Palavras-chave: execução, art.523, §1°, aplicação, processo trabalhista.
Para que possamos obter um sistema jurídico verdadeiramente eficaz, necessário se faz repensar o sistema processual sob uma nova perspectiva.
Conquanto seja um dever do Estado conceder respostas a todas as questões levadas a juízo, porquanto aboliu a autotutela privada, torna-se praticamente impossível prever todas as situações, mormente porque a sociedade vive em constante mutação.
Por essa razão, há muito a doutrina vem entendendo que diante da inércia legislativa, importante a integração das normas jurídicas existentes, de modo a preencher a lacuna legiferante existente.
Assim, em se tratando de omissão do direito processual do trabalho, é dada ao jurista a possibilidade de fazer uso, como fonte subsidiária, da norma civil adjetiva.
É sabido que só há possibilidade de efetivar normas do direito processual civil no âmbito laboral quando a CLT for omissa a respeito de determinada matéria, bem como a norma civil adjetiva seja compatível com a consolidação, conforme previsto em seu artigo 769. Todavia, é necessário repensar os critérios de aferição da incidência de leis da legislação civil adjetiva ao processo do trabalho.
E foi com base nesse estudo que buscamos verificar a incidência ou não, do artigo 523, §1°, do Novo Código de Processo Civil em âmbito do processo do trabalho, evidenciando a busca pela concretização do binômio celeridade-efetividade.
Desta feita, discorreremos brevemente acerca da evolução do Estado e das alterações que ocorreram ante a edição do Código de Processo Civil. Ressaltamos, também, sobre o princípio da duração razoável do processo e, a importância das reformas processuais, dentre as quais fizeram inserir o sincretismo processual como forma de melhor atender a tutela jurisdicional.
Analisaremos o artigo 523, §1°, do NCPC, como mecanismo adequado no tocante ao cumprimento da sentença, verificando a aplicação da multa prevista no aludido artigo, ante o não cumprimento voluntário da obrigação determinada na decisão.
Por fim, explicitaremos acerca da importância de uma nova leitura sobre o método de aplicação subsidiária das normas de direito processual comum ao processo do trabalho. Buscamos, ademais, verificar a incidência do artigo 523, §1°, junto ao processo laboral, destacando as discussões em sede doutrinária e jurisprudencial.
2. UMA NOVA PERSPECTIVA PARA O JUDICIÁRIO BRASILEIRO: INOVAÇÃO DA SISTEMÁTICA PROCESSUAL
2.1. Escorço histórico
Para compreender como a sistemática processual se desenvolve na atualidade, importante se faz um estudo, mesmo que breve, acerca da evolução do Estado, sobretudo, quando se está em busca de um sistema jurídico mais célere e eficaz.
O Estado Liberal teve início através das chamadas Revoluções Burguesas, em meados dos séculos XVII e XVIII. Esta época era marcada por uma forma rígida de observância aos direitos postos pela burguesia, porquanto cabia ao Estado exercer as suas funções em consonância estritamente com o que dispunha a lei.
Ademais, o que era editado pela classe dominante (burguesia) além de controlar o Estado, também era considerado como direito natural e absoluto dos indivíduos, o qual era dirigido sob a ótica da igualdade formal perante a lei. Neste sentido ensina Leonardo Cacau Santos La Bradbury (2011):
Outra característica do Estado Liberal é a defesa do princípio da igualdade, uma das maiores aspirações da Revolução Francesa. Porém, é preciso observar quais os fatores que influenciaram a burguesia em ascensão a pregar a aplicação de tal princípio. Ressalte-se que a igualdade aplicada é tão-somente a formal, na qual se buscava a submissão de todos perante a lei, afastando-se o risco de qualquer discriminação. Logo, sob o manto de tal fundamento, todas as classes sociais seriam tratadas uniformemente, pois as leis teriam conteúdo geral e abstrato, não sendo específicas para determinado grupo social.
Sobre a presente temática, discorre Mauro Cappelletti e Bryan Garth (1988, p. 09):
Direito ao acesso à proteção judicial significava essencialmente direito formal do indivíduo agravado de propor ou contestar uma ação. A teoria era a de que, embora o acesso à justiça pudesse ser um “direito natural”, os direitos naturais não necessitavam de uma ação do Estado para sua proteção. Esses direitos eram considerados anteriores ao Estado; sua preservação exigia apenas que o Estado não permitisse que eles fossem infringidos por outros. O Estado, portanto, permanecia passivo, com relação a problemas tais como a aptidão de uma pessoa para reconhecer seus direitos e defendê-los adequadamente, na prática.
O processo, nesta fase, era realizado de forma muito técnica, pautada na estrita legalidade, de forma positivista, não havendo qualquer interferência do Judiciário na relação processual. Assim, não havia análise das diferentes condições dos indivíduos, mas tão somente o acesso a justiça de forma igualitária.
Foi o Estado Liberal que criou os chamados “direitos de primeira geração ou dimensão”, o qual reconhece tão somente os direitos civis e políticos.
No Brasil, existiam discriminações no que concerne ao acesso à justiça, de modo que só os brancos e ricos tinham acesso ao direito civil e processo civil, enquanto para os negros e pobres destinava-se o direito penal e processo penal. (LEITE, 2010, p. 36)
Em face destes acontecimentos, verifica-se que havia uma série de discriminações e injustiças, razão pela qual o modelo político liberal deixou de existir, uma vez que não tinha mais condições de estruturar e organizar a sociedade.
Com isso, surge o chamado Estado Social (ou Estado do Bem-Estar), no qual esse modelo político passa a ter uma postura positiva, intervencionista, adotando políticas governamentais, com vistas a dar melhores condições de vida à classe pobre.
A respeito das características do Estado Social, Leite (2010, p. 37) assim enuncia:
São características do Estado Social, o constitucionalismo social (México, 1917, e Alemanha, 1919), a função social da propriedade, a participação política dos trabalhadores na elaboração da ordem jurídica e o intervencionismo (dirigismo) estatal na economia mediante prestações positivas (status positivus) por meio de leis que criam direitos sociais. O Estado Social visa ao estabelecimento da igualdade substancial (real) entre as pessoas, por meio de positivação de direitos sociais mínimos (piso vital mínimo ou mínimo existencial).
Assim, nota-se que, ao contrário do Estado Liberal, passou o Estado a adotar a chamada igualdade material ou substancial, atuando de forma positiva, com o escopo de atingir a justiça social.
O processo sofre uma série de mudanças. Se antes existia até discriminação no que tange ao acesso à justiça, como dito alhures, nessa fase, o Estado passa a adotar políticas governamentais, com vistas a produzir um amplo acesso à justiça para a classe pobre. No Brasil, por exemplo, podemos citar a criação da assistência judiciária gratuita para os pobres, o jus postulandi, como formas que marcaram o processo brasileiro nessa época.
Todavia, em razão de uma série de acontecimentos, o Estado Social enfraqueceu. Podemos citar alguns dos motivos que geraram a queda dessa época: a grande insatisfação dos grandes empresários, de modo que havia uma grande arrecadação tributária, a crise do petróleo, o aumento da expectativa de vida, diminuição da natalidade, a falta de estruturação para formular políticas públicas, dentre outros fatores.
Assim, houve grandes problemas concernentes à exclusão social, fazendo com que não mais subsistisse o referido modelo estatal.
Com o Estado Democrático de Direito foi que o processo passou a ser visto sob o enfoque da efetividade do acesso ao Poder Judiciário. Neste sentido, criou-se uma nova mentalidade, que culminaram diversas transformações no sistema processual brasileiro.
Com o advento da Constituição da República de 1988, o acesso à justiça foi elevado ao patamar de direito fundamental, insculpido no seu artigo 5º, inciso XXXV. “A jurisdição passa a ser a gênese do sistema pós-moderno de acesso individual e coletivo à justiça [...]” (LEITE, 2010, p. 40). Todavia, não basta que o direito garanta o acesso do cidadão ao judiciário, mas deve propiciar o resultado jurídico efetivo e tempestivo que dele se espera.
Nesse sentido, afirma Ana Carolina Fonseca e Roberto Brocanelli (2010, p. 01): “o Estado democrático de direito há de buscar meios de superação dos muitos e variados entraves em seu sistema judicial, para concretizar o ideal de Justiça acessível para todos”.
Diante desta nova conjuntura culminada pelo Estado Democrático de Direito, o qual busca atender ao binômio, efetividade – celeridade, incutiu-se a reforma no sistema processual brasileiro, alterando substancialmente o diploma processual, unificando-o, eliminando a dicotomia existente entre as atividades de cognição e execução.
2.2 As espécies de atividade jurisdicional e à sistemática anterior às alterações do Código de Processo Civil
Com a edição do antigo Código de Processo Civil, em 11 de janeiro de 1973, o legislador teve como cuidado separar a atividade jurisdicional em atos de cognição (ou de conhecimento) dos atos executivos (ou de execução). Assim, a prestação jurisdicional se dava, em regra, por meio de dois processos autônomos e distintos.
Vale ressaltar que o vertente trabalho não ignora a existência do chamado processo cautelar. Todavia, em que pese ser uma prestação jurisdicional, o processo cautelar não é uma forma de efetivação do direito material, mas tão somente um instrumento para proteger a futura eficácia do provimento final. Por tal motivo, não será tratado no presente estudo.
Examinando as atividades jurisdicionais acima citadas, entende-se que na atividade jurisdicional de conhecimento, o Estado-Juiz declara o direito material, por meio de um ato judicial (sentença). O objetivo preponderante do processo de conhecimento é reconhecer a existência ou não do direito afirmado pelo autor de uma demanda. No mesmo sentido, afirma Câmara (2009, p. 263), “a finalidade essencial do módulo processual de conhecimento é a obtenção de uma declaração consistente em conferir-se certeza jurídica à existência ou inexistência do direito afirmado pelo demandante [...].”
É por meio do processo de conhecimento que o juiz, analisando as alegações das partes no litígio, bem como através das provas carreadas nos autos, irá decidir e declarar quem tem razão.
Porém, em muitos casos, a simples declaração do direito, não será suficiente para satisfazer a parte vencedora da demanda, necessitando, desta feita, de algum instrumento judicial que efetive essa declaração, daí é que surge o chamado processo de execução.
O processo de execução é um instrumento jurídico que tem por finalidade precípua efetivar aquilo que foi declarado na sentença, satisfazendo o direito. Em outras palavras esclarece Freitas Câmara (2009, 82), “[...] a tutela jurisdicional executiva se caracteriza pela satisfação de um crédito operando-se a realização prática de um comando contido em sentença condenatória [...]”
Percebe-se, assim, que o processo de conhecimento visa à prolação da sentença, para outorgar certeza jurídica as partes, em contrapartida, o processo de execução tem como objetivo fazer valer aquilo que foi determinado no título judicial (sentença). Neste sentido ensina Cândido Rangel Dinamarco (2007, p. 46):
A distinção fundamental entre o processo de conhecimento e o executivo reside, pois, no endereçamento teleológico de cada um deles: enquanto no primeiro toda a atividade converge a um ato final de acertamento (sentença), no segundo os atos todos, materiais ou eventualmente decisórios, visam a preparar o ato material final satisfativo de direito (entrega).
Sobre a distinção entre processo de conhecimento e processo de execução, assevera José Carlos Barbosa Moreira (2007, p. 46), “no de conhecimento, ela é essencialmente intelectiva, ao passo que, no de execução, se manifesta, de maneira preponderante, através de atos materiais, destinados a modificar a realidade sensível [...]”
Assim, no processo civil, a prestação jurisdicional sempre foi consagrada basicamente por meio de dois processos: processo de conhecimento e processo de execução.
2.3 Princípio constitucional motivador da reforma processual
A Constituição Federal de 1988, notadamente em seu artigo 5°, inciso LXXVIII, preconiza que “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.”
O nascedouro do princípio da duração razoável do processo, indubitavelmente, foi influenciado pela verificação da morosidade do sistema processual brasileiro no que tange à prestação tanto jurisdicional quanto administrativa. Ressalte-se, porém, que iremos nos ater somente em relação à primeira.
Duração razoável do processo tem conceito indeterminado, na medida em que dependerá do caso específico para verificar se o seu deslinde está ou não em consonância com o princípio em tela.
Assim, o que se deve levar em conta é a complexidade do caso, bem como a quantidade de processos que circulam em determinada Comarca, dentre outros fatores que influenciam na tramitação do processo.
O objetivo do princípio em análise é propiciar para os jurisdicionados uma decisão rápida, célere, sem maiores delongas desnecessária.
Desde o advento da Constituição Federal de 1988, ficou estabelecido que deve haver para todos os cidadãos acesso ao Judiciário, conforme reza o artigo 5°, XXXV: “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”.
No entanto, não basta que exista somente o direito de acesso ao Judiciário, mas, sobretudo, que se garanta um acesso tempestivo e efetivo que dele se espera. Neste sentido, assevera Cândido Rangel Dinamarco (2001, t.2, p. 798):
O direito moderno não se satisfaz com a garantia da ação como tal e por isso é que procura extrair da formal garantia desta algo de substancial e mais profundo. O que importa não é oferecer ingresso em juízo, ou mesmo julgamento de mérito. Indispensável é que, além de reduzir os resíduos de conflitos não jurisdicionalizáveis, possa o sistema processual oferecer aos litigantes resultados justos e efetivos, capazes de reverter situações injustas. Tal é a idéia de efetividade da tutela jurisdicional, coincidente com a plenitude do acesso à justiça e a do processo civil de resultados.
Nesta mesma linha adverte Carlos Henrique Bezerra Leite (2010, p. 63):
Vê-se, assim, que o nosso ordenamento jurídico passa a se preocupar não apenas com o acesso do cidadão ao Poder Judiciário, mas, também, que esse acesso seja célere, de modo a que o jurisdicionado e o administrado tenham a garantia fundamental de que o processo, judicial ou administrativo, em que figurem como parte, terá duração razoável em sua tramitação.
A nossa própria Constituição Federal estabeleceu alguns meios para atingir essa rapidez processual, como podemos perceber no artigo 93, XII, da CF, o qual estabelece que “a atividade jurisdicional será ininterrupta, sendo vedado férias coletivas nos juízos e tribunais de segundo grau, funcionando, nos dias em que não houver expediente forense normal, juízes em plantão permanente.”
Todavia, não se pode confundir duração razoável com instantaneidade. O processo deve ter um lapso temporal necessário para o seu deslinde, não tendo tempo maior, nem menor, mas o suficiente. Em outras palavras esclarece Câmara (2009, p. 58):
O que se assegura com esse princípio constitucional é a construção de um sistema processual em que não haja dilações indevidas. Em outros termos, o processo não deve demorar mais do que o estritamente necessário para que se possa alcançar os resultados justos visados por força da garantia do devido processo legal. Deve, porém, o processo demorar o tempo necessário para que tal resultado possa ser alcançado.
Na mesma linha de raciocínio, segue Adolfo Gelsi Bidart (2002, p. 23), “o processo, como é evidente, não pode ser instantâneo, devendo contar com um prazo razoável para a produção das provas, as quais vão formar o convencimento do juiz.”
Assim, o princípio da duração razoável do processo deve estar em consonância com outros princípios, como o da razoabilidade e proporcionalidade, visto que não deve o processo se estender demais, nem ser instantâneo ao ponto de comprometer o contraditório e a ampla defesa.
2.4 O sincretismo processual como forma de melhor atender a tutela jurisdicional
Como dito alhures, o antigo Código de Processo Civil de 1973, adotava, como regra, a distinção entre processo de conhecimento e processo de execução. Todavia, em razão da lentidão para concretização do direito pleiteado em juízo, tendo em vista o tecnicismo da atividade jurisdicional, necessário se fez criar mecanismos mais eficazes, no sentido de desburocratizar o processo e, sobretudo, garantir a efetividade do processo de forma tempestiva. Neste sentido advertem Didier, Cheim e Abelha (2006, p. 104):
Assim, especialmente após a Constituição progressista de 1988, houve um irreversível movimento da sociedade jurídica politicamente organizada no sentido de que seria necessário fazer inúmeras reformas processuais no sistema brasileiro (consumidor, meio ambiente, locações, ordem econômica etc.), aí incluindo as reformas do Código de Processo, no sentido de desburocratizá-la, criar técnicas processuais mais simples, facilitar o acesso à justiça e, especialmente, diminuir o grau de insatisfação do jurisdicionado, implementando técnicas mais eficazes de realização do direito material.
Com isso, nos últimos tempos, ocorreram sucessivas reformas no antigo Código de Processo Civil Brasileiro, com o escopo de abolir de vez os vestígios da dualidade do processo até então presente em nossa legislação civil adjetiva. Estas inovações estão inseridas em quatro fases.
A primeira fase surgiu através da Lei 8.952, de 13 de dezembro de 1994, a qual inseriu o instituto da tutela antecipada a ser aplicável de forma genérica ao processo de conhecimento, aplicando-se a qualquer procedimento. Ressalte-se, porém, que o referido instrumento, já era regulado no ordenamento jurídico brasileiro há bastante tempo, todavia, só era cabível nos casos em que estivesse expressamente previsto, como por exemplo, as ações possessórias.
Assim, com o advento da supracitada lei quebrou-se a barreira até então presente entre a atividade de conhecimento e atividade de execução, uma vez que possibilitou a realização de medidas executivas no processo cognitivo. Em lúcida doutrina sobre a questão, cumpre trazer à baila as preciosas lições de Humberto Theodoro Júnior (2007, p. 104):
Com isso fraturou-se, em profundidade, o sistema dualístico que, até então, separava por sólida barreira o processo de conhecimento e o processo de execução, e confinava cada um deles em compartimentos estanques. É que, nos termos do art. 273 e seus parágrafos, tornava-se possível, para contornar o perigo de dano e para coibir a defesa temerária, a obtenção imediata de medidas executivas (satisfativa do direito material do autor) dentro ainda do processo de cognição antes mesmo de ser proferida a sentença definitiva de acolhimento do pedido deduzido em juízo.
Posteriormente houve algumas modificações no artigo 461 do antigo Código de Processo Civil, com redação dada pela Lei 8952/1994, o qual ensejou um novo modelo de tutela para as obrigações de fazer e de não fazer. Essa nova redação do artigo 461 foi inspirada no artigo 84 do Código de Defesa do Consumidor.
Com essas alterações, ao ser prolatada uma sentença que impõe o cumprimento de algumas dessas obrigações deve ser concedida à parte a chamada “tutela específica”, porquanto, havendo a procedência do pedido, deve o juiz determinar todas as providências que assegurem o resultado prático equivalente ao adimplemento.
Em um terceiro estágio, houve a extensão do regime até então previsto para as obrigações de fazer e não fazer para as obrigações de entregar coisa, o qual foi inserido o artigo 461-A, com redação introduzida pela Lei 10.444/2002. Assim, a parte vencedora em uma relação jurídica não mais necessita ingressar com um processo executivo para que seja efetivado o seu direito reconhecido na fase cognitiva.
Neste passo, vê-se, pois, que as obrigações de fazer, não fazer e entregar coisa, não se submeterá a um processo autônomo de execução, de modo que no próprio processo cognitivo o juiz utilizará atos para que seja efetivado o cumprimento, sem a necessidade de um novo processo.
Completando o ciclo de transformações do antigo Código de Processo Civil, exsurge a Lei 11.232, de 22 de dezembro de 2005, a qual modifica o procedimento executivo judicial das obrigações de pagamento de quantia.
Foi através desse importante marco na história da legislação processual civil que a sentença com eficácia condenatória de pagamento de quantia deixou, em regra, de ser executada através de um processo autônomo, passando assim, a ser visto como uma mera fase no processo, chamada de “fase de cumprimento de sentença”. Acerca do tema leciona o eminente doutrinador Ernane Fidélis dos Santos (2007, p. 03):
O cumprimento da sentença é, agora, simples prosseguimento do processo de conhecimento. Não é relação autônoma, mas fase distinta, embora venha a sentença que reconheça a obrigação a se constituir em título judicial (art. 475-N, I, introduzido pela Lei n. 11.232/2005). Julgado, por exemplo, o litígio referente à obrigação de indenizar, com o trânsito em julgado da sentença, o processo se encerra. Se o julgado não for cumprido voluntariamente, com simples manifestação do credor, passa-se à fase executória, manifestação que até dispensa quando se trata de obrigação de fazer ou de não fazer e de entrega de coisa.
Rompeu-se, assim, com a dicotomia tradicional entre processo de conhecimento e processo de execução, tudo isso em consonância com a garantia preconizada pela nossa Carta Magna, qual seja, a da duração razoável do processo. Nestes lindes assinala Theodoro Júnior:
A reforma que unifica o processo de condenação e execução, aliás, cumpre com propriedade a garantia da duração razoável e observância de medidas de aceleração da prestação jurisdicional, em boa hora incluída entre as garantias fundamentais pela Emenda Constitucional n° 45/2004, com a instituição do inciso LXXVIII adicionado ao art. 5° da Constituição.
Ademais, percebe, pois, que houve uma extensão do processo sincrético para as obrigações de pagamento de quantia certa.
Notadamente que essa extensão do procedimento simplificado (sincretismo) para as obrigações de pagamento de quantia houve uma repercussão maior, na medida em que vários institutos foram atingidos com essa junção do processo de conhecimento e execução.
Importante trazer à baila as palavras da ilustre doutrinadora Ada Pellegrini Grinover (2006, p. 16), a qual participou do anteprojeto que culminou na Lei 11.232/2005:
Lei 11.232/2005 traz profunda modificação em todo o direito processual brasileiro e seus institutos. A principal característica da lei – denominada de cumprimento de sentença – consiste na eliminação da figura do processo autônomo de execução fundado na sentença civil condenatória ao pagamento de quantia certa, generalizando o disposto nos arts. 461 e 461-A do CPC. Agora, a efetivação dos preceitos contidos em qualquer sentença civil condenatória se realizará em prosseguimento ao mesmo processo no qual esta for proferida.
Imperioso ressaltar que, conquanto tenha havido a junção do processo de conhecimento e de execução, existem ainda títulos executivos que não podem ser executados em fase, mas sim por meio de processo autônomo, são eles: título executivo extrajudicial, sentença penal condenatória, sentença estrangeira homologada no Superior Tribunal de Justiça - STJ, a decisão interlocutória estrangeira, após a concessão do exequatur à carta rogatória pelo Superior Tribunal de Justiça.
Com o advento do Novo Código de Processo Civil, com exceção da sentença penal, arbitral e estrangeira (que ainda necessitam de citação), todas as execuções fundadas em título judicial seguem o procedimento de cumprimento de sentença, sendo a execução uma fase procedimental (sincretismo processual) como regra.
Em síntese, o sincretismo processual trouxe modificações sobre as quais atualizou e modernizou o Poder Judiciário e, por conseguinte, o Código de Processo Civil em uma tentativa de adotar um procedimento mais célere e efetivo. Neste diapasão, explicita Silva de Carvalho que “as alterações trazidas pela Lei 11.232/05 revelam-se importante avanço na efetividade do processo, adotando um procedimento mais célere, enxuto e, por isso, com menos custos para o Estado administrar a Justiça.” (CARVALHO, 2007, p. 253).
2.5 Natureza jurídica da execução trabalhista face às novas regras do processo sincrético
No processo trabalhista, sempre existiram bastantes discussões a respeito da natureza jurídica da execução de sentença trabalhista, porquanto a execução sempre foi processada nos mesmos autos. Acerca da temática, vale trazer à baila duas correntes doutrinárias.
Vários autores consagrados defendem de forma veemente que se trata de um processo autônomo a natureza jurídica da execução trabalhista. (TEIXEIRA FILHO, 2007).
Em sentido contrário, defende o eminente doutrinador Ísis de Almeida (1991, p. 395), que a execução trabalhista seja uma mera fase do processo:
Assim, percebe-se, pois, que os argumentos sustentados pela primeira corrente seguem no sentido de que, tendo em vista a necessidade de citação do executado (art. 880, da CLT), não haveria que se falar em sincretismo, visto que citação é o ato que se chama alguém ao processo.
Ora, resta claro que o art. 880, da CLT, está em desconformidade com a realidade, de modo que ainda mantém a ideia já superada no que tange à realização de citação para o início da execução.
Trata-se do fenômeno denominado pela doutrina de ancilosamento normativo, consubstanciada no reconhecimento da lacuna ontológica. Por oportuno ressaltar que a vertente temática será objeto de estudo posteriormente, razão pela qual não iremos adentrar no mérito desta questão.
Importante consignar, ainda, que no âmbito trabalhista o juiz pode, de ofício, iniciar a execução trabalhista, consoante prescreve o artigo 878, da CLT. Desta feita, é incabível o entendimento sustentado por parte da doutrina no sentido de atribuir a execução trabalhista como processo autônomo.
Com efeito, com o surgimento da Lei 11.232/05, que reformulou a execução civil, gerou para Justiça do Trabalho uma estrutura básica no que concerne a execução trabalhista. Adverte Francisco Montenegro Neto (2006):
Com a edição da Lei 11.232, modifica-se a execução civil – que, aliás, fornece a estrutura orgânica básica da execução trabalhista, consubstanciada (no caso de execução de quantia, modalidade mais comum), nas fases de quantificação, constrição e expropriação patrimonial – para torná-la, no que tange a busca por maior efetividade, mais assemelhada à execução trabalhista.
Em face do expendido, entendemos que a CLT, desde sua entrada em vigor, em 10 de novembro de 1943, sempre previu o chamado sincretismo processual. Ou seja, no tocante as obrigações de fazer, não fazer, entregar coisa e pagar quantia certa sempre foram executadas no mesmo juízo que prolatou a sentença.
3. UMA ANÁLISE ACERCA DO ARTIGO 523, DO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
3.1 Da aplicação da multa pelo não cumprimento espontâneo da obrigação
Vimos no capítulo antecedente, que as reformas operadas pelo antigo Código de Processo Civil tiveram como escopo reduzir a duração do processo para satisfazer de forma tempestiva o direito de quem pleiteia em juízo.
Neste sentido, foi implantado no CPC/73 um novo modelo no tocante à execução de pagamento de quantia certa, consoante estabelecia o artigo 475-J, do antigo Código de Processo Civil.
O Novo CPC/2015, no mesmo sentido, seguindo as inovações advindas pela Lei 11.232/05, com algumas modificações, assim preconiza, in verbis:
Art. 523. No caso de condenação em quantia certa, ou já fixada em liquidação, e no caso de decisão sobre parcela incontroversa, o cumprimento definitivo da sentença far-se-á a requerimento do exequente, sendo o executado intimado para pagar o débito, no prazo de 15 (quinze) dias, acrescido de custas, se houver.
§ 1° Não ocorrendo pagamento voluntário no prazo do caput, o débito será acrescido de multa de dez por cento e, também, de honorários de advogado de dez por cento.
§ 2° Efetuado o pagamento parcial no prazo previsto no caput, a multa e os honorários previstos no § 1o incidirão sobre o restante.
§ 3° Não efetuado tempestivamente o pagamento voluntário, será expedido, desde logo, mandado de penhora e avaliação, seguindo-se os atos de expropriação.
Ressalte-se, a priori, que o vertente artigo não toma providências a respeito de qualquer sentença, mas tão somente as que se refere ao cumprimento de pagamento de quantia. Ou seja, caso se trate de cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, as regras serão aquelas previstas no art. 497, do NCPC. Caso seja relativo ao cumprimento de obrigação de entrega de coisa, serão as disposições constantes no art. 498, do NCPC. Em suma, o referido artigo é limitado apenas à obrigação de pagamento de quantia.
Em análise ao que se depreende no vertente artigo percebe, pois, que além de unificar o processo, surgiu um reforço pecuniário, para que seja cumprida de forma espontânea a obrigação de pagamento de quantia certa.
Trata-se de uma multa de dez por cento e, também, de honorários de advogado de dez por cento, que será incidida, caso o devedor condenado ao pagamento de quantia certa, ou já fixada em liquidação, não proceda ao pagamento de forma voluntária da dívida, no prazo de 15 (quinze) dias.
Ademais, efetuado o pagamento parcial no prazo previsto no caput, a multa e os honorários previstos no § 1º incidirão sobre o restante.
4. DA APLICABILIDADE SUBSIDIÁRIA DO ART. 523, §1°, DO NOVO CPC NO ÂMBITO DO DIREITO PROCESSUAL DO TRABALHO
4.1 Da Integração das normas jurídicas
Há muito o ordenamento jurídico brasileiro sedimentou a ideia de que todo conflito levado a juízo deverá encontrar solução, ainda que não exista uma norma jurídica aplicável ao caso concreto.
Nesse sentido, adverte o art. 140 do Código de Processo Civil: “O juiz não se exime de decidir sob a alegação de lacuna ou obscuridade do ordenamento jurídico.”
Tal omissão do legislador decorre do fato de que este, em sua função legiferante é incapaz de prever todas as situações hipotéticas, mormente numa sociedade em constante transição.
Ressalte-se, ademais, que o direito brasileiro não concebe mais a ideia, conforme restou consignado na dicção do artigo supra a incidência da chamada fórmula non liquet, a qual permitia ao julgador se abster de julgar quando na falta de disposição normativa a determinado caso levado a juízo.
Assim, inexistindo lei específica, e estando o juiz proibido em se abster de solucionar objeto do conflito, deverá, conforme preleciona o art. 4º da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro, fazer uso de analogia, dos costumes ou ainda os princípios gerais do direito.
Nesse contexto, destaca-se a importância da integração das normas jurídicas para o direito, senão porque sua principal função é a de suprir as lacunas existentes em razão da falta de amparo legal à determinada situação jurídica, o que, de início, impediria o julgador de sentenciar.
Outrossim, a Consolidação das Leis do Trabalho, notadamente no art. 769, autoriza a aplicação de forma subsidiária das normas do direito processual civil:
Art. 769 “Nos casos omissos, o direito processual comum será fonte subsidiária do direito processual do trabalho, exceto naquilo em que for incompatível com as normas deste Título”.
Prevê, ainda, o art. 889 da CLT, a possibilidade de aplicação da Lei 6.830/80:
Art. 889 “Aos trâmites e incidentes do processo da execução são aplicáveis, naquilo em que não contravierem ao presente Título, os preceitos que regem o processo dos executivos fiscais para a cobrança judicial da dívida ativa da Fazenda Pública Federal.
Vê-se, pois, que o legislador previu solução para o caso de inexistir norma aplicada a determinado caso concreto. Em se tratando de omissão do direito processual do trabalho, será dada ao julgador a possibilidade de se valer do direito processual civil, como fonte subsidiária, tal como estabelece os artigos 769 e 889 da CLT. Vale ressaltar, que neste último artigo, só há a aplicação das normas de direito processual civil junto ao processo do trabalho, se houver omissão tanto em relação ao processo laboral, como em relação ao processo executivo fiscal.
Ademais, o artigo 15, do NCPC/2015, assenta que “na ausência de normas que regulem processos eleitorais, trabalhistas ou administrativos, as disposições deste Código lhes serão aplicadas supletivas e subsidiariamente.”
4.2 Uma nova leitura sobre o método de aplicação subsidiária das normas de direito processual civil ao processo do trabalho
O estudo acerca da integração das normas nos remete a outra questão de suma importância, qual seja, a necessidade de uma nova visão ao processo do trabalho.
Ocorre que nas últimas décadas o legislador parece ter esquecido o processo trabalhista, tendo ao longo desses anos se mantido apático diante das mudanças sociais.
Vê-se que o Processo Civil buscou se desvincular da visão nitidamente paternalista, que vigorava outrora, buscando, com isso, adequar às normas, a nova visão da sociedade.
Em verdade, o Direito é fruto da sociedade, e estando esta última em constante mutação, há de se servir de normas que se adéqüem aos seus novos anseios.
Diante da ausência de reformas relevantes ao direito Processual do Trabalho, forçoso se faz uma nova leitura sobre o método de aplicação subsidiária das normas de direito processual comum ao processo laboral.
Conforme restou consignado em linhas pretéritas, os artigos 769 e 889 da CLT, bem como o artigo 15, do atual CPC/2015 permitem tão somente ao intérprete da norma processual trabalhista se valer, como fonte subsidiaria, do direito processual comum, no caso de inexistência de norma sobre determinada matéria, e havendo compatibilidade entre as mesmas.
Assim, ainda que surja uma lei mais efetiva na legislação processual comum, se já existe norma processual trabalhista regulando aquela determinada matéria, restaria obstada a sua aplicação, devido à ausência da omissão normativa exigida pelo supramencionado artigo.
Manter-se preso a essa visão, fundada na leitura seca do texto normativo, se estará condenando o processo trabalhista a uma aplicação retrógrada, incapaz de conceber efetividade ao processo, esta tão almejada, inclusive, pelo texto constitucional.
A ideia até então vigente, fundada basicamente no princípio da legalidade não pode mais seguir adiante. Ora, conforme já exposto, o texto constitucional, por meio da EC. 45/2004 estabeleceu como direito fundamental a garantia de “uma razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação” (art. 5°, LXXVIII, da CF).
Dessa forma, ao ficar preso a ideia retrógrada de que só poderá haver a aplicação das normas do direito processual comum junto do processo do trabalho se houver omissão material normativa e compatibilidade, inexoravelmente, está afrontando o direito fundamental da duração razoável do processo.
Daí, então, a importância de uma nova leitura sobre o método de aplicação subsidiária das normas, fazendo uso da hermenêutica, a fim de que o processo trabalhista consiga alcançar sua finalidade precípua, quais sejam efetividade, celeridade, segurança jurídica e, sobretudo, justiça.
4.2.1 Das lacunas ontológicas e axiológicas
Conforme explicitado, para que haja a integração das normas do direito processual civil junto ao processo do trabalho, necessário se faz a presença de dois elementos: compatibilidade e lacuna normativa.
Assim, inicialmente é preciso ver se há compatibilidade do instituto que será conduzido e as demais normas do Processo do Trabalho, de modo que mantenha a coerência do subsistema processual trabalhista e sua fidelidade axiológica. (CHAVES, 2007, p. 63).
Ademais, imperioso verificar e repensar o que seja lacuna, com vistas a abrir portas à integração das normas do processo civil ao processo do trabalho.
Acerca do conceito de lacuna não há um consenso. Adotamos os ensinamentos de Karl Engisch (2007, p. 67):
As lacunas são deficiências do Direito positivo (do Direito legislado ou do Direito consuetudinário), apreensíveis como faltas ou falhas de conteúdo de regulamentação jurídica para determinadas situações de fato em que é de esperar essa regulamentação e em que tais falhas postulam e admitem a sua remoção através duma decisão judicial jurídico-integradora.
Não podemos nos ater apenas a existência da lacuna normativa para que possa ocorrer a aplicação subsidiária. É preciso, também, realizar uma interpretação evolutiva, de modo a propiciar a aplicabilidade, quando houver lacunas ontológicas e axiológicas.
A lacuna normativa é verificada quando inexistem normas sobre determinado caso. Já lacuna ontológica ocorre quando existe a norma, contudo ela não está em consonância com a realidade atual, ou seja, ela não corresponde aos fatos sociais em razão do desenvolvimento das relações sociais, econômicas e políticas acarretando o ancilosamento normativo. Lacuna axiológica ocorre quando, presente determinada norma jurídica a um dado caso concreto, ela não se mostra justa. (DINIZ, 2001, p. 437)
Podemos afirmar, com toda certeza, que a CLT, apresenta normas totalmente ultrapassadas, visto que desde 1943, ou seja, desde seu nascedouro não foram adequadas às normas vigentes aos dias atuais.
Assim, as lacunas ontológicas e axiológicas estão presentes no nosso sistema jurídico, razão pela qual não pode o hermeneuta se ater tão somente a lacuna normativa, ao interpretar o art. 769 da CLT. Deve, ao contrário, realizar uma interpretação as normas ultrapassadas, com vistas a atingir o que a nossa Constituição da República preconizou, a saber: efetividade nas decisões e duração razoável do processo.
Com isso, entendemos que resta superada a ideia de que, ainda que surja uma lei que seja mais efetiva não poderia haver a sua aplicação, devido à existência de regulação sobre o fato concreto.
4.3 Há possibilidade de aplicação subsidiária do artigo 523, §1° do Novo CPC no direito processual do trabalho?
Pois bem. Chegamos ao ponto central do nosso trabalho, saber se é possível ou não a aplicação do artigo 523, §1°, do Novo Código de Processo Civil junto ao processo do trabalho.
O atual artigo 523 do Novo Código de Processo Civil estipula que “no caso de condenação em quantia certa, ou já fixada em liquidação, e no caso de decisão sobre parcela incontroversa, o cumprimento definitivo da sentença far-se-á a requerimento do exequente, sendo o executado intimado para pagar o débito, no prazo de 15 (quinze) dias, acrescido de custas, se houver.” Por sua turno, o parágrafo primeiro dispõe que “não ocorrendo pagamento voluntário no prazo do caput, o débito será acrescido de multa de dez por cento e, também, de honorários de advogado de dez por cento.”.
A sua aplicação junto ao processo do trabalho corre pela necessidade de se verificar se existe ou não lacuna e ainda se é compatível com as disposições previstas no texto consolidado. Não obstante, vale frisar, que a aplicação das normas do CPC, de forma subsidiária, não decorre apenas quando houver omissão e compatibilidade, mas também em razão das denominadas lacuna axiológica e ontológica.
Em uma primeira análise, poderíamos afirmar que a temática é constatada na CLT, notadamente no caput, do art. 880, in verbis:
Art. 880. Requerida a execução, o juiz ou presidente do tribunal mandará expedir mandado de citação do executado, a fim de que cumpra a decisão ou o acordo no prazo, pelo modo e sob as cominações estabelecidas ou, quando se tratar de pagamento em dinheiro, inclusive de contribuições sociais devidas à União, para que o faça em 48 (quarenta e oito) horas ou garanta a execução, sob pena de penhora.
Verifica-se, pois, que existe regulamentação expressa no texto consolidado, assim, de início, seria um obstáculo à aplicabilidade do 523, §1°, da legislação adjetiva civil no processo laboral.
Conforme determina o aludido art. 880, da CLT, o devedor deverá ser citado mediante oficial de justiça para pagar ou garantir à execução em 48 horas, sob pena de penhora.
Não obstante, tal dispositivo, mostra-se ultrapassado, não estando em sintonia com a realidade. Ou seja, guarda ainda a ideia retrógrada da autonomia do processo de execução, uma vez que determina que seja citado, a fim de que cumpra a decisão ou acordo. Desta feita, resta patente a existência da lacuna ontológica, consubstanciada no ancilosamento normativo.
Corroborando com nosso posicionamento, imperioso colacionar o seguinte julgado:
EMENTA: RECURSO DE REVISTA – HORAS EXTRAS – TRABALHADOR EXTERNO. 1 – Decisão regional fundada na circunstância fática de que o Reclamante, embora trabalhasse externamente como vendedor, estava submetido a controle documental de jornada (cartões de ponto), segundo revelado pela prova testemunhal produzida. 2 – A existência de controle horário afasta a possibilidade de ofensa ao art. 62, I, da CLT. 3 – Arestos que não consideram a mesma premissa fática examinada pela Corte Regional não autorizam, por inespecíficos, o conhecimento do recurso de revista, a teor da Súmula n. 296, I, desta Corte. Recurso não conhecido. II – MULTA DO ARTIGO 475-J – APLICAÇÃO SUPLETIVA – POSSIBILIDADE – COMPATIBILIDADE COM OS PRINCÍPIOS DA LEGISLAÇÃO INSTRUMENTAL TRABALHISTA (CLT, ART. 769). A aplicação dos preceitos da legislação processual comum ao direito processual do trabalho depende da existência de omissão e de compatibilidade com as demais regras e princípios que informam a atuação da jurisdição especializada (CLT, art. 769). Mas o exame em torno da importação de regra processual, nos parâmetros indicados, deve considerar não a literalidade dos dispositivos considerados, mas os postulados axiológicos - ou finalidade sociais (LICC, art. 5°) – por eles tutelados. Nesse sentido, considerado o significado contemporâneo da garantia do acesso à Justiça (Constituição Federal, art. 5°, XXXV e LXXVIII) e a essencialidade do crédito trabalhista para a subsistência do trabalho, nada obsta a plena aplicação da regra inscrita no art. 475-J do CPC ao rito executivo trabalhista, impondo-se ao devedor a multa de 10% sobre o valor da execução, na hipótese de, regularmente intimado, não promover o depósito ou pagamento da respectiva importância. Recurso de revista conhecido e não provido.( TST-RR 484-2008-002-20-00.6, 3ª. T., Rel. Des. Convocado Douglas Alencar Rodrigues, unânime, DJe 13.08.2009).
Entendemos, assim, que o art. 523, §1°, do NCPC, se coaduna com a regra da aplicação subsidiária, prevista no art. 769 do texto consolidado, uma vez que existe lacuna ontológica, e a matéria é plenamente compatível com os princípios que norteiam o processo do trabalho, sobretudo em razão de fazer com que as suas decisões sejam mais céleres, e, como é sabido, a maioria das ações tratam-se de créditos de natureza alimentar.
Importante consignar, ainda, que o prazo de 15 dias, a qual alude o art. 523, do NCPC, deve ser modificado em relação ao processo do trabalho, devendo este contar o prazo de 08 dias, de acordo com a regra recursal prevista no texto consolidado, tendo em vista ser mais eficaz e célere.
Ademais, prevê o art. 523, do NCPC, ser indispensável requerimento do credor para que inicie a execução.
Não obstante, nos termos do art. 878, o processo laboral possibilita o juiz, de ofício, ou a requerimento de qualquer interessado promover a execução, sendo, assim, mais célere e efetivo, razão pela qual deve haver a aplicação do referido dispositivo.
Assim, uma vez transcorrido o prazo de 08 dias, a contar da data da intimação da sentença líquida, haverá a incidência da multa de dez por cento, e o juiz de ofício ou a requerimento do credor poderá iniciar a fase de execução.
Nesse diapasão seguem os eminentes doutrinadores Edilton Meireles e Leonardo Borges (2007, p. 294):
Assim parece-nos que, proferida a sentença líquida, o prazo para pagamento começa a correr de imediato, com a simples intimação da parte para ter ciência da decisão e, por óbvio, para cumpri-la. E esse prazo, parece-nos, que deva ser o de 8 (oito) dias no processo do trabalho, considerando ser este o prazo de apelo trabalhista (recurso ordinário), assim como o é de 15 (quinze) dias no processo civil.
Entendemos, vale frisar, que seja de bom alvitre inserir na parte dispositiva da sentença, que caso o devedor não pague dentro do prazo de 08 dias, haverá a incidência da multa de dez por cento.
Ressalte-se, por oportuno, que a aludida multa poderá incidir tanto na execução provisória, quanto na definitiva, nos termos do art. 520, §2°, do NCPC.
Ora, ainda que se possa alegar que a decisão possa ser modificada, o prosseguimento da execução visa dar efetividade processual e prestígio da decisão de primeiro grau. Surgindo modificação da decisão, responderá o exeqüente objetivamente pelos danos causados ao executado, nos termos do art. 520, I, do NCPC.
Impende destacar que, caso seja efetuado o pagamento parcial da dívida, no prazo de 08 dias, a multa incidirá sobre o restante, nos termos do §2°, do art. 523, do NCPC.
Se o executado não pagar a quantia reclamada, poderá ou garantir o juízo ou nomear bens à penhora. Não obstante, não vislumbramos qualquer impedimento para que o credor indique bens à penhora, de modo que a execução pode ser realizada pelo exeqüente ou pelo magistrado.
Importante trazer a baila alguns entendimentos jurisprudenciais sobre a temática, de modo a demonstrar a divergência que ainda paira sobre a possibilidade ou não de haver a aplicação do art. 523, §1°, do NCPC junto ao processo do trabalho.
Nesse passo, o Colendo Tribunal Superior do Trabalho, à luz do CPC/73 assentou ser inaplicável o art. 475-J (atual art. 523, §1°, do NCPC), in verbis:
EMENTA: I – AGRAVO DE INSTRUMENTO EXECUÇÃO INAPLICABILIDADE DO ART. 475-J DO CPC AO PROCESSO DO TRABALHO. Ante possível violação do art. 5°, inciso, LIV, da Constituição da República, dá-se provimento ao Agravo de Instrumento para determinar o processamento do apelo denegado. II – RECURSO DE REVISTA EXECUÇÃO INAPLICABILIDADE DO ART. 475-J DO CPC AO PROCESSO DO TRABALHO. 1. Segundo a unânime doutrina e jurisprudência, são dois os requisitos para a aplicação da norma processual comum ao Processo do Trabalho: i) ausência de disposição da CLT a exigir o esforço de integração da norma pelo intérprete; ii) compatibilidade da norma supletiva na segunda se verifica que um mesmo fato gera distintos juridicizado pelo art. 475-J do CPC não pagamento espontâneo da quantia certa advinda da condenação judicial possui disciplina própria no âmbito do Processo do Trabalho (art. 883 da CLT), não havendo falar em aplicação da norma processual comum ao Processo do Trabalho. 4. A fixação de penalidade não pertinente ao Processo do Trabalho importa em ofensa ao principio do devido processo legal, nos termos do art. 5°, inciso LIV, da Constituição da República. Recurso de Revista conhecido e provido.( TST – 3ª T. – RR – 765/2003-008-13-41 – Relª Ministra Maria Cristina Irigoyen Peduzzi – DJ 22.2.2008).
Não obstante, a Instrução Normativa nº. 39, de 2016, do TST consignou que está sub judice no Tribunal Superior do Trabalho a possibilidade de imposição de multa pecuniária ao executado e de liberação de depósito em favor do exequente, na pendência de recurso, o que obsta, de momento, qualquer manifestação da Corte sobre a incidência no Processo do Trabalho das normas dos arts. 520 a 522 e § 1º do art. 523 do CPC de 2015.
Acertadamente, o TRT da Quarta Região, editou a Súmula 75, com redação alterada pela Resolução Administrativa nº 19, de 2016, assentando que “a multa de que trata o artigo 523, § 1º, do CPC é compatível com o processo do trabalho, e a definição quanto à sua aplicação efetiva deve ocorrer na fase de cumprimento da sentença.
Desse modo, por todo expendido, entendemos que deve ser aplicado o art. 523, §1°, do NCPC, no âmbito processual laboral, fazendo algumas adaptações, de modo a dar efetividade as decisões judiciais trabalhistas e, por conseguinte, resguardar os direitos fundamentais dos trabalhadores.
Conclusão
É cediço que o processo deve servir de instrumento de efetivação, de modo a conceder a parte vencedora o reconhecimento de seu direito na fase de cognição, bem como eficiência na fase de execução.
Impulsionado com esta ideia, o processo civil promoveu diversas alterações em seu sistema normativo, desde a sua implementação, algumas delas culminaram na extensão do sincretismo processual, antes previsto somente para as obrigações de fazer, não fazer e entregar coisa – para as obrigações de pagamento de quantia certa.
Não obstante, com o advento da Lei 11.232/2005, houve previsão do art. 475-J, tendo este modificado substancialmente o método da execução de pagamento de quantia certa.
O Novo Código de Processo Civil, notadamente no art. 523, §1°, manteve a inovação surgida com a supracitada Lei.
Como se vê, a sistemática do processo civil vem há muito tempo tentando se adequar a realidade da sociedade, a fim de combater os entraves promovidos pela morosidade da justiça e, sobretudo, pelos devedores recalcitrantes na fase de execução.
O processo trabalhista, ao contrário, vem se mantendo estagnado, de modo que após o advento da Consolidação das Leis Trabalhistas, poucas mudanças ocorreram. Assim, imperioso se faz um aprimoramento normativo no âmbito do processo do trabalho, visando melhor prestar a tutela jurisdicional, concedendo ao requerente uma resposta célere e adequada.
Andou bem o legislador, que prevendo que as disposições processuais contidas na CLT, não poderiam regular todas as questões levadas a juízo, permitiu fazer uso, ainda que subsidiariamente, das normas de processo civil.
Por essa razão, o artigo 769 da CLT traz o Código de Processo Civil como sua fonte subsidiária, na hipótese de existir omissão normativa.
Nesse passo, defende-se a aplicação do artigo 523, §1° do NCPC, no processo do trabalho, ante a lacuna ontológica existente no âmbito da legislação trabalhista, no tocante ao processo de execução.
Com a aplicação do aludido artigo além de promover a incidência da multa de dez por cento no processo laboral, para que o credor efetue o pagamento voluntário da quantia certa, prevê a desnecessidade de citação para o cumprimento da obrigação.
Assim, entendemos que o artigo 523, §1°, do NCPC se mostra mais adequado a realidade processual, mormente porque coaduna com os princípios que norteiam o processo do trabalho, tais como da celeridade, efetividade e duração razoável do processo.
Em que pese persistir na doutrina, bem como na jurisprudência questionamentos a respeito da incidência supletiva do referido artigo no processo laboral, entendemos que tais discussões deverão restar superadas, mormente quando se têm vistas a alcançar o que foi determinado na sentença.
Verifica-se, assim, a essencialidade do vertente estudo, pois, através do dispositivo em análise, surgirá mais um novo mecanismo de defesa dos direitos trabalhistas, atuando de forma concreta na busca da efetividade do provimento jurisdicional.
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Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ALBERTO JORGE SOARES DOS SANTOS JúNIOR, . Aplicação subsidiária do artigo 523, §1°, do novo Código de Processo Civil no Direito Processual do Trabalho: em busca de uma maior efetividade da execução trabalhista Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 22 dez 2016, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/48320/aplicacao-subsidiaria-do-artigo-523-1-do-novo-codigo-de-processo-civil-no-direito-processual-do-trabalho-em-busca-de-uma-maior-efetividade-da-execucao-trabalhista. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: LEONARDO RODRIGUES ARRUDA COELHO
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