Tramita no Congresso Nacional importante projeto de lei que institui medida administrativa de desembarque compulsório de passageiro do transporte coletivo rodoviário no caso de recusa em utilizar o cinto de segurança.
Este projeto de n.º 481/2013 encontra-se no Senado Federal aguardando designação de relator para a matéria. https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/115329.
A mudança da legislação faz-se necessária em razão da ausência de efetividade da atual norma jurídica que rege a matéria, como se pode perceber, da seguinte matéria jornalística, que infelizmente reflete algo corriqueiro em nosso país:
“Apenas 2% dos passageiros usam cinto de segurança em ônibus, diz ANTT
O grave acidente envolvendo um ônibus na rodovia Régis Bittencourt na madrugada deste domingo que deixou pelo menos 16 mortos coloca em discussão, mais uma vez, a importância do uso de cinto de segurança em transportes coletivos. Uma pesquisa feita pela Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) em dezembro do ano passado indicou que apenas 2% dos passageiros de ônibus intermunicipais e internacionais usam o cinto de segurança durante as viagens. Em caso de acidente, o equipamento diminui a possibilidade de morte em até 75%.
Um dos sobreviventes, o motorista que conduzia o ônibus, saiu com poucos ferimentos após o veículo capotar em uma ribanceira de 30 metros, na Grande São Paulo. Diferentemente dos passageiros, o profissional que conduz o ônibus pode ser multado, com o veículo em movimento, pela falta do equipamento de segurança.
“Embora as empresas zelem pelo estabelecido pela agência reguladora no sentido de avisar sobre o uso do cinto de segurança, apenas 2% dos passageiros transportados realmente afivelam o cinto durante toda a viagem”, disse a ANTT ao divulgar o levantamento considerado preocupante.
Segundo o órgão, mesmo sabendo da importância do equipamento, o brasileiro ainda não incorporou o hábito de usar o cinto. “Enquanto, no transporte aéreo, nós já temos a cultura de que, quando estivermos sentados na poltrona do avião temos que ter o cinto afivelado, usar o cinto em transporte de ônibus ainda é um grande desafio de toda sociedade brasileira”, explicou o superintendente de Fiscalização da ANTT, Nauber Nascimento.
In https://noticias.terra.com.br/brasil/transito/apenas-2-dos-passageiros-usam-cinto - de - seguranca - em - onibus - diz- antt, 8710fd2ee6f13410 VgnVCM10000098cceb0aRCRD.html
Capítulo XV - DAS INFRAÇÕES
Art. 167
Deixar o condutor ou passageiro de usar o cinto de segurança, conforme previsto no art. 65:
Infração - grave;
Penalidade - multa;
Medida administrativa - retenção do veículo até colocação do cinto pelo infrator.
Capítulo III - DAS NORMAS GERAIS DE CIRCULAÇÃO E CONDUTA
Art. 65
É obrigatório o uso do cinto de segurança para condutor e passageiros em todas as vias do território nacional, salvo em situações regulamentadas pelo CONTRAN.
Neste caso, a futura norma, caso seja aprovada nos termos em que foi proposta, alterará o CTB – Código de Trânsito Brasileiro para, em prol de uma maior efetividade jurídica, instituir medida administrativa de desembarque compulsório de passageiro do transporte coletivo rodoviário, no caso de recusa em utilizar o cinto de segurança.
Assim sendo, os artigos 167 e 269 do CTB – Código de Trânsito Brasileiro terão a seguinte redação, de acordo com a proposta:
Art. 167. Deixar o condutor ou passageiro de usar o cinto de segurança, conforme previsto no art. 65:
Infração – grave;
Penalidade – multa;
Medida administrativa – retenção do veículo até colocação do cinto pelo infrator ou desembarque compulsório do passageiro infrator de veículo de transporte coletivo rodoviário.
Parágrafo primeiro - O desembarque compulsório será realizado pelo agente de trânsito em local que permita hospedagem ou a utilização de transporte individual, e far-se-á somente quando o passageiro infrator se recursar, apesar de advertido, a usar o cinto de segurança.
Parágrafo segundo – A disposição do parágrafo antecedente não se aplica aos serviços intermunicipais ou interestaduais de pequena distância, com características urbanas ou semiurbanas, que fazem a ligação de localidades próximas, segundo definição dos respectivos órgãos concedentes em atos normativos.
Art. 269.
XII – desembarque compulsório de passageiro de transporte coletivo rodoviário.
Vê-se que a alteração legislativa tem por objetivo preservar a vida e a integridade física dos passageiros que utilizam o transporte coletivo rodoviário.
A proposta cria a sanção administrativa de desembarque obrigatório ao passageiro que injustificadamente recusar utilizar o cinto de segurança disponível em seu assento.
Tal medida possui o escopo de resguardar a integridade física e a própria vida de milhares de passageiros dos ônibus que circulam pelas estradas brasileiras.
É possível asseverar que a sociedade brasileira tem muito a ganhar com a regulamentação da matéria, a qual é absolutamente necessária e certamente trará repercussões positivas para todos os cidadãos.
A principal vantagem na adoção da medida está na redução dos danos de natureza grave causados nos acidentes rodoviários envolvendo os passageiros do transporte rodoviário.
A propósito, observa-se que o aludido projeto de lei não padece de inconstitucionalidade formal por vício de iniciativa ou competência, porquanto o assunto disciplinado, referente à instituição de medida administrativa de desembarque compulsório de passageiro de transporte coletivo rodoviário, no caso de recusa a usar o cinto de segurança, é matéria de competência da União conforme artigo 22, incisos IX e XI da Constituição Federal:
Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:
IX - diretrizes da política nacional de transportes;
Neste desiderato, é imperioso ressaltar que a proposição não se inclui no rol das matérias legislativas de iniciativa reservada ou mais especificamente privativa do Poder Executivo ou outros legitimados privativos, podendo ser proposta por qualquer membro do Senado da República, conforme previsto no art. 61, § 1º, da Constituição Federal, verbis:
“Art. 61. A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou Comissão da Câmara dos Deputados, do Senado Federal ou do Congresso Nacional, ao Presidente da República, ao Supremo Tribunal Federal, aos Tribunais Superiores, ao Procurador-Geral da República e aos cidadãos, na forma e nos casos previstos nesta Constituição.
Igualmente, a referida proposta legislativa não ofende materialmente a Constituição Federal garantindo a implementação dos ditames constitucionais previstos referentes ao direito de ir e vir do cidadão, às normas relativas ao trânsito, mais especificamente ao direito ao trânsito seguro, o respeito ao direito do consumidor e aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade.
Como se observa, a alteração legislativa não conflita com o texto da Constituição Federal, ao definir uma exigência comportamental ao cidadão para que exerça seu direito de ir e vir através do transporte coletivo de forma segura.
Não há qualquer inconstitucionalidade em dispositivos legais que visem aumentar a segurança dos cidadãos que utilizam transporte rodoviário.
A medida visa responsabilizar cada um dos passageiros pelo cumprimento da lei que obriga o uso do cinto de segurança disponível em seu assento.
É uma ação que contribuirá em muito para resguardar a integridade física e a própria vida de milhares de passageiros reduzindo os ferimentos graves e óbitos pelo aumento da percentagem de usuários que utilizarão o cinto de segurança.
O trânsito seguro deve garantir o direito de todos a ir e vir de forma segura.
Dessa forma, a segurança indispensável ao exercício da liberdade de circulação em condições seguras é o pilar fundamental da atividade reguladora do Estado, visando proteger a vida e a integridade física dos cidadãos que fazem uso das vias terrestres.
Exatamente nessa linha de raciocínio, o legislador do Código de Trânsito Brasileiro fez constar do art. 1º, §2º, da Lei de Trânsito, a expressa referência ao princípio do Trânsito em Condições Seguras, verdadeira norma-princípio que rege a interpretação e aplicação de toda a legislação de trânsito brasileira:
“O trânsito, em condições seguras, é um direito de todos e dever dos órgãos e entidades componentes do Sistema Nacional de Trânsito, a estes cabendo, no âmbito das respectivas competências, adotar as medidas destinadas a assegurar esse direito.”
O princípio citado deve ser entendido em consonância com os dispositivos constitucionais do art. 5º, inc. XV e do art. 144, da Carta Magna da República:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
XV - é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens;
Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:
Não há como deixar de considerar a necessidade de afirmação do Trânsito Seguro como um direito fundamental e ao mesmo tempo um dever do Estado e de toda a sociedade a todos imposto, pois, no conceito de Estado, todos nós integramos o elemento humano indispensável a sua existência.
A segurança do consumidor, nos termos do art. 5.o, XXXII da Carta Magna, pelo qual, “o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor”, inclusive daquele que utiliza o transporte rodoviário exige que o mesmo utilize o cinto de segurança, na forma da legislação citada retro, como se pode perceber da seguinte orientação do CNJ – Conselho Nacional de Justiça:
Segurança - O passageiro tem o direito de usufruir da poltrona de um ônibus com as mesmas condições especificadas no bilhete de passagem, e de ser transportado com segurança, pontualidade, higiene e conforto, do início até o fim do trajeto. Também é direito do passageiro ser atendido com educação pelos prestadores do serviço, o que inclui receber informações, se solicitado, a respeito do tempo de viagem, distância, trajeto, pontos de parada e características do veículo.
Deveres do passageiro – Os passageiros têm o dever de chegar com antecedência ao ponto de embarque, portar o bilhete de passagem e documento original e se identificar quando solicitado. Não é permitido viajar em estado de embriaguez e caso seja portador de doença contagiosa que coloque em risco a saúde dos demais passageiros. O passageiro tem o dever de não transportar artefatos que apresentem riscos aos demais usuários, não fazer uso de aparelho sonoro sem os fones de ouvido e não fumar no veículo. Outros deveres são usar o cinto de segurança e não arremessar lixo dentro ou fora do veículo.
In http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/82851-cnj-servico-conheca-os-direitos-dos-passageiros-de-transporte-rodoviario
Neste caso, não está a se obstruir o direito do consumidor à prestação do serviço de transporte rodoviário, mas sim garantindo que o mesmo aconteça em respeito aos mandamentos legais que regem a matéria em questão.
Como é sabido, para ser transportado o consumidor deve cumprir os seus mais comezinhos deveres, entre eles está o de usar o cinto de segurança.
Além disso, o desembarque compulsório somente pode ser admitido desde que respeite, além dos já citados, os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade da medida.
Na vida em sociedade, agir com razão e ser razoável nas decisões, o que é algo benéfico para o cidadão e toda a sociedade. Neste sentido, a Constituição brasileira acolhe a razoabilidade como princípio a ser seguido. O razoável é o conforme a razão, racionável, que apresenta moderação, lógica, aceitação, sensatez. A razão implica em conhecer e bem julgar, tem a ver com a prudência, as virtudes morais e o senso comum.
Sob o estrito critério jurídico, para ser considerada razoável a norma deve ser interpretada sob os aspectos qualitativos, para saber se a medida atinge os fins pretendidos com bom senso, prudência e sem excessos desnecessários.
Assim sendo, a alteração legislativa mostra-se razoável juridicamente por que é capaz de efetivamente aumentar os índices de utilização do cinto de segurança pelos passageiros do transporte coletivo sem prejudicar os demais passageiros, a empresa e o motorista, tornando cada cidadão usuário do transporte coletivo parte da solução e não do problema.
Ademais, em caso do passageiro, apesar de regularmente advertido, recusar-se a utilizar o cinto de segurança o desembarque compulsório revela-se uma medida lógica, pois aquele que não cumpre com os deveres de passageiro, entre eles o de respeitar as normas de trânsito, não pode exigir o cumprimento do contrato de transporte. O mesmo deve acontecer com o passageiro que, por exemplo, se embriaga ou insiste em escutar som alto durante a viagem, tornando-se inconveniente aos demais.
Neste diapasão, impinge ressaltar que o consumidor do serviço de transporte rodoviário deve adimplir suas obrigações mínimas para poder usufruir dos serviços da empresa de transporte rodoviário, como: chegar no horário, pagar a tarifa, identificar-se, possuir idade mínima para viajar sem autorização, respeitar as regras da boa convivência, de higiene, as normas de trânsito, etc...
Para que seja proporcional a alteração legislativa ela deve ser adequada, por ser o meio compatível com o fim colimado; exigível, não havendo outro meio menos gravoso ou oneroso para alcançar o fim público, ou seja, deve ser o que causa o menor prejuízo possível para os indivíduos e proporcional em sentido estrito, quando as vantagens obtidas superam as desvantagens.
Em relação a estes aspectos a regra é proporcional, pois não deixa o passageiro que se recusa a usar o cinto ao desamparo; exige expressa recalcitrância em descumprir a norma; somente é aplicável em viagens de longa distância; evita inúmeros prejuízos aos demais passageiros que cumprem a norma; de fato é a forma mais eficaz para diminuir consideravelmente os casos de ferimentos graves e mortes em caso de acidentes rodoviários; exige que o transportador informe e forneça todas as condições para o adequado uso do cinto de segurança; vem como forma de aprimoramento da atual legislação, que se mostrou ineficaz na redução do percentual de não utilização do cinto de segurança pelos usuários do transporte coletivo de longa distância e torna os cidadãos que utilizam o transporte rodoviário corresponsáveis pela sua própria segurança.
Por outro lado, a previsão de sanção administrativa de desembarque compulsório de passageiro do transporte coletivo rodoviário, no caso de recusa em utilizar o cinto de segurança nos veículos de transporte coletivo não implica por si em evidente violação do interesse público ou outro princípio positivado na Constituição Federal de 1988, pelo contrário, constitui medida efetivamente capaz de reduzir os vultosos prejuízos econômicos e sociais causados pela falta de utilização do cinto de segurança pelos usuários do transporte coletivo rodoviário em virtude dos graves ferimentos e óbitos que serão evitados pela adoção da proteção conferida pelo cinto de segurança.
Cumpre ainda destacar o mote principal desta medida que possui nítido cunho educativo, pois cumprirá aos agentes de trânsito competentes antes de promoverem ao desembarque compulsório esclarecer os usuários do transporte sobre as vantagens do uso do cinto de segurança enquanto passageiros.
Advogado da União, Mestre em Direito pela Universidade Mackenzie - SP e bacharel em direito pela Universidade Federal do Paraná.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: LOPES, Rodrigo Fernando de Freitas. O desembarque compulsório de quem se recusa a usar o cinto de segurança no transporte coletivo rodoviário. Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 08 nov 2016, 04:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/47757/o-desembarque-compulsorio-de-quem-se-recusa-a-usar-o-cinto-de-seguranca-no-transporte-coletivo-rodoviario. Acesso em: 23 dez 2024.
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