INTRODUÇÃO
A atual crise política, financeira e econômica que enfrenta o Brasil deu ensejo à revisão de institutos anteriormente concebidos. Ocorre que, naturalmente, busca-se solucionar a crise através de acordos políticos e, sobretudo, pela redução das despesas e enxugamento da máquina pública.
Eis que, neste cenário, surgiu a PEC 139/15, proposta de emenda à Constituição Federal que visa extinguir o abono de permanência. Mas, indaga-se, será que esta proposta seria interessante economicamente? Pois bem, sobre esse panorama que passamos a discorrer abaixo.
O ABONO DE PERMANÊNCIA - DEFINIÇÃO
O abono de permanência é um instituto recente, criado pela Emenda Constitucional n 41/2003 para evitar aposentadorias precoces no serviço público. Através dele, o servidor que possui os requisitos para a aposentadoria que opte em permanecer em atividade faz jus ao valor da contribuição previdenciária mensal deduzida. Isto é, o servidor deixa de pagar efetivamente a sua contribuição previdenciária (PSS).
O abono tem a finalidade de estimular os servidores a manterem-se em atividade, até a aposentadoria compulsória, e, assim, diminuir os gastos de pessoal, pois evita-se o pagamento concomitante de proventos de aposentadoria (servidor inativo) e a remuneração do novo servidor substituto daquele.
Para ilustrar, segundo dados do portal da câmara dos deputados [[1]], em 1991, o Poder Executivo Federal contava em seus quadros com mais de 660 mil servidores. Em 2002, antes da promulgação da emenda, esse número caiu para 530 mil servidores. Já em dezembro de 2014, 705 mil funcionários efetivos estavam na ativa.
Vejamos o que estabelece a Constituição Federal sobre o instituto:
CF/1988, Art. 40. Aos servidores titulares de cargos efetivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, é assegurado regime de previdência de caráter contributivo e solidário, mediante contribuição do respectivo ente público, dos servidores ativos e inativos e dos pensionistas, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial e o disposto neste artigo. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 41, 19.12.2003)
§ 1º Os servidores abrangidos pelo regime de previdência de que trata este artigo serão aposentados, calculados os seus proventos a partir dos valores fixados na forma dos §§ 3º e 17: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 41, 19.12.2003)
I - por invalidez permanente, sendo os proventos proporcionais ao tempo de contribuição, exceto se decorrente de acidente em serviço, moléstia profissional ou doença grave, contagiosa ou incurável, na forma da lei; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 41, 19.12.2003)
II - compulsoriamente, com proventos proporcionais ao tempo de contribuição, aos 70 (setenta) anos de idade, ou aos 75 (setenta e cinco) anos de idade, na forma de lei complementar; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 88, de 2015)
III - voluntariamente, desde que cumprido tempo mínimo de dez anos de efetivo exercício no serviço público e cinco anos no cargo efetivo em que se dará a aposentadoria, observadas as seguintes condições: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 15/12/98)
a) sessenta anos de idade e trinta e cinco de contribuição, se homem, e cinquenta e cinco anos de idade e trinta de contribuição, se mulher; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 15/12/98)
b) sessenta e cinco anos de idade, se homem, e sessenta anos de idade, se mulher, com proventos proporcionais ao tempo de contribuição. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 15/12/98)
[...]
§ 18. Incidirá contribuição sobre os proventos de aposentadorias e pensões concedidas pelo regime de que trata este artigo que superem o limite máximo estabelecido para os benefícios do regime geral de previdência social de que trata o art. 201, com percentual igual ao estabelecido para os servidores titulares de cargos efetivos. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 41, 19.12.2003)
§ 19. O servidor de que trata este artigo que tenha completado as exigências para aposentadoria voluntária estabelecidas no § 1º, III, a, e que opte por permanecer em atividade fará jus a um abono de permanência equivalente ao valor da sua contribuição previdenciária até completar as exigências para aposentadoria compulsória contidas no § 1º, II. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 41, 19.12.2003)
Como se nota acima, os requisitos básicos e concomitantes para fazer jus ao abono de permanência são: a) tempo mínimo de 10 anos de efetivo exercício no serviço público; b) 5 anos no cargo efetivo em que se dará a aposentadoria; c) se homem, tenha com 60 anos de idade e 35 de contribuição e, se mulher, 55 anos de idade e 30 de contribuição.
Além desses requisitos básicos, aqueles servidores que possam se aposentador com integralidade devido às regras de transição estabelecidas pelas Emendas Constitucionais 20/1998 e 41/2003.
Existe discussão doutrinária a respeito da natureza jurídica do instituto, seja remuneratória ou indenizatória. Ocorre que a jurisprudência dos Tribunais pátrios se firmou dominante no sentido da natureza jurídica remuneratória, passível de incidência da tributação específica (ex: Imposto de Renda). Confira-se o entendimento do Superior Tribunal de Justiça:
STJ. PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO – ART. 43 DO CTN – PREQUESTIONAMENTO IMPLÍCITO – ABONO PERMANÊNCIA PREVISTO NO ART. 40, § 19, DA CF – NATUREZA JURÍDICA – VERBA REMUNERATÓRIA – IMPOSTO DE RENDA – INCIDÊNCIA. 1. A Corte Especial deste Tribunal entende não ser necessária a menção explícita aos dispositivos legais no texto do acórdão recorrido para que seja atendido o requisito de prequestionamento. 2. Discute-se nos autos a natureza jurídica, para fins de incidência de imposto de renda, da verba denominada abono de permanência cabível ao servidor que, completado as exigências para aposentadoria voluntária, opte por permanecer em atividade. 3. É faculdade do servidor continuar na ativa quando já houver completado as exigências para aposentadoria voluntária. A permanência em atividade é opção que não denota supressão de direito ou vantagem do servidor e, via de consequência, não dá ensejo a qualquer reparação ou recomposição de seu patrimônio. 4. O abono de permanência possui natureza remuneratória por conferir acréscimo patrimonial ao beneficiário e configura fato gerador do imposto de renda, nos termos termos do artigo 43 do Código Tributário Nacional. Recurso especial improvido. (REsp 1.105.814/SC, 2ª Turma, Rel. Min. Humberto Martins, DJe de 27.5.2009).
A CRISE BRASILEIRA e a PEC 139/2015
Em 2015, o Brasil enfrentou a sua pior crise política, econômica e financeira desde a década de 1990.
Vários foram os motivos que levaram a recessão econômica. Pode-se destacar, sobretudo, a desaceleração do crescimento da China, principal responsável pelas exportações de matérias-primas brasileiras (minério de ferro, soja e petróleo), o que gerou exorbitante queda dos preços das commodities. O setor industrial reduziu drasticamente os seus investimentos, devido à desaceleração da economia mundial, sendo reconduzido o setor ao nível de 2009, quando o mundo se recuperava da crise financeira internacional.
Na política, a crise é agravada pela queda de braço entre o governo Dilma Rousseff e o Congresso Nacional (liderado por Eduardo Cunha, Presidente da Câmara dos Deputados). Some-se a esse embate político a Operação Lava Jato, investigação da Polícia Federal sobre a corrupção na Petrobras, atingidos políticos considerados medalhões nacionais (vários Ministros, Deputados e Senadores, em sua maior parte componentes dos partidos PT e PMDB, que formavam a base do governo federal).
Eis que neste cenário de crise, o governo federal, através do Ministro do Planejamento à época – Nelson H Barbosa, propôs projeto de emenda nº 139 de 2015, sob o pretexto de enxugar a máquina pública. Pois bem, segundo este projeto, revogam-se os dispositivos constitucionais relativos ao abono de permanência, in verbis:
PEC 139/2015, Art. 1º Ficam revogados:
I - o § 19 do art. 40 da Constituição; e
II - o § 5º do art. 2º e o § 1º do art. 3º da Emenda Constitucional nº 41, de 19 de dezembro de 2003.
Segundo dados constantes na própria exposição de motivos da PEC 139/2015, em 1991 o quadro de servidores públicos civis do Poder Executivo Federal contava com 661.996 servidores. Devido a aposentadorias precoces, o que deu ensejo à instituição do abono de permanência, em 2002 o quadro de servidores federais do Poder Executivo foi reduzido a 530.662. Por sua vez, após mais de 10 anos da criação do instituto, em 2014 o quadro de servidores públicos federais ativos do Poder Executivo foi incrementado para o quantitativo de 705.516[2].
Em termos absolutos, houve aumento de 32,95% do quantitativo de servidores públicos civis federais do Poder Executivo, comparados os anos de 2002 e 2014. Por óbvio, o abono de permanência exerceu forte influência, favoravelmente.
Com base nesse incremento, o Ministro do Planejamento à época, Nelson H Barbosa, chegou à conclusão que o perfil quantitativos dos servidores públicos civis da União já não exigiria estímulos especiais à permanência do servidor na ativa, o que permitiria ainda natural efeito renovador no serviço público federal.
Segundo aquele Nelson Barbosa, pouco mais de 1 bilhão de reais seriam economizados imediatamente, com a extinção do abono de permanência. Tal fato seria relevante como medida de combate à crise econômica financeira do País e, por isso, foi proposta a PEC 139/2015.
Eis que surge a seguinte indagação: não seria contraditório que em 2002 o instituto fora criado para gerar economia ao erário, enquanto que, em 2015, intenciona-se extingui-lo pelo mesmo pretexto de economia? Se sim, qual o real motivo para o governo propor a revogação do abono?
Pois bem, sob o cenário de crise no País, o governo procurou soluções imediatistas, como é do costume dos mandatários brasileiros de “jogar a bola para frente”, ou seja, fazer com que o problema repercuta no próximo governante. Trata-se de medida irresponsável e, por óbvio, prejudicial aos interesses da população, que sempre “paga o pato”.
Não se ignoram algumas mudanças convenientes que ocorreram, como por exemplo a reforma previdenciária, em especial no tocante às pensões por morte (MP 664/2014, convertida na Lei 13.135/2015).
No caso da PEC 139/2015, a extinção do abono de permanência ensejaria imediata e significativa economia de recursos públicos, haja vista que muitos são os servidores públicos ativos sob abono (cerca de 101 mil servidores). Estima-se que a economia gerada prontamente seria superior a 1 bilhão de reais.
Todavia, é claro que o fim do abono de permanência implicaria na saída por aposentadoria desses 101 mil servidores e, consecutivamente, defasagem grande aos já carentes quadros de pessoal nos diversos órgãos públicos. Chegaríamos a quantitativo de pessoal inferior àquele do ano de 1991. Nesse caso, os serviços públicos poderiam sentir significativamente o baque, em especial os essenciais como saúde, segurança e educação.
Pior, para repor essa perda e recuperar o prejuízo, seria necessária a admissão de novos servidores públicos, através da realização de concursos públicos e movimentação de toda a máquina pública para tal.
Ou seja, a curto ou médio prazo, a suposta economia seria superada pelo incremento das despesas com a realização de certames e a contratação de novos servidores públicos em substituição aos antigos inativos. Dessa maneira, o governo pagaria concomitantemente proventos de aposentadoria e remuneração de servidores ativos para recompor os quadros de pessoal dos diversos órgãos públicos. Ocorre que, como dito acima, esse problema seria postergado para os próximos governantes, às custas do erário e de toda a sociedade.
Não se está a afirmar que o fim do abono de permanência seja inconveniente, mas sim que os motivos expostos para a PEC 139/2015 não refletem a realidade. Em verdade, a extinção do instituto pode até ser positiva sob outros aspectos, dentre eles a baixa produtividade dos antigos servidores em relação aos mais novos (imagine que um servidor recém ingresso pode produzir 2 ou até 3 vezes mais que um antigo, com tempo para se aposentar), o que inclusive poderia ser solucionado por avaliações de desempenho efetivas, suficientes para premiar os bons e punir os maus servidores públicos.
Ora, se o governo pretende extinguir o instituto, deve fazer uma análise precisa dos benefícios e malefícios e, sobretudo, ponderar com responsabilidade os interesses envolvidos. O que não se admite, absolutamente, é a política imediatista e irresponsável, que posterga o problema para os mandatários sucessores e, diretamente, para toda a população futura.
CONCLUSÃO
Assim, conclui-se que a PEC 139/2015 é um projeto embasado sob motivos imediatistas, cujo fim é de auxiliar o País a superar crise financeira da época, mas que a curto e médio prazos implicará graves prejuízos para a sociedade brasileira.
Sem dúvidas, a motivação política que ensejou a proposta de emenda é inadequada, de forma que a PEC 139/2015 deve ser combatida. Não se concebe mais que os governantes adotem medidas imediatistas que gerem danos graves à sociedade, os quais necessitarão ser solucionados pelos futuros mandatários.
A crise que passa o País desde 2015 deve ser enfrentada com muita responsabilidade, ponderados os interesses envolvidos para a tomada de decisão, mais ainda quando se trata de instituto cujo impacto negativo pode ser enorme.
Ademais, pode o governo lançar mão de avaliações de desemprenho efetivas, que retratem a eficiência e a produção individual dos servidores (sejam novos ou antigos), como foi referido neste texto, mas sem aprofundamento para não fugir do foco sobre o tema estudado.
[1] http://www2.camara.leg.br/camaranoticias/noticias/ADMINISTRACAO-PUBLICA/496752-PEC-PREVE-O-FIM-DO-ABONO-DE-PERMANENCIA-PARA-SERVIDOR-QUE-PODERIA-SE-APOSENTAR.html
[2] http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=ECC7C71434B2680BDCF8FEBD2359E263.proposicoesWebExterno2?codteor=1389396&filename=PEC+139/2015
Bacharel em Direito pela Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP), ocupa o cargo de Advogado da União (AGU) desde 2013, aprovado e nomeado anteriormente em outros cargos públicos de relevo, como Procurador da Fazenda Nacional (PGFN - concurso 2012), Analista Judiciário do Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE - concurso 2007), dentre outros.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CARVALHO, Rodrigo Pimentel de. O abono de permanência e a PEC 139/2015 Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 07 nov 2016, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/47750/o-abono-de-permanencia-e-a-pec-139-2015. Acesso em: 23 dez 2024.
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