INTRODUÇÃO
O objeto da pesquisa é a discordância jurídica acerca da real utilização do princípio da individualização da pena na legislação penal vigente e a influência na força coativa estatal diante da condição do apenado e o respeito à sua dignidade. O indivíduo sujeito a uma penalização tem como garantia constitucional o direito à individualização da pena, nesse sentido, todos terão uma sanção condizente com a prática delituosa cometida e com suas características personalíssimas. Partindo dessa permissa cabe-nos imaginar que ninguém terá a mesma pena, salvo, se dois ou mais indivíduos possuírem os mesmos aspectos a serem analisados. Se a quantificação dessas penalizações forem rígidas (em dissonância ao caráter flexível da individualização da pena), o sistema penal pode tornar-se um obstáculo para uma justa execução das penas, dada a possível existência de atenuantes que possibilitariam uma redução do tempo de encarceramento ou cumprimento de pena restritiva de direitos por causa da obrigatoriedade da imposição de um quantum entre o mínimo e o máximo legais presentes no arcabouço normativo vigente, podendo-se assim, desvirtuar o caráter particular que uma determinação punitiva estatal deve ter.
A problemática do tema será abordada neste trabalho de forma fundamentada com diversos entendimentos doutrinários e jurisprudenciais, utilizando técnicas de pesquisa bibliográfica e documental, com o objetivo de identificar pontos controversos no meio jurídico e analisar se há lacunas no sistema penal que o torne deficiente.
DESENVOLVIMENTO
Capítulo I: A individualização da Pena na Constituição Federal e Legislação Infraconstitucional.
A Constituição Federal de 1988, artigo 5º, XLVI e a lei nº 7210/1984 em seu artigo 5º, caput, trazem a determinação legal para a obrigatoriedade da atenção ao princípio da individualização da pena: [...]XLVI - a lei regulará a individualização da pena[...](CF/1988)(GRIFEI). Art. 5º Os condenados serão classificados, segundo os seus antecedentes e personalidade, para orientar a individualização da execução penal. (LEI 7210/1984)(GRIFEI).
A legislação traz como determinação em seu escopo a análise de requisitos particulares de cada agente criminoso, para que seja atendida a especificidade da situação daquele futuro apenado. O intuito do texto normativo é garantir que as penas dos infratores não sejam genéricas, igualadas, independentemente de terem cometido o mesmo crime, pois, cada qual possui seu próprio histórico pessoal e sua possibilidade de vivência em sociedade, que devem ser analisados no momento da imposição de uma pena pelo Estado.
Capítulo II: Código Penal e a limitação do Mínimo e Máximo legais.
O Código Penal, instrumento normativo responsável pela quantificação das penas às condutas que infringem bens relevantes ao Estado, institui um intervalo temporal entre dois pontos, o mínimo e o máximo legais. A sentença que se utiliza da observância à tipicidade da conduta do réu vincula-se aos regramentos presentes no texto legal, sua obtenção deve, indispensavelmente, fluir por uma análise íntima não apenas do ato praticado, mas das características do agente ativo da conduta típica. Eis que surge o ponto de discussão acerca do tema, a limitação das penas entre o mínimo a ser estabelecido e o máximo possível infringem de alguma forma o princípio da individualização da pena? Se todos são iguais perante a lei, porém diferentes em suas características pessoais, há a possibilidade do sistema atual ser responsável por prisões deveras desnecessárias?
Capítulo III: Breve síntese sobre a dosimetria da pena.
O cálculo da pena (ou dosimetria da pena) baseia-se em um modelo trifásico pensado pelo saudoso Nelson Hungria, que estabelece que o Juízo ao proferir uma sentença condenatória deve estabelecer o máximo de separação de momentos para maximizar o alcance da individualização da pena. São três os momentos observados na dosimetria: o primeiro, que busca a análise das circunstâncias judiciais do indivíduo, sejam características pessoais; o segundo visa atender as atenuantes e agravantes genéricas, que diminuem ou acrescem no tempo de cumprimento de pena do condenado, diz respeito à conduta delituosa; o terceiro visa a diminuição ou aumento de pena presentes no próprio dispositivo condenatório, são causas especiais que dizem respeito às especificidades das condutas típicas.
A determinação da pena a um indivíduo está umbilicalmente interligada à execução penal, pois, ela é o nascedouro da responsabilidade de punir do Estado e partir dela que serão despendidos esforços para o cumprimento da determinação judicial.
Capítulo IV: A Execução Penal e a Pena determinada.
A Execução Penal tem como estopim um título executivo judicial, que garante ao Estado, após o trânsito em julgado de uma ação penal, a execução de uma pena, seja qual for sua natureza (privativa de liberdade, restritiva de direitos ou pecuniária), convenhamos denominá-la de fase executória do trâmite penal, que terá como intuito rei garantir a devida e justa reprimenda ao autor de fato típico que atentou contra algum bem tutelado, como ensina Mirabete (2007):
“A individualização é uma das chamadas garantias repressivas, constituindo postulado básico de justiça. Pode ser ela determinada no plano legislativo, quando se estabelecem e disciplinam-se as sanções cabíveis nas várias espécies delituosas (individualização in abstracto), no plano judicial, consagrada no emprego do prudente arbítrio e discrição do juiz, e no momento executório, processada no período de cumprimento da pena [...]”.
A lei de Execuções Penais, traz em seu artigo 1º, caput, que “A execução penal tem por objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado”, aduz o citado texto normativo que é de responsabilidade do Estado garantir a efetiva punição ao passo que proporciona o enfrentamento as possibilidades de novos delitos por intermédio da integração social, tendo o poder estatal, de forma equilibrada deliberar sobre as mais variadas intensidades de uso de poder para a integração social do indivíduo.
A influência da dosimetria da pena utilizada pelo Juízo para a punição do réu é de extrema importância, pois o regime inicial de cumprimento da pena varia conforme as indicações do artigo 33 do Código Penal. O legislador, levando em consideração a excepcionalidade do encarceramento, adicionou níveis punitivos para diferenciar a execução penal, quanto menos potencialidade ofensiva possuir o autor, mais brandas serão as medidas executórias a serem tomadas pelo Estado.
Capítulo V: Circunstâncias atenuantes e a súmula 231 do STJ.
As circunstâncias atenuantes são mecanismos de identificação da condição do agente e da análise da prática do ato criminoso, existem para que a quantificação da pena atenda a realidade e que a escolha dos meios da execução penal visem a real reabilitação do condenado.
O Superior Tribunal de Justiça possui como orientação a Súmula 231 que diz que “A incidência da circunstância atenuante não pode conduzir à redução da pena abaixo do mínimo legal.”[1], determinando que na dosimetria da pena, o julgador deve se abster de utilizar o texto legal e de garantir a vinculação deste procedimento ao preceito constitucional da individualização da pena.
A dureza de tal normativa jurídica pode interferir diretamente no princípio vital da execução penal, a harmônica integração social, pelo desnivelamento da real necessidade de aplicação de uma pena, pois, partindo do pressuposto do escrito sumular, o julgador deve desprezar totalmente a existência de condição trazida pelo legislador que afirma veementemente que tais condições elencadas sempre devem atenuar a pena. No que diz respeito à súmula do STJ, Bitencourt (2007) ensina :
“Em síntese, não há lei proibindo que, em decorrência do reconhecimento de circunstância atenuante, possa ficar aquém do mínimo cominado. Pelo contrário, há lei que determina (art. 65), peremptoriamente, a atenuação da pena em razão de um atenuante, sem condicionar seu reconhecimento a nenhum limite; e, por outro lado, reconhecê-la na decisão condenatória (sentença ou acórdão), mas deixar de efetuar sua atenuação, é uma farsa, para não dizer fraude, que viola o princípio da reserva legal.”(grifei)
Existem, por sua vez, precedentes jurídicos que tratam de uma atenuante específica que deve sempre atenuar a pena, a confissão, sobre isso, o Tribunal Regional Federal 1º região julgou:
(...) 6. Em consonância com a Constituição Federal de 1988 (Estado Constitucional e Democrático de Direito), e à luz do sistema trifásico vigente, interpretar o art. 65, III, "d", do Código Penal - a confissão espontânea sempre atenua a pena -, de forma a não permitir a redução da sanção aquém do limite inicial, data venia, é violar frontalmente não só o princípio da individualização da pena, como também os princípios da legalidade, da proporcionalidade e da culpabilidade.(...)” (grifei).[2]
O princípio da individualização da pena é necessário a qualquer sistema que vise uma penalização justa, este é, ainda, a estrutura basilar que vincula à execução penal uma condição de ferramenta da reinserção e reabilitação do apenado e não apenas uma política pura de encarceramento comprovadamente ineficaz.
Urge salientar, que o poder discricionário do julgador ao estabelecer uma penalização a um determinado réu não deve possuir uma discricionariedade absoluta, é necessário que haja uma vinculação ao regramento penal, principalmente aos comandos explícitos, como o presente no caput do artigo 65 do Código Penal.
O Código Penal, ao tratar das circunstâncias atenuantes ainda traz em seu artigo 66, caput o seguinte texto:
(...)Art. 66 - A pena poderá ser ainda atenuada em razão de circunstância relevante, anterior ou posterior ao crime, embora não prevista expressamente em lei. (...)
Ora, o legislador não só determina a atenuação obrigatória da pena, como ainda garante que em uma análise subjetiva possa ser encontrado novo fato atenuante, tornando, com a devida vênia, combalido o entendimento do Superior Tribunal de Justiça acerca da dosimetria penal e fazendo da súmula 231 uma afronta à dignidade da pessoa humana e as garantias constitucionais.
Capítulo VI: (In)Constitucionalidade da Súmula 231 do STJ.
A Constituição Federal garante a qualquer indivíduo a individualização de uma possível pena, o constituinte ao instituir tal comando emite a todo o arcabouço normativo infraconstitucional a sua vinculação a este princípio, que solidifica o ideal do nosso Estado Democrático de Direito, o respeito aos Direitos Humanos.
Os defensores da constitucionalidade da incidência da súmula 231 do STJ garantem que o texto visa conservar o princípio da reserva legal, pois, as penalizações presentes na parte especial do Código Penal possuem uma determinação legal vinculativa ao mínimo e máximo legais.
A análise da Constituição Federal, por sua vez, traz um entendimento diverso do supracitado. O entendimento hermenêutico a ser utilizado deve ser atualizado a moderna estrutura democrática consolidada pela Carta Magna, que propõe ao princípio da Legalidade uma determinação in abstracto , praticada pelo poder Legislativo, deixando ao Judiciário a missão de analisar o caso concreto.
O princípio constitucional da Individualização da Pena prepondera diante de quaisquer argumentos, pois é basilar na aplicação das penas e está positivado na Constituição, mesmo que não o fosse teria protagonismo preferencial ante a outros princípios, dado o caráter do nosso Estado de Direito, sobre isso, ensina Bandeira de Melo sobre o conceito de princípio:
[...]andamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico. É o conhecimento dos princípios que preside a intelecção das diferentes partes componentes do todo unitário que há por nome sistema jurídico positivo (BANDEIRA DE MELO, Celso Antônio. Curso de Direito Adminstrativo, 14ª Ed. – São Paulo: Malheiros, 2002, pág. 807/808)
Como perfeitamente ilustrado, não há sentido em um escrito legislado ou vinculativo que não atende aos princípios constitucionais que norteiam o Estado de Direito. A súmula 231 visa limitar as sentenças judiciais a um quantum enrijecido, impedindo a análise do caso em concreto pelo juízo competente e a possível minoração da pena no caso de existência de diversas atenuantes genéricas que ainda que reconhecidas, não surtem efeito na dosimetria da pena.
CONCLUSÃO.
Diante de toda a análise doutrinária e legal sobre as controvérsias acerca da real aplicação do princípio da individualização da pena no arcabouço normativo penal e a incidência da Súmula 231 do Superior Tribunal de Justiça, convencemo-nos a crer que há uma falha sistêmica que não garante a completa pena personalizada. A aplicação limitada das circunstâncias atenuantes do artigo 65 do Código Penal desrespeita a vinculação obrigatória dita pelo legislador, gerando uma reflexão acerca da finalidade da penalização, que não deve, em nenhum momento, dado o caráter do Estado Democrático de Direito, ser revelada como uma medida vingativa do meio social para com os desvirtuados e sim uma medida punitiva que vise a reabilitação.
Desta forma, convencemo-nos que o trâmite legislativo visa apurar a conduta delitiva no âmbito abstrato, tendo o Judiciário a competência do julgamento no caso concreto, tendo o julgador poder discricionário suficiente para o estudo das especificidades do processo penal em apreço, mantendo em sua decisão uma fundamentação individualizada no que diz respeito ao réu.
Sendo assim, a súmula 231 do Superior Tribunal de Justiça apresenta-se como obstáculo para a efetiva aplicação da individualização da pena no processamento penal e faz-se imprescindível a reestruturação determinativa da jurisprudência, no sentido de considerar a pena máxima abstrata como limite e pena mínima abstrata como referencial, evitando assim, quando desconsiderada uma ou mais atenuantes, o Estado peque em realizar a punição em excesso, acima da real culpabilidade do réu.
REFERENCIAIS TEÓRICOS
BITENCOURT, C. R. Tratado de Direito Penal. Volume 01, 11 edição, Editora Saraiva, São Paulo, 2007, p. 588/589.
BANDEIRA DE MELO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo, 14ª Ed. – São Paulo: Malheiros, 2002.
MIRABETE, J. F. Execução penal: comentários à Lei 7.210, de 11-7-1984. 11edição, Editora Atlas, São Paulo, 2007, p. 48.
Página Inicial – Palácio do Planalto, Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848compilado.htm>, acesso em 14/11/2016.
Página Inicial – Palácio do Planalto, Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L7210.htm>, acesso em 14/11/2016.
Bacharelando do curso de Direito da Universidade Tiradentes. Servidor Público da Fundação de Amparo ao Trabalhador do Município de Aracaju - Sergipe. Ex-conselheiro de Emprego e Renda do Estado de Sergipe. Ex-gerente de Seguro-desemprego e Carteira de Trabalho do Estado de Sergipe.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CONSERVA, Mário Cesar da Silva. A individualização da pena: controvérsias acerca da natureza inalterável do mínimo legal das sanções diante de circunstâncias atenuantes Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 19 dez 2016, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/48120/a-individualizacao-da-pena-controversias-acerca-da-natureza-inalteravel-do-minimo-legal-das-sancoes-diante-de-circunstancias-atenuantes. Acesso em: 27 dez 2024.
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