VIRGÍLIO RICARDO COELHO MEIRELLES: Professor orientadorde direito da Faculdade Serra do Carmo – Fasec/TO.
RESUMO: A escolha do tema da Responsabilidade Civil dos pais em face do abandono paterno filial se deve ao grande número de abandono físico e moral decorrente da dissolução da família, hoje muito comum e mal solucionado. Dissolução esta que surge com rompimento do vínculo afetivo entre os pais, que por diversos fatores, negligenciam seus filhos, que, não raramente, se tornam vítimas de diversos transtornos psicológicos e comportamentais, sofrendo consequências de difícil reparação, quando possível. Em meio ao desrespeito a certos direitos elencados no ordenamento jurídico brasileiro, o abandono afetivo é considerado uma falta grave, em virtude de descumprir o direito de proteção integral das crianças e do adolescente, o que não condiciona apenas a assistência material, mas a assistência moral e afetiva, da qual advém a formação psicológica do individuo. Através de um levantamento bibliográfico e análise da legislação pertinente pretende-se comprovar que a falta de atenção/presença causa dano, além de descrever aspectos relevantes do Direito de Família no âmbito da responsabilidade civil, com relação ao abandono afetivo paterno - filial, respeitando as normas jurídicas.
Palavras-chave: Abandono Afetivo. Família. Filhos.
ABSTRACT: The choice of the theme of the Civil Responsibility of the parents in the face of the filial paternal abandonment is due to the great number of physical and moral abandonment due to the dissolution of the family, now very common and badly solved. This dissolution arises with a break in the affective bond between parents, who for various reasons neglect their children, who, not infrequently, become victims of various psychological and behavioral disorders, suffering consequences of difficult reparation, when possible. In the midst of disrespect for certain rights listed in the Brazilian legal system, abandonment of the affection is considered a serious offense, due to a violation of the right to full protection of children and adolescents, which does not only affect material assistance, but moral assistance And affective, from which comes the psychological formation of the individual. Through a bibliographical survey and analysis of the pertinent legislation it is intended to prove that the lack of attention / presence causes harm, in addition to describing relevant aspects of Family Law in the scope of civil responsibility, in relation to affective abandonment paternal - filial, respecting the Rules.
Keywords: Affective abandonment. Family. Children.
INTRODUÇÃO
Este trabalho aborda um tema que, em sua plenitude, é envolto em controversas não apenas dentro do Direito, por envolver a sociedade e seus valores, especialmente quanto às questões éticas, morais e culturais.
Neste artigo, abordaremos aspectos, como a concessão da responsabilidade dos danos causados aos filhos rejeitados afetivamente por um ou por ambos os pais, no decorrer do seu desenvolvimento educacional.
Ainda que essa discussão se atenha à seara jurídica, no meio que se refere à valoração do afeto, não há nenhum posicionamento doutrinário pacificado sobre o tema.
No desenvolvimento desta pesquisa, de cunho explicativo, que engloba a responsabilidade dos pais e o dever de compensação causado aos filhos pela ausência/abandono afetivo.
Na seara jurídica, o abandono afetivo dos pais se dá pela falta do cumprimento do dever/obrigação de assistência psicossocial e financeira, em não assegurar aos filhos o necessário para uma vida digna, como moradia, alimentação, cuidados e educação. Com à negligencia dos pais com seu filhos, o Estado se torna o garantidor no que se trata dos direitos fundamentais.
Groeninga (2005) aponta que o afeto e a convivência têm ligação sine qua non, sendo que a convivência não se confunde com a coabitação. Somente para ilustrar, é interessante verificar a evolução nas discussões travadas relativamente à união estável, nas quais se verificou que, para o reconhecimento desta, a coabitação não é mais condição necessária, mas sim o afeto e a comunhão de vidas. Assim, a convivência é possível mesmos nos casos em que a residência dos filhos não é a mesma de ambos os pais.
Evidencia-se assim, a responsabilidade subjetiva, uma vez que se requer a censura do agente capaz de compreender a ilicitude de sua conduta, se houver dolo ou culpa sempre se fazendo necessário o descobrimento do nexo causal, atingindo assim a seara material e/ou moral.
O trabalho a seguir está dispostos nos seguintes tópicos: direito de família; conceito de família; princípios constitucionais da família; princípio da paternidade responsável e planejamento familiar; princípio da igualdade jurídica dos cônjuges e companheiros; princípio da igualdade jurídica de todos os filhos; reponsabilidade civil da família; o poder familiar; da proteção da pessoa dos filhos; abandono afetivo pela família; responsabilidade civil por abandono afetivo; culpa; dano; nexo de causalidade
1 DIREITO DE FAMÍLIA
O direito de Família é o direito que define estrutura, organização e proteção da família, tratando-se das relações familiares e das obrigações pertinentes a estas relações, é o ramo do direito que estabelece normas de convivência familiar.
Neste direito, as normas são imperativas, e os direitos indisponíveis e irrenunciáveis, tais como nome, filiação, alimentos (artigos 1.5831 ao 1.707 CC/2002).
A família é um grupo de pessoas interligadas por relações pessoais e patrimoniais. Primordialmente as famílias eram matriarcais em decorrência do desconhecimento dos pais e ao longo do tempo tornaram-se patriarcais, com predomínio da autoridade e a força do varão. Atualmente vige a igualdade nos direitos e deveres referente à família, como constata-se no artigo 226, §5, da CRFB/88 e artigo 1.631 CC/2002:
Art. 226. A família, base de sociedade, tem especial proteção do Estado. Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher. Art. 1.631. Durante o casamento e a união estável, compete o poder familiar aos pais; na falta ou impedimento de um deles, o outro o exercerá com exclusividade. Parágrafo único. Divergindo os pais quanto ao exercício do poder familiar, é assegurado a qualquer deles recorrer ao juiz para solução do desacordo.
Com a evolução da sociedade, surgiram diversas definições de família, vez que no decorrer dos tempos o conceito se ampliou e se modificou, tornando um instituto dependente da sociedade, tendo em vista suas constantes mudanças.
Respectivamente com o advento da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB), imperou um conceito sociológico haja vista a necessidade de proteção do Estado.
Segundo Gonçalves, a família “é uma realidade sociológica e constitui a base do Estado, o núcleo fundamental em que repousa toda a organização social” (GONÇALVES, 2009 p.01).
A instituição familiar vive em constantes transformações decorrentes da realidade sociológica e deve ser analisada nos tempos atuais não apenas como uma relação de domínio ou imposições, mas, sobretudo, como uma relação afetiva pautada na convivência de seus componentes.
O Estado, em sua plenitude assume papeis, antes exclusivamente da família, como alimentação, a educação e o planejamento familiar, principalmente nas famílias carentes.
1.1 CONCEITO DE FAMÍLIA
A família é a forma social organizada mais antiga do ser humano, uma vez que historicamente, mesmo antes do homem ser organizado em comunidades, eram unidos por um ancestral comum. É de suma importância para este trabalho o entendimento do conceito de entidade família. A entidade é alicerçada pelas figuras do marido e da esposa e após se complementa com os filhos e assim por diante.
Consideravelmente é uma organização natural composta por pessoas, pessoas estas unidas pelo laço de sangue ou pela afinidade. Os laços consanguíneos se explicitam em razão da descendência, enquanto que os afins surgem em virtude do casamento, com o esposo (a) e parentes que vão se agregando conforme a relação se afetiva.
Com o passar dos anos a organização familiar prescindiu a necessidade de leis estruturantes nas relações e seus conflitos, donde surgiu o Direito de Família, com a finalidade precípua de proteção.
O Direito é um conjunto de normas e princípios vigentes em um país. Na constituição vigente promulgada em 1988, a Constituição Cidadã elenca e ampara nos artigos 226 e 227 a família e determina deveres a esta inerente:
Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. § 1º O casamento é civil e gratuita a celebração. § 2º O casamento religioso tem efeito civil, nos termos da lei. § 3º Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento. § 4ª Entende-se, também, como entidade como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes.§ 5º Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher. § 6º O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio. § 7ª fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais, e científicos para exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas. § 8º O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações.
O artigo 227 da Constituição Federal afirma que é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de coloca-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
Como complemento do artigo 229 da Magna Carta, afirma que os pais tem o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade.
Preleciona Gonçalves (2007, p. 1), “família, são todas as pessoas ligadas por vínculo de sangue e que precedem, portanto, de um tronco ancestral comum, bem como, unidas pela afinidade e pela adoção”. Pode-se ainda numa forma simplista, ser conceituada como sendo o agrupamento de todos aqueles “parentes consanguíneos, em linha reta e também aos colaterais até o quarto grau”.
Diniz (2007, p. 9), descreve a família através de uma ótica macro, pois entende que: “a família abrange todos os indivíduos que estiverem ligados pelo vínculo da consanguinidade ou da afinidade”.
Enfim, o Direito preserva a família em sua totalidade, pois não foi, nem o estado nem o direito que deram origem a família, mas sim à família que forçou o ordenamento do Estado e do Direito.
A realidade social e o sistema jurídico nem sempre caminham juntos. Nas ultimas décadas, as transformações sociais atingiram diretamente o núcleo familiar, o conceito de família passou por modificações estruturais e de ideias e originou novas concepções da família. As diferentes formas existentes de família que se apresentam na sociedade nos dias atuais sofreram inúmeras modificações ao longo da historia, para que se chegasse a esse conceito de família pautada no afeto.
“O afeto não é fruto da biologia. Os laços de afeto e de solidariedade derivam da convivência familiar, não do sangue” (DIAS, 2010 p. 73).
Explica Moraes Filho (2008) que a opinião pública funciona como um termômetro, indicando ao legislador e aos juristas a temperatura social, que é o sentimento coletivo de justiça, no que concerne aos quesitos sociais importantes, com o nobre objetivo de conhecer as mudanças e adaptações necessárias nas leis para que a legislação seja justa e adequada aos interesses e conveniências sociais. Com efeito, por vezes fazer justiça não significa a pura e rígida aplicação da lei, pois, ocasionalmente, nem tudo que é legal é justo.
“Um núcleo existencial integrado por pessoas unidas por um vínculo socioafetivo, teleologicamente vocacionada a permitir a realização plena dos seus integrantes” (GAGLIANO, 2011 p. 45).
A Constituição Federal de 1988 premiou a entidade familiar com ampla regulamentação dos aspectos essenciais do direito de família á luz dos princípios constitucionais. Sem a pretensão de delimitar ou esgotar os princípios, aqui serão abordados os princípios que Carlos Roberto Gonçalves aponta como os princípios constitucionais norteadores do direito de família.
A doutrina e a jurisprudência têm reconhecido inúmeros princípios constitucionais implícitos, cabendo destacar que inexiste hierarquia entre os princípios constitucionais implícitos ou explícitos. É difícil quantificar ou tentar nominar todos os princípios que norteiam o direito das famílias. Alguns não estão escritos nos textos legais, mas tem fundamentação ética no espírito dos ordenamentos jurídicos para possibilitar a vida em sociedade. Cada autor trás quantidade diferenciada de princípios, não se conseguindo encontrar um número mínimo em que haja consenso (DIAS, 2010, p. 64).
O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana garante o pleno desenvolvimento dos indivíduos formadores da comunidade familiar, é o pilar da boa convivência, onde cada um exerce seus direitos na medida em que permite que o outro também exerça o dele, tendo em conta que tal instituto é uma garantia para todos os cidadãos.
Para Dias (2013), é o princípio da dignidade da pessoa humana apregoado já no artigo 1º, inciso III da Constituição de Federal de 1988, o marco inicial de mudança do paradigma da família. A partir dele, tal ente passa a ser considerado um meio de promoção pessoal dos seus componentes. Por isso, o único requisito para a sua constituição não é mais jurídico e sim fático: o afeto.
Consubstanciado no parágrafo 7º do artigo 226 da Constituição Federal de 1988, exprime a ideia de responsabilidade, que se inicia na concepção.
Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas (BRASIL, 2013, p. 64).
O instituto da paternidade é uma via de mão dupla onde direito e dever coexistem. Essa responsabilidade compete a ambos os genitores, cônjuges ou companheiros, não se resume em ser legalmente responsável, vai além da convivência e cuidados, é ofertar ao filho assistência moral, material e psicológica, trata de estabelecer um vínculo de amizade, companheirismo, proteção e confiança.
Desde a publicação de Lei 4.121/62, o Estatuto da Mulher Casada, onde a mulher conquistou o direito de dividir com o marido a chefia do grupo familiar, o direito de exercer função remunerada e de ter bens particulares, esse princípio deu seu pontapé inicial.
O artigo 226, parágrafo 5º, da Constituição Federal estipula que “os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher”.
Diniz, (2010) preleciona que por esse principio o poder marital, e a autocracia do chefe da família são substituídos por um sistema em que as decisões devem ser tomadas de comum acordo entre conviventes ou entre marido e mulher.
Esse dispositivo também é consagrado no artigo 5º do mesmo diploma quando estabelece a igualdade de todos para a lei, não permitindo discriminações. Ainda o parágrafo primeiro do citado artigo trás em sua previsão a igualdade entre homens e mulheres no que tange a direitos e obrigações, cumpre lembrar que a igualde é tratar cada um segundo suas limitações e não submeter a todos aos mesmos critérios.
Conforme o artigo 227, parágrafo 6º da Constituição Federal, que assim dispõe: “Os filhos havidos ou não da relação de casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação”.
Gonçalves (2013) adverte que tal princípio não admite designações discriminatórias concernentes à filiação, quando coloca fim a diferenciações entre filhos legítimos, naturais e adotivos, no campo do direito ao nome, do direito ao poder familiar, bem como em relação ao direito de alimentos e sucessão. “Assim a posse do estado de filho nada mais é do que o reconhecimento do afeto, com o claro objetivo de garantir a felicidade, como um direito a ser alcançado” (DIAS, 2010, p. 73).
O princípio abordado no artigo 226, parágrafo 3º da Constituição Federal, refere-se à amplitude das pessoas em construir uma comunhão de vida, baseada no relacionamento afetivo seja pelo casamento, através de união estável, sem qualquer imposição ou restrição.
1.6 REPONSABILIDADE CIVIL DA FAMÍLIA
Com o advento do Código Civil de 2002 existem várias interpretações no campo de responsabilidade, que é parte integrante do direito obrigacional. Assim a responsabilidade remete a ideia de reparação de dano e depende do fato para sua configuração.
Diniz (2009, p. 5) menciona que:
Grande é a importância da responsabilidade civil, nos tempos atuais, por se dirigir à restauração de um equilíbrio moral e patrimonial desfeito e à redistribuição da riqueza de conformidade com os ditames da justiça, tutelando a pertinência de um bem, com todas as suas utilidades, presentes e futuras, a um sujeito determinado.
A responsabilidade civil abarca todas as condutas da pessoa, e abrange com segurança e certeza de que se houver um direito violado, este deve no mínimo ser reparado e compensado. Dentro desta perspectiva, este trabalho tem o escopo de explanar mais na matéria de responsabilidade civil no âmbito familiar, precisamente à questão de abandono afetivo paterno-filial, uma vez que apesar dos avanços, ainda se percebe certa resistência na jurisprudência, não havendo dispositivo específico sobre o tema.
A responsabilidade civil, especificamente na família é a mais delicada, em virtude de que de um lado se coloca a dignidade do membro familiar acima de qualquer suspeita e de outro aquele que dispõe da função social da família e a limitação da intervenção do Estado.
Para Lôbo (2011, p. 15):
A paternidade e a maternidade lidam com seres em desenvolvimento que se tornarão pessoas humanas em plenitude, exigentes de formação até quando atinjam autonomia e possam assumir responsabilidades próprias em constante devir.
É importante notar que a reparação civil por abandono afetivo se trata de uma desigualdade, vez que de um lado estão os genitores, adultos, capazes, e do outro, o menor, incapaz aos seus direitos e deveres estando assim incapacitados de perqueri-los, via de regra.
Nosso direito é dinâmico em virtude da diversidade dos fatos e situações existentes, logo, através de conceitos, definidos, existe a possibilidade de ser analisar os casos trazidos a juízo com a prática.
É primordial perceber que os deveres fundamentais dos pais em relação aos filhos, surgem com o nascimento com vida, e não com o surgimento do dano, propriamente dito.
Considera-se nesse sentido que os casos onde existam filhos de pais separados, o Código Civil de 2002, disciplina em seu artigo 1632, que a separação judicial, o divórcio e a dissolução da união estável não alteram as relações entre pais e filhos senão quanto ao direito, que aos primeiros cabe, de terem em sua companhia os segundos.
Nesse sentido, o artigo 1634 do Código Civil, incisos I e II do mesmo diploma lega, dispõe que compete aos pais, quanto à pessoa dos filhos menores: I – Dirigir-lhes a educação; II– Tê-los em sua companhia e guarda.
É através da vivência do poder familiar que se cresce e se desenvolve, formando valores, alcançando as ações ou omissões e com isso chegando à construção da dignidade humana.
Do ponto de vista psicológico/psicanalítico, evidencia-se a importância dos pais na criação dos filhos, pois ter um correto desenvolvimento emocional, social e cognitivo, é de suma importância.
1.7 O PODER FAMILIAR
O poder familiar propicia garantir os direitos e deveres e o pleno desenvolvimento e manutenção da relação familiar e com isso abrange os direitos individuais de cada um de seus integrantes.
Ambos os genitores possuem um papel de igualdade e também de dever de cuidar. No artigo. 226, § 5º CRFB, é disposto que “os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher”, levando a reconhecer aqui o princípio da igualdade que se manifesta com a evolução familiar, tornando assim de ambos os genitores a responsabilidade, ou a obrigação, melhor dizendo.
Não obstante considera-se suspensão e extinção do poder familiar:
I – pela morte dos pais ou do filho; II – pela emancipação, nos termos do art. 5º, parágrafo único; III – pela maioridade; IV – pela adoção; V – por decisão judicial, na forma do artigo. O pai ou a mãe que contrai novas núpcias, ou estabelece união estável, não perde, quanto aos filhos do relacionamento anterior, os direitos ao poder familiar, exercendo-os sem qualquer interferência do novo cônjuge ou companheiro. Igual preceito ao estabelecido neste artigo aplica-se ao pai ou à mãe solteiros que casarem ou estabelecerem união estável. Se o pai, ou a mãe, abusar de sua autoridade, faltando aos deveres a eles inerentes ou arruinando os bens dos filhos, cabe ao juiz, requerendo algum parente, ou o Ministério Público, adotar a medida que lhe pareça reclamada pela segurança do menor e seus haveres, até suspendendo o poder familiar, quando convenha (ECA, 1990 art. 1.635; 1.636; 1.637.).
Perderá por ato judicial o poder familiar o pai ou a mãe que castigar imoderadamente o filho; deixar o filho em abandono; praticar atos contrários à moral e aos bons costumes; incidir, reiteradamente, nas faltas previstas no artigo antecedente.
É em decorrência desse dever de criar e educar, como alimentar, dar educação escola, que os filhos necessitam de ter um desenvolvimento mental e moral orientados pelos pais. É com esse direito de convivência que acontece a interação de pai-filho.
1.8 DA PROTEÇÃO DA PESSOA DOS FILHOS
O princípio, da proteção da pessoa dos filhos, após o rompimento da sociedade conjugal está elencado nos artigos 1583 a 1590 do Código Civil de 2002.
Estabelecendo o art. 1583 a existência de dois tipos de guarda, uma unilateral e outra compartilhada. A guarda unilateral é dada apenas a um dos cônjuges e a guarda compartilhada aos dois.
A guarda pode ser extinta a qualquer tempo e nos processos de guarda ainda existe a diferença entre provisória e definitiva, termos estes relacionados à adaptação dos filhos enquanto que o juiz decide com quem ficará a guarda.
A guarda definitiva não garante ao genitor a plena estabilidade, esta poderá ser alterada a qualquer momento, dependendo do bem estar do filho.
2 ABANDONO AFETIVO PELA FAMÍLIA
O art. 19 do Estatuto da Criança e do Adolescente prevê que toda criança ou adolescente tem direito a ser criado e educado no seio da sua família e, excepcionalmente, em família substituta, assegurada a convivência familiar e comunitária, em ambiente livre da presença de pessoas dependentes de substâncias entorpecentes.
O conceito de abandono afetivo para Pereira (2008) é: “ausência de relação de fraternidades, de cooperação, de respeito recíproco, de acolhimento ao outro, no bojo da entidade familiar”.
O abandono afetivo é a falta de convívio dos filhos com relação aos seus genitores, no caso deste trabalho, não se tratando aqui, por exemplo, de uma pensão alimentícia não paga, mas da falta do dever imaterial, qual seja, a convivência, a educação, a assistência moral e afetiva.
Importante salientar que nem só a ausência física identifica o abandono afetivo, mas pode acontecer de se ter a presença física dos pais, uma vez que estas não são desempenhadas a contento, efetivando também este abandono.
O abandono afetivo foca no alcance da obrigação, dos pais em relação aos filhos, esclarecendo o cabimento ou não da pecúnia. Ainda é um tema bastante controverso no nosso ordenamento jurídico, com implicações objetivas e subjetivas, existentes com o descumprimento do dever de convivência entre os familiares e as regras inerentes a essa convivência.
Para entrarmos na seara da responsabilidade civil, concluímos que o abandono afetivo se dá pela falta de amor, o que não implica na falta do dever de cuidar, nem tampouco de conviver.
2.1 RESPONSABILIDADE CIVIL POR ABANDONO AFETIVO
A responsabilidade civil no direto de família é controversa e ainda com muitas divergências na doutrina e julgados nacionais.
A responsabilidade civil está ligada intrinsecamente a dignidade da pessoa, uma vez que requer uma reparação, seja material ou moral. Um dever jurídico de reparar prejuízo e/ou dano moral, com resultado de um abandono afetivo.
O código civil de 1916 já previa duas responsabilidades: a contratual e a extracontratual, as duas regidas por princípios e leis.
Neste trabalho vamos evidenciar a responsabilidade extracontratual, uma vez que o ato é unilateral, entre pai e filhos, com relação a deveres e direitos, advindos de leis.
Segundo Venosa (2007, p.20):
A responsabilidade extracontratual, é que incide, portanto, nos casos de abandono moral ou por desamor, tendo em vista que deriva de um dever de conduta, de uma transgressão de comportamento, sendo ainda subjetiva, à medida que nessas relações familiares a discussão da culpa é fundamental.
Neste ponto a teoria subjetiva é adotada em regra pelo Código Civil vigente, ou seja, para que ocorra a reparação do dano deve haver o descumprimento da obrigação e ainda que se prove a culpa do agente que causou o dano.
A responsabilidade civil é ligada a conduta que provoca o dano. Este resultado deve ter a pretensão de atingir o objetivo. Este resultado é consciente, ou seja, o agente queria o resultado, acerca disso temos no art. 186 do CC/2002 “Aquele que, por ação ou omissão voluntaria, negligencia ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”.
Teremos aqui o propósito de analisar o abandono afetivo dos pais em relação aos filhos, na visão do novo conceito de família. Conscientemente deixamos claro também que nem toda ausência de afetividade entre pais e filhos poderá levar a uma busca da reparação civil e sua consequente condenação.
O abandono afetivo como conduta ilícita foi proposta em Projeto de Lei do Senado Federal n° 700 de 2007, pelo Senador Marcelo Crivella, cuja ementa modifica os artigos 4°, 5°, 22, 24, 56, 58, 129 e 130; e acrescenta o artigo 232-A53 ao Estatuto da Criança e do Adolescente antevendo pena de detenção de um a seis meses para “quem deixar, sem justa causa, de prestar assistência moral ao filho menor de 18 anos, prejudicando-lhe o desenvolvimento psicológico e social”.
Como justificativa do projeto, o senador ressalta:
Ninguém está em condições de duvidar que o abandono moral por parte dos pais produz sérias e indeléveis consequências sobre a formação psicológica e social dos filhos. Amor e afeto não se impõem por lei! Nossa iniciativa não tem essa pretensão. Queremos, tão-somente, esclarecer de uma vez por todas, que os pais têm o DEVER de acompanhar a formação dos filhos, orientá-los nos momentos mais importantes, prestar-lhes solidariedade e apoio nas situações de sofrimento e, na medida do possível, fazerem-se presentes quando o menor reclama espontaneamente a sua companhia (BRASIL, 2015 p. 10).
Importa lembrar que, hoje, qualquer relação parental em que haja sofrimento ou mágoa é passível de gerar pagamento de indenização. Inclusive, recentemente, para ser mais preciso, em maio de 2012, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) fez uso dessa tese ao decidir que um pai deverá pagar indenização por danos morais decorrentes do abandono afetivo de sua filha. Essa decisão indica que os danos decorrentes das relações familiares não podem ser diferenciados dos ilícitos civis em geral.
A relatora nesse processo no STJ, Ministra Nancy Andrighi, foi clara em sua decisão:
“Aqui não se fala ou se discute o amar e, sim, a imposição biológica e legal de cuidar, que é dever jurídico, corolário da liberdade das pessoas de gerarem ou adotarem filhos”. O amor diz respeito à motivação, questão que refoge os lindes legais, situando-se, pela sua subjetividade e impossibilidade de precisa materialização, no universo meta-jurídico da filosofia, da psicologia ou da religião. O cuidado, distintamente, é tisnado por elementos objetivos, distinguindo-se do amar pela possibilidade de verificação e comprovação de seu cumprimento, que exsurge da avaliação de ações concretas: presença; contatos, mesmo que não presenciais; ações voluntárias em favor da prole; comparações entre o tratamento dado aos demais filhos – quando existirem –, entre outras fórmulas possíveis que serão trazidas à apreciação do julgador, pelas partes (BRASIL, 2015 p. 9).
Desse modo os Estados Partes respeitarão o direito da criança que esteja separada de um ou de ambos os pais de manter regularmente relações pessoais e contato direto com ambos, a menos que isso seja contrário ao interesse maior da criança.
2.2 CULPA
No seu sentido amplo, a culpa é toda conduta humana divergente do direito, sendo ele intencional ou não, ou seja, com dolo ou culpa. Quando se age com dolo, a vontade do agente já é de obter um resultado ilícito enquanto que quando se age com culpa, a intenção não é do ilícito, mas o resultado foi danoso.
Evidencia- se aqui, que a culpa não é elemento da responsabilidade civil objetiva, e apenas cabe comprovar nos casos de responsabilidade subjetiva, que é o caso no abandono afetivo.
2.3 DANO
O dano é o pressuposto mais importante da responsabilidade civil, uma vez que não se fala em indenização sem que o dano ocorra. Diz Sérgio Cavalieri Filho (op. Cit., 2008, p.71) “se a vitima não sofreu nenhum prejuízo, a toda evidencia, não haverá o que ressarcir”.
2.4 NEXO DE CAUSALIDADE
É a ligação entre o dano e o fato gerador. Este dano necessita ser causado por uma conduta ilícita do agente e ter necessariamente relação de causa e efeito.
Ocorrendo o abandono afetivo do pai ou da mãe (aqui a conduta) gera problemas de ordem moral para os filhos (aqui o dano), sendo tais problemas uma conexão com a conduta (nexo causal), ou seja, sem a ação o dano não existe, estando assim configurado ato ilícito, ensejando assim a responsabilização civil do agente do dano.
A indenização pela falta de afetividade, mesmo sendo em pecúnia, não trata de vantagem econômica, mas uma compensação pelas consequências decorridas pelo abandono.
A responsabilidade civil em face do abandono afetivo merece um olhar mais amplo dos julgadores, uma vez que existem sentimentos envolvidos, o que dificulta a configuração do ato ilícito, uma vez que é totalmente subjetivo. Aqui a culpa é analisada, a ação e a omissão dos genitores que causam danos aos filhos devem estar interligadas com a negligencia para que exista a responsabilidade subjetiva.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A pesquisa acima teve relevância, pois comprova que com a evolução da família tem-se o direito evoluído junto, para atender essa nova realidade, ocorre uma readequação frente à sociedade, levando a um aprimoramento de suas necessidades.
A responsabilidade civil em face do abandono paterno filial se comprova com a falta de convívio, e em decorrência dessa situação pode gerar danos e comprometer o desenvolvimento saudável do filho e sua omissão gera danos emocionais e de cunho afetivo suscetíveis de serem indenizados, uma vez que, no nosso ordenamento jurídico, o dever de cuidar dos pais é intransferível e irrenunciável, salvo se ocorrer à perda do poder pátrio.
Provado, pois que a ausência afetiva foi capaz de gerar ilícito o direito civil deve dirimir e corresponder ao lesado dando a este, o direito de procurar recursos jurídicos que asseverem a conduta do lesante (responsável paterno) e ao mesmo tempo lhe criar condições para que possa minorar as consequências deste ato ilícito, ou seja, a devida indenização ao lesado (filho abandonado afetivamente).
Esta não é uma necessidade do direito de família que intenciona obrigar alguém a amar, mas parte do principio de que a ninguém é dado o direito de ocasionar prejuízos a outrem e se assim o fizer, deve indenizar na medida certa do mal que causou e na proposição do seu poder aquisitivo.
O dano ocorrido na esfera psicológica de uma criança tem a eminência de ser maior do que os danos materiais capazes de se refazerem com facilidade, pois os danos morais nem sempre podem ser apagados, assim é certo que as consequências deixadas na personalidade de uma criança a marcara por toda a vida.
Portanto se a sociedade se ergue diante desta conjuntura procurando o judiciário para proteger a dignidade dos filhos cabe a Esse cumprir seu dever de equilibrador das relações sociais sem deixar que alegações sentimentais lhe tirem a função principal, ou seja, a aplicação das normas aos fatos sociais da vida diária.
Por fim, fica evidenciado o Projeto de Lei em tramitação no Senado Federal sob o n. 700/2007, de autoria do Senador do Estado do Rio de Janeiro, Marcelo Crivella, tendo como teor desse projeto de Lei, a criminalização do abandono afetivo, transformando em conduta ilícita e promovendo modificações no Estatuto da Criança e do Adolescente, de modo que além de codificada a obrigação da paternidade responsável, seja penalizada civil e penalmente a quem ela infringir e, possibilitando a exigibilidade da indenização pecuniária em face daqueles que violaram tais mandamentos.
REFERÊNCIAS BIBLOGRÁFICAS
ALBUQUERQUE, Fabíola Santos. A incidência dos princípios constitucionais no direito de família. In: DIAS, Maria Berenice. Revista dos Tribunais, 2009.
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Bacharelanda do curso de Direito da Faculdade Serra do Carmo - Fasec/TO.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FERNANDES, Ellis Fúlvia Rodrigues. A reponsabilidade civil dos pais em face do abandono paterno filial Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 08 dez 2016, 04:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/47924/a-reponsabilidade-civil-dos-pais-em-face-do-abandono-paterno-filial. Acesso em: 23 dez 2024.
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