim, se não há demonstração de que a transação feita pelo segurado e pela vítima do acidente de trânsito foi abusiva, infundada ou desnecessária, mas, ao contrário, for evidente que o sinistro de fato aconteceu e o acordo realizado foi em termos favoráveis tanto ao segurado quanto à seguradora, não há razão para erigir a regra do art. 787, § 2º, do CC em direito absoluto a afastar o ressarcimento do segurado. REsp 1.133.459-RS, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 21/8/2014.
Ressalto que a redação do artigo 787 sofre duras críticas da doutrina, pois proíbe o segurado de reconhecer a existência de culpa e de transigir, direitos personalíssimos, inafastáveis e intransmissíveis, os quais não podem ser vedados em um contrato de consumo. Nesse contexto, cito passagem do livro de Flávio Tartuce (2016, p. 872):
Primeiro, porque afasta a possibilidade de o segurado reconhecer a existência de culpa, o que é um direito personalíssimo, inafastável e intransmissível, nos termos do art. 1 1 do CC e do art. 1.º,III, da CF/1988. Parece que foi mais um descuido do legislador, ao dispor que esse reconhecimento depende da seguradora. Outro problema refere-se ao poder de transigir, o que é um direito inerente ao segurado. Sendo o contrato de adesão ou de consumo, há como afastar essa regra, pois a parte contratual está renunciando a um direito que lhe é inerente, havendo infringência ao princípio da função social dos contratos em casos tais (art. 42 1 do CC). A mesma tese vale para a indenização direta, paga pelo segurado ao ofendido. Trata-se, do mesmo modo, de um direito pessoal do segurado e que não pode ser afastado. Aliás, como fica o direito da outra parte, prejudicada pelo evento danoso e que tem o direito à indenização, diante do princípio da reparação integral de danos? A seguradora pode obstar o pagamento da vítima? Para este autor, as respostas são negativas. Em suma, o § 2.0 do art. 787 do CC entra em conflito com outros preceitos do próprio CC e do CDC, a afastar a sua aplicação.
Em relação ao aspecto processual, importante frisar julgado recente do Superior Tribunal de Justiça, publicado no informativo 553, o contrato de seguro de danos deve ser cobrado por meio de ação de conhecimento, e não por meio de uma ação de execução, pois este contrato não se enquadra como título executivo extrajudicial, diferente do que ocorre nos contratos de seguro de vida.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL. VIA ADEQUADA PARA COBRANÇA DE INDENIZAÇÃO FUNDADA EM CONTRATO DE SEGURO DE AUTOMÓVEL. É a ação de conhecimento sob o rito sumário - e não a ação executiva - a via adequada para cobrar, em decorrência de dano causado por acidente de trânsito, indenização securitária fundada em contrato de seguro de automóvel. Isso porque o contrato de seguro de automóvel não se enquadra como título executivo extrajudicial (art. 585 do CPC). Como cediço, o título executivo extrajudicial prescinde de prévia ação condenatória, ou seja, a função de conhecimento do processo é postergada até eventual oposição de embargos do devedor. Ademais, somente a lei pode prescrever quais são os títulos executivos, fixando-lhes as características formais peculiares. Desse modo, apenas os documentos descritos pelo legislador, seja em códigos ou em leis especiais, é que são dotados de força executiva, não podendo as partes convencionarem a respeito. Além disso, pela interpretação conjunta dos arts. 275, II, "e", 585, III, e 586 do CPC, depreende-se que somente os contratos de seguro de vida, dotados de liquidez, certeza e exigibilidade, são títulos executivos extrajudiciais, podendo ser utilizada, nesses casos, a via da ação executiva. Logo, para o seguro de automóveis, na ocorrência de danos causados em acidente de veículo, a ação a ser proposta é, necessariamente, a cognitiva, sob o rito sumário, uma vez que este contrato de seguro é destituído de executividade e as situações nele envolvidas comumente não se enquadram no conceito de obrigação líquida, certa e exigível, sendo imprescindível, portanto, nessa hipótese, a prévia condenação do devedor e a constituição de título judicial. A par disso, percebe-se que o legislador optou por elencar somente o contrato de seguro de vida como título executivo extrajudicial, justificando a sua escolha na ausência de caráter indenizatório do referido seguro, ou seja, o seu valor carece de limitação, sendo de responsabilidade do segurador o valor do seguro por ele coberto, uma vez que existe dívida líquida e certa. Verifica-se, ainda, que o tratamento dispensado ao seguro de dano, como ao de automóveis, é diverso, uma vez que esses ostentam índole indenizatória, de modo que a indenização securitária não poderá redundar em enriquecimento do segurado, devendo, pois, o pagamento ser feito em função do que se perdeu, quando ocorrer o sinistro, nos limites do montante segurado. REsp 1.416.786-PR, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 2/12/2014, DJe 9/12/2014.
Do mesmo modo, importa salientar o teor da súmula 529 do Superior Tribunal de Justiça, a qual ensina que sendo denunciada à lide a seguradora, e havendo contestação do pedido do autor ou sendo aceita a denunciação, será possível a sua condenação direta e solidariamente junto ao segurado.
O citado enunciado visa dar maior celeridade ao processo, já que não será necessário novo processo por parte do segurado a fim de receber a indenização devida. Além de gerar maior segurança ao autor da ação que terá possibilidade de executar diretamente a seguradora, a qual, em regra, possui maior capacidade econômica que o segurado.
Entretanto, não será possível ao terceiro ajuizar diretamente e exclusivamente a ação em face da seguradora, pois esta não possui legitimidade exclusiva para tanto, só podendo ser condenado quando for denunciada à lide. Este é, inclusive, o entendimento pacífico do STJ, o qual está presente na súmula 529.
5. Conclusão
Em que pese a grande importância prática nos dias atuais do contrato de seguro, tendo em vista que são formalizados, diariamente, inúmeros contratos dessa natureza, ainda há muitas divergências entre as seguradoras e os segurados que são levadas ao Poder Judiciário.
Pode-se notar ainda, que apesar da maioria desses debates já estarem com entendimento pacificados nos tribunais, muitas seguradoras ainda se negam a aplica-los, levando os segurados a buscar o Poder Judiciário, a fim de garantir seus direitos.
Concluímos, portanto, que se faz necessário rediscutir a aplicação do princípio da boa-fé, previsto no Código Civil, não só quanto à formalização do contrato de seguro, mas também quanto à sua execução e respeito aos entendimentos consagrados.
REFERÊNCIA
COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Civil. Editora: Saraiva. 2012.
DECRETO-LEI 73/66. Disponível em ttp://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del0073.htm.
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. Editora: Saraiva. 2002.
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro – Contratos e Atos Unilaterais. Editora: Saraiva. 2012.
STJ, Informativo 553. Disponível em https://ww2.stj.jus.br/jurisprudencia/externo/informativo/
STJ, Informativo 564. Disponível em https://ww2.stj.jus.br/jurisprudencia/externo/informativo/
TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil. Editora: Método. 2016.
Advogado, pós-graduado em Direito Tributário.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FONSECA, Gabriel Meira Fialho. Contrato de seguro de dano sob a égide do Código Civil de 2002 Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 11 out 2016, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/47646/contrato-de-seguro-de-dano-sob-a-egide-do-codigo-civil-de-2002. Acesso em: 23 dez 2024.
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