Resumo: Cinco membros da Sociedade Espeleológica, uma organização de exploração de cavernas, adentraram o interior de uma caverna de rocha calcária quando foram surpreendidos por um desmoronamento de terra que bloqueou a única abertura do local. A equipe de socorro enfrentou diversas dificuldades para libertar os indivíduos, como os frequentes deslizamentos de terra. Além disso, os fundos acarretados se exauriram rapidamente e dez vidas foram sacrificadas em prol do resgate. A libertação dos homens foi feita trinta e dois dias depois. Todavia, só restavam quatro sobreviventes; Roger Whetmore havia sido morto para servir de alimento aos companheiros. É a morte do membro da Sociedade que baseia o posicionamento dos juristas.
Palavras-chave: exploradores, caverna, adequação, lei, caso concreto.
Introdução
Escrito por Lon Fuller, um estaduniense, no ano de 1994, o caso dos explorades de cavernas é uma obra fictícia que relata o discurso de cinco juízes da Suprema Corte de Newgarth, no ano de 4300. Apesar de fictícia, nota-se uma grande proximidade com a realidade, já que evidencia o caráter ativo dos fatos jurídicos, que vão além do conteúdo expresso na lei e dinamizam o mundo jurídico. As posições contraditórias entre os juristas demonstram a pluralidade do direito e a dificuldade de se atingir um consenso. Questões que envolvem a moral, os limites da intervenção do poder Judiciário perante o Executivo/Legislativo, o tratamento da norma escrita e os ideais positivistas e naturalistas ratificam a afirmativa feita no período anterior.
Desenvolvimento
1. Presidente Truepenny
O discurso do Presidente Truepenny é marcado pela apresentação do deslinde da controvérsia: a morte de Whetmore. No vigésimo dia da prisão dos exploradores, foi feita uma comunicação entre eles e os profissionais que lidavam, externamente, com o caso. Eles perguntaram sobre a previsão de resgate e sobre as chances de se manterem vivos, visto a condição de desnutrição. Os profissionais disseram que o resgate estava previsto para o décimo dia depois desta comunicação, mas que a possibilidade de se manterem vivos, sem nenhum tipo de alimentação, era muito remota.
Assim, Whetmore perguntou se tal possibilidade aumentaria caso algum dos exploradores servisse de alimento aos demais. Os profissionais responderam que sim. Apesar disso, nenhum médico, juiz ou autoridade governamental quis se envolver na proposta feita por Whetmore.
No dia do resgate, foi descoberto que Whetmore havia sido morto e servido de alimento para os demais, como ele mesmo propusera. Cabe destacar que o próprio Whetmore havia proposto que a escolha do homem a ser sacrificado seria feita por dados. Ainda que Whetmore tivesse tentado desistir da proposta, os demais exploradores o acusaram de violação de acordo e prosseguiram com o lançamento dos dados.
Outro ponto importante é que outro explorador jogou os dados por Whetmore, diante da total anuência deste. Whetmore conquistou o menor número nos dados e, consequentemente, foi morto para servir de alimento aos demais.
Após o resgate e o tratamento dos ex-prisioneiros, eles foram acusados pelo homicídio de Roger.
O juiz de primeira estância declarou os exploradores culpados e os sentenciou à forca. Depois da dissolução do júri, pediu-se a mudança da sentença para seis meses de prisão. Apesar do discurso da lei ser bem difundio “Quem quer que intencionalmente prive a outrem a vida será punido com a morte” N.C.S.A (n.s.) § 12- A, o juiz inclinou-se ao princípio de clemência executiva pela natureza do caso e pela simpatia da trágica situação que os condenados passaram e relatou que, se qualquer clemência fosse concedida, “será realizada a justiça sem debilitar a letra ou o espírito da nossa lei e sem se propiciar qualquer encorajemento à sua transgressão” (TRUEPENNY p. 10).
2. Foster, J.
Inicialmente, Foster considera o posicionamento do presidente do Tribunal sórdido e simplista. Ele põe em julgamento a própria lei e diz que a conclusão dessa nos evergonha e não realiza a justiça, o que demonstra a relevância da moral em seu ponto de vista. Ao contrário do sentenciado, o juiz acredita que a própria lei declara os acusados inocentes do crime, tendo como base duas premissas independentes.
A primeira delas introduz os acusados, naqueles trinta e dois dias de confinamento, em um “estado de natureza” exterior à sociedade civil e ao direito positivo, sendo incabível o julgamento do caso por meio da lei. O direito positivo pressupõe a coexistência dos homens em sociedade e busca facilitar e regular as relações sociais. Assim, quando desaparecem as condições que mantêm os homens dentro de relações sociais, a coercibilidade do direito positivo mostra-se incoerente. Da mesma forma que um caso que ocorre fora do limite territorial não é julgado segundo as leis externas, Foster julga que o presente caso não pode ser enquadrado dentro do limite territorial, já que não há a possibilidade dos exploradores coexistirem em grupo. “Estes homens quando tomaram sua trágica decisão, estavam tão distantes de nossa ordem jurídica como se estivessem a mil milhas além de nossas fronteiras” (FOSTER, p. 14).
Nesse sentindo, Foster reconhece que os réus não são culpados de qualquer crime, vez que, ao Whetmore ser morto, eles estavam inseridos em um estado particular (“estado de natureza”) que não se adequa às leis comuns.
Já a segunda premissa é a de que a ação dos homens foi fruto do consentimento de todos os exploradores. Como a situação em que eles se encontravam não era suscetível à aplicação das normas usuais, foi necessário estabelecer um “contrato” que estabelecesse uma nova ordem para regular as relações entre os exploradores.
Ademais, se dez trabalhadores sacrificaram suas vidas para salvar os exploradores, por que julgaríamos injusta a ação dos exploradores de sacrificar uma vida em prol de quatro?
Foster ainda apresenta certos antecedentes que evidenciam o não cumprimento de uma lei por circunstâncias alheias à vontade do acusado, em que foi possível infringir a letra da lei sem violá-la, ou seja, toda proposição deve ser interpretada de modo racional segundo seu propósito evidente. É nesse gancho que ele destaca a legalidade da legítima defesa e indica que a absolvição dos réus está inserida na mesma lógica.
Conclui que os réus são inocentes e que a sentença deve ser reformada.
3. Tatting, J.
O juiz afirma, inicialmente, que sempre foi capaz de dissociar os aspectos emocionais e intelectuais nas decisões, todavia, ele não conseguia fazer tal dissociação perante o caso.
Tatting critica fortemente os fundamentos de Foster que, segundo ele, seriam pautados em contradições e falácias, visto a incerteza das alegações que envolviam o “estado de natureza” dos exploradores e o suposto contrato firmado entre eles, inclusive a obscuridade que envolve a tentativa de rescisão unilateral por Whetmore.
O juiz entende que a analogia com a legítima defesa é inaplicável, vez que os condenados não só agiram intencionalmente, como discutiram por horas a respeito do que fariam, o que contraria os pressupostos de agressão injusta e atual.
O juiz, inclusive, apresenta um caso anterior em que um homem, que estava prestes a morrer por inanição, foi acusado por roubar um pão, vez que o Tribunal não aceitou a fome como defesa. Para ele o estigma da palavra “assassino” é tão forte que, se os exploradores soubessem da acusação, esperariam por auxílio e adiariam sua decisão.
O juiz continua seu posicionamento pautado em suposições, o que dificulta a resolução do caso em um plano concreto. Encontra uma séria dificuldade ao julgar os réus como inocentes ou culpados, pois, no primeiro caso, deparar-se-ia com raciocínios fracos e, no segundo, causaria mais morte, de modo a desvalorizar as vidas já perdidas. Logo, em face das várias incertezas que rodeiam seu discurso e da impossibilidade de afastá-las, Tanning se recusa a participar da decisão do caso.
4. Keen, J.
Keen, no início do seu discurso, afasta duas questões que julga não ser competência do Judiciário. Afirma que, se fosse concedida clemência aos réus, essa deveria ser competência do Executivo e não do Judiciário, o que ensejaria a confusão das funções governamentais, e desaprova parte do discurso dos juízes que opinam sobre esse quesito.
Como cidadão, Keen declara que concederia perdão total aos homens por todo o sofrimento a que foram submetidos, mas que deve afastar a moralidade da sua função judicial. Apesar de não causar-lhe prazer a condenação dos exploradores, o juiz prioriza sua função de interpretar e aplicar a lei. Para ele o julgamento não deve se pautar pelo enquadramento da postura dos exploradores como justou ou injusta ou ainda má ou boa, o que afasta a influência do direito natural.
Assim, a única questão a ser decidida é se os réus privaram intencionalmente a vida de Roger; a dificuldade se insere na separação dos aspectos legais e morais do litígio, vez que eventual confusão acarretaria trágica consequência (conflito entre Poder Judiciáro de um lado e Poder Executivo e Legislativo de outro). Por isso, o juiz acredita que se deve aplicar fielmente a lei escrita, sem influência de juízos pessoais.
Keen dispara várias críticas a Foster, dentre elas a inclinação desse para encontrar lacunas nas leis, dizendo inclusive que a ele não lhe agradam as normas. “Se nós não sabemos o propósito do § 12-A, como podemos dizer que haja lacuna nele?’’ (KEEN, p. 49). Ao defender que a revisão de uma lei passa por três momentos, o momento final seria o preenchimento da lacuna, indo de encontro ao posicionamento de Foster. Mais adiante, ele afirma que o alcance da lei é o real problema e não, o seu suposto propósito. Afirma que sua linha de raciocínio não será aceita por aqueles que só visam os efeitos imediatos de uma decisão, mas destaca certa preocupação com o futuro ao contemplar com o poder de criar exceções à aplicação da lei pelo judiciário. Ele afrima que se os Tribunais tivessem permanecido firmes na letra da lei, a revisão legislativa a que tenderia, seria de caráter compreensível e racional.
Conclui seu posicionamento com a confirmação da sentença condenatória.
5. Handy J.
Para Handy, é fundamental determinar se o contrato feito na caverna é unilateral. Ele se afasta da “sequidão” da lei de Keen, constata que ela deve atuar mais como um instrumento, e afirma que, além das regras e burocriacia, a sociedade também deve ser coordernada por sentimento; aceita a flexibilidade das normas e não apenas sua interpretação e aplicação puras. Como prova disso, o juiz distingue regras e princípios, sendo aquelas objetivas e esses sujeitos à maleabilidade, os quais devem ser aplicados ao caso. Dessa forma, mostra-se mais equilibrado que os demais.
Evidencia a repercussão do caso para fora da corte e alude à parte majoritária da população que se mostra a favor da liberdade dos acusados, já que essa decisão não é uma teoria abstrata, e sim, a realidade humana. Mais adiante remete à importância do senso comum como fator determinante para a decisão do júri, o juiz pretende englobá-lo nas decisões judiciais, visto que a separação das normas jurídicas da opinião pública remete a um direito arcaico. Não considera o direito um sistema fechado e nem uma ciência pura como Kelsen.
É possível observar, de maneira singela, a intenção de Handy, em casos peculiares como esse, de quebrar com a barreira que separa os três poderes e promover um debate. Ponto que vai de encontra aos ideais de Keen.
Conclui seu discurso afirmando que os réus devem ser inocentados e a sentença reformulada, visto que aqueles sofreram e foram humilhados mais do que um homem pode aguentar em mil anos.
Conclusão
Tendo em vista o empate na decisão, a sentença foi confirmada e os réus condenadados à forca. Apesar da complexidade do caso e de algumas falhas e inconsistências nos posicionamentos dos juízes, inclinei-me para o ponto de vista de Foster. Uma situação de desnutrição intensa, faz com que o lado instintivo do homem se sobressaia à razão e realmente os coloca em um estado peculiar, fora das relações habituais observadas na sociedade civil. É injusto condená-los com base no direito positivo, sendo que a ação deles foi feita a partir do desespero. Mesmo que tivessem discutido por horas a respeito da decisão, é totalmente inconsistente concluir que eles sacrificaram Whetmore intencionalmente. Continuo de acordo com a analogia à legítima defesa. Em ambos os casos, a lei principal da natureza humana, luta pela sobreviência, sobressaiu-se. Com tantos estudos sobre a psicologia humana, é inadimissível que o Tribunal julgue os condenados exatamente como qualquer pessoa que cometeu um homicídio.
Referência bibliográfica:
“O caso dos exploradores de cavernas”, FULLER, Lon.
Estudante de Direito na Universidade de Brasília.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: COELHO, Anna Clara Fenoll. Exploradores de caverna: uma reflexão sobre a obra Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 19 dez 2016, 04:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/48119/exploradores-de-caverna-uma-reflexao-sobre-a-obra. Acesso em: 26 dez 2024.
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