ANTÔNIA MARIA DA SILVA (orientadora): Professora do Curso de direito da Faculdade Serra do Carmo
RESUMO: A violência contra a mulher é um assunto que deve ser tratado com um cuidado um pouco maior. O dito sexo frágil possui uma discriminação histórica desde os primórdios da humanidade, porém com a publicação da Lei Maria da Penha houve um maior resguardo dos direitos e da proteção da mulher vítima de violência, preservando sua integridade física, moral e mental e assegurando uma melhora na qualidade de vida. O presente trabalho abordará o histórico de violência contra a mulher e apontará os mecanismos de proteção das vítimas de violência doméstica.
Palavras-chave: Violência. Mulher. Proteção. Lei Maria da Penha.
ABSTRACT: Violence against women is a subject that should be treated with a little more care, said weaker sex has a historical discrimination since the dawn of humanity, but with the publication of the Maria da Penha Law was a bigger guard the rights and protection of women victims of violence, preserving the physical, moral and mental them and ensuring a better quality of life, this paper will address the history of violence against women, pointing out the mechanisms of protection of victims of domestic violence.
Keywords: Violence. Woman. Protection. Maria da Penha Law.
INTRODUÇÃO
O presente trabalho tem por objetivo demonstrar como a mulher foi vítima de uma evolução histórica de discriminação e violência, e quais são as medidas que podem resguardá-las.
Para efetivar o entendimento quanto a temática, será abordado na primeira parte do trabalho, a violência doméstica e a relação que tem com o gênero feminino. A Lei Maria da Penha prevê e protege diversas formas de violência.
Na segunda parte será descrito a condição da mulher descrito na Constituição Federal, apontando os direitos e garantias dispostos e as proteções também ali dispostas.
E na última, serão abordadas as medidas protetivas de urgência dispostas com maior ênfase na Lei Maria da Penha, pois a mesma visou criar uma rede de proteção e tratamento dados às vítimas de violência.
Para elaboração do presente trabalho foi realizado pesquisa bibliográfica, em artigos publicados na internet e matérias de jornal, bem como uma análise da legislação vigente relacionada ao tema.
1 VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E A QUESTÃO DE GÊNERO
A respeito da violência doméstica e familiar, inicialmente cumpre destacar os efeitos da lei 11.340/06, em seu artigo 5º:
Configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial: I – no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas; II – no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa; III – em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação.
Nesse sentido, cabe ressaltar que o artigo 5° é um rol taxativo sobre o que se configura violência doméstica, mencionando que a questão da violência doméstica e familiar conta a mulher é baseada no gênero. Porém, é necessário que se tenha a compreensão de que a Lei 11.340/06, Lei Maria da Penha, não abrange toda e qualquer violência doméstica contra mulher, pois exige conduta baseada no gênero.
Assim, o doutrinador NUCCI, 2007, assinala:
Interpretar o mencionado artigo 5º, ignorando a exigência da relação de gênero para qualificar a conduta ou simplesmente atribuir ao termo gênero o mesmo significado de mulher, violaria o princípio constitucional da igualdade de sexos, pois ‘o simples fato de a pessoa ser mulher não pode torná-la passível de proteção penal especial’ (NUCCI, 2007:1043). Enfim, sob pena de inconstitucionalidade, violência doméstica não se confunde com violência de gênero (NUCCI, 2007 p.1043).
Logo, violência doméstica não se confunde com violência de gênero, sendo que, por caráter discriminatório, a mulher é vítima de ambas as diferenças, sejam domésticas ou de gênero.
Nesse ínterim, a redação do artigo 5º da Lei 11.340 de 2006 versa que gênero não é definido somente por critérios biológicos. Diante disso, a terminologia gênero não se confunde com sexo.
Em outra sistemática, deixando de lado a essência biológica, gênero é usado nas ciências sociais para designar a construção social do masculino e feminino. A grande percursora desse conceito foi Simone Beauvoir, que resumiu todos os seus fundamentos na célebre frase: “Ninguém nasce mulher, mas se torna mulher. ” (BEAUVOIR, 1949 p.09).
O mito de que a mulher possui fragilidade física não é biológico e sim cultural, tendo em vista que esse fator evidencia em várias perspectivas as diferenças que assinalam a desigualdade entre homem em mulher. A título de exemplo pode-se dizer que a cultura aponta os lugares da mulher dentro do lar, ou seja, cuidando de afazeres domésticos e filhos e submissa ao homem.
TELES e MELO (2003), ensinaram sobre o termo gênero da seguinte maneira:
O termo gênero, então, é utilizado para: “demonstrar e sistematizar as desigualdades socioculturais existentes entre mulheres e homens, que repercutem na esfera da vida pública e privada de ambos os sexos, impondo a eles papéis sociais diferenciados que foram construídos historicamente, e criaram polos de dominação e submissão. Impõe-se o poder masculino em detrimento dos direitos das mulheres, subordinando-as às necessidades pessoais e políticas dos homens, tornando-as dependentes. (TELES e MELO, 2003 p.16)
Portanto, é a cultura que determina o comportamento que se espera do homem e da mulher na sociedade, cumprindo à mulher, inserida em ambiente machista, ser dedicada, agir conforme a vontade do seu companheiro e no caso de transgredir qualquer norma imposta por este, o mesmo se sente autorizado ideologicamente à castigá-la para que ela cumpra seu papel e volte para as atividades e comportamentos aos quais lhe são impostos.
Partindo dessa premissa, quando o homem age dessa maneira, realiza condutas baseadas no gênero. Por ser dirigida contra todas as mulheres, a violência estigmatizou um sinal no corpo e alma da mulher.
Ainda acerca da submissão da mulher à violência e às condições degradantes, TELES e MELO, relatam: “É como se alguém tivesse determinado que se nem todas as mulheres foram espancadas ou estupradas ainda, poderão sê-lo qualquer dia desses. Está escrito em algum lugar, pensam”. (TELES E MELO, 2003, P.11)
No Brasil, a violência doméstica contra mulher é observada como questão instruída no gênero, pelo fato da cultura machista ainda ser enraizada. Logo, o comportamento do homem em relação à mulher, é de como se estivesse em seu direito, ainda que agredindo a companheira, ao passo que a mulher se sente muitas vezes culpada pelas agressões.
No sentido de proteção à mulher, foram criadas no Brasil, as Delegacias Especializadas no Atendimento à Mulher (DEAM) vítima de violência doméstica.
É categórica a cobrança pelo cumprimento do que papel que a sociedade impôs a mulher, papel esse concebido como função do gênero:
A prática da violência doméstica e sexual emerge nas situações em que uma ou ambas as partes envolvidas em um relacionamento não cumprem os papéis e funções de gênero imaginadas como naturais pelo parceiro. Não se comportam, portanto, de acordo com as expectativas e investimentos do parceiro, ou qualquer outro ator envolvido na relação. (TELES e MELO, 2003 p.19).
Diante do comportamento não esperado pelo parceiro, a mulher acaba se tornando vítima de violência doméstica em situações de seu cotidiano, tais como: homens que matam mulheres por não aceitar separação ou que as espancam, ameaçam para impor respeito. Logo, resta claro que esse fato caracteriza conduta baseada no gênero para os efeitos da Lei n.°11.349/06.
Contudo, chega-se à conclusão de que a Lei Maria da Penha não abarca toda e qualquer violência doméstica ou familiar contra a mulher, somente abrange aquela que pode ser qualificada como violência de gênero, ou seja, agressões motivadas não apenas por questões relativamente pessoais, expressando posições de dominação do homem e subordinação da mulher.
1.1 DOS TIPOS DE VIOLÊNCIA DE GÊNERO
Quando se refere à violência, as pessoas comumente relacionam à violência física, considerando-a como a única maneira de agressão. Entretanto, integram também aos tipos de violências, outras agressões que não possuem tanto destaque, mas que causam lesões.
A Declaração para a Eliminação da Violência Contra Mulheres (Nações Unidas, 1993), relaciona quais são as formas de violência, resumidamente, sendo essas:
Violência Intrafamiliar: Praticada pelo abuso de poder parental e compreende toda ação ou omissão que prejudique o bem-estar, a integridade física, psicológica ou a liberdade e o direito ao pleno desenvolvimento de outro membro da família. Essa modalidade de violência pode ser cometida tanto dentro como fora de casa por pessoas da família que possuem certo poder em relação à vítima. As agressões podem ser físicas, sexual, psicológica, de caráter negligencial ou de abandono.
Violência doméstica: A diferença entre violência intrafamiliar ou violência doméstica, se dá pelo fato desta incluir indivíduos unidos pelo parentesco civil (marido, mulher, sogra padrasto) que convivem em um ambiente doméstico com a vítima. Esse tipo de agressão se desdobra em forma de abuso físico, sexual, psicológico, negligencial e abandono.
Violência física: Trata-se de uma ação, onde o agente que se encontra em estado de poder em relação a outrem, causa danos através da força física ou de qualquer outro artifício. É manifestada de diversas maneiras, dentre elas: tapas, empurrões, socos, mordidas, chutes, queimaduras, cortes, estrangulamento, lesões por armas ou objetos, obrigar a tomar medicamentos desnecessários ou inadequados (incluindo álcool, drogas e inclusive alimentos), tirar de casa à força, amarrar, arrastar, arrancar a roupa, abandonar em lugares desconhecidos, danos à integridade corporal decorrentes de negligência (omissão de cuidados e proteção contra agravos evitáveis como situações de perigo, doenças, gravidez, alimentação, higiene, etc.), dentre outros.
Violência psicológica/moral: É toda e qualquer ação ou omissão que se destina a intimidar a vítima, causando danos à sua autoestima da pessoa, à sua identidade ou o seu desenvolvimento. Esse tipo de agressão costuma a querer manter o controle, manipulando as ações, crenças comportamentos e decisões da mulher, intimidando-as, manipulando-as e conseguintemente, ameaçando-as, levando a vítima a situações de humilhação, e fazendo com que as mesmas se sintam impotentes a ponto de prejudicar a saúde psicológica. Na maioria dos casos, a mulher deixa de trabalhar, estudar, ou seja, tem sua liberdade privada, submetida somente às vontades do homem, que por sua vez, age com omissão de carinho para com a companheira, crítica pelo desempenho sexual, falta de atenção, dentre outros.
Violência sexual: Esse tipo de agressão obriga a vítima a manter contato sexual físico ou verbal ou a participar de outras relações sexuais com uso da força, intimidações, chantagem, suborno, manipulação, ameaça ou qualquer outro mecanismo que anule ou limite a vontade pessoal. Essa modalidade de violência consiste também quando o agressor obriga a vítima a realizar alguns desses atos com terceiros.
Violência econômica/financeira: Ações ou omissões do agressor que afetam a saúde emocional e a sobrevivência da vítima, tais como: roubo, destruição de bens pessoais ou de bens da sociedade conjugal, recusa de pagar pensão alimentícia ou de participar nos gatos básicos para a sobrevivência do núcleo familiar, dentre outros.
Violência institucional: Qualquer ato constrangedor, fala inapropriada ou omissão de atendimento realizado por agentes de órgãos públicos ou privado, bem como prestadores de serviços que deveriam proteger as vítimas dos outros tipos de violência, reparando suas consequências.
Violência patrimonial: A violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos; ou seja, qualquer ato que tem por objeto dificultar o acesso da vítima à autonomia.
Portanto, quando quaisquer tipos de violência como as citadas acima são praticados contra vítimas em virtude da sua identidade de gênero, resta claro que se encontra diante de violência de gênero.
A Declaração para a Eliminação da Violência Contra Mulheres define a violência de gênero como “qualquer ato violento baseado no gênero que resulte em, ou é passível de resultar em dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico. ” (Nações Unidas, 1993).
Esta engloba a violência intrafamiliar, a violência doméstica, estendendo-se à violência psicológica, violência física, agressões verbais, violência sexual, assédio sexual, discriminação e rechaço em relação à homossexualidade, incluindo ainda a prostituição forçada, tráfico de pessoas, mutilação, dote, tortura, feminicídio e outros.
Tudo isso, é fruto de um sistema que coloca a mulher em situação de subordinação, fato esse que é histórico e é marcado pela desigualdade entre homem e mulher. Dessa forma, o homem é visto culturalmente como o superior em relação à mulher.
O artigo 7° da Lei 11.340/03 estabelece que “são formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, entre outras”: I – a violência física, a violência psicológica, III – a violência sexual, IV – a violência patrimonial, V – a violência moral.
Formas estas que o Legislador procurou resguardar e proteger a mulher para que não se torne vítima, e caso tornando, possa ser garantida a ela o direito à vida e proteção.
2.3 CONDIÇÃO DA MULHER À LUZ DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988
A Constituição Federal de 1988 é decorrente de um movimento popular e político, cuja resistência foi o maior símbolo da luta contra o autoritarismo. A Carta Magna trouxe consigo a garantia dos direitos dos cidadãos em âmbito constitucional. Ora, houve elevado valor democrático e um avanço significante na cidadania, pois nesta, ao contrário das anteriores, os direitos do homem precedem os direitos do Estado.
Ademais, certo é que a Constituição Federal de 1988 se prestou a enfatizar de maneira contundente a importância dos direitos e garantias fundamentais, que são as bases de um Estado Democrático de Direito.
A Carta magna traz em seu “Título I” uma série de direitos e princípios fundamentais, os quais se denominam cláusulas pétreas.
Dentre os direitos e princípios fundamentais, é claro nos primeiros artigos a preocupação a respeito da igualdade entre homem e mulher de qualquer raça, credo ou nacionalidade, assim também como o bem de todos, sem qualquer discriminação, conforme se denota nos Artigos 3º e 5º da Constituição Federal:
Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição;
Dando continuidade aos direitos e garantias fundamentais, observa-se que o artigo 7°, trata da garantia do emprego da mulher, protegendo seu acesso ao trabalho de maneira igualitária ao homem, de modo que proíbe qualquer tipo de discriminação que seja fundamentada pelo sexo, idade, cor ou estado civil, de acordo com o dispositivo abaixo:
São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: XXX - proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil;
Diante das normas e dispositivos da Constituição Federal, restou claro a inconsistência e a incompatibilidade diante da constatação da igualdade formal, que é a igualdade de todos perante a lei, e a igualdade material, que se trata da igualdade aristotélica, voltada à equiparação mediante a redução das diferenças sociais. Ora, esta última consiste em tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais na medida em que se desigualam.
Sobre o exposto, Dias (2007) afirma que o princípio da igualdade substancial é posto em prática quando os desiguais são tratados desigualmente, pois se há leis voltadas a parcelas da população que carecem de proteção especial isso ocorre justamente para igualar quem é desigual. Logo, se a Constituição Federal protege especificamente o trabalho da mulher, isso se dá pela necessidade de melhor proteção no mercado de trabalho. Salvo a proteção expressa concedida à mulher, todos os demais direitos e obrigações encontram-se nivelados entre homens e mulheres.
O artigo 226, da Constituição Federal diz que: “A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado”. Em seu parágrafo 8° versa que “O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações”. Logo, a Carta Magna assegura a assistência à família, com mecanismos que objetivam coibir a violência. Essa disposição trata-se, em verdade, de norma programática, posto que a mesma não é autoaplicável, dependendo de Lei para regulamentá-la.
2.4 LEI N.º 10.886/04 E A VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
Inicialmente, é necessário esclarecer que o artigo 129 do Código Penal, CP, trata dos casos de lesão corporal e a Lei n.° 10.886 de 17 de junho 2004, ao acrescentar o parágrafo 9° ao artigo 129 do Código Penal, cria o subtipo da “violência doméstica”, nos casos de lesão corporal leve. A pena mínima permanece de 3 (três) meses e há o aumento da pena máxima de um ano nos casos de lesão corporal para três anos nos casos de produção de lesão corporal leve em decorrência de violência doméstica de detenção.
De acordo com o artigo 1° da Lei acima citada, ou seja, a Lei nº 10.886/2004 são tipificadas como lesões corporais resultantes de violência doméstica as praticadas “contra ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou companheiro, ou com quem conviva ou tenha convivido, ou, ainda, prevalecendo-se o agente das relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade”.
Cumpre informar que a referida previsão pode ser aplicada tanto à mulher quanto ao homem, pois o artigo não especifica o sexo do agente nem da vítima, informando somente que a violência doméstica diz respeito à sua prática no âmbito doméstico ou familiar.
Ademais, cabe ressaltar que no caso de a violência ser praticada por agente do sexo masculino contra vítima do sexo feminino, incidirá a aplicação da Lei Maria da Penha. Por outro lado, caso a vítima seja um homem, nada impede que o processamento ocorra no Juizado Especial Criminal, nos termos da Lei 9099/95.
Também não se aplicam ao parágrafo 9° do artigo 129, Código Penal os casos de agravante previstas no artigo 61, II, alíneas “e” e “f”:
São circunstâncias que sempre agravam a pena, quando não constituem ou qualificam o crime: II - ter o agente cometido o crime: contra ascendente, descendente, irmão ou cônjuge; com abuso de autoridade ou prevalecendo-se de relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade, ou com violência contra a mulher na forma da lei específica;
Esse entendimento é decorrente da própria interpretação do “caput” do referido artigo, pois essas agravantes somente podem ser aplicadas quando não constituírem ou qualificarem o crime. Essas previsões já integram a descrição típica do delito do parágrafo 9°do artigo 129, do Código Penas e a aplicação das agravantes das alíneas “e” e “f”, II do artigo 61, configuraria bis in idem, afrontando o princípio da legalidade.
O princípio do non bis in idem, que significa que ninguém pode ser condenado duas ou mais vezes pelo mesmo fato, embora não previsto na Constituição Federal, é uma das garantias basilares no sistema penal de um Estado Democrático de Direito, devendo ser observado no caso concreto.
A Lei n.º 11.106 de 2004 alterou o artigo 148, constante do Título I, “Dos Crimes contra a Pessoa”; e artigos 215, 216, 226, 227, 231, acrescentando o artigo 231-A, constantes do Título VI, “Dos Crimes contra os Costumes”, todos do Código Penal.
O artigo 148, do CP diz que é crime “Privar alguém de sua liberdade, mediante sequestro ou cárcere privado”. A pena é aumentada, nos termos do parágrafo 1°, inciso I, “se a vítima é ascendente, descendente, cônjuge ou companheiro do agente ou maior de 60 (sessenta) anos”. A mudança foi dada, devido ao acréscimo do termo “companheiro”, em alusão à “união estável”, que passou a ser reconhecida pela Constituição Federal de 1988 e incorporada ao Código Civil de 2002.
O parentesco é circunstância qualificadora (seja resultante de casamento, de união estável, de consanguinidade ou adoção), já que o desvalor da conduta é maior em virtude da infração dos deveres de assistência e solidariedade inerentes à relação de parentesco.
A respeito da vítima com mais de 60 anos, existe a qualificadora, posto que, a idade avançada afasta a possibilidade de uma efetiva reação à conduta criminosa.
Houve também a inclusão dos incisos IV e V ao parágrafo 1° do artigo 148, CP, pela referida Lei. O inciso IV previu o aumento da pena se o crime for cometido contra menor de 18 anos; já o inciso V instituiu o aumento para os casos em que o crime for cometido com fins libidinosos.
O artigo 215, CP, em sua atual redação diz: “Ter conjunção carnal com mulher, mediante fraude ou outro meio que impeça ou dificulte a livre manifestação de vontade da vítima” compõe o delito de posse sexual mediante fraude.
O artigo 216, CP, atualmente possui a seguinte redação: “Induzir alguém, mediante fraude, a praticar ou submeter-se à prática de ato libidinoso diverso da conjunção carnal”, configura atentado ao pudor mediante fraude. Ambos os artigos fazem parte do Capítulo I, “Dos Crimes contra a Liberdade Sexual”.
Importante mencionar que o termo “mulher honesta” foi retirado dos artigos 215 e 216 da codificação penal em função de que toda mulher merece a proteção da lei e a exigência de honestidade impunha tratamento de natureza nitidamente discriminatória.
A referida Lei ampliou a esfera de alcance da norma penal incriminadora. Se antes da mudança somente a mulher que fosse considerada honesta estava protegida em sua liberdade sexual, agora a proteção penal tem abrangência indistinta e não discriminatória em relação ao sexo feminino. Ademais, não existe uma exata definição acerca do que seria considerada uma mulher honesta, de modo que tal definição ficava a cargo da interpretação subjetiva do juiz ao caso concreto, podendo causar grande prejuízo à mulher que tivesse sofrido efetivamente algum abuso, mas que não fosse por ele considerada honesta.
A Lei em comento, também revogou o artigo 217, CP, o qual tratava do crime de sedução.
As revogações citadas acima tiveram decorrência da nova abordagem adotada pelo legislador, que adequou a lei às mudanças ocorridas na sociedade.
Ainda sobre as alterações, resta informar que o artigo 226, CP foi reformado pela presente Lei e encerra o Capítulo IV, tratando das "Disposições Gerais", estabelecendo causas de aumento de pena para os crimes previstos nos capítulos anteriores, assim entendidos aqueles que se encontram no mesmo Título VI do Código Penal, conforme se denota a redação do artigo: A pena é aumentada: II - de metade, se o agente é ascendente, padrasto ou madrasta, tio, irmão, cônjuge, companheiro, tutor, curador, preceptor ou empregador da vítima ou por qualquer outro título tem autoridade sobre ela.
A respeito dessa hipótese, o aumento de pena encontra base sólida, em virtude da relação de autoridade que existe entre autor e vítima do delito. Tal situação poderia, ainda, favorecer a impunidade do agente ao prevalecer-se das relações familiares. Logo, todo aquele que exerce autoridade de direito ou de fato sobre a vítima e pratica com ela algum delito sexual, tem a pena aumentada pela aplicação desse dispositivo.
Faz-se necessário destacar que até a alteração do disposto no inciso II do artigo 226, CP, os crimes previstos no Título dos “Crimes contra os Costumes”, quando estes eram cometidos pelo cônjuge não mereciam aumento de pena, de acordo com sua redação: “se o agente é ascendente, pai adotivo, padrasto, irmão, tutor ou curador, preceptor ou empregador da vítima ou por qualquer outro título de autoridade sobre ela”.
A modificação em sua escrita foi norteada pela jurisprudência e doutrina nacional que passaram a entender que haveria abuso de direito quando o marido forçava sexualmente sua esposa, não mais aceitando a ideia de exercício regular de direito, alegação que perdurou por muitos anos.
Por fim, o Capítulo V, do Título VI, que até o advento da Lei chamava-se “Do Lenocínio e do Tráfico de Mulheres”, passou a chamar-se “Do Lenocínio e do Tráfico de Pessoas”. O capítulo trata da prostituição de modo geral, praticada pela mulher ou homem, ora, antes, havia a expressão “mulher”, entretanto, passou-se a utilizar a expressão “pessoa”.
O artigo 227do Código Penal teve seu parágrafo 1° alterado, para tanto, essa passou a ser a atual redação:
Induzir alguém a satisfazer a lascívia de outrem: 1° - Se a vítima é maior de 14 (catorze) e menor d e 18 (dezoito) anos, ou se o agente é seu ascendente, descendente, cônjuge ou companheiro, irmão, tutor ou curador ou pessoa a quem esteja confiada para fins de educação, de tratamento ou de guarda.
Neste caso, houve a alteração da expressão “marido” pelos termos “cônjuge” e “companheiro”, terminologias que melhor se adéquam às relações familiares no tocante ao Direito de família, que depreende tanto o Código Civil, como também a Constituição Federal.
O artigo 231, CP, que trata do tráfico internacional de pessoas, teve o termo “mulher” substituído por “pessoa”, abrangendo, assim, o tráfico internacional de homens e mulheres. O acréscimo do artigo 231 – A, do CP abarcou a possibilidade do tráfico nacional de pessoas. Assim, é certo que, em ambos os casos, o bem jurídico tutelado é a própria condição humana, a dignidade da pessoa, buscando-se punir o comércio de seres humanos para abastecer o mercado da prostituição.
A mencionada Lei revogou também as disposições referentes ao crime de adultério, constantes no artigo 240 do Código Penal, descriminalizando tal conduta, ensejando mais um caso de abolitio criminis, por ser previsão inutilizada e ineficaz há anos, haja vista as modificações culturais sofridas pela sociedade.
2.6 LEI N.º 11.340/2006 - A LEI MARIA DA PENHA
A Lei Maria da Penha é o nome pelo qual é conhecida a Lei 11.340/2006, porquanto inspirada na vítima de uma tragédia ocorrida no recinto familiar de Maria da Penha. O nome da lei foi uma forma de homenagem, pois, ainda que não conste designado na legislação, a farmacêutica Maria da Penha Maia Fernandes, foi a protagonista nesse cenário.
Os fatos ocorreram em maio de 1983, quando na cidade de Fortaleza, Ceará, seu marido atingiu-a com um tiro, e em decorrência disso, Maria da Penha ficou paraplégica e seu marido tentou simular um assalto à casa onde moravam. Ocorre, que ela se revitimizou. Em se tratando do Inquérito policial, no documento constavam as provas que o incriminavam, servindo de base para a denúncia oferecida pelo Ministério Público. Diante disto, o réu foi condenado a oito anos de prisão, sendo preso somente em maio de 2002.
Tendo em vista a repercussão desse crime, bem como a morosidade da tutela jurisdicional, o Brasil foi denunciado em âmbito internacional por ser inoperante frente aos casos de violência doméstica. A Organização dos Estados Americanos – OEA condenou o Brasil ao pagamento de uma indenização em favor de Maria da Penha, responsabilizando-o por negligência e omissão.
O Governo Federal, então, criou em âmbito nacional a Lei n.°11.340/2006, com o fim de combater, prevenir e punir a violência contra a mulher.
4. MEDIDAS PROTETIVAS DE URGÊNCIA
Com o advento da Lei Maria da Penha, foram criadas as Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher (DEAM), com o passar do tempo, observou-se falhas quanto ao tratamento dado às vítimas, logo, buscou-se corrigi-las, conferindo à autoridade policial determinada autonomia para a medida que tomasse conhecimento do fato ou sua iminência, adotasse medidas legais cabíveis, como dirigir-se ao local da ocorrência do fato, com o fim de assegurar a proteção da vítima, cabendo-lhe instaurar o inquérito policial, conforme disposto no artigo 10 da referida Lei.
Art. 10. Na hipótese da iminência ou da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, a autoridade policial que tomar conhecimento da ocorrência adotará, de imediato, as providências legais cabíveis.
Parágrafo único. Aplica-se o disposto no caput deste artigo ao descumprimento de medida protetiva de urgência deferida.
O artigo 11 estabelece medidas a serem providenciadas pela autoridade policial, sendo estas:
I - garantir proteção policial, quando necessário, comunicando de imediato ao Ministério Público e ao Poder Judiciário; - encaminhar a ofendida ao hospital ou posto de saúde e ao Instituto Médico Legal; - fornecer transporte para a ofendida e seus dependentes para abrigo ou local seguro, quando houver risco de vida; - se necessário, acompanhar a ofendida para assegurar a retirada de seus pertences do local da ocorrência ou do domicílio familiar; - informar à ofendida os direitos a ela conferidos nesta Lei e os serviços disponíveis (LEI n.°11.340/2006, art. 11).
A tutela de urgência pode ser requerida e não é condicionada à representação por defensor, pois o inciso III do artigo 12, da Lei prevê, nesse contexto, que a autoridade policial deve “remeter, no prazo de 48 horas, expediente apartado ao juiz com o pedido da ofendida, para a concessão de medidas protetivas de urgência”.
O Juiz não pode atuar de ofício, haja vista, este necessita de provocação, que por sua vez está condicionada à vítima. Dessa maneira, na oportunidade do registro da ocorrência, a mulher deverá se manifestar acerca do recebimento da proteção em sede de tutela antecipada, para que assim seja formado o pedido de concessão de medida protetiva de urgência.
Contudo, a garantia da segurança da vítima, bem como a segurança patrimonial e o ato de deter o agressor, são tarefas que devem ser desempenhadas tanto pela autoridade policial quanto pelo juiz, além do Ministério Público. Assim, para que se possa garantir a efetividade das medidas deferidas, caso estas sejam negadas, cabe substituí-las ou conceder outras.
Ainda no que diz respeito às medidas protetivas de urgência, existem medidas protetivas específicas que obrigam o agressor e que estão dispostas no artigo 22 da Lei, conforme se observa na redação do artigo:
Constatada a prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos desta Lei, o juiz poderá aplicar, de imediato, ao agressor, em conjunto ou separadamente, as seguintes medidas protetivas de urgência, entre outras:
I - suspensão da posse ou restrição do porte de armas, com comunicação ao órgão competente, nos termos da Lei no 10.826, de 22 de dezembro de 2003; - afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida; - proibição de determinadas condutas, entre as quais: aproximação da ofendida, de seus familiares e das testemunhas, fixando o limite mínimo de distância entre estes e o agressor; contato com a ofendida, seus familiares e testemunhas por qualquer meio de comunicação; frequentação de determinados lugares a fim de preservar a integridade física e psicológica da ofendida; - restrição ou suspensão de visitas aos dependentes menores, ouvida a equipe de atendimento multidisciplinar ou serviço similar; - prestação de alimentos provisionais ou provisórios (ART. 22, LEI n.°11.340/2006).
As medidas mencionadas no referido artigo não impedem a aplicação de outras previstas na legislação em vigor, 2o Na hipótese de aplicação do inciso I, o juiz comunicará ao respectivo órgão, corporação ou instituição as medidas protetivas de urgência concedidas e determinará a restrição do porte de armas. Consequentemente para garantir a efetividade das medidas protetivas de urgência, poderá o juiz requisitar, a qualquer momento, auxílio da força policial.
Existem também outras medidas que protegem a vítima, conforme artigo 23 LEI n.°11.340/2006:
Poderá o juiz, quando necessário, sem prejuízo de outras medidas: - encaminhar a ofendida e seus dependentes a programa oficial ou comunitário de proteção ou de atendimento; - determinar a recondução da ofendida e a de seus dependentes ao respectivo domicílio, após afastamento do agressor; - determinar o afastamento da ofendida do lar, sem prejuízo dos direitos relativos a bens, guarda dos filhos e alimentos; - determinar a separação de corpos.
Por fim, denota-se que ocorreram mudanças substanciais nos procedimentos relacionados à violência doméstica e familiar contra a mulher. Ora, os policiais passaram a ter competência para prisão em flagrante, instaurar inquérito policial e requerer a concessão de medida de proteção à vítima.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A violência contra a mulher, não obstante, inclui mulheres de toda idade, cor e religião. Diante das lutas constantes que a mulher teve e que ainda tem, é imprescindível que as leis se efetivem no que diz respeito às vitimas de violência doméstica, visto que, a mulher deve e precisa ser reconhecida na sociedade, como um ser humano digno de todo respeito, como é previsto na nossa Constituição Federal em seu art.5º, Inciso I, que diz que homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações.
A legislação de proteção à mulher, prevê que o poder público deve desenvolver políticas que visem garantir os direitos das mulheres no âmbito das relações domésticas e familiares no sentido de resguardá-las de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
Contudo com o passar dos anos, nota-se que a cultura do patriarcado permanece forte, apesar da incansável luta feminista e de movimentos sociais que buscam a igualdade entre os sexos. Esses fatores influenciam massivamente a violência de gênero.
Como observado no estudo, no Brasil, mesmo o homem praticando a violência contra a mulher, se considera como se estivesse em seu direito, ainda que agredindo a companheira, ao passo que esta, se sinta muitas vezes culpada pelas agressões que ela mesma sofre.
Não se pode negar que com a ascensão da Lei Maria da Penha, foram adotadas as medidas legais cabíveis no que tange a violência contra a mulher, mas o que ainda se vê é uma falta de execução dessas leis. Visto que, a legislação pode punir, mas não mudam a cultura enraizada do patriarcalismo e machismo na sociedade brasileira.
A superioridade masculina tão fortemente arraigada domina todas as outras formas de políticas, sociais ou econômicas. Suscita assim um estado de supressão e discriminação social da mulher baseado em tal superioridade. Esse estado considerado superior leva-o na maioria das vezes, infringir o princípio do direito à vida e o princípio da dignidade da pessoa humana.
REFERÊNCIAS
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BRASIL. Lei número 11.106 de 28 de março de 2005. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2005/lei/l11106.htm> Acesso em: 01/03/2016.
BRASIL. Relatório Nacional Brasileiro: Relativo aos anos de 1985, 1989, 1993, 1997 e 2001, nos termos do artigo 18 da CEDAW/ONU. Brasília: SPM, 2002.
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Bacharelanda do curso de Direito da Faculdade Serra do Carmo-TO
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: VIANA, Daniela Araújo Rufo. A proteção da mulher frente à violência doméstica: a evolução das políticas públicas no Brasil Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 08 dez 2016, 04:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/47917/a-protecao-da-mulher-frente-a-violencia-domestica-a-evolucao-das-politicas-publicas-no-brasil. Acesso em: 23 dez 2024.
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