RESUMO: Este artigo visa discutir a decisão do Supremo Tribunal de Federal que impede que os prefeitos que tenham suas contas rejeitadas pelo parecer técnico dos Tribunais de Contas tenham suas candidaturas indeferidas nos pleitos eleitorais seguintes. Para tanto, é imperioso uma análise sobre o órgão do Tribunal de Contas, sua composição, finalidade, atribuições, e etc. Em seguida será feito um exame crítico, expondo a opinião deste autor a respeito da tese firmada pelo STF.
PALAVRAS-CHAVE: Tribunal de Contas; Supremo Tribunal Federal; Prefeito
ABSTRACT: This article aims to discuss the decision of the Federal Supreme Court that prevents that mayors who have their accounts rejected by the technical opinion of the Courts of Accounts have their candidacies rejected in the following election lawsuits. To do so, it is imperative to analyze the body of the Court of Auditors, its composition, purpose, attributions, and so on. Then a critical examination will be done, explaining the opinion of this author on the thesis signed by the STF.
KEYWORDS: Courts of Accounts; Federal Supreme Court; Mayors.
INTRODUÇÃO
O Supremo Tribunal Federal, nos RE 848826/DF e 729744/MG, e, em sede de repercussão geral, firmou entendimento no sentido de que as decisões dos Tribunais de Contas rejeitando as contas prestadas pelos prefeitos não são capazes de torná-los inelegíveis visto que não possuem caráter decisório, sendo meramente opinativas. Ademais, apenas a Câmara Municipal detém legitimidade para aprovar ou rejeitar as contas do prefeito.
Essa decisão é de suma importância uma vez que repercutirá nas próximas eleições e a Justiça Eleitoral não mais poderá indeferir o registro de candidatura daqueles que tiverem suas contas rejeitadas "apenas" pelo Tribunal de Contas.
1 DO TRIBUNAL DE CONTAS
O Tribunal de Contas é um órgão técnico previsto pela Constituição Federal que auxilia o Legislativo no controle externo tendo, dentre outras funções, a de fiscalização, emissão de pareceres, de controle e de julgamento.
Existem atualmente três tipos de Corte de Contas no Brasil, o Tribunal de Contas da União, TCU, o Tribunal de Contas Estadual, TCE, e o Tribunal de Contas Municipal, TCM.
O TCU possui 9 membros, chamados de Ministros, sendo 3 escolhidos pelo Presidente da República, com aprovação do Senado Federal, sendo 2 alternadamente dentre auditores e membros do Ministério Público junto ao Tribunal, indicados em lista tríplice pelo Tribunal, segundo critérios de antiguidade e merecimento; e 6 indicados pelo Congresso Nacional, segundo estabelece o art. 73, § 2º, da CF.
Por outro lado, o Tribunal de Contas Estadual é integrado por 7 componentes, chamados de Conselheiros, sendo que 4 devem ser escolhidos pela Assembléia Legislativa e 3 pelo Chefe do Poder Executivo estadual, cabendo a este indicar um dentre auditores e outro dentre membros do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas, e um terceiro à sua livre escolha, nos termos da Súmula 653, do Supremo Tribunal Federal.
Os Tribunais de Contas Municipais não podem mais ser criados após a promulgação da Constituição Federal de 1988 por expressa vedação legal do art. 31, § 4º, que diz: "É vedada a criação de Tribunais, Conselhos ou órgãos de Contas Municipais". Todavia, o art. 75, caput, afirma que "As normas estabelecidas nesta seção aplicam-se, no que couber, à organização, composição e fiscalização dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal, bem como dos Tribunais e Conselhos de Contas dos Municípios". Desta feita, utilizando-se da interpretação sistemática da Constituição Federal, chega-se à conclusão de que as Cortes de Contas municipais que já existiam antes da promulgação da CF de 1988, devem continuar a funcionar. É o caso do Tribunal de Contas da cidade São Paulo.
O Tribunal de Contas não é um órgão do Poder Legislativo, tampouco do Poder Judiciário, não sendo, portanto, subordinado a tais Poderes. Possui a prerrogativa da autonomia e do autogoverno, incluindo a reserva de iniciativa de instauração de processo legislativo que visa modificar a sua organização ou seu funcionamento.
Conforme ensina o Min. Celso de Mello:
os Tribunais de Contas ostentam posição eminente na estrutura constitucional brasileira, não se achando subordinados, por qualquer vínculo de ordem hierárquica, ao Poder Legislativo, de que não são órgãos delegatários nem organismos de mero assessoramento técnico. A competência institucional dos Tribunais de Contas não deriva, por isso mesmo, de delegação dos órgãos do Poder Legislativo, mas traduz emanação que resulta, primariamente, da própria Constituição da República (ADI 4.190, j. 10.03.2010).
Todavia, há autores que entendem que o Tribunal de Contas é órgão vinculado ao Poder Legislativo, embora reconheçam que não existe hierarquia entre eles. É a lição de Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo:
Os tribunais de contas são órgão vinculados ao Poder Legislativo, que o auxiliam no exercício do controle externo da administração pública, sobretudo o controle financeiro. Não existe hierarquia entre as cortes de contas e o Poder Legislativo (ALEXANDRINO; PAULO, 2015, p. 934).
A natureza jurídica dos atos praticados pelos tribunais de contas são meramente administrativas. Noutras palavras, suas decisões, seja auxiliando o legislativo, seja decidindo processos administrativos, não constituem coisa julgada haja vista que não exercem jurisdição, de modo que podem ser contestadas na via jurisdicional conforme o preceito constitucional do art. 5º, XXXV, "a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito".
O art. 71 da Carta Magna dispõe sobre as atribuições constitucionais do Tribunal de Contas da União, dentre as quais é possível destacar a apreciação das "contas prestadas anualmente pelo Presidente da República, mediante parecer prévio, que deverá ser elaborado em 60 dias a contar de seu recebimento"; o julgamento das "contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos das administração direta e indireta, incluídas as fundações e sociedades instituídas e mantida pelo Poder Público federal, e as contas daqueles que derem causa a perda, extravio ou outra irregularidade de que resulte prejuízo ao erário público"; a aplicação "aos responsáveis, em caso de ilegalidade de despesas ou irregularidades de contas, as sanções previstas em lei, que estabelecerá, entre outras cominações, multa proporcional ao dano causado ao erário".
Ressalte-se que a Súmula 347 do STF, prevê, ainda, que "o Tribunal de Contas, no exercício de suas atribuições, pode apreciar a constitucionalidade das leis e dos atos do Poder Público".
Por fim, é imperioso destacar que as competências imputadas ao TCU, dispostas no art. 71 da CF/88 são, via de regra, aplicadas também aos Tribunais de Contas Estaduais, empregando-se o princípio da simetria.
2 DO JULGAMENTO DO STF
No dia 10 de agosto de 2016, em sede de repercussão geral, o Supremo Tribunal Federal fixou as seguintes teses:
O parecer técnico elaborado pelo Tribunal de Contas tem natureza meramente opinativa, competindo exclusivamente à Câmara de Vereadores o julgamento das contas anuais do Chefe do Poder Executivo local, sendo incabível o julgamento ficto das contas por decurso de prazo (STF. Plenário. RE 729744/MG, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 10/8/2016).
Para os fins do art. 1º, inciso I, alínea "g", da Lei Complementar 64, de 18 de maio de 1990, alterado pela Lei Complementar 135, de 4 de junho de 2010, a apreciação das contas de prefeitos, tanto as de governo quanto as de gestão, será exercida pelas Câmaras Municipais, com o auxílio dos Tribunais de Contas competentes, cujo parecer prévio somente deixará de prevalecer por decisão de 2/3 dos vereadores (STF. Plenário. RE 848826/DF, rel. orig. Min. Roberto Barroso, red. p/ o acórdão Min. Ricardo Lewandowski, julgado em 10/8/2016).
Primeiramente, há de se analisar o art. 1º, I, g, da Lei Complementar 64/90, alterada pela Lei Complementar 135/2010, lei da ficha limpa, que prevê serem inelegíveis, para qualquer cargo, "os que tiverem suas contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas rejeitadas por irregularidade insanável que configure ato doloso de improbidade administrativa, e por decisão irrecorrível do órgão competente, salvo se esta houver sido suspensa ou anulada pelo Poder Judiciário, para as eleições que se realizarem nos 8 (oito) anos seguintes, contados a partir da data da decisão, aplicando-se o disposto no inciso II do art. 71 da Constituição Federal, a todos os ordenadores de despesa, sem exclusão de mandatários que houverem agido nessa condição".
Em assim sendo, a lei de inelegibilidade estabelece que o gestor que tiver suas contas reprovadas pelo órgão competente ficará inelegível nas eleições realizadas nos oito anos seguintes. A dúvida que surge neste momento é saber qual é o órgão responsável por julgar as contas do prefeito.
Segundo decidiu o STF, cabe a Câmara dos Vereadores o julgamento das contas do prefeitos, logo, o Tribunal de Contas apenas assessora a Câmara Municipal auxiliando-a com a emissão de um parecer prévio opinativo pela aprovação ou reprovação das contas do prefeito. Em seguida, este parecer é levado à Câmara dos Vereadores onde poderá deixar de prevalecer se por decisão de 2/3 dos membros da Casa Legislativa Municipal, são os dizeres do art. 31, § 2º, da Lei Máxima brasileira.
Por conseguinte, a Justiça Eleitoral só pode considerar o prefeito inelegível para as eleições seguintes, após o julgamento da Câmera de Vereadores desaprovando suas contas.
O Professor Márcio André Lopes Cavalcante ensina:
A Constituição conferiu ao Poder Legislativo a função de controle e fiscalização das contas do chefe do Poder Executivo. Esta é uma função típica do Legislativo, ao lado da função legiferante. Isso se deve ao fato de que cabe a um Poder fiscalizar o outro. Esta fiscalização se desenvolve por meio de um processo político-administrativo, que se inicia no Tribunal de Contas, que faz uma apreciação técnica das contas e emite um parecer. No entanto, a decisão final cabe ao Poder Legislativo (Informativo 834-STF (23/08/2016) – Esquematizado por Márcio André Lopes Cavalcante, p. 4).
No entendimento da Corte Máxima do Brasil, a Câmara Legislativa do município é composta por representantes do povo de forma que a legitimidade para julgamento das contas do prefeito é advinda da soberania popular e referendada pela Constituição Federal, nos termos do art. 31, caput, "A fiscalização do Município será exercida pelo Poder Legislativo Municipal, mediante controle externo, e pelos sistemas de controle interno do Poder Executivo Municipal, na forma da lei".
Destarte, o STF decidiu que o prefeito deve prestar suas contas ao Tribunal de Contas. A Corte de Contas, por sua vez, aprecia e emite um parecer opinativo sobre as contas prestadas pelo prefeito. Em seguida, este parecer é encaminhado à Câmara Municipal, que poderá aceitar ou rejeitar as conclusões do Tribunal de Contas.
Para rejeitar a decisão do Tribunal de Contas, a Câmara Legislativa Municipal deve ter o voto de 2/3 dos vereadores, isto é, exige-se um quorum qualificado de votação, somente podendo o parecer da Corte de Contas ser derrubada por, no mínimo, 2/3 dos votos dos vereadores.
A última conclusão extraída do julgamento em repercussão geral do Supremo Tribunal Federal se refere aos casos em que o Tribunal de Contas emite parecer pela rejeição das contas do prefeito, a Câmara Municipal não delibera sobre esta decisão, quando chegado o período eleitoral, os prefeitos solicitam à Justiça Eleitoral seus registros de candidaturas para outros cargos eletivos.
De acordo com a decisão do Supremo, enquanto a Câmara de Vereadores não julgar as contas do prefeito, não há rejeição, e não havendo a desaprovação das contas, o prefeito pode registrar sua candidatura para outros cargos eletivos. Mesmo que a Câmara Legislativa se omita na apreciação das contas, não se pode considerar que estas foram rejeitas, haja vista que o parecer elaborado pelo Tribunal de Contas é meramente opinativo, não havendo caráter decisório.
O STF afirmou que, para estes casos, deve-se adotar uma interpretação sistemática do art. 31 com o art. 71 da Constituição Federal, concluindo que o único responsável pelo julgamento das contas do prefeito é a Câmara de Vereadores, noutras palavras, cabe ao Poder Legislativo o julgamento das contas do Chefe do Poder Executivo.
Nas preciosas lições do Professor Márcio André Lopes Cavalcante:
A interpretação de que o parecer do Tribunal de Contas é conclusivo e produz efeitos imediatos e permanentes caso a Câmara Municipal não o examine no prazo ofende a regra do art. 71, I, da CF/88. Além disso, haveria uma espécie de julgamento ficto das contas, o que não é permitido pelo ordenamento jurídico por dois motivos: 1) isso representaria uma delegação ao Tribunal de Contas, órgão auxiliar, de uma competência constitucional que é própria das Câmaras Municipais; 2) estaria sendo criada uma sanção aos Prefeitos pelo decurso de prazo, punição esta inexistente na Constituição (Informativo 834-STF (23/08/2016) – Esquematizado por Márcio André Lopes Cavalcante, p. 7).
3 ANÁLISE CRÍTICA SOBRE A DECISÃO DO STF
Embora a decisão do STF seja perfeita sob o ponto de vista técnico dos argumentos apresentados, é possível inferir outra conclusão à decisão, também consentânea com a Constituição Federal e legislações correlatas e bem mais coerente com a realidade social hoje vivenciada e com os princípios da segurança jurídica, da moralidade, da eficiência e da não impunidade.
Primeiramente, há de se destacar que o art. 71 da Constituição Federal trata-se de norma genérica aplicada ao Tribunal de Contas da União, TCU, que será aplicada aos Tribunais de Contas Estaduais "no que couber", segundo inteligência do art. 75, caput, da CF/88. Logo, há dispositivos presentes na Seção IX, do Capítulo I, Título IV, da CF que se referem apenas ao TCU, seja por impossibilidade jurídica de aplicação aos TCE's, seja por haver norma específica regulamentando o Tribunal de Contas Estadual.
É neste sentido que se inclui o art. 31, § 2º, da Constituição Federal, uma vez que trata-se de uma norma específica relacionada aos Tribunais de Contas Estaduais, que dispõe: "O parecer prévio, emitido pelo órgão competente sobre as contas que o Prefeito deve anualmente prestar, só deixará de prevalecer por decisão de dois terços dos membros da Câmara Municipal".
Destarte, o conflito aparente de normas é resolvido pelo critério da especialidade, onde a lex specialis derogat legi generali (a lei especial derroga a lei geral).
Entendido este ponto, cabe analisar o § 2º do art. 31 da CF/88 mais atentamente refutando uma interpretação sistemática tendo em vista que se refere a uma regra específica.
Desta feita, quando o dispositivo afirma que o parecer prévio emitido pelo Tribunal de Contas "só deixará de prevalecer por decisão de 2/3 dos membros da Câmara Municipal", anuncia um sentido vinculante à sua decisão de modo que, para retirar-lhe a eficácia, ser-lhe-ia necessário um quórum qualificado de 2/3 dos vereadores. Caso contrário, o parecer continuaria eficaz, gerando todos os efeitos a partir de sua edição.
É este o sentido alcançado pela interpretação literal do texto. Ademais, a Lei não traz termos inúteis e porque não se pode ignorar diretriz traçada pela Constituição Federal , resta óbvio que a decisão emitida pelo Tribunal de Contas gera a presunção de que as contas do prefeito estão maculadas pela ilegalidade. Cessando a eficácia, porém, se e quando apreciado e rejeitado por deliberação de 2/3 da Câmara Municipal.
Esta interpretação se mostra mais consentânea com a realidade vivenciada nos municípios do país onde o interesse político geralmente prevalece sobre o interesse público, estimulando a inércia do Poder Legislativo Municipal que podem permanecer anos sem julgar as contas de um prefeito mesmo que já exista um parecer técnico opinativo pela sua rejeição.
Outrossim, esta decisão do STF permitirá que vários prefeitos responsáveis por gestões desastrosas e até mesmo criminosas continuem a se perpetuar na vida pública, dilapidando o patrimônio público e ameaçando o bem estar da população, principalmente das menos favorecidas.
CONCLUSÃO
O julgamento do Supremo Tribunal Federal foi apertado, 6x5. Os Ministros Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes, Edson Fachin, Cármen Lúcia, Marco Aurélio e Celso de Mello votaram no sentido de que as contas dos prefeitos só podem ser julgadas e, por conseguinte, rejeitadas, pelo Poder Legislativo Municipal. Os Ministros Luis Roberto Barroso, Teori Zavascki, Rosa Weber, Luiz Fux e Dias Toffoli votaram pela competência dos Tribunais de Contas para julgar as contas dos prefeitos. A tese dos Tribunais de Contas e do Ministério Público Eleitoral acabou refutada pela maioria dos ministros.
Resta confiar no bom senso dos membros das Câmaras Municipais para que não permaneçam inertes diante da irresponsabilidade administrativa de vários prefeitos e que possam proceder aos julgamentos de forma técnica e com isenção.
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Oficial de Justiça no Tribunal de Justiça de Pernambuco desde 2012. Bacharel em Direito na Universidade Estadual da Paraíba (2011). Especialista em Direito Penal pela Damásio Educacional (2014).
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BORGES, Ednaldo Moscoso. Decisão do STF sobre o julgamento das contas dos Prefeitos Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 24 nov 2016, 04:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/47843/decisao-do-stf-sobre-o-julgamento-das-contas-dos-prefeitos. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: LEONARDO RODRIGUES ARRUDA COELHO
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