RESUMO: Este trabalho analisa a utilização, pelo Ministério Público, da ação civil pública e da ação de improbidade administrativa, na fiscalização das entidades que compõem o Terceiro Setor.
PALAVRAS-CHAVE: Terceiro Setor. Ação civil pública. Ação de improbidade administrativa. Ministério Público.
A Constituição Federal dispõe expressamente sobre a legitimidade do Ministério Público para o ajuizamento da ação civil pública (artigo 129, III, CF/88) e a Lei 7.347/85 confere primazia ao parquet para o desempenho de tal mister, ao indicá-lo como destinatário de peças para instruir a ação (artigo 7º), muni-lo do inquérito civil (artigo 8º, §1º) e relacioná-lo como fiscal da lei interveniente em todas os feitos em que não figurar como autor (artigo 5º, §1º). [1]
O modelo institucional construído a partir da Constituição Federal de 1988, somado à tradição e à experiência dos membros do Ministério Público na defesa dos interesses sociais e individuais indisponíveis, são fatores que contribuem para que o parquet venha sendo o legitimado processual que mais tem proposto ações civis públicas no país.
Nesse sentido, é oportuna a ressalva feita por Geisa de Assis Rodrigues quanto à necessidade de estruturação do Ministério Público para a promoção dos direitos transindividuais: [2]
Com efeito, não podemos esquecer a responsabilidade da instituição ministerial, porque o sistema lhe reservou o papel de protagonista na defesa desses direitos, atuando em todos os feitos judiciais nos quais os mesmos são discutidos, quer os tenha intentado ou não, e franqueando uma série de poderes e instrumentos de atuação extrajudicial que permitem a garantia dos direitos transindividuais. Por isso, há muito o que fazer dentro do Parquet para o reconhecimento da importância dessas atribuições e a estruturação de uma atividade que seja o mais independente possível do valor individual de cada um de seus membros.
Este trabalho analisa a utilização, pelo Ministério Público, da ação civil pública e da ação de improbidade administrativa, na fiscalização das entidades que compõem o Terceiro Setor.
2. AÇÃO CIVIL PÚBLICA
Por meio da ação civil pública os legitimados ativos buscam em juízo a responsabilização dos causadores de danos morais e materiais causados ao meio-ambiente, ao consumidor, aos bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, a qualquer outro interesse difuso ou coletivo, por infração da ordem econômica e da economia popular e à ordem urbanística.
Segundo o CDC, são interesses e direitos difusos os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato (artigo 81, parágrafo único, I). Exemplos: direito de respirar ar puro, direito do consumidor de ser alvo de publicidade não enganosa e direito da comunidade sobre a integralidade do patrimônio público em sentido amplo (erário, patrimônio cultural, moral e ecológico). [3]
Os interesses e direitos coletivos são os transindividuais de natureza indivisível, de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si com a parte contrária por uma relação jurídica base (CDC, artigo 81, parágrafo único, II). Diferem dos direitos difusos, basicamente, devido à necessidade de relação jurídica base entre os membros do grupo ou entre esses e a parte contrária. Exemplo: aquisição, pelos moradores da localidade, de produtos contaminados produzidos por indústria. [4]
Já os interesses ou direitos individuais homogêneos são os decorrentes de origem comum (CDC, artigo 81, parágrafo único, III) e essencialmente divisíveis, tal como decorre da aquisição de veículos de uma determinada marca, ano e série com defeitos de fabricação. [5]
Não há dúvidas quanto à legitimidade do Ministério Público para o ajuizamento de ação civil pública para proteção dos direitos e interesses difusos e coletivos. Em relação aos direitos individuais homogêneos, tem havido muitas divergências na doutrina e na jurisprudência.
O STF reconheceu a legitimidade ministerial para impugnar, em ação civil pública, mensalidades escolares abusivas, por se tratar de tema ligado ao direito à educação.[6] O STJ vem reconhecendo a legitimidade do parquet para atuar na defesa dos direitos individuais homogêneos indisponíveis ou com repercussão social, em casos em que se tutelava, por exemplo, o direito à saúde, direitos do consumidor de telefonia móvel, direitos previdenciários, liquidação extrajudicial de instituição financeira, registro profissional no Conselho de Medicina Veterinária, interesse de menor, interesse de deficientes físicos, sistema financeiro de habitação, direito à moradia, internação de gestante e recém-nascido em hospital, fornecimento de medicamento a idoso, consumidores de planos de capitalização e defesa de usuários de transporte coletivo. [7]
Ora, nem mesmo a lei pode diminuir, sob qualquer pretexto, a atribuição ministerial de defesa dos interesses sociais prevista na Constituição Federal (artigo 127). Por isso, sempre que os direitos individuais homogêneos tiverem repercussão social, o Ministério Público terá legitimidade para atuar em juízo. Além disso, há casos em que legislação confere legitimidade expressa ao parquet para defender direitos individuais homogêneos.[8] Gregório Assagra de Almeida, com precisão, captou a relevância da atuação ministerial na defesa desses direitos, em palavras dignas de transcrição: [9]
A legitimação do Ministério Público está expressa no texto constitucional (art. 127, caput e art. 129, III). A mesma Lei Maior confere ao legislador infraconstitucional poder para conceder ao Parquet outras funções compatíveis com suas atribuições (art. 129, IX, da CF), e a legitimidade no caso é institucional e está respaldada, como se vê, no texto constitucional. A atuação é de interesse social, e sempre que houver a afirmação de direito pertinente aos interesses ou direitos individuais homogêneos, o Ministério Público poderá atuar, com o ajuizamento da respectiva ação coletiva. O que ele defende não é o interesse de cada vítima ou de seus sucessores, mas o interesse globalmente considerado que, no caso, é o interesse social, justificado para evitar a proliferação de demandas individuais, a dispersão das vítimas titulares dos direitos e o desequilíbrio jurídico decorrente da possibilidade de decisões jurisdicionais contraditórias sobre o mesmo assunto.
Os pedidos formulados na ação civil pública não se restringem à condenação em dinheiro ou ao cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer (artigo 3º da Lei 7.347/85): aplica-se à defesa dos direitos e interesses difusos e coletivos o disposto no artigo 83 do CDC, conforme artigo 21 da própria lei da ação civil pública. Cabe, portanto, a formulação de pedido condenatório, meramente declaratório (positivo ou negativo) ou constitutivo (negativo ou positivo) por meio da ação civil pública, sempre levando-se em conta a adequação do pedido à efetiva tutela[10] do direito coletivo pleiteado.
A decisão mandamental em pedido de obrigação de fazer ou não fazer possui nítido caráter preventivo na medida em que procura impedir a ocorrência do dano ou obstar a continuidade da conduta ilegal praticada. Assim, a doutrina defende que a ação civil pública possui caráter precipuamente cominatório: na maioria dos casos o interesse público é voltado a obstar a agressão de direitos difusos ou obter a reparação in natura do dano causado, ou seja, que conduza à recomposição do statu quo ante. [11] Nesse sentido, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao adimplemento e, somente em caráter subsidiário (quando não houver outros meios cabíveis para proteção direta dos direitos difusos sub judice), concederá tutela indenizatória, nos termos do artigo 84 do CDC.
Segundo Luiz Guilherme Marinoni, a mais importante das tutelas específicas [12]
é aquela que se destina a impedir ou remover o ato contrário ao direito. Trata-se de tutela anterior ao dano, e que assim é capaz de dar efetiva proteção ao direito, seja quando o ato contrário ao direito ainda não foi praticado (tutela inibitória), seja quando o ato contrário ao direito já ocorreu, mas, diante de sua eficácia continuada, é preciso removê-lo para evitar a produção de danos (tutela de remoção do ilícito).
A Lei 8.625/93 estabelece a atribuição ministerial de promover a ação civil pública, na forma da lei, para a proteção, prevenção e reparação dos danos causados ao meio ambiente, ao consumidor, aos bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, e a outros interesses difusos, coletivos e individuais indisponíveis e homogêneos; e para a anulação ou declaração de nulidade de atos lesivos ao patrimônio público ou à moralidade administrativa do Estado ou de Município, de suas administrações indiretas ou fundacionais ou de entidades privadas de que participem (artigo 25, IV, alíneas “a” e “b’). Por sua vez, a Lei Complementar 75/93 diz competir ao Ministério Público da União promover a ação civil pública para a proteção dos seguintes bens e direitos: direitos constitucionais; patrimônio público e social, do meio ambiente, dos bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico; interesses individuais indisponíveis, difusos e coletivos, relativos às comunidades indígenas, à família, à criança, ao adolescente, ao idoso, às minorias étnicas e ao consumidor; e outros interesses individuais indisponíveis, homogêneos, sociais, difusos e coletivos (artigo 6º, VII).
Prevalece na doutrina o entendimento de que o Ministério Público possui legitimidade extraordinária para ajuizar ação civil pública, pois o parquet age em nome próprio na defesa dos interesses sociais. A legitimidade é também concorrente – porque não impede a legitimidade de terceiros, nas mesmas hipóteses, conforme previsto na Lei 7.347/85 (artigo 5º) e na Constituição Federal (artigo 129, §1º). [13]
Ao lado do Ministério Público, figuram como legitimados ativos para propor a ação principal e a ação cautelar a Defensoria Pública, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, a autarquia, empresa pública, fundação, sociedade de economia mista e a associação que atenda aos requisitos legais. [14]
São vários os exemplos de ações civis públicas ajuizadas pelo Ministério Público questionando-se a ausência de procedimento de competição para escolha das entidades contratadas, com recursos públicos, pelo Terceiro Setor. É o que ocorreu na ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público Federal em Ourinhos – SP para determinar que a Santa Casa e o Município de Chavantes – SP realizassem procedimento licitatório para contratação de serviços hospitalares, remunerados com recursos púbicos, prestados por terceiros no referido hospital. [15]
No desempenho da atribuição constitucional de zelar pelo respeito dos serviços de relevância pública aos direitos constitucionais, o Ministério Público Federal em Pernambuco ajuizou ação civil pública para determinar que a Universidade Federal de Pernambuco e a Fundação de Apoio ao Desenvolvimento da referida universidade não cobrassem quaisquer importâncias dos seus alunos como condição de inscrição e frequência nos seus cursos de especialização. [16]
Outra destacada atuação judicial do Ministério Público, por meio do ajuizamento de ações civis públicas, é o combate de terceirizações ilegais de hospitais por meio de organizações sociais e entidades do Terceiro Setor.
No Pará, o Ministério Público Federal ajuizou ação civil pública, em dezembro de 2005, questionando a transferência da administração do Hospital Metropolitano para a Associação Cultural e Educacional do Pará – ACEPA. [17]
Em abril de 2006, a Procuradoria da República no Estado de São Paulo ajuizou ação civil pública requerendo, dentre outros pedidos, que o Município de São Paulo se abstivesse de qualificar entidades privadas como Organizações Sociais para fins de atuação no SUS e se abstivesse de firmar contratos de gestão com essas entidades para a prestação de serviços públicos de saúde. [18]
Naquele mesmo ano, o Ministério Público Federal em São José dos Campos – SP ajuizou ação civil pública questionando o Decreto Municipal 12.230, de 24 de julho de 2006, no qual o Poder Executivo do Município de São José dos Campos qualificou como Organização Social a Associação Paulista para o Desenvolvimento da Medicina (SPDM) e celebrou com a entidade contrato de gestão para a administração do Hospital Municipal “Dr. José de Carvalho Florence”. [19]
Mais recentemente, os Ministérios Públicos Federal (MPF), do Trabalho (MPT) e Estadual (MPE-RJ) ajuizaram conjuntamente ação civil pública contestando a terceirização do Hospital Alcides Carneiro, repassado pelo Município de Petrópolis – RJ ao Serviço Social Autônomo Hospital Alcides Carneiro (SEHAC). [20]
A Lei 8.429, de 2 de junho de 1992, é importante instrumento legal de combate à corrupção no Brasil. Chamada de Lei da Improbidade Administrativa, prevê graves sanções para a prática de atos que importam enriquecimento ilícito (artigo 9º), causam prejuízo ao erário (artigo 10) ou atentam contra os princípios da administração pública (artigo 11). A aplicação das sanções por atos de improbidade administrativa independe da efetiva ocorrência de dano patrimônio público, salvo quanto à pena de ressarcimento, e da aprovação ou rejeição das contas pelo órgão de controle interno ou pelo Tribunal ou Conselho de Contas (artigo 21).
O Ministério Público possui a função constitucional de proteger o patrimônio público e social (artigo 127, III). Nesse sentido, é uníssono o reconhecimento jurisprudencial da atribuição do parquet em ajuizar[21] ações de improbidade administrativa.
Apesar de promulgada em época em que o Terceiro Setor ainda não tinha o enorme desenvolvimento hoje observado no país, os dispositivos legais da referida lei são suficientemente abrangentes para punir os atos de improbidade administrativa praticados pelos agentes que se utilizam ilegalmente dos recursos públicos repassados às entidades privadas.
De acordo com a Lei 8.429/92, as entidades que compõem o Terceiro Setor podem ser atingidas pela prática de atos de improbidade administrativa em duas situações diferentes.
A primeira ocorre quando o erário houver concorrido para a criação ou custeio com mais de 50% do patrimônio ou da receita anual da entidade do Terceiro Setor, na forma do caput do artigo 1º da Lei 8.429/92. A sanção patrimonial é ampla nesse caso.
A segunda ocorre em relação aos atos praticados contra o patrimônio de entidade que receba subvenção, benefício ou incentivo, fiscal ou creditício, de órgão público, bem como daquelas para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com menos de 50% do patrimônio ou da receita anual (artigo 1º, parágrafo único, da Lei 8.429/92). Nessa segunda situação, a sanção patrimonial limita-se à repercussão do ilícito sobre a contribuição dos cofres públicos.
Segundo Emerson Garcia e Rogério Pacheco Alves, a responsabilização pela prática de atos de improbidade administrativa contra entidades privadas pressupõe que os benefícios, incentivos e subvenções estejam associados à consecução de determinado fim de interesse público, individualizado pelas circunstâncias do caso concreto. [22]
É justamente o que ocorre com o repasse de recursos públicos nas parcerias estabelecidas com o Terceiro Setor, por meio de convênios, contratos de repasse, contratos de gestão ou termos de parceria, os quais estão vinculados à prestação de serviços de relevância pública. Com efeito, para a qualificação da entidade do Terceiro Setor como sujeito passivo do ato de improbidade administrativa, importa verificar, se, no caso concreto, houve a utilização de recursos públicos oriundos dos meios econômicos de fomento: subvenção, benefício ou incentivo, fiscal ou creditício, de órgão público. Nesses casos, as entidades do Terceiro Setor são consideradas pela lei como sujeito passivo do ato de improbidade administrativa, ou seja, são titulares do bem jurídico ameaçado ou violado pela conduta ilícita do agente.
Nesse passo, a Lei 13.019/14 estabeleceu hipóteses próprias de atos de improbidade administrativa relacionados ao Terceiro Setor. São as seguintes que importam em prejuízo ao erário: frustrar a licitude de processo licitatório ou de processo seletivo para celebração de parcerias com entidades sem fins lucrativos, ou dispensá-los indevidamente; facilitar ou concorrer, por qualquer forma, para a incorporação, ao patrimônio particular de pessoa física ou jurídica, de bens, rendas, verbas ou valores públicos transferidos pela administração pública a entidades privadas mediante celebração de parcerias, sem a observância das formalidades legais ou regulamentares aplicáveis à espécie; permitir ou concorrer para que pessoa física ou jurídica privada utilize bens, rendas, verbas ou valores públicos transferidos pela administração pública a entidade privada mediante celebração de parcerias, sem a observância das formalidades legais ou regulamentares aplicáveis à espécie; celebrar parcerias da administração pública com entidades privadas sem a observância das formalidades legais ou regulamentares aplicáveis à espécie; agir negligentemente na celebração, fiscalização e análise das prestações de contas de parcerias firmadas pela administração pública com entidades privadas;liberar recursos de parcerias firmadas pela administração pública com entidades privadas sem a estrita observância das normas pertinentes ou influir de qualquer forma para a sua aplicação irregular; e liberar recursos de parcerias firmadas pela administração pública com entidades privadas sem a estrita observância das normas pertinentes ou influir de qualquer forma para a sua aplicação irregular.
Já no artigo 11 da Lei de Improbidade Administrativa, a nova lei do Terceiro Setor inseriu um novo dispositivo caracterizado de ato de improbidade: descumprir as normas relativas à celebração, fiscalização e aprovação de contas de parcerias firmadas pela administração pública com entidades privadas.
A delimitação legal do sujeito ativo, ou seja, aquele que pratica o ato ilícito qualificado como ato de improbidade administrativa, é ainda mais ampla e inclui os funcionários e dirigentes das entidades do Terceiro Setor. De acordo com a norma de extensão estabelecida na Lei de Improbidade, todo aquele que exercer, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investimento ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função nas entidades mencionadas no artigo 1º da Lei 8.429/92, são considerados agentes públicos. Citem-se, pela precisão dos argumentos, as palavras de Emerson Garcia e Rogério Pacheco Alves: [23]
Assim, coexistem lado a lado, estando sujeitos às sanções previstas na Lei 8.429/92, os agentes que exerçam atividade junto à administração direta ou indireta (perspectiva funcional), e aqueles que não possuam qualquer vínculo com o Poder Público, exercendo atividade eminentemente privada junto a entidades que, de qualquer modo, recebam numerário de origem pública (perspectiva patrimonial). Como se vê, trata-se de conceito muito mais amplo que o utilizado pelo artigo 327 do Código Penal.
Nesta linha, para os fins da Lei de Improbidade, tanto será agente público o presidente de uma autarquia, como o proprietário de uma pequena empresa do ramo de laticínios que tenha recebido incentivos, fiscais ou creditícios, para desenvolver sua atividade.
Podem ser considerados agentes públicos tanto os dirigentes quanto os funcionários, ainda que voluntários, das entidades do Terceiro Setor. Para a responsabilização pela prática de atos ímprobos é imprescindível a condição de agente público do funcionário do Terceiro Setor e a prática dolosa (ou culposa no caso dos atos que causam prejuízo ao erário) do ato em razão da especial condição de agente público.
Alguns exemplos ajudam a esclarecer a imputação de atos de improbidade administrativa a funcionários das entidades do Terceiro Setor e à própria pessoa jurídica beneficiada pelo ato.
O Ministério Público Federal em Jaú –SP ajuizou ação de improbidade administrativa contra o Prefeito Municipal de Itapuí – SP e os dirigentes da OSCIP Fênix do Brasil – Gestão e Desenvolvimento de Políticas Públicas e Sociais, em razão de irregularidades constatadas na contratação e execução do termo de parceria firmado para promoção, desenvolvimento, implantação e a execução do Programa de Saúde da Família e Programa da Saúde Bucal no referido município.[24] A representante legal e o gestor da OSCIP foram considerados agentes públicos por exercerem atividades de interesse público e gerenciaram parte do erário, figurando no pólo passivo da ação proposta.
Em outro exemplo, os responsáveis pelo gerenciamento e execução do Programa de Alfabetização Solidária perante a Faculdade Integrada de Santa Fé do Sul (FISA/FUNEC) foram considerados agentes públicos nos termos do artigo 2º da Lei 8.429/92.[25] Os agentes atuavam como longa manus da Associação de Apoio ao Programa de Alfabetização Solidária (AAPAS), entidade privada de interesse público, sem fins lucrativos, que ostentava o título de utilidade pública federal e possuía mais da metade da receita anual oriunda de recursos públicos. O MPF demonstrou que os réus atuavam, em nome da entidade privada, como gestores e responsáveis pelos pagamentos realizados com os recursos públicos na execução do Programa de Albetização Solidária.
Quando a entidade do Terceiro Setor se beneficiar dos atos de improbidade administrativa praticados por outrem, incorporando ao seu patrimônio bens desviados pelo agente ímprobo, sujeitar-se-á também às sanções previstas na Lei 8.429/92 compatíveis com as suas peculiaridades.[26] A pessoa jurídica poderá, assim, sofrer as penas de perda dos valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, multa civil, proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, bem como ser obrigada a reparar os danos causados.
Como exemplo, cite-se a ação de improbidade administrativa na qual o Ministério Público Federal em São José dos Campos – SP imputou diretamente a prática de atos de improbidade administrativa ao Centro de Gestão e Estudos Estratégicos – CGEE, associação civil qualificada como Organização Social, e ao sócio fundador da entidade. A pessoa jurídica foi beneficiária imediata do ato de improbidade, não vítima deste, na medida em que foi a responsável direta pela decisão institucional de subcontratação ilegal apontada pelo MPF na petição inicial. O pedido formulado nessa ação contra a pessoa jurídica, porém, restringiu-se à aplicação de multa civil. [27]
Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou confusão patrimonial (artigo 50 do Código Civil), poderá ser desconsiderada a personalidade jurídica da entidade do Terceiro Setor para se buscar a reparação dos prejuízos causados diretamente do patrimônio dos administradores da associação ou fundação civil.
Uma última observação se faz necessária, quanto à prescrição. O artigo 23 da Lei 8.429/92 estabelece o prazo prescricional de 5 anos para a propositura de ação de improbidade administrativa contados do término do exercício do mandato, de cargo em comissão ou de função de confiança (inciso I) ou então a propositura da ação deve ocorrer dentro do prazo prescricional previsto em lei específica para faltas disciplinares puníveis com demissão a bem do serviço público, nos casos de exercício de cargo efetivo ou emprego (inciso II).
O amplo conceito de agente público adotado no artigo 2º da Lei 8.429/92 não encontra perfeita simetria nas hipóteses de prescrição previstas no artigo 23 da mesma lei. Como se opera a prescrição de atos de improbidade administrativa praticados por dirigente ou funcionário de entidade do Terceiro Setor?
A princípio, deve-se ter em mente que os dirigentes e funcionários do Terceiro Setor são empregados celetistas, isto é, regidos pelas normas previstas na Consolidação das Leis do Trabalho – CLT (Decreto-lei 5.452, de 1º de maio de 1943). Relembre-se que a lei permite a remuneração dos dirigentes das Organizações Sociais e das Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (mas limitadas ao valor bruto da remuneração dos servidores do Poder Executivo Federal para o gozo de benefícios fiscais, nos termos do artigo 34, parágrafo único da Lei 10.637/02), contudo veda a remuneração dos cargos da diretoria, conselhos fiscais, deliberativos ou consultivos das entidades declaradas de utilidade pública federal (artigo 1º, “c”, da Lei 91/35).
Pode haver, portanto, gerente ou funcionário de entidade do Terceiro Setor ocupante de função de confiança na entidade, nos termos do artigo 62 da CLT[28], ou, ainda, regulamento específico de uma Organização Social ou OSCIP que preveja prazos próprios para apuração e punição dos empregados das respectivas entidades. Indiferentemente da ocorrência ou não dessas circunstâncias, sempre que o funcionário do Terceiro Setor praticar o ato de improbidade administrativo em concurso com um ocupante de cargo efetivo ou emprego público, sujeitar-se-á ao mesmo prescricional aplicável ao servidor público que também praticou o ato.
Há, pois, uma regra geral para contagem do prazo prescricional para punição dos agentes e da própria pessoa jurídica do Terceiro Setor beneficiada pela prática de atos de improbidade administrativa: o particular, pessoa jurídica (art. 3º da Lei 8.429/92) ou não que se relaciona com agentes públicos na prática de ilícitos caracterizados como atos de improbidade administrativa se submete às regras de prescrição a estes aplicáveis.[29] Será aplicada, portanto, a regra prevista no inciso I ou II do artigo 23 da Lei 8.429/92, conforme o caso concreto.
Em relação ao inciso II do artigo 23 da Lei de Improbidade, registre-se que no âmbito federal o prazo de prescrição da falta disciplinar praticado por servidor público começará a contar do dia em que o fato se tornou conhecido, aplicando-se os prazos de prescrição da lei penal quando as infrações disciplinares forem capituladas também como crime (artigo 142, §§1º e 2º da Lei 8.112/90). [30]
Logo, se o ato de improbidade administrativa que causou prejuízo ao erário federal for também tipificado como peculato, por exemplo, o prazo de prescrição para ajuizamento da ação de improbidade será de 16 anos, contado da data de ciência do fato, conforme interpretação sistemática do artigo 23, II, da Lei 8.429/92, artigo 142, §§ 1º e 2º da Lei 8.112/90 e artigos 312 e 109, II, ambos do Código Penal. Esse mesmo prazo prescricional será aplicado também ao funcionário da entidade do Terceiro Setor co-autor do ato improbidade ou à própria pessoa jurídica beneficiada pelo ato ímprobo.
Nos casos em que não houver coparticipação de servidores públicos nos atos de improbidade administrativa praticados por funcionários de entidades do Terceiro Setor, deverá ser aplicada, por analogia, a regra do artigo 23, II, da Lei 8.429/92, preenchendo-se a moldura legal mediante a aplicação do prazo prescricional previsto em lei específica para faltas disciplinares puníveis com demissão de acordo com o regime jurídico dos servidores públicos do correspondente ente da administração direta (União, Estados, Distrito Federal ou Municípios) que repassou os recursos públicos à entidade privada sem fins lucrativos. [31]
Cite-se o exemplo do dirigente de uma OSCIP parceira da União, que receba propina de terceiro como condição prévia para celebrar contrato de prestação de serviços com determinada empresa privada, sem que haja qualquer participação de servidor público em tal fato. Como a conduta praticada configura tanto ato de improbidade (artigo 9º, I, da Lei 8.429/92) quanto crime de corrupção ativa (artigo 317 do Código Penal), aplicar-se-á o prazo prescricional de 16 anos previsto na lei penal, conforme interpretação sistemática do artigo 23, II, da Lei 8.429/92, artigo 142, §2º da Lei 8.112/90 e artigos 317 e 109, II, ambos do Código Penal. Perceba-se: o estatuto dos servidores públicos federais foi aplicado no referido exemplo, para o cálculo da prescrição, porque a parceria foi estabelecida com a União.
Se, no exemplo acima, a parceria tivesse sido estabelecida com o Estado de São Paulo, a prescrição igualmente ocorreria no prazo em abstrato da pena criminal, conforme o artigo 261, III, da Lei Estadual 10.261, de 28 de outubro de 1968, na redação dada pelo art. 1°, III da Lei Complementar n. 942, de 6.6.2003. Mas nesse exemplo aplicar-se-ia o estatuto dos servidores públicos do Estado de São Paulo, ente que estabeleceu a parceria com o Terceiro Setor.
Importa, pois, verificar o regime jurídico dos servidores públicos da Administração Direta que fomentou a atividade da entidade do Terceiro Setor para o cálculo do prazo prescricional para ajuizamento da ação contra o funcionário ou dirigente privado que praticou o ato de improbidade administrativa, nos termos do artigo 23, II, da Lei 8.429/92.
Por fim, diante do disposto no artigo 37, §5º da Constituição Federal, as ações de ressarcimento dos danos causados ao erário são imprescritíveis, conforme vem acertadamente decidindo o Supremo Tribunal Federal.[32] Boa parte da doutrina também acolhe a tese da imprescritibilidade dessas ações. [33]
4. CONCLUSÕES
Em relação aos direitos individuais homogêneos, o Ministério Público sempre terá legitimidade para atuar em juízo quando o caso tiver repercussão social ou quando possuir atribuição legal específica para a defesa desses direitos.
A ação civil pública permite a formulação dos pedidos adequados para tutelar eficazmente o direito lesado e costuma ser utilizada, no controle do Terceiro Setor, para combater terceirizações ilegais de serviços públicos, assegurar a isonomia e moralidade nos processos de competição para escolha da entidade parceira do Poder Público e garantir o respeito dos serviços de relevância pública aos direitos constitucionais.
As entidades que compõem o Terceiro Setor podem ser sujeito passivo da prática de atos de improbidade administrativa, na medida em que o erário houver concorrido para a criação ou custeio do seu patrimônio ou receita anual. Os funcionários e dirigentes das entidades do Terceiro Setor, independentemente de exercerem trabalho voluntário ou mediante remuneração, podem ser considerados sujeitos ativos de atos de improbidade administrativa.
REFERÊNCIAS
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GARCIA, Emerson. Ministério Público. 3ª edição, rev. amp. e atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008.
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GRAVONSKI, Alexandre Amaral. Técnicas extraprocessuais de tutela coletiva. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010.
MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica processual e tutela dos direitos. 3ª ed. rev. e atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010,
MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Ação civil pública. 8ª ed. rev. atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002.
MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo. 19ª ed. rev. ampl. e atual. São Paulo: Saraiva, 2006.
RODRIGUES, Geisa de Assis. Ação civil pública e termo de ajustamento de conduta: teoria e prática. Rio de Janeiro: Forense, 2006.
[1] No âmbito legislativo, a ação civil pública foi referida pela primeira vez na Lei Complementar Federal 40/81, antiga Lei Orgânica do Ministério Público, que incluiu entre as funções ministeriais a promoção da ação civil pública, na forma da lei (artigo 3º, III). A doutrina também costuma mencionar, como exemplo de ação civil pública, a ação de responsabilidade civil por danos causados ao meio ambiente, prevista no artigo 14, §1º, da Lei 6.938/81.
[2] RODRIGUES, Geisa de Assis. Ação civil pública e termo de ajustamento de conduta: teoria e prática. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 74.
[3] Os exemplos são de Gregório Assagra de Almeida. In: ALMEIDA, Gregório Assagra de. Direito processual coletivo brasileiro: um novo ramo do direito processual. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 488.
[4] O exemplo citado é de Emerson Garcia. GARCIA, Emerson. Ministério Público. 3ª edição, rev. amp. e atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 294.
[5] O exemplo, mais uma vez, é de Gregório Assagra de Almeida. Ob. cit. p. 492-493.
[6] RE 163231, Relator(a): Min. Maurício Corrêa, Tribunal Pleno, julgado em 26/02/1997, DJ 29-06-2001 PP-00055 EMENT VOL-02037-04 PP-00737.
[7] REsp 855.181/SC, Rel. Ministro Castro Meira, 2ª Turma, julgado em 01/09/2009, DJe 18/09/2009; AgRg no AgRg no REsp 1167377/SC, Rel. Ministro Humberto Martins, 2ª Turma, julgado em 26/04/2011, DJe 03/05/2011; REsp 1142630/PR, Rel. Ministra Laurita Vaz, 5ª Turma, julgado em 07/12/2010, DJe 01/02/2011; REsp 1220835/RS, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, 5ª Turma, 5ª Turma, julgado em 01/03/2011, DJe 09/06/2011; REsp 909.459/MG, Rel. Ministra Nancy Andrighi, 3ª Turma, julgado em 06/05/2010, DJe 25/05/2010; AgRg no Ag 1156930/RJ, Rel. Ministro Humberto Martins, 2ª Turma, julgado em 10/11/2009, DJe 20/11/2009; REsp 931.513/RS, Rel. Ministro Carlos Fernando Mathias (juiz federal convocado do TRF 1ª REGIÃO), Rel. p/ Acórdão Ministro Herman Benjamin, 1ª Seção, julgado em 25/11/2009, DJe 27/09/2010; REsp 1126708/PB, Rel. Ministra Eliana Calmon, 2ª Turma, julgado em 17/09/2009, DJe 25/09/2009; REsp 950.473/MG, Rel. Ministro Herman Benjamin, 2ª Turma, julgado em 25/08/2009, DJe 27/04/2011; REsp 899.820/RS, Rel. Ministro Teori Albino Zavascki, 1ª Turma, julgado em 24/06/2008, DJe 01/07/2008; REsp 932.330/RS, Rel. Ministro Teori Albino Zavascki, 1ª Turma, julgado em 04/09/2007, DJ 24/09/2007, p. 265; REsp 347.752/SP, Rel. Ministro Herman Benjamin, 2ª Turma, julgado em 08/05/2007, DJe 04/11/2009; REsp 183.798/SP, Rel. Ministro Milton Luiz Pereira, 1ª Turma, julgado em 12/06/2001, DJ 11/03/2002, p. 175.
[8] Artigo 25, IV, “a” da Lei 8.625/93 e artigo 6º, VII, “d” e XII da Lei Complementar 75/93.
[9] ALMEIDA, Gregório Assagra de. Direito processual coletivo brasileiro: um novo ramo do direito processual. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 578.
[10] ALMEIDA, Gregório Assagra, ob. cit. O referido autor denomina de princípio da máxima amplitude da tutela jurisdicional coletiva comum a possibilidade de se ajuizar qualquer tipo de ação e formular o pedido adequado para a correta e efetiva tutela do direito coletivo.
[11] MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Ação civil pública. 8ª ed. rev. atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, p. 27-45.
[12] MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica processual e tutela dos direitos. 3ª ed. rev. e atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010, p. 118.
[13] GARCIA, Emerson. Ministério Público. 3ª edição, rev. amp. e atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 295. CARVALHO FILHO, José dos Santos. Ação civil pública. 5ª edição. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 136.
[14] Apesar de a lei mencionar somente as associações, as fundações criadas pelo setor privado, que possuem finalidades de evidente caráter social (CC, artigo 62, parágrafo único), também possuem legitimidade para ajuizar ação civil pública. Nesse sentido: CARVALHO FILHO, José dos Santos. Ação civil pública. 5ª edição. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 144. Assim, as associações e fundações privadas que compõem o Terceiro Setor, desde que constituídas há mais de um ano e que incluam entre suas finalidades institucionais a proteção ao meio ambiente, ao consumidor, à ordem econômica, à livre concorrência ou ao patrimônio artístico, estético histórico, turístico e paisagístico (artigo 5º, V, da Lei 7.347/85), possuem legitimidade ativa para o ajuizamento de ação civil pública.
[15] A ação foi ajuizada na 1ª Vara Federal de Ourinhos – SP, com base na representação n° 1.34.024.000133/2006-78 e tramitou sob o nº 0001908-50.2008.4.03.6125. O pedido foi julgado improcedente e o MPF recorreu. Atualmente, o processo encontra-se no TRF da 3ª Região para julgamento de apelação.
[16] Ação civil pública nº 2003.83.00.014926-4, distribuída à 10ª Vara Federal de Pernambuco – PE, instruída com base no Procedimento Administrativo nº 1.26.000.000915/2003-12.
[17] A ação foi instruída com o Procedimento Administrativo nº 1.23.000.001945/2005-10 e tombada sob o nº 2005.39.00.009955-0, tramitando na 1ª Vara Federal em Belém – PA. Foram formulados os seguintes pedidos: declaração da nulidade do contrato celebrado; determinação para que o Estado do Pará se abstivesse de conceder, por qualquer meio, a gerência do Hospital Metropolitano a pessoas jurídicas de direito privado, ainda que sem fins lucrativos e qualificadas como organizações sociais; determinação para que a União não transferisse recursos do Sistema Único de Saúde para pagamento de ações e serviços de saúde realizados por pessoas jurídicas de direito privado que se encontrassem eventualmente na administração do Hospital Metropolitano, bem como que fiscalizasse a verba federal repassada pelo SUS ao Estado do Pará, evitando que a administração estadual a empregasse, mesmo que em parte, em tal finalidade. O processo foi sentenciado em 20 de março de 2010, nos seguintes termos: “Ante o exposto: a) não conheço do pedido de condenação do Estado do Pará a não conceder, por qualquer meio, a gerência do Hospital Metropolitano a pessoas jurídicas de direito privado, ainda que sem fins lucrativos e qualificadas como organizações sociais. b) não conheço do pedido de condenação da União a não transferir recursos do Sistema Único de Saúde para pagamento de ações e serviços de saúde realizados por pessoas jurídicas de direito privado que se encontrem eventualmente na administração do Hospital Metropolitano, bem como a fiscalizar a verba federal repassada pelo SUS ao Estado do Pará. c) julgo extinto o processo sem resolução do mérito em relação à UNIFESP, nos termos do art. 267, VI, do Código de Processo Civil. d) no mais, julgo improcedentes os pedidos. Sem condenação em honorários, já que não houve litigância temerária por parte do MPF. Custas ex lege. Oficie-se ao relator do agravo de instrumento noticiado nos autos, comunicando-lhe a prolação da sentença”. O processo, distribuído ao Desembargador Federal Daniel Paes Ribeiro, encontra-se pendente de julgamento dos recursos interpostos contra a sentença no TRF da 1ª Região.
[18] Foram formulados também pedidos para que o Município reassumisse a prestação do serviço público de saúde em todos os estabelecimentos próprios que foram objeto de repasse a Organizações Sociais, se abstivesse de ceder servidores e bens públicos para tais entidades, bem como para que a União controlasse e fiscalizasse a gestão do SUS no Município de São Paulo, notificando o Município a cessar tal conduta e suspendendo o repasse de recursos ao Fundo Nacional de Saúde após o prazo de noventa dias da notificação. A ação tramitou na 3ª Vara Federal em São Paulo sob o nº 0009087-81.2006.4.03.6100 e todos os pedidos formulados pelo MPF, com exceção do pedido de suspensão imediata do repasse dos recursos do FNS para o Município de São Paulo, foram julgados procedentes. Atualmente, o processo encontra-se pendente de julgamento no Tribunal Regional Federal da 3ª Região (Processo nº 0009087-81.2006.4.03.6100).
[19] Dentre os pedidos formulados, destacam-se a determinação para que o Município de São José dos Campos reassumisse, em prazo certo, a gestão e a execução de ações e serviços de saúde e para que se abstivesse de celebrar convênios, termos de parceria, ajustes, contratos de gestão e outros negócios jurídicos ou atos administrativos congêneres que tivessem por objeto a transferência integral a pessoas jurídicas de direito privado, qualificadas ou não como organizações sociais, da gestão e execução de ações e serviços de saúde no referido hospital. O processo tramita na 1ª Vara Federal em São José dos Campos – SP sob o nº 2006.61.03.006530-9. A liminar foi indeferida em 1ª instância. O agravo de instrumento interposto pelo MPF foi improvido pelo TRF da 3ª Região (processo nº 2006.03.00.118972-4). Ainda não houve sentença em primeira instância.
[20] A ação civil pública foi ajuizada em 2010. O processo tramita na 2ª Vara Federal em Petrópolis – RJ sob o nº 2010.5106001002-5. Foi concedida antecipação dos efeitos da tutela, determinando-se que o Município de Petrópolis, em até três meses, retomasse a administração do hospital.
[21] Precedente do STF: AI 545466 ED, Relator(a): Min. Cármen Lúcia, Primeira Turma, julgado em 31/05/2011, DJe-117 DIVULG 17-06-2011 PUBLIC 20-06-2011 EMENT VOL-02547-01 PP-00140. Súmula 329 do STJ: O Ministério Público tem legitimidade para propor ação civil pública em defesa do patrimônio público.
[22] GARCIA, Emerson; ALVES, Rogério Pacheco. Improbidade administrativa. 3ª ed. rev. ampl. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 196. Os autores argumentam que, para fins de incidência da Lei 8.429/92, não basta que as subvenções tenham sido concedidas em caráter genérico. Se não fosse assim, todas as microempresas e pessoas físicas isentas do imposto de renda seriam sujeitos passivos imediatos dos atos de improbidade, o que não seria razoável e condizente com o sistema punitivo da Lei de Improbidade.
[23] GARCIA, Emerson; ALVES, Rogério Pacheco. Improbidade administrativa. 3ª ed. rev. ampl. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 219.
[24] A ação foi ajuizada com base no Procedimento Administrativo nº 1.34.022.000152/2008-86 e tramita na 1ª Vara Federal em Jaú – SP sob o nº 0001850-03.2010.4.03.6117. Dentre as irregularidades apontadas pelo MPF na ação, destacam-se as seguintes: a contratação da OSCIP sem a observância dos princípios da publicidade e competitividade; constatação de que as equipes do Programa de Saúde da Família estavam incompletas; ausência de prestação de contas; ausência de comprovante de despesa no valor de R$ 532.194,46 (quinhentos e trinta e dois mil, cento e noventa e quatro reais e quarenta e seis centavos).
[25] A ação tramita na 1ª Vara Federal em Jales – SP sob o nº 0000368-38.2006.4.03.6124. O MPF demonstrou que foram desviados, em proveito particular, recursos públicos que deveriam ser utilizados na execução do programa, por meio do superfaturamento de notas fiscais de restaurantes e hotéis. Os recursos desviados tinham origem em convênios firmados entre a AAPAS e o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), sujeitos à posterior prestação de contas ao ente federal.
[26] Diz o artigo 3º da Lei 8.429/92: “as disposições desta lei são aplicáveis, no que couber, àquele que, mesmo não sendo agente público, induza ou concorra para a prática do ato de improbidade ou dele se beneficie sob qualquer forma direta ou indireta” (destacou-se).
[27]A ação foi proposta com base no Inquérito Civil nº 1.34.014.000059/2008-71 e tramita na 3ª Vara Federal em São José dos Campos sob o nº 0008469-88.2010.4.03.6103. Ainda não houve sentença.
[28] De acordo com o artigo 62 da CLT, ocupam função de confiança os gerentes, assim considerados os exercentes de cargos de gestão, aos quais se equiparam, para efeito do disposto no referido artigo, os diretores e chefes de departamento ou filial, quando o salário do cargo de confiança, compreendendo a gratificação de função, se houver, for igual ou superior ao valor do respectivo salário efetivo acrescido de 40% (quarenta por cento).
[29] Há precedentes do STJ nesse sentido: REsp 965.340/AM, Rel. Ministro Castro Meira, 2ª Turma, julgado em 25/09/2007, DJ 08/10/2007, p. 256; REsp 1038762/RJ, Rel. Ministro Herman Benjamin, 2ª Turma, unânime, DJe de 31/08/2009; e REsp 1087855/PR, Rel. Ministro Francisco Falcão, 1ª Turma, unânime, DJe de 11/03/2009.
[30] Há diversos precedentes do STJ nesse sentido: MS 10.075/DF, Rel. Ministro Paulo Medina, Terceira Seção, julgado em 11/05/2005, DJ 01/08/2005, p. 317; REsp 1106657/SC, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, 2ª Turma, julgado em 17/08/2010, DJe 20/09/2010; MS 8.817/DF, Rel. Ministro Paulo Gallotti, Rel. p/ Acórdão Ministro Paulo Medina, 3ª Seção, julgado em 13/12/2004, DJ 22/05/2006, p. 145 .
[31] Em sentido semelhante, Emerson Garcia e Rogério Pacheco Alves defendem a aplicação do artigo 23, II, da Lei 8.429/92 àqueles agentes que mantém vínculo empregatício com o sujeito passivo do ato de improbidade, utilizando-se a normatização do regime jurídico dos servidores públicos da correspondente administração direta, estendendo tal raciocínio também aos empregados das empresas públicas e sociedades de economia mista (Improbidade administrativa. 3ª ed. rev. ampl. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 206).
[32] Diz a Constituição Federal que a lei estabelecerá os prazos de prescrição para ilícitos praticados por qualquer agente, servidor ou não, que causem prejuízos ao erário, ressalvadas as respectivas ações de ressarcimento. Há precedentes do STF favoráveis à tese da imprescritibilidade dessas ações: RE 608831 AgR, Relator(a): Min. Eros Grau, Segunda Turma, julgado em 08/06/2010, DJe-116 DIVULG 24-06-2010 PUBLIC 25-06-2010 EMENT VOL-02407-06 PP-01245; MS 26210, Relator(a): Min. Ricardo Lewandowski, Tribunal Pleno, julgado em 04/09/2008, DJe-192 DIVULG 09-10-2008 PUBLIC 10-10-2008 EMENT VOL-02336-01 PP-00170 RTJ VOL-00207-02 PP-00634 RT v. 98, n. 879, 2009, p. 170-176 RF v. 104, n. 400, 2008, p. 351-358 LEXSTF v. 31, n. 361, 2009, p. 148-159. Contudo, a questão ainda não se pacificou na jurisprudência pátria.
[33] Por todos, vide: RAMOS, André de Carvalho (coordenador). A imprescritibilidade da ação de ressarcimento por danos ao erário. Brasília: Escola Superior do Ministério Público da União, 2011. Na obra são citados os seguintes autores favoráveis à tese da imprescritibidade: José Afonso da Silva, Maria Sylvia Zanella di Pietro, Celso Antônio Bandeira de Mello, Sérgio Monteiro Medeiros, Wallace Paiva Martins Júnior, Marcelo Figueiredo, José Adércio Leite Sampaio, José Jairo Gomes, Edilson Pereira Nobre Júnior, Waldo Fazzio Júnior, Diógenes Gasparini, Celso Bastos, Alexandre de Moraes, Emerson Garcia e Rogério Pacheco Alves e Fábio Medina Osório. A favor da prescritibilidade, são citados Ada Pellegrini Grinover, Rita Andréa Rehem Almeida Tourinho, Clito Fornaciari Júnior e Elody Nassar. Atualmente, Bandeira de Mello defende a tese da prescritibilidade no prazo de cinco anos, quando não houver má-fé, e dez anos no caso de má-fé. Curso de Direito Administrativo. 29ª edição. São Paulo: Malheiros, 2012, p. 1081.
Mestre em Direito Público pela PUC-SP, Procurador da República.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FILHO, Paulo Gomes Ferreira. A utilização da ação civl pública e da ação de improbidade administrativa na fiscalização do terceiro setor pelo Ministério Público Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 13 dez 2016, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/47944/a-utilizacao-da-acao-civl-publica-e-da-acao-de-improbidade-administrativa-na-fiscalizacao-do-terceiro-setor-pelo-ministerio-publico. Acesso em: 23 dez 2024.
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