RESUMO: O presente estudo tem por objetivo demonstrar a importância de se lançar mão de instrumentos capazes de resguardar o direito a dignidade do trabalhador. Assim, brevemente fez-se abordagem histórica a respeito do assédio moral, sua aplicação na seara do direito do trabalho. Comenta-se a incapacidade da tutela repressiva no combate a ocorrência e/ou a intensificação do assédio moral. Nesse sentido, exalta-se a tutela inibitória como meio mais adequado, ou mesmo imprescindível nesses novos conflitos na seara trabalhista. Por fim, busca-se debater a respeito de tema pouco explorado pela doutrina, mas de suma importância, a fim de que o respeito a integridade moral do trabalhador escape a esfera da mera abstração formal e ingresse na esfera da aplicabilidade concreta e material da norma.
Palavras-chave: Tutela Inibitória. Tutela Repressiva. Assédio Moral. Dignidade do Trabalhador.
ABSTRACT: The present study aimed to show the importance of using instruments capable of protecting the dignity of the worker.Spokeupabout thehistorical originsof bullying. Also, the incapacity of the repressive judicial measures on protecting of bullying.In this particular matter, this study emphasizes the prohibitory injunction as the most effective and indispensable judicial response when dealing with social conflicts in labor law. At last, being this issue important, although scarcely explored by the specialized literature, a debate took place in the final chapter, in order to remove the respect for dignity of the worker from the universe of the mere abstraction and insert it into the sphere of an effective and concrete application of the legal norms.
Keywords: Prohibitory Injunction. Repressive Judicial Measures. Bullying. Dignityofthe Worker.
INTRODUÇÃO
Diante do processo de construção efetiva da jurisdição há de se considerar a necessidade de uma ação idônea à prevenção do ilícito. Partindo de uma ideia de que a sociedade evolui, o direito deve estar atento a esta evolução, a fim de dá a devida tutela às diversas situações jurídicas.
Como é evidente, o direito brasileiro sempre passou a ideia de que toda lesão a direito poderia ser facilmente convertidas em uma tutela ressarcitória, de cunho pecuniário. Contudo, existe direitos, tal qual se mostra o de proteção a dignidade do trabalhador, que merecem uma ampla atenção do judiciário.
Neste sentido, o direito deve se valer do uso de diversas técnicas processuais a fim de possibilitar a aplicação da tutela adequada às diversas situações concretas, viabilizando, consequentemente, o acesso a justiça consagrado pelo art. 5º, XXXV, da Constituição Federal.
Por isso, o presente artigo busca ressaltar a importância da tutela inibitória no ordenamento processual vigente ante a necessidade de se proteger os direitos de personalidade do trabalhador, visto que estes se revelam como fundamentais.
Para atingir esse objetivo, imperioso tecer considerações acerca do que seria o direito da personalidade, e de como este é atingido quando diante da figura do assédio moral.
Busca-se, também, delinear o perfil da ação inibitória como instrumento de efetividade do processo, evidenciando a sua importância no resguardo a saúde psíquica no trabalhador.
1. A IMPORTÂNCIA DE SE PROTEGER A SAÚDE DO TRABALHO
1. 1. Noções Relativas aos Direitos da Personalidade
Para Stolze e Pamplona (2012, p. 183) “o homem não deve ser protegido somente em seu patrimônio, mas principalmente, em sua essência.”
A codificação brasileira passou por grandes transformações ao longo do tempo, perdendo sua essência nitidamente patrimonialista, como se depreendia da leitura do Código Civil de 1916, para se preocupar com o indivíduo em si, refletindo o desejo da Lei Maior.
O direito da personalidade teve seu nascedouro em meados do século XIX, caracterizado pela interferência abusiva por parte do Estado. Com a ruptura desse pensamento, o individuo passa a ter um papel importante na sociedade, limitando, por conseguinte a atuação e interferência do governo no âmbito das relações sociais. Tem-se que com o advento do Constitucionalismo Social, o Estado passou a se preocupar com os direitos fundamentais a fim de defender o indivíduo da ação dos particulares e do poder econômico. (Camila Maria Souza, 2005, p.23).
Ainda, a ideia de conceder ao homem dignidade, apregoada pelo cristianismo, bem como a Escola de Direito Natural com a concepção de direitos conaturais, anteriores ao Estado, influenciou notadamente o direito da personalidade.
Em que pese o novo código Civil de 2002 ter dedicado um capítulo inteiro de seu texto para tratar dos direitos da personalidade, e exercido grande importância na ótica normativa, não se pode olvidar que tal instituto já possuía previsão no texto constitucional, o que demonstra a preocupação do legislador muito antes com a proteção desses direitos.
Apesar da tentativa do novo Código Civil em dirimir algumas questões provocadas pela omissão da constituição, ele não esculpiu um conceito de direito de personalidade. Por essa razão, a doutrina há muito vem tentando encontrar uma definição, sendo certo, porém, que possui uma íntima ligação com a pessoa em si, projetada como ser de direitos e obrigações.
Os direitos da personalidade são conceituados por Pablo Stolze e Pamplona Filho (2012, p. 135) como aqueles que têm por objeto os atributos físicos, psíquicos e morais da pessoa em si e em suas projeções sociais.
Considerando a importância dada aos direitos da personalidade, de modo que não se pode olvidar que se tratam de direitos absolutos, fundamentais a própria essência humana. Em assim sendo, evidente que devem encontrar, em nossa legislação, instrumentos de proteção que visem evitar que a lesão ao direito não se consume.
Ocorre que em um país de caráter essencialmente capitalista, parece ter os direitos de personalidade perdido seu espaço para os direitos patrimoniais, de sorte que a tutela ressarcitória não vem sendo concebida como meio hábil a proteção dos direitos extrapatrimoniais.
Nesta esteira, Arenhart (2000, p. 23) ensina que “trata-se de notória influência do econômico sobre o social, sendo que a existência humana é caracterizada por sua capacidade de acumulação de riqueza – e onde a pior sanção que se concebe é a agressão ao patrimônio alheio.”
Segundo Guilherme Guimarães Feliciano (2012): “Há uma visão individualista e patrimonialista. Em vez de se prevenir, afastar o risco ou neutralizar o perigo, prefere-se que o dano aconteça para que haja indenização”.
O certo é que diferentemente dos direitos patrimoniais que podem ser recompostos ao seu estado in natura, tão logo ressarcido o prejuízo econômico, os direitos da personalidade não possuem essa mesma natureza.
A ideia de que tudo tem seu preço não é concebida em âmbito de direito da personalidade, pois a tutela repressiva é incapaz de atender a sua real necessidade, senão porque projetada posterior ao dano. Adverte, inclusive, Cristiano Chaves de Férias e Nelson Rosenvald (2010, p.153) “[...] qualquer reparação se torna assimétrica diante do sacrifício aniquilador da personalidade.”
Neste ínterim, nos socorremos do exemplo dado por Moreira (2005, p. 284), de que “nem todos os tecidos deixam costurar-se de tal arte que a cicatriz desapareça por inteiro”.
Assim, de que vale o dinheiro para aquele empregado que teve sua personalidade maculada pelo empregador ou por um colega de trabalho? Em que pese a constituição assegurar o direito a indenização pelo dano moral decorrente da sua violação.
Vê-se, pois, a ineficiência da tutela condenatória como meio de proteção a dignidade do trabalhador, na medida em que não é capaz de evitar a sua lesão.
É o que discute o jurista Fux (2006, p. 155):
A tutela condenatória é a mais imperfeita de todas as espécies de resposta judicial. Em primeiro lugar porque voltada para fatos pretéritos e por isso comprometida, apenas, com escopo ressarcitória, revelando-se ineficiente para com o desígnio preventivo. Por outro lado, inadequada à defesa de interesses não imediatamente patrimoniais, como v.g., a necessidade de se impedir uma lesão aos direitos imateriais da personalidade.
Podemos concluir que em face da ineficiência da tutela condenatória em resguardar certos direitos, sobretudo, o direito a personalidade do trabalhador, necessário se faz um estudo de mecanismos de prevenção, capazes de preservá-la em seu estado in natura.
1.2. Assédio Moral
1.2.1. Etimologia do conceito de assédio moral
A expressão assédio moral recebeu diversas definições pelo país, tais como, harcèlement moral (no direito francês); bullying (no direito inglês); mobbing (no direito americano); dentre outros.
Além disso, vários foram os doutrinadores que procuraram conceituar esse “novo” fenômeno social.Alice Monteiro de Barros (2000), por exemplo,define Assédio Moral como:
A situação em que uma pessoa ou grupo de pessoas exercem uma violência psicológica extrema, de forma sistemática e frequente e durante um tempo prolongado sobre outra pessoa, a respeito da qual mantém uma relação assimétrica de poder no local de trabalho, com objetivo de destruir sua reputação, perturbar o exercício de seus trabalhos e conseguir, finalmente, que essa pessoa acabe deixando o emprego.
O Ministério do Trabalho e Emprego, em sua página na internet, define:
É toda e qualquer conduta abusiva (gesto, palavra, escritos, comportamento, atitude, etc.) que, intencional e frequentemente, fira a dignidade e a integridade física ou psíquica de uma pessoa, ameaçando seu emprego ou degradando o clima de trabalho.
Conclui-se, portanto, que assédio moral é muito mais do que um mero conflito de cunho psíquico no âmbito do trabalho, é um atentado a própria dignidade humana.
1.2.2. Características do Assédio Moral
Para se caracterizar o Assédio Moral necessário se faz a reunião de alguns elementos, dentre os quais, podemos destacar: conduta repetitiva, sistematizada e duradoura, violência intensa, intenção de causar dano psicológico e desequilíbrio de poder.
Primeiramente, é preciso ter em mente que o comportamento caracterizador do assédio moral não é esporádico, ou seja, a exposição moral pela qual passa ofendido deverá ser frequente, muito embora exista corrente no sentido de que um ato isolado poderá ensejar assédio moral quando este for tão agressivo que incuta a vitima um temor permanente.
Os comportamentos de assédio tendem a durar tempo suficiente para causar desestabilidade a vitima, e há de ser tal, que comprometa a higidez mental da mesma, fazendo-a se sentir humilhada e inferior.
Nesse sentido, forçoso se faz destacar o entendimento de Alice Monteiro de Barros (2006, p.890):
O conceito de assédio moral deverá ser definido pelo comportamento do assediador, e não pelo resultado danoso. Ademais, a constituição vigente protege não apenas a integridade psíquica, mas também a moral. A se exigir o elemento alusivo ao dano psíquico como indispensável ao conceito de assédio, teríamos um mesmo comportamento caracterizando ou não a figura ilícita, conforme o grau de resistência da vítima, ficando sem punição as agressões que não tenham conseguido dobrar psicologicamente a pessoa. E mais, a se admitir como elemento do assédio moral o dano psíquico, o terror psicológico se converteria em um ilícito sujeito à mente e à subjetividade do ofendido.
Contudo, há quem entenda ser dispensável a existência de dano a vítima, sob o argumento de que o assédio moral deve ser analisado sob a ótica do agressor, pouco importando se este irá lograr êxito ou não em seu intento, quer seja o de provocar dano psíquico ao assediado.
Deve também haver intenção por parte do assediador em causar terror psicológico e atingir a autoestima do empregado, para que possamos verificar a incidência do referido assédio, em que pese tal característica também sofrer discussão tanto doutrinária, quanto jurisprudencial.
Por fim, quanto ao desequilíbrio de poder, tem-se que a agressão é tal, que provoca na vítima a falsa percepção que jamais poderá se defender com seus próprios meios, fazendo com que a vítima exclua-se pouco a pouco do seu meio.
1.2.3. As práticas que caracterizam o assédio moral
Várias são as condutas que caracterizam o assédio moral, dentre elas podemos destacar reclamações frequentes e injustificadas ao empregado, ignorar o trabalhador na frente dos demais empregados, usar de palavras e gestos que denigram a imagem do empregado, dentre outros exemplos.
1.2. 4. Tipos de assédio moral
Embora na maioria das vezes, o assédio moral advenha de um superior, caracterizando uma relação de subordinação entre o empregado e o empregador (assédio vertical), também poderá ocorrer entre pessoas de mesmo nível hierárquico, por exemplo, de um colega do setor o qual o empregado exerce suas funções (assédio horizontal).
Assim, em menor proporção, o assédio pode advir de uma linha de verticalidade, porém, em uma escala ascendente, ou seja, o empregado é quem pratica as condutas, anteriormente descritas, para com o seu superior. Ocorre, por exemplo, quando o funcionário é promovido e passa comandar o setor o qual fazia parte, sendo, pois, hostilizado pelos antigos colegas.
Nesse sentido, é o exemplo dado por Guedes (2003, p. 37), em seu livro Terror Psicológico no Trabalho:
[...] uma jovem bacharela em direito, funcionária de um Tribunal, foi nomeada para ocupar o cargo de Diretora de Secretaria numa Vara do interior. Ao chegar ao fórum, foi recebida com hostilidade pelo corpo de funcionários, cuja média de idade girava em torno dos 40 anos. Paulatinamente foi percebendo que suas determinações para o serviço não eram observadas, e as hostilidades foram evoluindo para atitudes de franco desrespeito e deboche por parte de alguns funcionários. Apesar do estresse e da insônia que passou a sofrer, a determinação da jovem diretora, sua capacidade e autocontrole, bem como o apoio irrestrito do Juiz foram decisivos para que preservasse seu cargo e sua autoridade. Não obstante a insignificância estatística do mobbingascendente, a crueldade da violência praticada não é menos do que nos demais casos.
O assédio também poderá ser vertical descendente, este bem mais frequente do que o anterior, sendo praticado por parte de empregador para com seu subalterno, buscando, por exemplo, retirá-lo do trabalho ou do cargo que exerce.
Há, ainda, o denominado assédio moral organizacional ou straining, o qual pode ser conceituado como um método gerencial, concernente a uma imposição aos empregados, de modo a forçá-los a produzir a maior quantidade possível, por intermédio de ameaças, humilhação em público.
Por fim, podemos destacar o assédio moral horizontal, entre pessoas de mesmo nível hierárquico. É o caso dos comentários maledicentes, e brincadeiras depreciativas entre colegas de um mesmo setor da empresa.
Cremos que independentemente da modalidade do assédio moral, este tende sempre a causar efeitos maléficos ao ambiente de trabalho e, sobretudo, a dignidade da pessoa atingida.
2.Considerações a respeito da tutela inibitória
A necessidade de se valer de uma tutela jurisdicional adequada assume relevância incomensurável
Segundo Arenhart (2000, p. 26): “[...] um direito outorgado pelo Estado, mas sem que se designem mecanismos de tutela projetados para sua efetiva garantia, não poderá ser considerado direito, mas, quando muito, regras morais de comportamento desejável.”
Hodiernamente, o direito de ação não pode ser visto apenas como um direito à sentença é preciso que o meio utilizado para o provimento jurisdicional seja capaz de propiciar uma resposta efetiva aos litigantes.
A esse respeito assevera Luiz Guilherme Marinoni (2006, p. 32):
É preciso compreender que o direito de ação não pode mais ser pensado como um simples direito à sentença, mas sim como o direito ao modelo processual capaz de propiciar a tutela do direito afirmado em juízo. Se o cidadão deve buscar o Judiciário, e esse possui a obrigação de lhe prestar a efetiva tutela de seu direito, é evidente que, por meio da ação, o direito afirmado deve encontrar caminho para que, quando reconhecido, possa ser efetivamente tutelado.
Então, o sistema processual trabalhista deve conceder ao empregado mecanismo efetivo de defesa de seus interesses, sob pena de ter sua função comprometida.
Bem assevera MARINONI (2006, p. 79) que, “Sem um direito processual capaz de garantir uma tutela jurisdicional efetiva e adequada não há um ordenamento que possa ser qualificado como jurídico.”
Assim, o afã de exigir o cumprimento específico da prestação devida, exsurge a tutela inibitória, de modo a impedir a prática, a continuação ou a repetição do ilícito.
Tutela preventiva é o gênero, do qual tutela inibitória é espécie, em que pese alguns doutrinadores, a exemplo de Barbosa Moreira e José Roberto dos Santos Bedaque, não fazerem distinções entre ambas às expressões.
A tutela inibitória como forma genuinamente preventiva visa, portanto, prevenir o ilícito, apresentando-se anteriormente à sua prática. Por conseguinte, a sua atuação não se volta à reparação do dano, como a tradicional tutela ressarcitória, mas sim a proteção do direito.
Evidentemente, então, que não se pode confundir tutela ressarcitória e tutela inibitória, uma vez que possuem pressupostos distintos.
A tutela inibitória objetiva conservar a integridade do bem jurídico protegido, consagrando medidas que impeçam o ato ilícito. A tutela ressarcitória, ao contrario, atua após o dano, de modo a conceder ao requerente uma indenização por perdas e danos. Vê-se, assim, que gera um direito a crédito, ao passo que a tutela inibitória não se sub-roga em nenhum outro direito, conquanto dirigida a garantir o direito em si.
Como se pode perceber, a tutela ressarcitória é voltada ao passado, já a inibitória é voltada ao futuro, dirigida a impedir a prática do ilícito. Ressalte-se, no entanto, que mesmo quando voltada a cessar o ilícito, a tutela inibitória não perde seu caráter preventivo.
A tutela inibitória é uma tutela específica, requerida por meio de ação inibitória, que impõe um fazer ou um não fazer, podendo ser invocada em concurso com a tutela ressarcitória, destinada a cessar ameaças de dano material ou moral, a fim de preservar a integridade do direito.
Todavia, nada obsta que a tutela inibitória seja utilizada antecipadamente na ação inibitória em curso.
Note-se, com efeito, que a tutela inibitória possui um caráter eminentemente preventivo, na medida em que objetiva evitar a prática de um ilícito, a sua repetição, ou ainda, a continuação da sua prática. Possibilitando ainda ao jurista se valer do uso de multa, a fim de coagir o réu a agir da maneira positiva (fazer) ou negativa (não fazer).
É de bom alvitre destacar que, até pouco tempo o uso da tutela inibitória cingia-se à tutela da posse e da propriedade. Somente após o advento da Lei 8.952/94, que alterou alguns dispositivos do antigo Código de Processo Civil, o ordenamento jurídico brasileiro passou a contar com uma técnica processual apta a concretizar certos direitos, tornando-os efetivos.
Assim, anteriormente, a Lei supramencionada, só se podia fazer uso da tutela inibitória típica, ou seja, aquelas inseridas nas hipóteses efetivamente previstas em nosso ordenamento.
Logo, na iminência da ocorrência de um ilícito, restava tão somente ao jurista se valer da tutela cautelar, o que demandava grande perda de tempo, uma vez que necessitava de uma ação de conhecimento posterior, ou, terminava por desaguar em uma espécie de tutela satisfativa, perdendo seu caráter assecuratório do processo principal.
Constata-se então, que a reforma ao antigo Código de Processo Civil, introduzida pela Lei 8.952/94, possibilitou o uso da chamada tutela inibitória atípica, atualmente, requerida com fundamento nos artigos 497 do Novo CPC e 84 do CDC, os quais prevêem respectivamente tutela inibitória típica geral individual e coletiva.
Outrossim, em âmbito constitucional, podemos citar o art. 5º, inciso XXXV da Lei Maior como o fundamento principal do uso da tutela inibitória atípica no ordenamento pátrio.
Já no âmbito trabalhista, podemos fazer uso do direto comum como fonte subsidiária do direito do trabalho, naquilo em que não for incompatível com seus princípios fundamentais, nos termos do parágrafo único do artigo 8º da CLT.
Ademais, podemos citar o artigo 659, IX, da CLT, como exemplo de ação inibitória, na qual o juiz concede a tutela inibitória em reclamações trabalhistas que visem a tornar sem efeito transferência de dirigente sindical para localidade que dificulte ou impeça sua atuação.
Nesta linha de raciocínio, forçoso concluir que não se trata de superação do processo cautelar em detrimento da ação inibitória, senão porque tais institutos não se equivalem, eis que estão voltados para fins diversos.
2.1. Pressupostos de concessão da tutela inibitória
2.1.1. A prova na tutela inibitória
Como dito, há muito tempo o direito brasileiro vem rompendo com a ideia de que o processo está voltado apenas ao passado, servindo apenas para recomposição do bem jurídico violado.
Ocorre que, tradicionalmente a teoria da prova se volta ao passado, de sorte que quando estamos diante de uma tutela voltada ao futuro, impõe-se uma análise, sob uma nova ótica, a respeito da função da prova no processo.
Já se disse que a tutela inibitória se dirige a impedir a prática, a repetição, bem como a continuidade do ilícito. Nesse sentido impende destacar a respeito do objeto jurídico sobre o qual deverá recair a cognição judicial em sede de tutela inibitória, quer seja a probabilidade da prática, repetição, ou continuação de ato contrário ao direito.
2.1.2. A questão do ilícito e o dano
Mister se faz a distinção entre ilícito e dano a fim de que se possa delinear o campo de incidência probatória da tutela inibitória. O dano não é pressuposto para que se possa invocar a proteção jurídica via ação inibitória, tampouco esta se destina a sua prevenção.
Assim sendo, o insigne processualista Marinoni (2006, p. 144) leciona: “No caso de ação voltada a impedir a prática de ato contrário ao direito, ou mesmo de removê-lo, não há como se pensar em dano, pois o que importa é a probabilidade de ato contrário ao direito ou a necessidade de sua remoção”.
O dano é condição necessária quando se tem vistas a indenização por via ressarcitória. Logo, podemos concluir que a tutela inibitória prescinde de dolo e culpa, pois, estes pressupostos pertinentes a responsabilidade civil (reparação do dano).
Neste sentido, o dano não é elemento constitutivo do ilícito, logo não pode ser concebido como consequência lógica deste, muito embora o ilícito seja, por vezes, exteriorizado pelo dano gerado.
Aliás, o próprio Novo CPC seguiu nessa linha, consoante disposto no art. 497, parágrafo único.
Como bem destacado, na ação inibitória não há espaço para alegações concernentes a probabilidade do dano, nem tampouco a sua prova, salvo na hipótese do ato ilícito e o dano ocorrerem no mesmo momento, o que na hipótese, a probabilidade do dano há de ser provada.
2.1.3. A dificuldade da prova e a questão da culpa
Depois de feita a devida distinção entre ilícito e dano, necessário verificar o que deve se provado em sede de ação inibitória, isto é, o objeto sobre o qual deve recair a cognição judicial.
Nesse sentido, haverá a necessidade de provar a probabilidade da prática, repetição, ou continuação de ato contrário ao direito. A dificuldade maior está quando nenhum ato contrário ao direito é praticado anteriormente, pois, neste caso, deverá se provar o perigo da lesão, baseando-se na potencialidade dos meios utilizados como preparativo da ocorrência do mesmo.
O principal pressuposto para concessão da tutela inibitória é a ameaça de prática de ato antijurídico, é sobre ela que deverá recair a cognição judicial. Todavia, há de ser destacado que a ameaça deverá ser concreta, específica, não se concebendo mero perigo genérico, fundado em um temor subjetivo de que o direito do autor será violado.
Para que o provimento inibitório seja procedente, o requerente deverá demonstrar que o réu realizou ou, ainda, está realizando atos que possam vir a causar violação ao seu direito. São atos preparatórios ou atos ilícitos anteriormente praticados, cuja probabilidade aponta pela violação ao bem jurídico protegido pelo autor.
A dificuldade reside quando a ação inibitória é proposta a fim inibir a prática do ato ilícito, isto é, quando ainda não iniciado qualquer ato lesivo ao direito do autor, hipótese em que só foram praticados atos preparatórios.
Descreve Marinoni (2006, p. 138) que “[...] ainda que um ilícito anterior não tenha sido praticado, o autor deverá alegar fatos suficientes para permitir ao juiz, raciocinando, formar um juízo da alegação de que provavelmente será praticado um ilícito.”
Nesse diapasão, ganha força a chamada prova indiciária, a qual permite ao magistrado, num dado caso concreto, a formação de um juízo de perigo potencial e de probabilidade de prática do ato ilícito.
No que se refere a sentença inibitória, esta possui sua eficácia adstrita ao ato jurídico ameaçado, ou seja, vigora até o cumprimento da função inibidora. Conclui Spadoni (2007, p.127), “uma vez praticado o ato vetado, ou uma vez cumprida à ordem judicial, a eficácia da sentença cessa, pois, não mais haverá necessidade de inibição de qualquer conduta”.
Prossegue, em seu raciocínio, o renomado jurista: “em se tratando de relação jurídica continuada, a eficácia da sentença inibitória se protrai no tempo, em decorrência da própria natureza da relação jurídica que continua a existir, projetando-se para o futuro, e agora disciplinada pela sentença.”
Importa frisar que se posteriormente o demandado vier a praticar a ordem que lhe foi obstada pela sentença inibitória, desnecessário se faz requerer a execução da sentença, pois, como dito anteriormente, a sentença inibitória se reveste de natureza executiva lato sensu, bastando ao autor requerer por meio de mera petição, que o juiz adote as medidas judiciais necessárias a cessação do ato ilícito.
2.1.4. A tutela jurisdicional adequada no plano de proteção a dignidade moral do trabalhador
A doutrina sempre passou a ideia de que toda lesão ou ameaça a direito poderia ser convertida em pecúnia, porquanto o próprio direito processual era estruturado dessa forma. A verdade é que esse modelo nitidamente patrimonialista não mais é concebido nas sociedades modernas. De fato, esta ideia de que toda lesão ao direito poderia ser convertida em um equivalente monetário vem desde muito tempo perdendo força.
Analisando o sistema rudimentar romano, observa-se que devido à escassez de dinheiro, havia uma considerável tendência, naquela sociedade, de condenação pecuniária. Bem se percebe quão ultrapassada encontra-se a ideologia romana, contudo, os juristas parecem continuar apáticos diante da nova visão processual.
Este aspecto, com efeito, também é notado pelos processualistas modernos, a exemplo de ProtoPisani (2000, p. 25), que destaca que “mesmo com todas as elegantes operações de restauração, de maquiagem, de reinterpretação operadas pela doutrina civilística sobre a responsabilidade extracontratual, a tutela ressarcitóriase manifesta como estruturalmente inadequada para assegurar sozinha uma tutela aos direitos de conteúdo e função não patrimonial’’.
Eis que surgem, então, as tutelas diferenciadas, dentre estas, a chamada tutela inibitória. Para a demonstração da sua importância no plano do direito a personalidade do trabalhador, imperioso tecer considerações do que seria a chamada tutela inibitória enquanto tutela de urgência.
A visão de que a todo direito pode ser ofertado uma tutela ressarcitória vem perdendo por completo o espaço no direito moderno. Ora, se a lesão ou ameaça não foi diretamente ao patrimônio da vitima, como permitir que se preste unicamente para uma recomposição pecuniária?
De fato, assevera Arenhart (2000, p. 25) que “a indenização do dano moral contribui, muitas vezes, para tornar ainda mais grave à situação; a tutela ofertada, ao invés de proteger o direito, muitas vezes incentiva sua violação.”
Nesse sentido, ainda, Miaille (2000, p. 61) assinala que “esta noção de direitos patrimoniais e extrapatrimoniais encontra-se abalada, diga-se o que se disser, por diferentes brechas”. E prossegue o autor: “A honra, sem dúvida, não tem preço, mas quem é vítima de injúria ou calúnia pode reclamar uma reparação em dinheiro”.
Pois bem, cumpre ao processo a função de restaurar os direitos violados, contudo, não é necessário esperar que a lesão de fato ocorra, pois a tutela repressiva deve ser sempre preterida em detrimento da tutela preventiva, porquanto esta se torna mais prática e bem mais efetiva do que aquela.
O exímio processualista Arenhart (2000, p. 108) leciona:
Vê-se, pois, a difícil missão do direito, no que pertine à proteção aos direitos da personalidade, já que a tutela específica, neste campo, muito dificilmente poderá restaurar, ao lesado, seu idêntico interesse violado. A honra, por exemplo, uma vez maculada, jamais poderá ser restaurada em sua forma primitiva; bem o demonstra a tentativa teratológica da criação da doutrina do dano moral em nosso ordenamento.
Decerto que cabe ao judiciário, quando possível, impedir que a ameaça gere um dano efetivo.
Lembre-se, por oportuno, alguns exemplos de ações inibitórias no direito brasileiro: mandado de segurança preventivo e o interdito proibitório, contudo, o que se busca é a aplicação de uma ação inibitória genérica, de modo a proporcionar sua incidência a qualquer caso que dela careça. Insere-se, neste sentido, a noção da tutela inibitória.
O assédio moral constitui não só um desvio social, comprometedor da integridade psíquica e até mesmo física do trabalhador, mas insere-se, sobretudo, como ofensor a dignidade humana, principio este elevado a categoria constitucional, (art. 1º, III, CF/88).
Nesse contexto, insere-se as palavras de Adriana Estigara (2013), em texto divulgado na internet:
Por atingir a dignidade da pessoa humana, o assédio moral é um mal que deve ser intensamente enfrentado pelo Estado, pela sociedade, pelas organizações não-governamentais, pelas instituições em geral, não se podendo contentar com a alternativa de sua compensação pecuniária, especialmente por que sendo a dignidade humana um direito absoluto não comporta esse gênero de tutela jurídica. [...] Uma iniciativa comprometida com a concretização dos valores constitucionais deve partir para a efetivação da dignidade humana, e não apenas para a criação de mecanismos tendentes a reparar a ofensa a dito valor.
Como visto alhures, o assédio moral pode trazer consequências nefastas ao empregado, levando-o a desenvolver problemas de saúde, pois que atinge sobremaneira sua autoestima e sua personalidade. As primeiras consequências são afastamento das pessoas, frequência de erros no ambiente de trabalho, depressão, falta de concentração, e nos casos mais graves, o suicídio.
O que se percebe é que os danos causados em decorrência do assédio a moral do empregado, pode vir a causar danos irreversíveis, de sorte que a ação ressarcitória jamais se prestará a tutelá-lo.
Nesse contexto infere-se a importância da tutela inibitória, como o meio mais eficaz de proteção a dignidade do empregado, e os valores sociais do trabalho.
O juiz do trabalho Guilherme Guimarães Feliciano (2013), é autor de uma tese aprovada no XVI Congresso Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho, o qual visa incentivar a inserção da tutela inibitória, como instrumento de freio às diversas ações de danos morais nos tribunais. Desta feita, o objetivo é“se adiantar e propor teses para que as ações possam ser ajuizadas enquanto ocorre o problema, e não depois que o trabalhador assediado já pediu as contas por não aguentar mais o ambiente em que trabalha”.
Assim, logo nas primeiras tentativas de agressão, o juiz, atuará com o fim de preservar o emprego do trabalhador, impondo ao assediador uma ordem para fazer cessar o ilícito. A tutela inibitória, então, teria um cunho preventivo-pedagógico, porquanto além de reparar o dano sofrido, visaria prevenir novas práticas de assédio moral pelo empregador.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante do que restou exposto no presente estudo, conclui-se a respeito da importância da tutela inibitória como meio mais eficaz a proteção a dignidade psíquica do trabalhador.
Não se pode descurar que o processo deve percorrer um caminho trilhado por uma tutela capaz de conceder uma resposta adequada e efetiva.
Com efeito, constata-se que existem direitos, que dada a sua natureza no ordenamento jurídico brasileiro, não se amoldam ao conceito clássico de que todo processo pressupõe um dano, que por sua vez poderá ser facilmente reparado em pecúnia.
Alguns direitos precisam manter-se intactos, pois sua violação corresponderia à impotência do Estado em protegê-los. Assim, indispensável se faz assegurar ao individuo mecanismo de satisfação ao seu direito.
Quando o Estado aboliu a autotutela privada, avocou para si a responsabilidade de compor os conflitos, possibilitando a cada um, sempre que possível, a situação que lhe adviria, na hipótese da lei nunca ter sido violada.
As decisões proferidas pelo poder judiciário deverão acompanhar todo esse discurso, para tanto se faz necessário reconhecer que a tutela preventiva é a mais eficiente a preservação de alguns direitos, porque conserva seu estado in natura, ou quando menos, impede que a lesão continue ocorrendo.
Então, se o Estado reconhece a necessidade de se proteger a moral do trabalhador, exsurge a conclusão que deve se desvincular de qualquer instrumento de valor economicamente apreciável, senão porque não se satisfazem com uma mera reparação em pecúnia.
Nesse sentido, somente a tutela inibitória poderá conter os abusos que por vezes retiram a paz psicológica no ambiente de trabalho, chamando a atenção sobre a necessidade da concepção em nosso ordenamento jurídico de uma tutela específica, de modo a trazer uma resposta rápida e eficaz aos litígios levado ao juízo trabalhista.
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Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ALBERTO JORGE SOARES DOS SANTOS JúNIOR, . A importância da tutela inibitória na defesa das vítimas ou potenciais vítimas de assédio moral Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 21 dez 2016, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/48290/a-importancia-da-tutela-inibitoria-na-defesa-das-vitimas-ou-potenciais-vitimas-de-assedio-moral. Acesso em: 23 dez 2024.
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