Introdução
Controverte-se a doutrina se de acordo com o Novo Código de Processo Civil pode-se aplicar a teoria da causa madura em sede de agravo de instrumento. Pretende-se nesse artigo investigar tal possibilidade, conforme o julgamento recente da corte especial do STJ.
Desenvolvimento
De inicio, cumpre frisar que o CPC/1973, em seu art. 515, § 3º, permitia que o TJ ou o TRF, ao decidir a apelação interposta contra sentença terminativa, julgasse ele próprio (o Tribunal) o mérito da ação caso entendesse que o juiz não deveria ter extinguido o processo sem resolução do mérito.
Esse julgamento do mérito diretamente pelo Tribunal ficou conhecido na prática como "teoria da causa madura", ou seja, estando a causa "em condições de imediato julgamento" (leia-se: madura), o Tribunal já deverá decidir desde logo o mérito.
Com uma melhor redação, o CPC/2015 repetiu a regra do § 3º do art. 515 do Código passado. Além disso, acrescentou três novas hipóteses (incisos II, III e IV). Algumas delas já eram admitidas pela jurisprudência, mas agora constam expressamente na legislação. Compare:
Art. 515 (...)
§ 3º Nos casos de extinção do processo sem julgamento do mérito (art. 267), o tribunal pode julgar desde logo a lide, se a causa versar questão exclusivamente de direito e estiver em condições de imediato julgamento.
Art. 1.013. (...)
§ 3º Se o processo estiver em condições de imediato julgamento, o tribunal deve decidir desde logo o mérito quando:
I - reformar sentença fundada no art. 485;
II - decretar a nulidade da sentença por não ser ela congruente com os limites do pedido ou da causa de pedir;
III - constatar a omissão no exame de um dos pedidos, hipótese em que poderá julgá-lo;
IV - decretar a nulidade de sentença por falta de fundamentação.
Assim também sempre versou a jurisprudência do STJ quanto à sua aplicação unanimamente na apelação:
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. EMBARGOS À EXECUÇÃO E AÇÃO ORDINÁRIA. LITISPENDÊNCIA. REEXAME DE FATOS E PROVAS. SÚMULA 7/STJ. TEORIA DA CAUSA MADURA. APLICABILIDADE NO CASO CONCRETO.
1. O Tribunal de origem, soberano na análise do acervo fático-probatório dos autos, reconheceu inexistir litispendência entre as ações ordinária e embargos à execução. Reformar tal entendimento demanda, necessariamente, o reexame dos fatos da causa, o que é inviável, na estreita via do recurso especial a teor do óbice contido na Súmula 7/STJ.
2. "A regra do art. 515, § 3º, do CPC deve ser interpretada em consonância com a preconizada pelo art. 330, I, do CPC, razão pela qual, ainda que a questão seja de direito e de fato, não havendo necessidade de produzir prova (causa madura), poderá o Tribunal julgar desde logo a lide, no exame da apelação interposta contra a sentença que julgara extinto o processo sem resolução de mérito" (EREsp 874.507/SC, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, Corte Especial, DJe 1º/7/2013). Em igual sentido: AgRg no AREsp 708.134/RJ, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, DJe 1/12/2015.
3. Agravo interno não provido.
(AgInt no REsp 1470359/RJ, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, julgado em 22/09/2016, DJe 04/10/2016)
PROCESSO CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. DECISÃO RECORRIDA PUBLICADA NA VIGÊNCIA DO CPC/1973.OMISSÃO NA SENTENÇA. TEORIA DA CAUSA MADURA. APLICAÇÃO.POSSIBILIDADE. DECISÃO MANTIDA.
1. A jurisprudência do STJ se alinha no sentido de ser possível ao Tribunal de Justiça, aplicando o disposto no art. 515, § 3º, do CPC/1973, sanar vício existente na sentença e, entendendo desnecessária produção de provas, julgar imediatamente o pedido na apelação, em respeito ao princípio da celeridade processual.
2. Agravo regimental a que se nega provimento.
(AgRg no AgRg no REsp 1223813/SC, Rel. Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA, QUARTA TURMA, julgado em 19/05/2016, DJe 30/05/2016)
Entretanto, cumpre salientar que recentemente o STJ através de sua Corte Especial, admitiu a possibilidade de aplicação da Teoria da Causa Madura em sede de agravo de instrumento, como delineado na ementa abaixo transcrita:
“Admite-se a aplicação da teoria da causa madura (art. 515, § 3º, do CPC/1973 / art. 1.013, § 3º do CPC/2015) em julgamento de agravo de instrumento.”
STJ. Corte Especial. REsp 1.215.368-ES, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 1/6/2016 (Info 590).
O entendimento adotado pelo STJ é amplamente aceito pela doutrina:
"(...) Está aí, portanto, a questão da dimensão do disposto pelo novo parágrafo do art. 515 - se ele abrange apenas o recurso de apelação, ou também outros. Figure-se a hipótese da decisão interlocutória com que o juiz determina a realização de uma prova e a parte manifesta agravo de instrumento com o pedido de que essa prova não seja realizada: se o tribunal aceitar os fundamentos do recurso interposto, para que a prova não se realize, e entender também que nenhuma outra existe a ser realizada, é de rigor que passe desde logo ao julgamento do meritum causae, porque assim é o espírito da Reforma - acelerar a oferta da tutela jurisdicional, renegando mitos seculares, sempre que isso não importe prejuízo à efetividade das garantias constitucionais do processo nem prejuízo ilegítimo às partes (...)" (DINAMARCO, Cândido Rangel. A reforma da reforma. 6ª ed., São Paulo: Malheiros, 2003, p. 162-163).
"Inclinamo-nos pela admissibilidade de aplicação do art. 515, §3º também ao agravo de instrumento. (...)" (WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Os agravos no CPC brasileiro. 4ª ed., São Paulo: RT, 2006, p. 350).
"Cumpre esclarecer que o §3º do art. 515 não se restringe ao âmbito do recurso de apelação, sendo comum a todos os meios de impugnação, tendo em vista que, salvo exceções, a modificação legislativa não é restritiva, mas sim extensiva a todo o sistema recursal." (ROGRIGUES, Marcelo Abelha. Manual de Direito Processual Civil. 5ª ed., São Paulo, RT, p. 644).
Já sob a égide do novo CPC, Daniel Assumpção Neves também defende o mesmo entendimento:
"Conforme se nota da expressa previsão do art. 1.013, § 3.º, I, do Novo CPC, a norma diz respeito à apelação, sabidamente uma das espécies recursais. Ocorre, entretanto, que parcela considerável da doutrina entende ser a regra pertencente à teoria geral dos recursos. Dessa forma, defende-se a aplicação da regra em todo e qualquer recurso, em especial no agravo de instrumento (...)" (NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Novo CPC comentado. Salvador: Juspodivm, 2016, p. 1.680).
A leitura atenta da doutrina remete a algumas premissas: a) a norma propõe um atalho para acelerar julgamentos baseados na ruptura com o dogma do duplo grau de jurisdição, assumido como princípio , mas não como garantia ; b) a disposição não pode acarretar prejuízo às partes, especialmente no que se refere ao contraditório e à ampla defesa; c) a teoria da causa madura não está adstrita ao recurso de apelação, porquanto inserida em dispositivo que contém regras gerais aplicáveis a todos os recursos, e d) os exemplos dados admitem o exame do mérito da causa com base em recursos tirados de interlocutórias sobre aspectos antecipatórios ou instrutórios.
Da forma como colocada a matéria, parece-me razoável entender que quem pode o mais, pode o menos. Se a teoria da causa madura pode ser aplicada em casos de Agravos de decisões interlocutórias que nem sequer tangenciaram o mérito, resultando no julgamento final da pretensão da parte, é possível supor que não há impedimento à aplicação da teoria para a solução de uma questão efetivamente interlocutória, desde que não configure efetivo prejuízo à parte. O que se propõe aqui é um minus – específico ao caso concreto – em relação à potencialidade da teoria.
Esse ponto deve ser, neste momento, limitado à hipótese concreta, por proporcionar condições adequadas a uma interpretação sistemática da normativa aplicável e permitir um juízo prospectivo cauteloso: a espécie trata de vício de fundamentação em decisão antecipatória, proferida em consonância com a jurisprudência desta Corte.
Conclusão
Entendimento diverso do aqui esposado levaria à seguinte providência: o provimento do recurso para anular o acórdão e determinar que o juízo de 1º grau proferisse nova decisão. Considerando o teor de sua fundamentação, é razoável pressupor a ratificação da decisão de piso (ainda que mais robusta), a repetição do Agravo de Instrumento, a repetição do respectivo acórdão e a manutenção do status atual (afinal, a recorrente não se insurgiu contra qualquer outro fundamento do decisum ora atacado). Tratar-se-ia de manifesto prejuízo à celeridade, economia processual e efetividade do processo; um desserviço à premissa de outorga tempestiva de decisões em atividade jurisdicional, sem qualquer benefício às partes do processo.
Por fim, de essencial relevância destacar que a jurisprudência do STJ admite a não aplicação da teoria da causa madura quando for prejudicada a produção de provas pela parte de forma exauriente, o que não acontece na presente hipótese, já que se trata de recebimento da inicial da Ação de Improbidade e de determinação cautelar da medida de indisponibilidade dos bens, situações em que o juízo exara provimento de exame precário das provas juntadas com a inicial, sem prejuízo de prova em contrário no curso da ação.
Referências:
http://www.stj.jus.br/SCON/index.jsp?livre=teoria+da+causa+madura&b=ACOR&p=true&t=JURIDICO&l=10&i=1
http://www.dizerodireito.com.br/2016/11/possibilidade-de-aplicacao-da-teoria-da.html
Bacharel em Direito pela Universidade Católica de Pernambuco. Pós Graduado em Direito Civil pela UNIDERP/LFG. Pós Graduando em Direito Processual Tributário pela UNIDERP/LFG. Assessor Técnico Judiciário em Gabinete de Desembargador do Tribunal de Justiça de Pernambuco. <br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: DUQUE, Felipe Viana de Araujo. Possibilidade de aplicação da teoria da causa madura em julgamento de Agravo de Instrumento Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 22 dez 2016, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/48325/possibilidade-de-aplicacao-da-teoria-da-causa-madura-em-julgamento-de-agravo-de-instrumento. Acesso em: 23 dez 2024.
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