RESUMO: O presente artigo tem por objetivo a abordagem do Direito Tributário no liame das relações mercantis dos comerciantes nacionais que, tendo em vista a maior diversificação de seus negócios, importam produtos industrializados da China, e assim sendo, são tributariamente equiparados a industriais nacionais, fato o qual resulta na incidência do IPI. Apresentado este panorama geral, surge o escopo maior desta pesquisa, a saber, a ilegal ficção jurídica que é realizada pelo fisco nacional, o qual cobra novamente aquele IPI previamente adimplido, no ato de venda/saída do produto do estabelecimento varejista. Esse ato configura uma espécie de bis in idem prejudicial àquele determinado vendedor nacional, vez que, posiciona seus produtos importados em evidente desvantagem mercantil em comparação à concorrência, cada vez mais feroz no momento atual da conjuntura econômica. É mister ressaltar que não é do interesse deste projeto defender o produto estrangeiro em relação ao nacional. O enfoque aqui será de demonstrar o caráter abusivo da segunda cobrança do IPI – no ato de venda – e tão somente esta, não se adota neste esboço qualquer insurgência contra o enquadramento do IPI ao chegar no Brasil, devendo, desta feita, ser adimplido o Imposto sobre Produtos Industrializados no ato de desembaraço aduaneiro ao ser importado em terras brasileiras. Cabe antecipar também que, por sua própria natureza, não tem o IPI qualquer função protetora dos produtos nacionais, ou seja, sua extrafiscalidade se limita ao igualar tributariamente produtos de origem interna e aqueles mesmos produtos de procedência internacional, até porque, com o escopo de proteger a indústria pátria, tem-se o Imposto de Importação que é cobrado em conjunto com o IPI ainda na alfândega. Desta forma, este trabalho de estudo pretende dar fim a um desnível abusivo que é reiteradamente aplicado ao importador comerciante em relação ao IPI.
Palavras-chave:IPI; Equiparação; Comerciante; Importação; Ficção; China
ABSTRACT: This article study has the target of argument about the tributary law in the aspects of the economics relations inside the all seller’s acts, witch, trying to improve the diversification of their businesses, imports industrialized products from China, and naturally, they rest economically equaled to those national producers. Once they are put in the equal position of the national producer, the tributary code applies the IPI for everyone who imports industrialized from another country. Presented this general idea about the case, it must be shown the project’s main objective, witch is, the illegal juridical fiction that is made for the institutional tribute power of Brazil, by taking two times the same tribute without logic explanations. In few words, the importer pays the IPI when he comes into Brazil (IPI plus II), and in the moment he sells that product, illogically, he is forced to pay again, as it would be national. As a normal consequence, the brazilian seller became prejudiced by paying two time that same tribute, in a illegal kind of bis in iden. Furthermore, it must rest cleaned the principal idea about this study is that, in no moment at all, we are in favor of no paying. What will be discussed is only the irregular situation of the second paying act, in the reason of being classified of a model of juridical fiction, witch term is not accepted in our tributary system. In no moment we are promoting the absence of paying the IPI in that first moment. Instead of all this, the concept of using the IPI as a protective tax is completely wrong, because the IPI only is been used for the intention of equipper national and those things came by overseas. So, this project of course conclusion has the scope of put an end in the abusive that has been predicated for long years by the brazilian estate
Keywords: IPI; Equitation; Salesman; Importation; Fiction; China.
INTRODUÇÃO
A sociedade contemporânea se mostra dinâmica em todos os sentidos, e como conseqüência da enorme globalização entre os povos, hoje em dia as relações comerciais entre países de um extremo ao outro do globo mais parecem serem feitas por duas nações vizinhas. Novas potências industriais surgem no globo, gerando uma diversidade na oferta de produtos em todos os mercados.
Neste contexto, tendo em vista o aquecimento da economia brasileira e o enorme aumento da concorrência no mercado nacional pela chegada de grandes conglomerados mercantilistas estrangeiros, os comerciantes pátrios – como forma de incrementar suas ofertas – cada vez mais recorrem a adquirir por conta própria produtos no mercado estrangeiro e revendê-los no comércio nacional.
Uma vez no solo brasileiro, tais comerciantes pagam ainda no desembaraço aduaneiro o Imposto sobre produtos Importados, tributo de caráter predominante extrafiscal e protetivo da cadeia produtora nacional; ICMS, tributo de escopo fiscal e de competência estadual, referente à circulação das mercadorias e serviços; uma série de taxas alfandegárias tendo em vista a liberação do determinado produto; e por fim, o IPI, com intuito de equiparar, colocar em posição tributária de igualdade, aquele determinado produto industrializado estrangeiro do seu similar, fabricado no Brasil, que sofre incidência do IPI, via de regra, no ato de saída do estabelecimento produtor.
Mister enfatizar que não há o que se insurgir em relação ao procedimento aplicado até o desembaraço aduaneiro, visto que, todos os tributos cobrados pelo fisco até então, são válidos e importantes para que se tenha produtos nacionais e estrangeiros em posição equânime dentro do mercado.
O objeto deste estudo é se insurgir contra a novel cobrança do IPI, não mais no estabelecimento importador/aduaneiro, mas também no ato de saída/venda do estabelecimento do comerciante. Ou seja, aquele comerciante que importa determinado produto do estrangeiro efetua o pagamento do IPI quando chega ao Brasil, a fim de poder entrar com o produto no mercado nacional, e, injustificadamente, é forçado a novamente adimplir aquele mesmo IPI quando, já em seu estabelecimento, negociar o produto. A equiparação a nacional realizada no desembaraço aduaneiro não só parece válida, como justa, vez que, se não houvesse pagamento algum do IPI, constaria claramente uma vantagem injusta beneficente ao produto de fora, pois competiria com o nacional que paga o IPI. Contudo, forçar àquele produto estrangeiro a pagar o IPI já adimplido quando transacionado no estabelecimento do comerciante importador configura falta de bom senso jurídico, ou melhor, verdadeira ficção jurídica, a qual deve ser banida neste caso concreto.
1. DESENVOLVIMENTO
1.1 Breve Conceito do IPI
O IPI, imposto sobre produtos industrializados, tributo de competência constitucional da União Federal, encontra seu respaldo na Carta Maior no artigo 153. Como o próprio nome sugere, incide sobre operações com produtos industrializados. Desta forma, deve o produto se submeter a qualquer operação que lhe modifique a natureza ou finalidade, ou ainda o aperfeiçoe para o consumo, sendo irrelevantes o processo utilizado para obtenção do produto e a localização e condições das instalações ou quais sejam os equipamentos empregados. Portanto, em curtas palavras, pode-se definir três características peculiares do IPI: a existência de um produto alvo de processo industrial; a saída deste bem do estabelecimento produtor; e por fim, que esta saída tenha natureza de negócio jurídico.
1.2 A Problemática nos Casos de Importação pelo Comerciante
No panorama mercantil que surge ao fim da década dos anos 2000, são nítidas as alterações das relações de consumo na sociedade capitalista que substitui a estrutura neo-liberal vigente no fim do século XX. A economia nacional cresceu a passos largos, gerando superávits anuais na faixa de 8% até o fim da década passada. Somando-se a este fato o fenômeno gradual de distribuição qualitativa de renda que vem acontecendo nas faixas menos favorecidas da população, é latente a tentativa de reaquecimento da economia nacional.
É exatamente neste quadro que se encontram várias firmas do ramo atacadista, as quais, visando desenvolvimento de suas funções, vêm por importar produtos oriundos da China afim de, ao mesmo tempo, oferecer quantidade maior de produtos, e vendê-los por preço mais competitivo no mercado nacional, visto que compram ao próprio produto estrangeiro, e não a intermediários que encareceriam o trâmite desses produtos.
Todo o problema é que esses comerciantes, em relação às mercadorias que importa, recolhe o IPI no ato da importação, no desembaraço aduaneiro, e, por exigência questionável do fisco, recolhe-o outra vez quando de saída em revenda para o mercado interno, como se aqui também o comerciante fosse equiparado a industrial.
A alegação dos mercantilistas nacionais é que o entendimento aplicado pela Receita Federal é equivocado, vez que o IPI incidiria alternativamente ou no ato de importação, ou quando de saída das mercadorias de produção nacional, ou na arrematação em leilão, conforme preceitua o artigo 46 do CTN em consonância com o artigo 2º da Lei 4.505/64, que disciplina aquele imposto:
Art. 46. O imposto, de competência da União, sobre produtos industrializados tem como fato gerador:
I - o seu desembaraço aduaneiro, quando de procedência estrangeira;
II - a sua saída dos estabelecimentos a que se refere o parágrafo único do artigo 51;
III - a sua arrematação, quando apreendido ou abandonado e levado a leilão.”
Art. 2º Constitui fato gerador do imposto:
I - quanto aos produtos de procedência estrangeira o respectivo desembaraço aduaneiro;
II - quanto aos de produção nacional, a saída do respectivo estabelecimento produtor.
§ 1º Quando a industrialização se der no próprio local de consumo ou de utilização do produto, fora de estabelecimento produtor, o fato gerador considerar-se-á ocorrido no momento em que ficar concluída a operação industrial.
§ 2º O imposto é devido sejam quais forem as finalidades a que se destine o produto ou o título jurídico a que se faça a importação ou de que decorra a saída do estabelecimento produtor.
§ 3o Para efeito do disposto no inciso I, considerar-se-á ocorrido o respectivo desembaraço aduaneiro da mercadoria que constar como tendo sido importada e cujo extravio ou avaria venham a ser apurados pela autoridade fiscal, inclusive na hipótese de mercadoria sob regime suspensivo de tributação.
Somada à tributação excessivamente onerosa, esse fato também acarreta, em não obedecendo as diretrizes impostas pelo cobrador estatal, na possibilidade de autuação, aplicação de multas, juros, impedimento para obtenção de certidão de regularidade fiscal, vedação para participar de licitações, apreensão de mercadorias, bens e toda uma série de prejuízos financeiros em meio a este já concorridíssimo quadro mercantil contemporâneo.
1.3 Do Enquadramento do IPI nas Importações dos Comerciantes
Os tributaristas pertencentes a um filamento tradicional do Direito Tributário afirmam que a obrigação tributária, de acordo com o artigo 113, § 1º do CTN, nasce após a ocorrência do fato gerador, e que, este fato gerador da obrigação principal viria a ser a situação definida em lei como necessária e suficiente à sua ocorrência.
Apesar de todo esforço dos estudiosos em estabelecer distinções pragmáticas entre fato gerador e hipótese de incidência, tal questão conceitual nunca fora firmada de maneira unânime, de modo que, neste trabalho, com vista a expor o tema além de um enfoque puramente formalista, tentando alcançar um viés sociológico do tema, se procurará não ficar engessado ao conceito formal e estanque do IPI, tal qual seus fatos geradores e hipóteses de incidência.
Emerge que são três os fatos geradores ou hipóteses de incidência do IPI:I) o desembaraço aduaneiro da mercadoria, na importação de produtos de precedência estrangeira; II) a saída do estabelecimento produtor, quanto às mercadorias de produção nacional; III) e, a arrematação de produtos industrializados, quando apreendidos ou abandonados e levados a leilão.
É mister destacar que os produtos objeto desse estudo são aqueles que os comerciantes importam, todos de procedência chinesa, e revendem no mercado interno. Firmada essa premissa, de logo se conclui que, dentre os três fatos geradores acima referidos, a situação dos comerciantes se enquadra na primeira hipótese – “I) o desembaraço aduaneiro da mercadoria, na importação de produtos de precedência estrangeira”, vez que resta incontroverso não se tratar de operações de arrematação, muito menos transação de mercadoria de produção nacional. Essa interpretação se harmoniza com o artigo 51 do CTN, quando define quem são os contribuintes do IPI. Afirma o disposto:
Art. 51. Contribuinte do imposto é:
I - o importador ou quem a lei a ele equiparar;
II - o industrial ou quem a lei a ele equiparar;
III - o comerciante de produtos sujeitos ao imposto, que os forneça aos contribuintes definidos no inciso anterior;
IV - o arrematante de produtos apreendidos ou abandonados, levados a leilão.
Parágrafo único. Para os efeitos deste imposto, considera-se contribuinte autônomo qualquer estabelecimento de importador, industrial, comerciante ou arrematante.
Ratifica o dispositivo transcrito que o contribuinte do IPI continua a ser o importador, o industrial, ou o importador que fornecer ao industrial ou o industrial que fornecer a outro industrial. Com relação ao parágrafo único do supracitado artigo, cabe esclarecer que o termo autônomo se refere a estabelecimentos da mesma empresa, nos casos onde exista matriz e filiais. Assim, cada estabelecimento é considerado autônomo e responde pelo IPI, mas só se fizer alguma das operações previstas no artigo 46 do CTN – tema já destrinchado. A problemática do caso surge a partir de uma interpretação destorcida do prezado parágrafo único do artigo 51. Os defensores da dupla cobrança do IPI no ato de desembaraço aduaneiro quando da entrada do produto em mercado nacional, e, quando da saída daqueles produtos do estabelecimento varejista, sustentam esta tese levantando a bandeira da suposta autonomia que veio a sofrer os comerciantes com o advento do parágrafo único.
Contudo, sob a ótica de uma interpretação sistemática e o bom senso que deve acompanhar o operador do direito, dever-se-ia concluir que a norma está realmente a dizer é que, mesmo que uma filial importe, ela também está sujeita ao IPI no desembaraço aduaneiro – será autônoma para tal – porém, a partir desta premissa, jamais pode-se dizer que o fato da matriz, filial ou um mero comerciante simplesmente importar do exterior determinada gama de mercadoria, configura necessidade de pagar o IPI no desembaraço aduaneiro e pagar, outra vez o IPI, quando transferir para outro estabelecimento da própria empresa ou vender para o mercado interno. Levando-se em conta o principio da razoabilidade – que prega a adequação dos meios para se obter um fim mais adequado – este não foi o objetivo do parágrafo único do artigo 51. Neste contexto, Aliomar Baleeiro tece algumas críticas à redação do código neste aspecto: “Tecnicamente, o dispositivo (inciso II do artigo 46) não está bem redigido, pois remete ao artigo 51, onde não se fala em estabelecimento e no qual há menção do importador ou arrematante, que não tem pertinência com o inciso II do artigo 46”[1]. É bem verdade que o importador seja equiparado a industrial, por força do artigo 4º, II da Lei 4.502/64 que equipara a estabelecimento produtor os importadores e os arrematantes de produtos de procedência estrangeira:
Art . 4º Equiparam-se a estabelecimento produtor, para todos os efeitos desta Lei:
I - os importadores e os arrematantes de produtos de procedência estrangeira;
II - as filiais e demais estabelecimentos que exercerem o comércio de produtos importados, industrializados ou mandados industrializar por outro estabelecimento do mesmo contribuinte;
III - os que enviarem a estabelecimento de terceiro, matéria-prima, produto intermediário, moldes, matrizes ou modelos destinados à industrialização de produtos de seu comércio.
IV - os que efetuem vendas por atacado de matérias-primas, produtos intermediários, embalagens, equipamentos e outros bens de produção.
No entanto, aqui também há de ser feita uma interpretação razoável. Se a mesma Lei 4.502/64 dispõe que o fato do IPI é, alternativamente, o desembaraço aduaneiro de produtos de procedência estrangeira, ou, sendo de produção nacional, a saída do respectivo estabelecimento produtor, evidente que a equiparação do importador ocorre tão somente no ato do desembaraço aduaneiro. Nas operações seguintes, não há mais equiparação. Logo, não há mais incidência do IPI, sobretudo se considerado que não há, em lei, hipótese de incidência para tanto. Podemos chegar na mesma conclusão partindo do pressuposto que, se o CTN em seu artigo 51, inciso II, elegeu como contribuintes do imposto o industrial ou a quem a lei a ele equiparar, este mandamento não pode ser considerado um “cheque em branco” conferido ao legislador ordinário para fazer o que bem entende. É necessário, para haver uma equiparação, que se parta de uma situação análoga[2]. Diferente disso, deixar-se-á de trabalhar com equiparação para então se lidar com ficção, instituto completamente diverso a ser estudado a seguir.
1.4 Da Equiparação e da Ficção Entre Industrial e Comerciante
Em ensaio, Roque Antonio Carrazza e Eduardo Domingos Bottallo, traçam conceitos, paralelos e distinções entre a equiparação e ficção jurídica, a saber, dois importantes institutos do direito pátrio. Na obra citada, os autores afirmam que as normas jurídicas são produzidas para, uma vez em vigor, terem eficácia plena, ou seja, via de regra, são elaboradas para disciplinar condutas sociais a fim de atingir as finalidades buscadas pelo legislador[3]. Como premissa deste raciocínio, Paulo de Barros Carvalho afirma: “estar em vigor é ter força para regular os comportamentos intersubjetivos, sobre os quais a norma jurídica incide. Vigência, portanto, é uma propriedade da regra jurídica que está apta a propagar efeitos tão logo aconteçam, no mundo em que vivemos, os fatos nela abstratamente descritos[4]”. Firmados esses preceitos esclarecedores, arremata-se que eficácia jurídica, por seu turno, é o processo mediante o qual, ocorrendo o fato descrito no antecedente da norma jurídica, desencadeia-se os efeitos prescritos em seu conseqüente[5]. É este o fenômeno que acontece com as normas vigentes, quando os fatos jurídicos se instalam. Não raro, entretanto, para que a norma jurídica possa atingir seus objetivos, faz-se necessário que o legislador se valha de certos artifícios, assim, “criando” realidades jurídicas que não são conferidas no mundo real. Mais uma vez, para que fique límpida a lição, tratam-se de meros instrumentos que concretizam a eficácia da norma jurídica, evitando a ocorrência de situações inexeqüíveis, injustas ou irrazoáveis.
É exatamente aí que entram as técnicas da equiparação e da ficção legais, em decorrência das quais o Direito constrói cenários que nem sempre coincidem com a realidade física. Exemplo simples e esclarecedor do tema é o famoso “horário de verão”, o qual, obviamente não interfere no movimento do planeta terra, contudo, consegue produzir efeitos no mundo jurídico[6]. Desta feita, conclui-se que as equiparações e ficções não passam de artifícios técnicos, previstos em lei, que tornam possível a boa aplicação do direito. São capazes de proporcionar a funcionabilidade que muitas vezes não teria a norma jurídica fria.
Contudo, há limites para o uso das equiparações e ficções jurídicas. O emprego destes institutos não pode ser feito sem régua nem compasso, e o principal instrumento limitador é a Constituição, uma vez que equiparação ou ficção alguma jamais haverá de levar de roldão direitos e garantias constitucionais[7]. Cabe agora apresentar a fundamental diferença entre equiparação e ficção jurídica. Ressalte-se que essas distinções serão pedra de toque para o entendimento da ilegalidade da cobrança do IPI no ato de saída do produto importado. Equiparação é o artifício, usado pelo legislador, para igualar situações que, posto dessemelhantes, apresentam pontos de identificação. Trata-se, então, de um artifício, que busca igualar, sob a ótica do direito, coisas diferentes, e assim, dispensando-lhes o mesmo tratamento. Como se vê, este fenômeno tem por principal conseqüência submeter a situação equiparada ao mesmo regime jurídico que lhe seria aplicável, caso efetivamente se tratasse daquela que se igualou. Por seu turno, ficção é o instituto que aceita como verdadeiro o que se sabe ser imaginário[8]. Roque Antonio Carrazza e Eduardo Domingos Bottallo registram que o Corpus Iuris Civilis já sacramentava: “fictio est falsitas pro veritate accepta” (a ficção é a falsidade tomada por verdade). Daí, percebe-se que, na ficção, o ato, mais do que improvável ou inverossímil, é falso, e sendo assim, jamais será real. É um artifício do legislador, que transforma uma impossibilidade material numa possibilidade de natureza jurídica. Nesse sentido, é uma criação do legislador, que faz nascer uma verdade jurídica diferente da verdade real[9]. Sendo assim, a ficção jurídica “existe sempre que a norma trata algo real como distinto, sendo igual; como igual, sendo do diferente ; como inexistente, tendo sucedido; como sucedido, sendo inexistente; mesmo com a consciência de que, ‘naturalmente’, não é assim[10]”. A ficção está na esfera da imaginação, e neste sentido, é uma verdadeira invenção do direito ou, se se preferir, uma disposição legal que tem por verdadeiro, o que na realidade inexiste.
Complementam Roque Antonio Carrazza e Eduardo Domingos Bottallo: “O Código Tributário Nacional traz pelo menos dois dispositivos expressamente relacionados ao emprego das ficções. São os artigos 109 e 110, os quais, por sua essência, vedam à lei instituidora do tributo ou tipificadora do ilícito fiscal ignorar ou alterar conceitos e formas do direito privado[11]“.
Posto tudo que foi considerado, a conclusão que se chega é que a potencializarão da eficácia arrecadatória não tem força bastante para justificar o uso indiscriminado de equiparações, muito menos, a utilização das ficções legais no campo tributário, devendo o uso destas últimas serem tratadas com ainda mais cautela pelo operador, especialmente quando isto põe em risco direitos constitucionalmente protegidos.
1.5 Da Cobrança do IPI no Ato de Saída do Produto Varejista
Como já mencionado, não é objetivo deste estudo tecer críticas à obrigação tributária do comerciante em adimplir o IPI no ato de desembaraço aduaneiro – importação – longe disso, vez que o referido tributo, nesta ocasião, executa importante tarefa de equiparação tributária entre os produtos industrializados no Brasil e aqueles trazidos pelo dito importador comerciante.
Não obstante, cabe fortalecer que o IPI, por natureza, não tem escopo de proporcionar a defesa da produção nacional. Não reside no objetivo tributário do imposto sobre produtos industrializados servir como instrumento de proteção daqueles bens de produtos fabricados no Brasil, em face de demais utensílios equivalentes de origem estrangeira. Para tanto, conforme já exposto, existe o instrumento adequado, a saber, o II – imposto de importação. Vejamos, o produto oriundo do exterior, por si só, já é mais onerado do que o seu semelhante de fabricação nacional, visto que, para aquele incidir-se-á imposto de importação, ICMS referente ao serviço de desembaraço aduaneiro, e o IPI decorrente de sua natureza industrial, enquanto para este, será cobrado tão somente o IPI tradicional. Portanto, soa de mal grato aos ouvidos do bom operador do direito a novel cobrança do IPI no ato de saída/venda do produto importado pelo comerciante. Daí, poder-se arrematar que a bandeira levantada neste estudo está longe de colocar o produtor brasileiro em posição desfavorável. O que se pleiteia por aqui é suscitar as atenções para uma distorção jurídica, ainda entendida por muitos como legítima. Em sua obra clássica, Aliomar Baleeiro divide do mesmo entendimento acerca das naturezas jurídicas diversas do IPI e II: “Como se sabe, o imposto de importação e o imposto de exportação não têm objetivos fiscais, mas predominantemente extrafiscais, de evidente defesa da produção interna, que, muitas vezes, não tem competitividade em face dos produtos estrangeiros, servindo de proteção às divisas e ao equilíbrio da balança comercial. Entretanto, a incidência de tributos como o imposto sobre produtos industrializados (IPI) e o imposto sobre operações de circulação de mercadorias e de serviços (ICMS) na importação não tem nenhum objetivo protecionista, mas é fenômeno necessário de isonomia e de equidade. É que, já vimos, a norma adotada no mercado internacional é aquela de desoneração das exportações, de tal modo que os produtos e serviços exportados chegam ao país do destino livres de todo imposto. Seria agressivo à regra da livre concorrência e aos interesses nacionais por em posição desfavorável a produção nacional, que sofre a incidência do IPI e ICMS. Daí a necessidade de se fazer incidir o IPI sobre a importação de produtos industrializados”.
Desta maneira, sem titubear, pode-se cravar a impossibilidade jurídica de considerar o importador-comerciante “industrial por equiparação”, para fins de incidência do IPI, nas operações internas de revenda ou transferência dos produtos por ele importados.
Uma leitura precipitada dos artigos 4º e 35, I, b, da Lei 4.502/64 poderia sugerir a idéia que o estabelecimento importador fosse equiparado à industrial, daí resultando que a saída, para o mercado interno, da mercadoria importada, seja a título de transferência ou revenda, sujeitando-se à incidência do IPI.
Artigo. 4º Equiparam-se a estabelecimento produtor, para todos os efeitos desta Lei:
I - os importadores e os arrematantes de produtos de procedência estrangeira;
Artigo. 35. São obrigados ao pagamento do imposto
I - como contribuinte originário:
b) o importador e o arrematante de produtos de procedência estrangeira - com relação aos produtos tributados que importarem ou arrematarem.
Contudo, se, conforme foi visto, o IPI é devido quando o comerciante importa produtos industrializados, o mesmo não se pode dizer, quando, uma vez no mercado interno, os transfere ou revende. Isto porque, em tais hipóteses, a incidência do IPI não encontra respaldo no artigo 51, II do código Tributário Nacional, pelo fato de, longe de se haver qualquer equiparação a industrial, o que existe na verdade, é simples e não permitida ficção jurídica.
O comerciante importador, ao recolher o IPI no ato do desembaraço aduaneiro de produtos industrializados sofre necessária equiparação com o produtor pátrio, assim, devendo prontamente adimplir com o imposto sobre produto industrializado. A partir de então, suas operações não apresentam nenhuma semelhança com as próprias de um industrial. O comerciante importador não submete produtos a processo de industrialização; tampouco pratica atos visando sua disponibilização no mercado interno, eis que isso já ocorreu ao ensejo do desembaraço aduaneiro das mercadorias importadas. Com delicada maestria, Roque Antonio Carrazza e Eduardo Domingos Bottallo sacramentam: “Como se vê, nem instrumental, nem finalisticamente, suas atividades, no mercado interno, podem ser identificadas com as típicas de um industrial[12]”.
Daí não estarem presentes os imprescindíveis pontos de aproximação, entre o comerciante importador e o industrial, capazes de tornar tributariamente irrelevantes as diferenças secundárias que entre eles existem. Portanto, não estão reunidos os elementos imprescindíveis e suficientes para que ocorra a equiparação, único fenômeno jurídico que pode render ensejo à tributação por meio de IPI, a quem, no rigor dos fatos, não pode ser considerado industrial. O que há, sim, é uma ficção, de natureza inidônea, irregular, a possibilitar a incidência do IPI, para quem, não sendo industrial – nem podendo ser validamente a ele equiparado – revende ou transfere produtos importados.
1.6 Da Afronta ao Princípio da Isonomia
Neste contexto, cabe alertar que, considerar a ficção, no caso do comerciante importador, modalidade de equiparação, esta última, autorizada pelo CTN, implica atribuir tratamento igual a situações diferentes, levando em conta apenas semelhanças secundárias que elas eventualmente possam apresentar. Isso conflita, a olhos claros, com a própria idéia de equiparação, além de afrontar o princípio magno da isonomia.
O princípio da isonomia (artigo 5º, caput e I, da Constituição Federal) – é o mais importante de quantos nosso ordenamento constitucional alberga. Daí decorre que, na interpretação dos demais princípios, ele deve ser levado em conta. Vislumbrando o tema sob um prisma mais amplo, pode-se afirmar que os princípios da legalidade, da universalidade da jurisdição, da ampla defesa e tantos outros encontram-se a serviço da isonomia e , sem ele, não se explicam ou concretizam de forma plena. Para José Afonso da Silva, a própria legalidade é a morada da isonomia. Daí falar-se em legalidade isonômica[13]. Sendo assim, quando, por exemplo, se afirma “ninguém será obrigado a fazer ou a deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”, implicitamente estamos proclamando que “ninguém será obrigado a fazer ou a deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei igualitária”, isto é, de lei editada em conformidade com a isonomia. Pode-se assim dizer que a igualdade estende seus efeitos sobre todas as normas constitucionais e, por extensão, sobre todas as demais normas jurídicas, sejam elas legais ou infralegais. Muito oportuno constatar que o principio da igualdade alcança os três Poderes do Estado: está presente tanto no legislativo, no executivo, quanto no judiciário. Com efeito, a lei deve ser editada (pelo legislativo), e aplicada (seja pelo executivo, seja pelo judiciário) em sintonia com a isonomia. De nada valeria a lei ser igual para todos, se pudesse ser aplicada desigualmente – pelo judiciário ou pela própria administração pública – em razão de raça, sexo, credo político ou qualquer outro instrumento de segregação. Em suma, o caput do artigo 5º da Lei Fundamental, ao proclamar que todos são iguais perante a lei, interdita a arbitrariedade, inclusive em matéria tributária.
Isso não significa, contudo, que as leis devem tratar todos os indivíduos de maneira idêntica, mas tão somente, que dispensem o mesmo tratamento jurídico às que se encontram em posições equivalentes. Assim, a lei pode muito bem discriminar situações, desde que não resulte em crédito diferencial, nem um traça tão específico que singularize o contribuinte por ela colhido. Em curtas palavras, o constituinte cidadão concedeu à lei a faculdade de desigualar situações, atendendo a peculiaridades de pessoas ou categorias de pessoas.
Passadas essas noções genéricas, e trazendo-as para o campo tributário, tem-se que também a lei que se refere aos tributos deve vir editada e aplicada de conformidade com a isonomia. Bastaria o já mencionado artigo 5º, caput, com seu inciso I, para que sem maiores problemas poder se dizer que todos são iguais perante a lei tributária e que esta deve ser editada e aplicada obedecendo os valores da igualdade. Não bastasse o artigo 5º dos Direitos e Garantias Fundamentais da Carta Magna, o constituinte cidadão não parou por aí, tanto não que fez inscrever, no artigo 150, II com mesmo Livro Maior, os seguintes dizeres:
Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
I - exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça;
II - instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos;
Neste contexto, merece ser trazida em tela a seguinte ponderação de Domingos Pereira de Sousa: “em sentido jurídico, a igualdade tributária apresenta-se como paridade de posições, com exclusão de qualquer distinção ou privilégio de classe, de ordem ou de casta, de tal sorte que os contribuintes que se encontrem em idênticas situações, sejam submetidos a idênticos regimes fiscais[14]”.
O principio da isonomia visa, em última análise, garantir uma tributação justa. Desta feita, se exige que a lei tributária não discrimine contribuintes que se encontram em situação jurídica equivalente, e por conseguinte, que se discrimine, na medida de suas desigualdades, os contribuintes que não se encontram em situação jurídica equivalente. Como se pode constatar, o Código Tributário Nacional possibilita, em seu artigo 51, II, a criação da figura do contribuinte do IPI, por equiparação. Com todo porém, isso está longe de significar que o legislador autorizou transformar qualquer pessoa em contribuinte do IPI, como poder-se-ia concluir no caso do comerciante importador, forçosamente coibido a pagar o IPI sem diagnóstico de fato gerador. Nisso ocorrendo, o comerciante que traz o produto do exterior, ao revendê-lo no mercado interno, fica em situação de nítida desigualdade em relação ao industrial fabricante de bens similares aos importados pelo comerciante, pelo fato de que este termina por adimplir duas vezes o mesmo imposto sobre produtos industrializados, enquanto que o industrial tão somente arca com o IPI uma única vez. Em face do exposto, o comerciante importador não pode ser considerado contribuinte do IPI, nas operações internas que pratica com produtos industrializados que importa, seja porque não reveste a condição de “industrial por equiparação”, seja porque esta falsa equiparação imputa-lhe tratamento tributário antiisonômico.
2. JURISPRUDÊNCIA CORRELATA
A jurisprudência pátria sobre o presente assunto ainda não foi pacificada. Juízes e tribunais se contradizem a respeito da segunda incidência ou não do imposto sobre produtos industrializados no ato de saída do produto importado do estabelecimento comercial.
Nesta esteira, o Superior Tribunal de Justiça recentemente já enfrentou o tema por diversas oportunidades. Destacamos dois julgados chaves, um datando de 2014 e outro de 2015.
No Resp 1.429.656 – PR, com relatoria do Min. Mauro Campbell, julgado em 11/02/2014, a 2ª Turma decidiu no sentido pró fazenda, abraçando o entendimento de que o IPI deve incidir para o mesmo produto tanto no desembaraço aduaneiro, quanto no ato de saída do produto do estabelecimento comercial.
Eis os principais pontos do julgamento:
“1. Seja pela combinação dos artigos 46, II e 51, parágrafo único do CTN - que compõem o fato gerador, seja pela combinação do art. 51, II, do CTN, art. 4º, I, da Lei n. 4.502⁄64, art. 79, da Medida Provisória n. 2.158-35⁄2001 e art. 13, da Lei n. 11.281⁄2006 - que definem a sujeição passiva, nenhum deles até então afastados por inconstitucionalidade, os produtos importados estão sujeitos a uma nova incidência do IPI quando de sua saída do estabelecimento importador na operação de revenda.
2. Não há qualquer ilegalidade na incidência do IPI na saída dos produtos de procedência estrangeira do estabelecimento do importador, já que equiparado a industrial pelo art. 4º, I, da Lei n. 4.502⁄64, com a permissão dada pelo art. 51, II, do CTN.
3. Interpretação que não ocasiona a ocorrência de bis in idem, dupla tributação ou bitributação, porque a lei elenca dois fatos geradores distintos, o desembaraço aduaneiro proveniente da operação de compra de produto industrializado do exterior e a saída do produto industrializado do estabelecimento importador equiparado aestabelecimento produtor, isto é, a primeira tributação recai sobre o preço de compra onde embutida a margem de lucro da empresa estrangeira e a segunda tributação recai sobre o preço da venda, onde já embutida a margem de lucro da empresa brasileira importadora. Além disso, não onera a cadeia além do razoável, pois o importador na primeira operação apenas acumula a condição de contribuinte de fato e de direito em razão da territorialidade, já que o estabelecimento industrial produtor estrangeiro não pode ser eleito pela lei nacional brasileira como contribuinte de direito do IPI (os limites da soberania tributária o impedem), sendo que a empresa importadora nacional brasileira acumula o crédito do imposto pago no desembaraço aduaneiro para ser utilizado como abatimento do imposto a ser pago na saída do produto como contribuinte de direito (não-cumulatividade), mantendo-se a tributação apenas sobre o valor agregado.
4. Precedentes: REsp. n. 1.386.686 - SC, Segunda Turma, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 17.09.2013; e REsp. n. 1.385.952 - SC, Segunda Turma, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 03.09.2013. Superado oentendimento contrário veiculado no REsp. n. 841.269 - BA, Primeira Turma, Rel. Min. Francisco Falcão, julgado em 28.11.2006.
5. Recurso especial não provido.”
Contudo, em 05 de junho de 2015, a 1ª Seção do STJ, no Nº 1.461.829 - PR teve compreensão diversa da primeira acima exposta. Para os doutos julgadores, não há que se falar em dupla cobrança do IPI no ato de desembaraço aduaneiro e na saída do produto do estabelecimento comercial. Seguem os motivos elencados pela Seção julgadora:
“RECURSO ESPECIAL Nº 1.461.829 - PR (2014/0148605-7) RELATOR : MINISTRO BENEDITO GONÇALVES RECORRENTE : AMPLA PRODUTOS DE COMUNICAÇÃO VISUAL LTDA ADVOGADO : MARSSEL PARZIANELLO E OUTRO (S) RECORRIDO : FAZENDA NACIONAL ADVOGADO : PROCURADORIA-GERAL DA FAZENDA NACIONAL TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. IPI. IMPORTADOR COMERCIANTE. FATO GERADOR. DESEMBARAÇO ADUANEIRO. SAÍDA DO ESTABELECIMENTO. DUPLA INCIDÊNCIA. IMPOSSIBILIDADE. ERESP 1.411.749/PR. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. DECISÃO Trata-se de recurso especial interposto com fundamento no artigo 105, inciso III, a e c da Constituição Federal de 1988, em face de acórdão proferido pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região, assim ementado (fl. 684): TRIBUTÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. IMPOSTO SOBRE PRODUTOS INDUSTRIALIZADOS. IMPORTADOR COMERCIANTE. DESEMBARAÇO ADUANEIRO. SAÍDA DO ESTABELECIMENTO. PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA NÃO-CUMULATIVIDADE. É devido o imposto sobre produtos industrializados no desembaraço aduaneiro de produto industrializado, assim como na saída do estabelecimento do importador, comerciante equiparado a industrial, compensando-se o que for devido na última operação com o que foi pago na primeira, por força do princípio constitucional da não-cumulatividade. Os embargos de declaração foram rejeitados, conforme fls. 701-705. No apelo especial (fls. 714-730), o recorrente alega violação aos arts. 46, I, 51, I, do CTN e ao art. 4º do Decreto n. 4544/02 (Regulamento do IPI). Insurge-se a recorrente contra a incidência de IPI sobre produtos importados quando na saída, em revenda no mercado interno, defende que a incidência do IPI deve ocorrer apenas no desembaraço aduaneiro. Contrarrazões às fls. 761-772, pelo desprovimento do Recurso Especial. Decisão de admissibilidade à fl. 775. Parecer do MPF às fls. 795-799, pelo provimento do Recurso Especial. É o relatório. Passo a decidir. Conforme relatado, cinge-se a controvérsia sobre a incidência do IPI quando da saída do produto importado, em revenda no mercado interno. Com efeito, a Primeira Seção, no julgamento do EREsp 1.411.749/PR, de relatoria do Ministro Sérgio Kukina, decidiu que tratando-se de empresa importadora, o fato gerador ocorre no desembaraço aduaneiro, não sendo viável nova cobrança de IPI na saída do produto quando de sua comercialização, sob pena de dupla incidência não admitida na legislação de regência. Nesse sentido: TRIBUTÁRIO. IMPORTADOR COMERCIANTE. SAÍDA DO PRODUTO DO ESTABELECIMENTO COMERCIAL. AUSÊNCIA DE QUALQUER PROCESSO DE INDUSTRIALIZAÇÃO. IPI. NÃO INCIDÊNCIA. 1. A Primeira Seção desta Corte, com o objetivo de dirimir a divergência entre seus órgãos fracionários, na assentada de 11/6/14, ao julgar os ERESp 1.400.759/RS, por maioria de votos, firmou a compreensão no sentido de reconhecer a não incidência de IPI sobre a comercialização de produto importado, que não sofre qualquer processo de industrialização, ante a vedação do fenômeno da bitributação. Precedente: AgRg no REsp 1.466.190/PR, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 23/09/2014). 2. Agravo regimental a que se nega provimento (AgRg no AgRg no REsp 1454100 / RS, Rel. Min. Sergio Kukina, Primeira Turma, DJe 05/11/2014, grifo nosso). PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. IPI. IMPORTADOR COMERCIANTE. FATO GERADOR. DESEMBARAÇO ADUANEIRO. SAÍDA DO ESTABELECIMENTO. DUPLA INCIDÊNCIA. IMPOSSIBILIDADE. ERESP 1.411.749/PR. 1. A Primeira Seção, no julgamento do EREsp 1.411.749/PR (acórdão pendente de publicação), de relatoria do Ministro Sérgio Kukina, relator para acórdão Ministro Ari Pargendler, deu provimento ao embargos de divergência para fazer prevalecer o entendimento segundo o qual, tratando-se de empresa importadora, o fato gerador ocorre no desembaraço aduaneiro, não sendo viável nova cobrança de IPI na saída do produto quando de sua comercialização, sob pena de dupla incidência não admitida na legislação de regência. 2. Agravo regimental a que se nega provimento (AgRg no AgRg no REsp 1430403 / SC, Rel. Min. Og Fernandes, Segunda Turma, DJe 21/11/2014, grifo nosso). PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. IPI. IMPORTADOR COMERCIANTE. FATOS GERADORES. DESEMBARAÇO ADUANEIRO. BITRIBUTAÇÃO. OCORRÊNCIA. ERESP 1.411.749/PR. A Primeira Seção, no julgamento do EREsp 1.411.749/PR (acórdão pendente de publicação), de relatoria do Ministro Sérgio Kukina, Relator para acórdão Ministro Ari Pargendler, deu provimento ao embargos de divergência para fazer prevalecer o entendimento adotado no REsp 841.269/BA, segundo o qual, tratando-se de empresa importadora, o fato gerador ocorre no desembaraço aduaneiro, não sendo viável nova cobrança de IPI na saída do produto quando de sua comercialização, ante a vedação do fenômeno da bitributação. Embargos de declaração acolhidos, com efeitos infringentes (EDcl no AgRg no REsp 1455759 / PR, Rel. Min. Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 06/10/2014, grifo nosso). No caso, o Tribunal a quo ao decidir pela incidência do IPI também na saída do produto quando de sua comercialização, confrontou a jurisprudência desta Corte, merecendo assim ser reformada. Ante o exposto, com fundamento no art. 557, § 1º-A, do CPC, dou provimento ao Recurso Especial para afastar a incidência do IPI na saída do produto importado quando de sua comercialização. Publique-se. Intimem-se. Brasília (DF), 29 de abril de 2015. MINISTRO BENEDITO GONÇALVES Relator(STJ - REsp: 1461829 PR 2014/0148605-7, Relator: Ministro BENEDITO GONÇALVES, Data de Publicação: DJ 05/05/2015)”.
3. CONCLUSÃO
Ante tudo aquilo exposto na presente pesquisa, soa de bom tom a adjetivação “ilegal” aplicada à dupla cobrança do IPI no caso dos comerciantes importadores dos produtos oriundos da China. Este projeto de artigo está longe de pleitear a não incidência do IPI ao varejista que, para diversificar sua carta de vendagem, recorre a trazer produtos chineses similares aos nacionais. Se assim o fosse, estaria constituído transparente desrespeito para com a cadeia produtiva nacional. Repita-se, o escopo maior desta texto é propiciar tão somente a aplicação do princípio constitucional da isonomia neste aspecto tributário. Se de um lado deve o comerciante empreendedor, no ato de entrada do produto chinês, ser juridicamente equiparado a industrial, para equivaler tributariamente seu produto oriental àquele similar fabricado no Brasil, não há razoabilidade em tributar novamente aquele mesmo produto, agora no ato de venda pelo comerciante em seu estabelecimento comercial. Esta segunda tributação se caracteriza por ficção, e a ficção jurídica, salvo em determinados casos pontuais, não é aceita no ordenamento jurídico pátrio.
Também é oportuno ressaltar que o IPI não se reveste de qualquer função protecionista da economia. Ou seja, o bis in idem diagnosticado neste estudo poderia convalidar-se, caso a idéia de proteção ao produto fabricado no Brasil fosse atrelada ao fato gerador do Imposto sobre Produtos Industrializados. Contudo, a melhor doutrina não oferece guarida à prioridade de comércio aos bens fabricados no Brasil por via do IPI. Neste aspecto, a extrafiscalidade do IPI não é larga ao ponto de acolher a proteção das indústrias brasileiras em detrimento de produtos estrangeiros. Assim sendo, a natureza jurídica deste imposto se restringe tão somente a gerar igualdade de tratamento, puxando a valorização fiscal do produto estrangeiro e nivelando ao tratamento aplicado ao seu similar nacional. Daí, se quiser-se falar em natureza protetora ao produto fabricado em solo brasileiro, dever-se falar não do IPI, mas sim do II – Imposto sobre Importação, o qual tem por competência legítima servir como escudo da produção nacional, sobretaxando qualquer bem de consumo oriundo de outros mares a fim de guarnecer os bens por aqui fabricados.
Desta feita, são oportunas as críticas realizadas contra a atual administração pública, sempre sedenta por mais arrecadação para sustentar sua obsoleta e pouco eficaz estrutura, e como efeito desta avidez pecuniária, há o surgimento de cobranças arbitrárias, como pode se percebe no caso da dupla incidência do IPI no caso em concreto.
Sendo assim, os prejuízos não se concentram no desfavor dos comerciantes, mas representam também prejuízo dos consumidores, que acabam por adquirir tais produtos por um preço além do justo, onde nele se dilui a segunda e arbitrária incidência do IPI, devido à voracidade fiscal que predomina nos atos de política tributária firmados atualmente pelo Estado.
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[1] BALEEIRO, Aliomar. Direito Tributário Brasileiro. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 343
[2] MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 22. ed. São Paulo: Malheiros, 2003.
[3] CARRAZZA, Roque Antonio; BOTTALLO, Eduardo Domingos. Revista Dialética de Direito Tributário nº140. São Paulo: Dialética, 2007, p. 93.
[4] CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 53.
[5] CARRAZZA, Roque Antonio; BOTTALLO, Eduardo Domingos. Revista Dialética de Direito Tributário nº140. São Paulo: Dialética, 2007, p. 97
[6] Idem a Nota Anterior, p. 98
[7] SILVA, José Afonso da. Manual de direito constitucional. 28. ed. São Paulo: Malheiros, 2007.
[8] CARRAZZA, Roque Antonio; BOTTALLO, Eduardo Domingos. Revista Dialética de Direito Tributário nº140. São Paulo: Dialética, 2007, p. 99.
[9] Idem a Nota Anterior, p. 100
[10] CARRAZZA, Roque Antonio; BOTTALLO, Eduardo Domingos. Revista Dialética de Direito Tributário nº140. São Paulo: Dialética, 2007, p. 101
[11] Idem a Nota Anterior, p. 101.
[12] CARRAZZA, Roque Antonio; BOTTALLO, Eduardo Domingos. Revista Dialética de Direito Tributário nº140 . São Paulo: Dialética, 2007, p. 103.
[13] SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional Positivo. 28. ed. São Paulo: Malheiros, 2007.
[14] SOUSA, Domingos Pereira de. O conceito jurídico do principio da igualdade. São Paulo: Malheiros, 1993.
Oficial de Justiça do Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco; Graduado em Direito pela Universidade Católica de Pernambuco.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FILHO, Eduardo Cavalcanti de Andrade. A ilegalidade da dupla cobrança do IPI no caso do comerciante importador de produtos chineses Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 26 dez 2016, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/48411/a-ilegalidade-da-dupla-cobranca-do-ipi-no-caso-do-comerciante-importador-de-produtos-chineses. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Roberto Rodrigues de Morais
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