RESUMO: O habeas corpus é um remédio constitucional responsável pela tutela da liberdade de locomoção, sendo coerente, no respaldo em apreço, um escrutínio em face do seu conceito, do histórico que o circunda, bem como de temas a ele correlatos.
PALAVRAS-CHAVE: habeas corpus, remédio, writ.
INTRODUÇÃO
O habeas corpus se manifesta como um dos remédios garantidos constitucionalmente. A título introdutório, expõe-se a sua abrangência no direito brasileiro, de modo que pode ser preventivo ou repressivo. Nesse diapasão, cabe um estudo atento sobre o tema.
1. HISTÓRICO E CONCEITO
O habeas corpus se insere no artigo 5º, LXVIII, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, bem como nos artigos 647 a 667 do Código de Processo Penal. A priori, adverte Paulo Rangel[1] que a posição ocupada pela ação de habeas corpus, no bojo do Código de Processo Penal, não é a mais correta, na medida em que a revisão criminal a antecede. Na prática, observa-se, em regra, a utilização do habeas corpus no decorrer de uma relação processual, ao passo que a revisão criminal se torna uma alternativa posteriomente ao trânsito em julgado de uma sentença, ou seja, naquele momento em que não resta outra opção.
A respeito da origem da palavra habeas corpus, é possível relembrar as lições de Eugênio Pacelli[2], para quem se associa à “Magna Carta de 1215, imposta a João Sem Terra, depois pela petition of rights e o habeas corpus act, nos séculos XVII e XVIII”. O doutrinador em apreço atenta, outrossim, para a atual configuração do habeas corpus, qual seja, a de um instrumento previsto na Constituição da República Federativa do Brasil com o escopo de tutelar a liberdade de locomoção (art. 50, LXVIII). Ressaltou, também, que o Código de Processo Criminal do Império de 1832 já o previa, além da Constituição de 1891.
O significado da palavra habeas corpus é ventilado por Paulo Rangel[3], o qual analisa a origem etimológica da mesma. Habeas corpus, nesse sentido, quer dizer “corpo solto, corpo livre, corpo aberto”. É um remédio constitucional que tem por objetivo assegurar o respeito à liberdade de locomoção. Saliente-se que o habeas corpus é um writ constitucional.
2. NATUREZA JURÍDICA
Segundo Paulo Rangel[4], a natureza jurídica do habeas corpus é de “ação autônoma de impugnação”. O escritor oferece argumentos contrários à doutrina que sustenta ser a natureza jurídica deste remédio a de um recurso: na forma do artigo 648, VI e VII do Código de Processo Penal, é possível impetrar habeas corpus em face de decisão transitada em julgado. O habeas corpus não se limita a atos judiciais, podendo ser impetrado em razão de ato de particular, por exemplo. Ocasiona, além disso, o início de outra relação jurídica. A dúvida acerca da natureza jurídica do habeas corpus pode ser justificada pela posição geográfica em que se localiza no diploma legal em comento, porquanto se ampara no bojo dos recursos.
Eugênio Pacelli[5] concorda com a opinião de Paulo Rangel acerca da natureza jurídica do habeas corpus, argumentando que pode ser mobilizado como substitutivo de recurso e anterior ou posteriormente de uma decisão que restrinja direitos.
3. LEGITIMIDADE ATIVA
Alexandre Reis e Victor Gonçalves[6] explanam que a legitimidade ativa para o habeas corpus comporta qualquer pessoa nos termos do artigo 654, caput, do Código de Processo Penal. A nomenclatura para quem impetra o habeas corpus é de impetrante. Não é necessária, assim sendo, a capacidade postulatória para impetrá-lo. O Estatuto da Advocacia afasta a impetração do referido remédio constitucional das atividades privativas da advocacia no viés do artigo 1º, § 1º, da Lei nº 8.609/1994.
Indicam, em sua obra, que órgão do Ministério Público, pessoa jurídica, analfabetos, estrangeiros e incapazes (ainda que desprovidos do representante legal) podem impetrar o writ. É válido consignar que o paciente (o habeas corpus é impetrado em seu favor) deve ser pessoa física. No concernente à legitimidade passiva em sede de habeas corpus, os mesmos autores[7] dissertam que, na modalidade do artigo 654, § 1º, a, do Código de Processo Penal, podem ser consideradas autoridades coatoras aquelas que desempenharem violência, ameaça ou coação.
Eles[8] aventam um debate doutrinário em torno da possibilidade de a autoridade coatora se dissociar da figura da autoridade pública. Enquanto alguns entendem pela restrição da legitimidade passiva a autoridades públicas, outros compreendem pela possibilidade, inclusive, de que particulares sejam considerados como coatores. O habeas corpus visa a resguardar a liberdade de locomoção do paciente. Distinguem-se, no mesmo diapasão, o executor ou detentor do coator. O primeiro cumpre a ordem ilegal, enquanto do segundo emana a mesma.
4. ESPÉCIES
Paulo Rangel[9] trata de duas espécies de habeas corpus no âmbito jurídico: o liberatório e o preventivo. Concede-se o preventivo na circunstância em que se denota iminência, ameaça de coação ou violência à liberdade de locomoção. Diante disso, caso conceda a ordem, um salvo-conduto é expedido pelo órgão jurisdicional em favor do paciente. A finalidade é a de permitir que ele matenha a integridade de seu direito de ir e vir, ou seja, de sua liberdade de locomoção.
No que tange ao liberatório ou repressivo, a sua concessão se embasa na ocasião em que a coação ou a violência já impera perante a liberdade de locomoção da pessoa física. Caso a ordem seja concedida, a medida a ser tomada contempla a expedição de alvará de soltura no tocante ao paciente[10].
Paulo Rangel[11] empreende a distinção entre habeas corpus ex officio e o relaxamento de prisão. Ele aduz que existem duas modalidades de prisão: a prisão em flagrante e a prisão ordenada pelo magistrado. A Constituição assevera a regra segundo a qual o juiz deve ser avisado, em vinte e quatro horas, da prisão de um indivíduo. O eminente jurista menciona que a prisão em epígrafe se trata da prisão em flagrante, porquanto o magistrado precisa verificar a legalidade da prisão não ordenada pelo próprio. Caso ele mesmo tenha mandado prender alguém, presume-se a regularidade da prisão.
O relaxamento de prisão decorre, de ofício, pelo juiz, quando ele identifica uma prisão em flagrante ilegal, ou seja, contrária aos ditames da lei ao ser comunicado da presente medida. Se a prisão em flagrante for ilegal e o magistrado não relaxar de ofício a aludida imposição (de tal forma que foi comunicado desta), ele se torna autoridade coatora. A partir dessa ocasião, vislumbra-se o cabimento de impetração de habeas corpus. Na situação em que não houve comunicação ao magistrado da prisão, pode-se impetrar habeas corpus na primeira instância ou requerer o relaxamento de prisão ilegal[12].
O artigo 654, § 2º, do Código de Processo Penal abrange a hipótese de habeas corpus ex officio, de tal forma que os juízes e o tribunal podem expedir o writ de ofício quando houver ameaça ou concretização de coação ilegal no curso do processo. O presente habeas corpus invoca, no curso do processo, a possibilidade de se assegurar a observância à liberdade de locomoção do indivíduo.
São exemplos de situações de constrangimento ilegal em que seja cabível impetrar habeas corpus, mesmo não estando preso o paciente: Paulo Rangel[13] enumera o caso em que o paciente está sofrendo constrangimento ilegal em virtude de inquérito policial instaurado para apurar fato atípico. O fundamento legal se insculpe no artigo 648, I, do Código de Processo Penal. Em uma outra situação, o paciente do writ figura como réu em processo judicial em decorrência de fato cuja punibilidade já foi extinta. A previsão legal deste caso está no art. 648, VII, do Código de Processo Penal.
5. COMPETÊNCIA
Alexandre Reis e Victor Gonçalves[14], em sua obra, abordam a competência para julgamento de habeas corpus. Cumpre observar, a princípio, o critério da territorialidade, no bojo do qual o órgão jurisdicional do local em que ocorrer o constragimento ilegal ou sua ameaça é competente para julgar o writ. Com fulcro no artigo 650, § 1º, do Código de Processo Penal, se a violência ou a coação se originar de autoridade judiciária de igual ou superior jurisdição, não compete ao juiz de primeira instância julgá-lo. O mesmo entendimento se reflete nos membros do Ministério Público quando figurarem como coatores. O critério adotado é o da hierarquia.
Não se olvidam os autores[15], outrossim, acerca de duas hipóteses: na primeira, se juízes e promotores de justiça estaduais forem enquadrados como coatores, o habeas corpus será julgado pelo Tribunal de Justiça, enquanto, em uma segunda, o Tribunal Regional Federal é competente para julgar o writ quando figurarem, como coatores, procuradores da república ou juízes federais.
A Carta da República congrega, em seus artigos 102, I, d e 102, I, i, os casos de competência do Supremo Tribunal Federal. Na seara do artigo 105, I, c, o mesmo diploma legal consubstancia os de competência do Superior Tribunal de Justiça. Eles relembram que o Supremo Tribunal Federal entendeu que cabe aos Tribunais Regionais Federais e aos Tribunais de Justiça o julgamento de habeas corpus decorrente de decisão das turmas recursais dos Juizados Especiais Criminais com fundamento no critério da hierarquia[16].
Segundo Paulo Rangel[17], o habeas corpus objetiva a tutela da liberdade de locomoção. O direito líquido e certo da liberdade de locomoção é irrefutável. A prova deve ter sido produzida anteriormente à impetração do writ, ou seja, é uma prova pré-constituída. Nas palavras do autor, “pois não se admite a impetração de habeas corpus para, durante seu processamento, fazer prova do constrangimento ilegal a que está sendo submetido o impetrante ou paciente”. Não é cabível, nessa senda, a dilação probatória em sede de writ, eis que a prova deve ser pré-constituída, de modo que, quando for julgado, a decisão se coaduna diretamente com a prova acostada relativa ao constragimento ilegal ou sua ameaça.
6. INTERVENÇÃO MINISTERIAL
No que pertine à intervenção do Ministério Público nos habeas corpus em primeiro grau de jurisdição, Paulo Rangel[18] se filia à corrente de acordo com a qual é obrigatória a intervenção ministerial nessa ocasião. Ele cita, ademais, a doutrina contrária a essa posição, mas apresenta argumentos no intuito de corroborar suas alegações. Os argumentos são: ab initio, a Carta Magna de 1988 consagrou o Ministério Público como uma instituição essencial à proteção dos interesses democráticos; em segundo lugar, é direito fundamental a liberdade de locomoção; além disso, o Ministério Público pode impetrar writ em favor de paciente; por fim, enquanto custos legis, pode interpor recurso no plano do habeas corpus.
CONCLUSÃO
Analisou-se, portanto, o remédio constitucional habeas corpus e todas as suas implicações na esfera jurídica nacional. É válido relatar, assim sendo, que, em virtude da possibilidade de ser preventivo ou repressivo, a sua abrangência é maior, permitindo uma proteção mais eficaz à liberdade de locomoção.
Além disso, em próximos trabalho, pretende-se tratá-lo sob uma perspectiva empírica, isto é, entendê-lo na prática forense por intermédio de um estudo de campo, o qual se aproxima de anseios antropológicos.
Bibliografia
OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal. 18 ed. São Paulo: Atlas, 2014.
RANGEL, Paulo. Direito processual penal. 23 ed. São Paulo: Atlas, 2015.
REIS, Alexandre Cebrian Araújo. GONÇALVES, Victor Eduardo Rios. Direito processual penal esquematizado. 5 ed. São Paulo: Saraiva, 2016.
[1] RANGEL, Paulo. Direito processual penal. 23 ed. São Paulo: Atlas, 2015. p. 1059.
[2] OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal. 18 ed. São Paulo: Atlas, 2014. p. 1020.
[3] RANGEL, Paulo. Direito processual penal. 23 ed. São Paulo: Atlas, 2015. p. 1060.
[4] RANGEL, Paulo. Direito processual penal. 23 ed. São Paulo: Atlas, 2015. p. 1060.
[5] OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal. 18 ed. São Paulo: Atlas, 2014. p. 1021.
[6] REIS, Alexandre Cebrian Araújo. GONÇALVES, Victor Eduardo Rios. Direito processual penal esquematizado. 5 ed. São Paulo: Saraiva, 2016. p.835.
[7] REIS, Alexandre Cebrian Araújo. GONÇALVES, Victor Eduardo Rios. Direito processual penal esquematizado. 5 ed. São Paulo: Saraiva, 2016. p.836.
[8] REIS, Alexandre Cebrian Araújo. GONÇALVES, Victor Eduardo Rios. Direito processual penal esquematizado. 5 ed. São Paulo: Saraiva, 2016. p.836.
[9] RANGEL, Paulo. Direito processual penal. 23 ed. São Paulo: Atlas, 2015. p. 1061.
[10] RANGEL, Paulo. Direito processual penal. 23 ed. São Paulo: Atlas, 2015. p. 1061.
[11] RANGEL, Paulo. Direito processual penal. 23 ed. São Paulo: Atlas, 2015. p. 1079.
[12] RANGEL, Paulo. Direito processual penal. 23 ed. São Paulo: Atlas, 2015. p. 1080.
[13] RANGEL, Paulo. Direito processual penal. 23 ed. São Paulo: Atlas, 2015. p. 1077.
[14] REIS, Alexandre Cebrian Araújo. GONÇALVES, Victor Eduardo Rios. Direito processual penal esquematizado. 5 ed. São Paulo: Saraiva, 2016. p.840.
[15] REIS, Alexandre Cebrian Araújo. GONÇALVES, Victor Eduardo Rios. Direito processual penal esquematizado. 5 ed. São Paulo: Saraiva, 2016. p.840.
[16] REIS, Alexandre Cebrian Araújo. GONÇALVES, Victor Eduardo Rios. Direito processual penal esquematizado. 5 ed. São Paulo: Saraiva, 2016. p.841.
[17] RANGEL, Paulo. Direito processual penal. 23 ed. São Paulo: Atlas, 2015. p. 1074.
[18] RANGEL, Paulo. Direito processual penal. 23 ed. São Paulo: Atlas, 2015. p. 1078.
Bacharelando em Direito pela Universidade Federal Fluminense. Coordenador-geral da Revista de Direito dos Monitores (RDM) da Universidade Federal Fluminense. Bolsista do PIBIC pela Universidade Federal Fluminense
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BRITTO, Thomaz Muylaert de Carvalho. Habeas corpus em debate: a busca pela observância à liberdade de locomoção Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 16 dez 2016, 04:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/48113/habeas-corpus-em-debate-a-busca-pela-observancia-a-liberdade-de-locomocao. Acesso em: 23 dez 2024.
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