1.INTRODUÇÃO
Cinge-se o mérito do presente trabalho em destrinchar a possibilidade que é controvertida na doutrina e jurisprudência sobre haver a concessão do beneficio da justiça gratuita conforme as partes que tenham possibilidade de contratar advogado particular. Isto é, pode-se ter a concessão do beneficio ou por si só, a possibilidade de contratação de advogado particular inviabiliza a concessão do benefício?
2.DESENVOLVIMENTO
Eis o teor do art. 98 do CPC de 2015:
Art. 98. A pessoa natural ou jurídica, brasileira ou estrangeira, com insuficiência de recursos para pagar as custas, as despesas processuais e os honorários advocatícios tem direito à gratuidade da justiça, na forma da lei.
O benefício da assistência judiciária gratuita, previsto na Lei nº 1.060/50, tem como principal escopo assegurar a plena fruição da garantia constitucional de acesso à Justiça, prevista no art. 5º, XXXV, da CF/88, mediante a superação de um dos principais obstáculos ao ajuizamento de uma ação, consistente no custo financeiro do processo, que inclui despesas processuais e extraprocessuais, bem como os honorários advocatícios.
Diante disso, o art. 4º da Lei nº 1.060/50 faculta a qualquer pessoa o gozo dos benefícios da assistência judiciária, mediante simples afirmação de que se encontra em situação econômica que lhe impede de arcar com as custas do processo e com os honorários de advogado, sem prejuízo próprio ou de sua família.
O STJ, ciente do seu papel institucional de garantidor da cidadania, tem interpretado o referido benefício de forma abrangente, estendendo-o, por exemplo, às pessoas jurídicas que demonstrem a impossibilidade de custear os encargos do processo (EREsp 321.997/MG, Corte Especial, Rel. Min. Cesar Asfor Rocha, DJ de 16.08.2004), ou ainda, reputando válido o seu deferimento em qualquer fase do processo, desde que demonstrado o preenchimento dos requisitos exigidos em lei (AgRg nos EDcl no Ag 728.657/SP, 3ª Turma, minha relatoria, DJ de 02.05.2006; e REsp 723.751/RS, 2ª Turma, Rel. Min. Eliana Calmon, DJ de 06.08.07).
Há julgados defendendo que a natureza do instituto, de mecanismo facilitador do acesso à justiça, aliada à própria literalidade do art. 3º, V, da Lei nº 1.060/50 – que não distingue os honorários sucumbenciais dos convencionais – impõe seja a isenção aplicada também aos honorários advocatícios contratados. Confira-se, à guisa de exemplo, o precedente mencionado no próprio acórdão recorrido, REsp 309.754/MG, 4ª Turma, Rel. Min. Hélio Quaglia Barbosa, DJ de 11.02.2008.
Outros julgados, mantendo-se na linha de raciocínio da tese anterior, mas avançando na interpretação sistemática da norma, sustentam que, à semelhança do que ocorre com os honorários sucumbenciais, os honorários convencionais somente serão exigíveis nas hipóteses em que o êxito na ação venha a modificar a condição financeira da parte, nos termos do art. 12 da Lei nº 1.060/50. Nesse sentido: RMS 6.988/RJ, 2ª Turma, Rel. Min. Ari Pargendler, DJ de 21.06.1999; e REsp 238.925/SP, 3ª Turma, Rel. Min. Ari Pargendler, DJ de 21.08.2001).
A maioria do STJ, filia-se a uma terceira corrente – que tem prevalecido nos julgados mais recentes das Turmas que compõem a 2ª Seção – entendendo que a escolha de um determinado advogado, mediante a promessa de futura remuneração em caso de êxito na ação, impede que os benefícios da Lei nº 1.060/50 alcancem esses honorários, dada sua natureza contratual e personalíssima. Assim, independentemente da situação econômica da parte ser modificada pelo resultado final da ação, havendo êxito, os honorários convencionais serão devidos.
Vale dizer, se a parte, a despeito de poder se beneficiar da assistência judiciária gratuita, opta pela escolha de um advogado particular em detrimento daqueles postos à sua disposição gratuitamente pelo Estado (a quem incumbe, nos termos do art. 5º, LXXIV, da CF/88, a assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos), cabe a ela arcar com os ônus decorrentes desta escolha deliberada e voluntária.
Nesse sentido, recentemente se posicionou o STJ:
“É possível o deferimento de assistência judiciária gratuita a jurisdicionado que tenha firmado com seu advogado contrato de honorários com cláusula ad exitum (STJ. 2ª Turma. REsp 1.504.432-RJ, Rel. Min. Og Fernandes, julgado em 13/9/2016 (Info 590).
PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. OMISSÃO NO ACÓRDÃO RECORRIDO. ALEGAÇÃO GENÉRICA. SÚMULA 284/STF. JUSTIÇA GRATUITA. EXIGÊNCIA DE DECLARAÇÃO DE PATROCÍNIO GRATUITO INCONDICIONAL. DESCABIMENTO. AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL. PRECEDENTES.
1. A assertiva genérica de violação do art. 535 do CPC/1973 compromete a fundamentação do recurso especial. Aplicação da Súmula 284/STF.
2. É possível o gozo da assistência judiciária gratuita mesmo ao jurisdicionado contratante de representação judicial com previsão de pagamento de honorários advocatícios ad exitum.
3. Essa solução é consentânea com o propósito da Lei n. 1.060/1950, pois garante ao cidadão de poucos recursos a escolha do causídico que, aceitando o risco de não auferir remuneração no caso de indeferimento do pedido, melhor represente seus interesses em juízo.
4. A exigência de declaração de patrocínio gratuito incondicional não encontra assento em qualquer dispositivo da Lei n. 1.060/1950, criando requisito não previsto, em afronta ao princípio da legalidade.
5. Precedentes das Terceira e Quarta Turmas do STJ.
6. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, provido, com determinação de retorno dos autos à origem para processamento da apelação.
(REsp 1504432/RJ, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEGUNDA TURMA, julgado em 13/09/2016, DJe 21/09/2016)
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA. BENEFICIÁRIO, VENCEDOR DA DEMANDA, REPRESENTADO POR ADVOGADO PARTICULAR. CONDENAÇÃO DO ESTADO, VENCIDO, NO PAGAMENTO DE HONORÁRIOS DE SUCUMBÊNCIA. POSSIBILIDADE. ARTS. 20 DO CPC E 11 DA LEI 1.060/50. SÚMULA 450/STF. ART. 22, § 1º, DA LEI 8.906/94.INAPLICABILIDADE, NO CASO DOS AUTOS. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO.
I. De acordo com os autos, o ora agravado, representado por advogado particular, ajuizou ação, postulando a condenação do ESTADO DO ESPÍRITO SANTO, ora agravante, ao fornecimento de medicamentos. Por não possuir condições financeiras de arcar com as despesas do processo, requereu a concessão dos benefícios da Lei 1.060/50, o que fora deferido, na origem.
II. Nesse contexto, julgado procedente o pedido, necessária a condenação do agravante, vencido na demanda, nos ônus de sucumbência, em especial no pagamento de honorários, devidos ao patrono do agravado, conforme determinam os arts. 20 do CPC ("a sentença condenará o vencido a pagar ao vencedor as despesas que antecipou e os honorários advocatícios") e 11 da Lei 1.060/50 ("os honorários de advogados e peritos, as custas do processo, as taxas e selos judiciários serão pagos pelo vencido, quando o beneficiário de assistência for vencedor na causa") e a Súmula 450/STF ("são devidos honorários de advogado sempre que vencedor o beneficiário de justiça gratuita").
III. O disposto no art. 22, § 1º, da Lei 8.906/94 não tem o condão de isentar o agravante, vencido na presente demanda, de arcar com os honorários de sucumbência, devidos ao patrono do agravado, vencedor.
Tal dispositivo legal regula matéria diversa, relacionada ao direito do advogado dativo - sempre que nomeado para patrocinar causa de juridicamente necessitado, na impossibilidade de a Defensoria Pública prestar o serviço - receber honorários, fixados de acordo com a tabela da OAB, e pagos pelo Estado. Nesses casos, o dever do Estado de pagar os honorários ao advogado não decorre do fato de ter sido vencido, na demanda, mas da sua obrigação de prestar "assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos" (art. 5º, LXXIV, da Constituição Federal).
IV. Agravo Regimental improvido.
(AgRg no REsp 1386809/ES, Rel. Ministra ASSUSETE MAGALHÃES, SEGUNDA TURMA, julgado em 18/02/2016, DJe 01/03/2016)
Em síntese, nada impede a parte de obter os benefícios da assistência judiciária e ser representada por advogado particular que indique, hipótese em que, havendo a celebração de contrato com previsão de pagamento de honorários ad exito, estes serão devidos, independentemente da sua situação econômica ser modificada pelo resultado final da ação, não se aplicando a isenção prevista no art. 3 o , V, da Lei nº 1.060/50, presumindo-se que a esta renunciou.
3. CONCLUSÃO
O STJ possui entendimento consolidado no sentido de que a parte que celebrou com seu advogado contrato de honorários com cláusula ad exitum possui direito de receber os benefícios da justiça gratuita. Nesse sentido: STJ. 3ª Turma. REsp 1.404.556/RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 10/6/2014.
Essa solução é consentânea com o propósito da Lei, pois garante ao cidadão de poucos recursos o direito de escolher o advogado que, aceitando o risco de não auferir remuneração no caso de indeferimento do pedido, melhor represente seus interesses em juízo.
4. REFERÊNCIAS:
http://www.stj.jus.br/SCON/index.jsp?livre=teoria+da+causa+madura&b=ACOR&p=true&t=JURIDICO&l=10&i=1
http://www.dizerodireito.com.br/2016/11/possibilidade-de-aplicacao-da-teoria-da.html
Bacharel em Direito pela Universidade Católica de Pernambuco. Pós Graduado em Direito Civil pela UNIDERP/LFG. Pós Graduando em Direito Processual Tributário pela UNIDERP/LFG. Assessor Técnico Judiciário em Gabinete de Desembargador do Tribunal de Justiça de Pernambuco. <br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: DUQUE, Felipe Viana de Araujo. Concessão do benefício da justiça gratuita para autor que tenha firmado contrato com advogado particular Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 23 dez 2016, 04:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/48400/concessao-do-beneficio-da-justica-gratuita-para-autor-que-tenha-firmado-contrato-com-advogado-particular. Acesso em: 23 dez 2024.
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