RESUMO: Muito se discute sobre as diferenças entre dano estético e deformidade permanente. Nesse diálogo, inserem-se o Direito Civil, sob uma visão patrimonial e o Direito Penal, sob o ponto de vista da punição. Mediante tais parâmetros, faz-se mister uma investigação atinente aos conceitos e respostas da lei para cada instituto.
Palavras-Chave: dano estético, deformidade permanente, civil, penal.
SUMÁRIO: introdução. 1. DANO ESTÉTICO E DEFORMIDADE PERMANENTE. 2. AS VISÕES DOUTRINÁRIAS. 3. LESÃO CORPORAL E DEFORMIDADE PERMANENTE. CONCLUSÃO. bibliografia.
INTRODUÇÃO
O presente trabalho visa à avaliação da deformidade permanente e das suas diferenças no tocante ao dano estético. Sabe-se que ambos são danos pós-traumáticos, entretanto se faz necessário o esclarecimento quanto às suas características e às searas que os englobam. Nesse sentido, objetiva-se a compreensão dos aspectos delineados pelo conhecimento técnico no intuito de diferenciá-los.
1. DANO ESTÉTICO E DEFORMIDADE PERMANENTE
A priori, é pertinente citar a distinção, no âmbito do tratamento, entre deformidade permanente e dano estético: Enquanto este recebe tratamento pelo Direito Civil, responsável pela regulação das relações entre particulares, aquele o recebe por meio do Direito Penal, responsável pela criminalização de condutas pelo Estado e a cominação de penas à prática destas. O Código Civil Brasileiro de 2002, a partir do artigo 949, alude ao dano estético: “No caso de lesão ou outra ofensa à saúde, o ofensor indenizará o ofendido das despesas do tratamento e dos lucros cessantes até ao fim da convalescença, além de algum outro prejuízo que o ofendido prove haver sofrido”.
O Código Penal Brasileiro de 1940 estabelece a deformidade permanente enquanto qualificadora da Lesão Corporal, conforme o artigo 129,§ 20, IV. A partir dessas circunstâncias, pode-se afirmar que a proteção conferida pelo Direito Penal é mais incisiva, posto que esse ramo do Direito invoca para si a proteção dos bens jurídicos mais importantes (fragmentariedade). Desse modo, vale ressaltar que perante o autor da deformidade permanente, a resposta do Direito será mais enérgica. No que tange, contudo, ao dano estético, em decorrência do que fora exposto, as implicações serão mais brandas se comparadas à anterior.
2. AS VISÕES DOUTRINÁRIAS
No que concerne ao conceito de dano estético, o doutrinador Flávio Tartuce utiliza a definição da professora da USP Teresa Ancona Lopez, associando a ocorrência do dano a uma “modificação”. Em suas palavras: “É claro que quando falamos em dano estético estamos querendo significar a lesão à beleza física, ou seja, à harmonia das formas externas de alguém. Por outro lado, o conceito de belo é relativo. Ao apreciar-se um prejuízo estético, deve-se ter em mira a modificação sofrida pela pessoa em relação ao que ela era"2. Diante disso, nota-se a vinculação proporcionada pela docente entre o dano e a consequente alteração no indivíduo. O autor concatena, ainda, o dano em tela a uma anomalia mediante a dignidade humana.
Nessa obra, destaca-se a separação entre dano moral e dano estético como entendimento do Superior Tribunal de Justiça, na medida em que este se concretiza em uma deformidade, é visível e causa repulsa aos olhos, enquanto aquele se atrela ao sofrimento interno acarretado. O entendimento foi consolidado pela Súmula 387 do STJ.
Ademais, a professora e civilista Maria Helena Diniz, ao comentar os artigos 949 e 950 do atual Código Civil, atribuiu às implicações do dano estético o sentimento de dor experimentado pelo indivíduo portador e as percepções sociais decorrentes da impressão desagradável ocasionada. Logo, menciona que caso seja possível a reversão do ferimento discutido por meio de cirurgia plástica, esta deverá ser custeada via reparação do dano. Se não for possível o retorno ao estado anterior ao dano, caberá indenização. Conforme explana,
Se do ferimento advier aleijão ou deformidade, fazendo com que o ofendido cause impressão desagradável, atingindo a esfera sentimental, por provocar dor, e a social, por dano à sua consideração no meio da sociedade, deverá ele, se possível, ser corrigido in natura, por meio de cirurgia plástica, e esta se incluirá na reparação do dano e na sua liquidação. Se impossível for a volta ao status quo ante, uma indenização será devida ao lesado3.
Para ela, dano estético é:
Toda alteração morfológica do individuo, que além do aleijão, abrange as deformidades ou deformações, marcas e defeitos, ainda que mínimos e que impliquem sob qualquer aspecto um afeiamento da vítima, consistindo, numa simples lesão desgostante, ou num permanente motivo de exposição ao ridículo ou de complexo de inferioridade, exercendo ou não influência sobre sua capacidade laborativa4.
Diante desse conceito, a doutrinadora enaltece a possibilidade de exposição social e vexatória, o que se atrela à alteração morfológica do indivíduo, causando, destarte, influências externas ou internas nele. A doutora em Direito remete, também, ao Enunciado n.192, da III Jornada de Direito Civil: “Os danos oriundos das situações previstas nos arts. 949 e 950 do Código Civil de 2002 devem ser analisados em conjunto, para o efeito de atribuir indenização por perdas e danos materiais, cumulada com dano moral e estético.”5 Pela análise do trecho, contempla-se o abrandamento no âmbito do Direito Civil, quando comparado ao Direito Penal, no qual o Estado criminaliza condutas e comina-lhes penas. Essa atenuação se justifica por atributos desses ramos do Direito: Tipo penal é a descrição de uma conduta proibida, essa descrição é detalhista, visto que quem o pratica tem conduta mais grave do que se houvesse ilícito civil(dano patrimonial ou moral).
3. LESÃO CORPORAL E DEFORMIDADE PERMANENTE
Acerca do conceito de deformidade permanente, a doutrina majoritária expõe: Corresponde à lesão corporal que implica dano estético permanente, irreparável, o qual, com o decurso do tempo, não retorna ao status quo anterior, assim como não é reparado a partir de intervenções médicas. No entanto, caso se proceda à operação e haja efetiva reparação, a qualificadora é descartada. Além desses critérios, o indivíduo é exposto a constrangimento em decorrência da deformidade.
Quanto à lesão corporal, é válido frisar que se associa, de acordo com o artigo 129 do Código Penal Brasileiro, à ofensa à integridade corporal ou à saúde de outrem. Além disso, para que seja comprovada a apontada lesão, o indivíduo deve ser submetido Exame de Corpo de Delito, por meio do qual o perito-legista procederá a uma avaliação no que diz respeito à possibilidade de existência da lesão em exame.
As lesões corporais subdividem-se, pela doutrina majoritária, em leves, graves e gravíssimas, na medida em que as primeiras são representadas pelo primeiro parágrafo do artigo sob análise, as segundas são definidas por exclusão, ao passo que as lesões corporais gravíssimas se revestem do segundo parágrafo do artigo 129. No mesmo diapasão, as lesões corporais são consideradas gravíssimas quando ensejam incapacidade permanente para o trabalho, enfermidade incurável, perda ou inutilização do membro, sentido ou função, deformidade permanente e aborto.
Depreende-se, logo, que a deformidade permanente se coloca enquanto qualificadora da lesão corporal, de modo que o resultado é mais grave se comparado aos apresentados nos incisos do primeiro parágrafo do artigo 129. Precisamente, Fernando Capez leciona:
A lesão corporal, no caso, acarreta dano estético de certa monta e permanente, isto é, indelével, não sendo passível de correção pelo transcurso do tempo ou mediante intervenções médico-cirúrgicas. A vítima não está obrigada a se submeter à cirurgia plástica, mas, se o fizer e houver a reparação da deformidade, a qualificadora estará afastada. A deformidade deve causar impressão vexatória. A idade, o sexo, a condição social da vítima são de extrema importância na apreciação da deformidade.6
Pela observância da jurisprudência no que contempla os temas, concebe-se, em geral, a deformidade permanente como um dano estético irreparável, o qual gera um incômodo no portador desta. Entretanto, adverte-se que não necessariamente a referida deformidade precisa ser impressionante. Ela deve, portanto, representar uma modificação em relação ao estado anterior.
Conforme o julgado de uma apelação corrobora,
Como se vê, é assente na doutrina que a deformidade permanente é o dano estético de certa monta, irreparável, visível e capaz de causar impressão vexatória. Ela não precisa ser impressionante, mas não pode deixar de constituir uma modificação do aspecto exterior do corpo de relativa importância, perceptível à visão e permanente. Não precisa ser repulsiva, mas, obrigatoriamente, deve, pelo menos, criar desagrado ou mal-estar.7
Entre os conceitos de dano estético e deformidade permanente, estipula-se que este exige o transtorno permanente do aspecto físico-estético. De acordo com Cézar Roberto Bitencourt, “Deformidade permanente implica a existência de dano estético considerável, decorrente de defeito físico permanente. É necessário que haja comprometimento permanente, definitivo, irrecuperável do aspecto físico-estético".8 Como exemplo para deformidade permanente, cita-se a perda de um dos olhos, de modo que houve um dano estético irreparável, permanente. Uma semelhança perante os conceitos em discussão invoca a capacidade que ambos possuem de provocar constrangimento, exposição ao ridículo.
CONCLUSÃO
Tendo em vista a reflexão proposta acerca das diferenças entre os conceitos de dano estético e deformidade permanente, pode-se notar que o primeiro abrange visibilidade e a repulsa aos olhos; o segundo abarca o conceito de dano estético, contudo adiciona ao mesmo os requisitos da permanência, irreparabilidade e considerabilidade. Assim, para que caracterize deformidade permanente, o dano estético deve ser considerável, decorrer de defeito físico permanente e ser irreparável. Ademais, este é englobado pelo Direito Penal, aquele, pelo Direito Civil.
Verifica-se, portanto, que toda deformidade permanente comporta, abrange um dano estético e que nem todo dano estético detém considerabilidade e irreparabilidade a ponto de ser considerado deformidade permanente. Pela perscrutação empreendida, enquanto dano estético se relaciona a uma modificação no tocante à beleza do indivíduo, ocasionando um afeiamento da vítima, a deformidade permanente engloba o dano estético, acrescentando-lhe a irreparabilidade por intervenções médicas e a permanência, por exemplo.
A proximidade conceitual entre deformidade permanente e dano estético vai de encontro ao tratamento concedido a ambos no plano do ordenamento jurídico. Este se vincula ao Direito Civil, ao passo que aquela, ao Direito Penal. Destarte, a análise concernente ao dano estético proporciona a verificação de que se encerra como tal ou de que abarca a considerabilidade e a irreparabilidade, requisitos para a caracterização da deformidade permanente.
BIBLIOGRAFIA
ANDREATO, Danilo. Tatuagem, Lesão corporal e Porto feliz. Disponível em: < http://daniloandreato.com.br/tag/deformidade-permanente >. Acesso em 10 de dez. De 2013.
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte especial, vol. 2. 4ª ed. ver. e atual. São Paulo: Saraiva, 2004.
CAPEZ, Fernando. Código penal comentado / Fernando Capez, Stela Prado. – 3. ed. – São Paulo : Saraiva, 2012. Direito penal - Legislação - I. Título.
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. São Paulo: 17. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. v. 7.
TARTUCE, Flávio. Manual de direito civil: volume único / Flávio Tartuce - Rio de Janeiro: FORENSE: SÃO PAULO: MÉTODO.2011.
TJ-RJ. Relator: DES. GILMAR AUGUSTO TEIXEIRA, Data de Julgamento: 14/05/2009, OITAVA CAMARA CRIMINAL, Data de Publicação: 02/06/2009.
Bacharelando em Direito pela Universidade Federal Fluminense. Coordenador-geral da Revista de Direito dos Monitores (RDM) da Universidade Federal Fluminense. Bolsista do PIBIC pela Universidade Federal Fluminense
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BRITTO, Thomaz Muylaert de Carvalho. Entre direito civil e penal: a linha tênue entre dano estético e deformidade permanente Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 20 dez 2016, 04:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/48197/entre-direito-civil-e-penal-a-linha-tenue-entre-dano-estetico-e-deformidade-permanente. Acesso em: 23 dez 2024.
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