RESUMO: O presente artigo trata do crime de estelionato na Previdência Social, previsto no artigo 171 do Código Penal Brasileiro, no qual busca identificar as principais condutas que provocam prejuízo ao Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, bem como esmiuçaremos acerca da aplicação do princípio da insignificância, do concurso de crimes e do termo inicial da prescrição no crime em tela.
Palavras-chave: Estelionato. Previdência Social. Princípio da Insignificância. Prescrição.
ABSTRACT: This article deals with the crime of estelionato in Social Security, provided for in article 171 of the Brazilian Penal Code, in which it seeks to identify the main conduct that causes damage to the National Institute of Social Security - INSS, as well as discuss the application of the principle of insignificance, The contest of crimes and the initial term of prescription in crime on canvas.
Keywords: Embezzlement. Social Security. Principle of Bickering. Prescription.
1. INTRODUÇÃO
O objetivo deste artigo é abordar conceitualmente o crime de estelionato previsto no art. 171 do Código Penal Brasileiro em face ao Instituto Nacional do Seguro Social – INSS. Para tanto, realizou-se uma pesquisa amostral da jurisprudência do Tribunal Regional da 5ª Região, no qual identificou-se as principais condutas praticadas pelo sujeito ativo do crime em comento. Evidenciou-se as nuances da prescrição, concurso de crimes e aplicação do princípio da insignificância.
Busca-se, também, demonstrar como a jurisprudência dos tribunais superiores se posiciona no crime de estelionato em face a Autarquia Previdenciária bem como de propor possíveis soluções para atenuar os prejuízos suportados pelo Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, a partir de uma análise crítica.
2. ESTELIONATO
A palavra estelionato surgiu no direito romano como stellionatus, que vem do latim stelio, nome de um lagarto que mudava as suas cores para ser confundido com o meio ao seu redor. Sendo coibido tal crime desde os primórdios da Grécia antiga até os dias atuais.
No direito brasileiro, esse tipo penal encontra-se inserido no Capítulo VI, Título II, da Parte Especial, do Código Penal, em específico no artigo 171 do Código Penal Brasileiro, in verbis:
Art. 171 - Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento:
Pena - reclusão, de um a cinco anos, e multa, de quinhentos mil réis a dez contos de réis.
§ 1º - Se o criminoso é primário, e é de pequeno valor o prejuízo, o juiz pode aplicar a pena conforme o disposto no art. 155, § 2º.
§ 2º - Nas mesmas penas incorre quem:
I - vende, permuta, dá em pagamento, em locação ou em garantia coisa alheia como própria;
II - vende, permuta, dá em pagamento ou em garantia coisa própria inalienável, gravada de ônus ou litigiosa, ou imóvel que prometeu vender a terceiro, mediante pagamento em prestações, silenciando sobre qualquer dessas circunstâncias;
III - defrauda, mediante alienação não consentida pelo credor ou por outro modo, a garantia pignoratícia, quando tem a posse do objeto empenhado;
IV - defrauda substância, qualidade ou quantidade de coisa que deve entregar a alguém;
V - destrói, total ou parcialmente, ou oculta coisa própria, ou lesa o próprio corpo ou a saúde, ou agrava as consequências da lesão ou doença, com o intuito de haver indenização ou valor de seguro;
VI - emite cheque, sem suficiente provisão de fundos em poder do sacado, ou lhe frustra o pagamento;
§ 3º - A pena aumenta-se de um terço, se o crime é cometido em detrimento de entidade de direito público ou de instituto de economia popular, assistência social ou beneficência.
Trata-se de crime material, pois se consuma no momento em que o autor da conduta obtém vantagem ilícita indevida, em prejuízo alheio de outrem. Vale salientar que possui como objeto jurídico a tutela a inviolabilidade do patrimônio.
Assim, a consumação do delito se concretiza quando presente os seguintes elementos constitutivos: o artifício fraudulento, o induzimento, por meio dele, da vítima em erro, o prejuízo por esta sofrido, o correspondente locupletamento ilícito dos agentes e o dolo.
Neste sentido, Delmanto (2000, p. 356), delineia que o delito de estelionato para sua consumação, torna-se necessário a presença dos seguintes requisitos:
1. o emprego, pelo agente, de artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento; 2. induzimento ou manutenção da vítima em erro; 3. obtenção de vantagem patrimonial ilícita pelo agente; 4. Prejuízo alheio (do engano ou de terceira pessoa). Portanto, mister se faz que haja o duplo resultado (vantagem ilícita e prejuízo alheio) relacionado com a fraude (ardil, artifício, etc) e o erro que esta provocou.
Assim, Fernando Capez (2005, p. 505) discorre acerca dos meios empregados na prática do delito em epígrafe, vejamos:
Artifício: significa fraude no sentido material. {...} Ardil: é fraude no sentido imaterial, intelectualizada, dirigindo-se a inteligência da vítima e objetivando excitar nela uma paixão, emoção ou convicção pela criação de uma motivação ilusória. Uma boa conversa, uma simulação de doença, sem nenhum outro disfarce ou aparato, além da “cara de pau”. Qualquer outro meio fraudulento: embora compreenda o artifício e o ardil (o que torna a distinção sem importância prática), constitui expressão genérica, a qual deve ser interpretada de acordo com os casos expressamente enumerados (interpretação analógica), de modo que, além das duas formas maiores, alcança todos os outros comportamentos a elas equiparados.
Além disso, o meio fraudulento empregado deve ser apto a iludir o ofendido, levando em consideração as suas características físicas e mentais. Caso o meio empregado não sirva para iludir, o fato será atípico. O objeto material do crime é a vantagem ilícita obtida por meio da fraude.
O sujeito ativo do crime pode ser qualquer pessoa, nada impedindo a coautoria ou a participação. Já o sujeito passivo, é a pessoa enganada, isto é, aquela que sofre o prejuízo, entretanto, pode ocorrer da pessoa que sofrer o prejuízo ser diversa da pessoa iludida.
A pena prevista no crime de estelionato na forma simples é de 1 a 5 anos, e multa. Há previsão no tipo penal do estelionato privilegiado, quando o valor do prejuízo for pequeno para a vítima, ficando a cargo do juiz aplicar o disposto no artigo 155, § 2º, do Código Penal. Na hipótese simples, como a pena mínima é de um ano é possível a concessão da suspensão condicional do processo previsto no art. 89, da Lei do Juizado Especial, desde que o agente atenda os demais requisitos legais. O arrependimento posterior e até mesmo a reparação integral do dano não extinguem a punibilidade, podendo ser causa de diminuição da pena.
No parágrafo segundo do artigo 171, em seus incisos, observa-se outras espécies de estelionato. O inciso I, trata sobre a disposição de coisa alheia como própria, consistente no autor se passar como dono de coisa móvel ou imóvel alheia objetivando auferir vantagem patrimonial ilícita. Já, o inciso II, versa sobre a alienação ou oneração fraudulenta de coisa própria, ou seja, o autor vende um bem que está com alguma restrição, ou seja, tem um ônus de inalienabilidade.
Defraudação ao penhor, previsto no inciso III, consiste no autor continuar com a posse do bem penhorado, e sem a autorização do legítimo dono, vende o objeto a um terceiro. O inciso IV, se refere a fraude na entrega da coisa, ou seja, o sujeito ativo frauda substância, qualidade ou quantidade de uma coisa móvel ou imóvel, que deve ser entregue ao sujeito passivo por uma relação jurídica obrigacional.
Quanto a fraude para recebimento de indenização ou valor de seguro, prevista no inciso V, o autor do estelionato destrói ou oculta coisa própria, ou lesa ou agrava o a sua saúde (englobada neste conceito o corpo), mediante artifício, com finalidade de receber o valor do seguro ou indenização das empresas de seguro, que têm o seu patrimônio protegido pela apólice celebrada.
Por fim, a fraude no pagamento do cheque, elencada no inciso VI, o estelionatário utilizando de má-fé, paga uma prestação pecuniária qualquer com cheque e após, dar uma contraordem ao banco para não pagar ou retira o saldo disponível.
3. ESTELIONATO NO REGIME GERAL DE PREVIDÊNCIA SOCIAL
Inicialmente, é importante trazer à lume a história da Previdência Social no país, bem como comentar um pouco dos benefícios ofertados aos seus beneficiários pelo Instituto Nacional do Seguro Social – INSS.
A Previdência Social, pode ser conceituada como um seguro para a pessoa que contribui nos momentos mais críticos de sua vida, tais como: perda da capacidade laborativa, seja pela doença, invalidez, idade avançada, morte, ou mesmo a maternidade e a reclusão.
Essa Instituição Pública tem como “missão garantir proteção ao trabalhador e sua família, por meio de sistema público de política previdenciária solidária, inclusiva e sustentável, com o objetivo de promover o bem-estar social e tem como visão ser reconhecida como patrimônio do trabalhador e sua família, pela sustentabilidade dos regimes previdenciários e pela excelência na gestão, cobertura e atendimento”, conforme informações extraídas do site da previdência social (www.previdencia.gov.br).
Para atingir tal intento, foi criado pelo Decreto nº 99.350, de 27 de junho de 1990, o INSS, autarquia federal, a partir da fusão do Instituto Nacional de Previdência Social (INPS) com o Instituto Nacional de Administração Financeira da Previdência e Assistência Social (IAPAS), em cumprimento ao art. 17 da Lei nº 8.029, de 12 de abril de 1990. O Órgão tem como finalidade promover o reconhecimento, pela Previdência Social, de direito ao recebimento de benefícios por ela administrados, assegurando agilidade, comodidade aos seus usuários e ampliação do controle social, a teor do art. 1º, do Decreto nº 5.870, de 8 de agosto de 2006.
As regras de concessão dos benefícios está prevista na Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, no qual estabelece no art. 18, os benefícios e serviços oferecidos ao segurado e dependentes, vejamos: 1) aposentadoria por invalidez; 2) aposentadoria por idade; 3) aposentadoria por tempo de contribuição; 4) aposentadoria especial; 5) auxílio-doença; 6) salário-família; 7) salário-maternidade; 8) auxílio-acidente; 9) pensão por morte; 10) auxílio-reclusão; 11) serviço social e; 12) reabilitação profissional.
Destes benefícios, os que possuem caráter pecuniário são os alvos dos estelionatários em face ao INSS, utilizando de vários artifícios para deixar em erro o Instituto objetivando auferir vantagem ilícita de cunho econômico que não fazia jus.
O crime de estelionato contra a previdência social tem o aumento de pena previsto no § 3º do artigo 171 do Código Penal, conforme entendimento sedimentado pelo Superior Tribunal de Justiça através da Súmula 24. A aludida Súmula, assevera que “Aplica-se ao crime de estelionato em que figure como vítima entidade autárquica da Previdência Social a qualificadora do § 3º do artigo 171 do Código Penal”.
No afã de identificar as principais condutas praticadas pelos estelionatários em face a Autarquia Previdenciária, realizou-se pesquisa amostral no período de 05.01.2010 a 05.01.2013, no site do Tribunal Regional Federal da 5ª Região com os termos chaves “INSS” e “estelionato” no campo de pesquisa jurisprudência, apareceram 137 processos. Destes, houveram condenações pelo crime previsto no art. 171 do Código Penal, 116 vezes, após a exclusão das ações cíveis de improbidade e absolutórias.
Analisando os referidos dados, verifica-se que as principais condutas perpetradas pelos agentes em face a Autarquia para obtenção de vantagem econômica são as seguintes:
a) Inserção de vínculos empregatícios falsos na CTPS ou informados por meio de sistema informatizado (GFIP), trinta e cinco vezes;
b) Fornecimento de declaração de sindicato dos trabalhadores rurais e congêneres a pessoas quem não laboram na agricultura ou que não se enquadram na categoria de segurado especial, doze vezes;
c) Falsificação de documentos pessoais (RG, CPF, CTPS falsos e documentos comprobatórios da atividade rural com outro nome, guias de pagamentos e Perfil Profissiográfico Profissional, quarenta e uma vezes);
d) Recebimento do benefício após óbito do beneficiário(a) pelos parentes, vinte e três vezes; e;
e) Utilização de atestado médico falso, cinco vezes.
Demonstrou-se, assim, num universo amostral, quais são as principais condutas perpetradas pelos agentes em prejuízo da Previdência Social, seja isoladamente pelo crime de estelionato ou em concurso de crimes.
No que se refere às condutas relacionadas no item “a”, esclarecemos que a CTPS é um dos documentos comprobatórios de vínculo empregatício, sendo que as fraudes consistem em informar pessoas que não possuem nenhum vínculo empregatício com a empresa, principalmente para se aposentar ou já incapacitadas para o trabalho.
A apresentação de GFIP pelas empresas informando as contribuições previdenciárias dos segurados da Previdência Social possibilitam o reconhecimento automático de direitos, mas ao mesmo tempo cria uma brecha para inserção de vínculos fictícios nos sistemas corporativos do Instituto Nacional do Seguro Social por meio de fraude, o que gera, em tese, direitos inexistentes que provocam prejuízo considerável a toda sociedade com o aumento do rombo da Previdência Social, tais como auxílio-doença, aposentadorias por tempo de contribuição[1].
Em relação ao fornecimento de declarações de exercício da atividade rural pelos sindicatos rurais e colônias de pescadores ocorre, principalmente, pela fragilidade na documentação exigida pela Lei nº 8.213/91, na comprovação da atividade rural do segurado especial, pois possibilita que pessoas que não laboram na agricultura aufiram o benefício com a confecção de documentos ideologicamente falsos e pessoas que saem do meio rural e passam anos nos grandes centros urbanos, no qual se recusam a terem vínculos formais de emprego visando a obter aposentadoria rural com redução de 05 anos comparado aos demais trabalhadores urbanos.
Para reduzir essa prática, o INSS poderia celebrar convênios com outros Órgãos na esfera federal e estadual para cruzamento de dados, tais como o cadastro do Bolsa-Família e do Tribunal Superior Eleitoral, quanto ao espelho do título eleitoral para observar se houve afastamento ou não da localidade, no qual pretende comprovar o efetivo exercício da atividade rural.
No que se refere ao item “c”, a falsificação de documentos pessoais e profissionais é um problema a ser enfrentado pelos governos com objetivo de criar uma identidade única em todo o país, tendo sido criado o Registro de Identidade Civil (RIC), em fase de implantação.
É importante, acrescentar que os cartórios espalhados pelo país, ainda são desorganizados em sua maioria, o que torna possível que uma única pessoa tenha dois registros de nascimento com dados diferentes, o que possibilita a concessão do benefício de prestação continuada ao idoso de forma fraudulenta, haja vista a lei exigir a idade e renda per capita inferior a ¼ do salário mínimo na família para ter direito ao benefício.
Nos casos de recebimento pós-óbito do beneficiário, comete o crime aquele que se apodera do cartão e da senha bancária do de cujus e fazendo-se passar pelo falecido, aufere os rendimentos pagos pela Previdência Social, colocando em erro o INSS. A consumação do delito ocorre no instante de cada saque realizado de forma contínua, pois a cada nova conduta nas mesmas circunstâncias de tempo, lugar e maneira de execução, ocorre o tipo penal novamente.
Não se caracteriza como crime instantâneo, pois este “consuma-se em um dado instante, sem continuidade no tempo”, conforme Fernando Capez (2007, Direito Penal, parte geral).
Apesar da obrigatoriedade dos cartórios de pessoas físicas, de informarem a ocorrência do óbito dos beneficiários até o dia 10 do mês seguinte ao do óbito, consoante art. 228, do Decreto nº 3.048/99. Observa-se que há falhas, sob o prisma formal na elaboração das certidões de óbito que não obedecem às regras da Lei do Registro Público, pois são omitidos dados para correta identificação do falecido e do ponto de vista material, tendo em vista os parentes por descuido ou até mesmo com dolo, não lavram a certidão de óbito no prazo legal de 15 dias, bem como enterram seus entes queridos em cemitérios clandestinos. Ademais, esclarecemos que podia ser estabelecida por lei a obrigatoriedade de ser liberado do hospital o corpo do falecido, após a lavratura do óbito no cartório.
Por sua vez, os atestados médicos falsos são utilizados pelos estelionatários, principalmente com doenças que são comprovadas documentalmente, que dificilmente seja perceptível sob o olhar clínico, tais como: AIDS, doenças mentais etc. Assim, exigem uma análise cuidadosa dos médicos peritos do INSS.
Os crimes de estelionato contra entidades públicas sempre ocorrem com concursos com outros crimes. Um dos mais frequentes, ocorre com o crime de falsificação de documento público previsto no art. 297, §3º, do Código Penal, que procura coibir condutas que lesam a Previdência Social, in verbis:
Art. 297 - Falsificar, no todo ou em parte, documento público, ou alterar documento público verdadeiro:
Pena - reclusão, de dois a seis anos, e multa.
§ 1º - Se o agente é funcionário público, e comete o crime prevalecendo-se do cargo, aumenta-se a pena de sexta parte.
§ 2º - Para os efeitos penais, equiparam-se a documento público o emanado de entidade paraestatal, o título ao portador ou transmissível por endosso, as ações de sociedade comercial, os livros mercantis e o testamento particular.
§ 3o Nas mesmas penas incorre quem insere ou faz inserir:
I – na folha de pagamento ou em documento de informações que seja destinado a fazer prova perante a previdência social, pessoa que não possua a qualidade de segurado obrigatório;
II – na Carteira de Trabalho e Previdência Social do empregado ou em documento que deva produzir efeito perante a previdência social, declaração falsa ou diversa da que deveria ter sido escrita;
III – em documento contábil ou em qualquer outro documento relacionado com as obrigações da empresa perante a previdência social, declaração falsa ou diversa da que deveria ter constado.
4o Nas mesmas penas incorre quem omite, nos documentos mencionados no § 3o, nome do segurado e seus dados pessoais, a remuneração, a vigência do contrato de trabalho ou de prestação de serviços.
Entende-se por documento público aquele elaborado de acordo com as formalidades legais por funcionário público no desempenho de suas funções. No que tange as novas condutas, observamos que as do § 3º preveem crimes comissivos, na medida em que o agente insere ou faz inserir dados incorretos na folha de pagamento ou em outro documento de informação cujo objetivo seja fazer algum tipo de prova perante a Previdência Social.
O inciso II do § 3º, trata especificamente da qualidade de documento público que assume a Carteira de Trabalho e Previdência Social - CTPS. O autor da conduta pode ser qualquer pessoa e o sujeito passivo é o Estado e a Previdência Social.
As penas cominadas são de reclusão de dois a seis anos e multa. Todavia, caso o sujeito ativo for funcionário público, e comete o crime prevalecendo-se do cargo, a pena é aumentada em um sexto.
Neste caso, quando ocorrer concurso de crimes com o estelionato ocorrerá a consunção no crime de falsificação. Neste sentido, o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça ao criar a Súmula nº 17, obtemperando que “quando o falso se exaure no estelionato, sem mais potencialidade lesiva, é por este absorvido”. Parece que esse entendimento foi elaborado mais como política criminal.
Em entendimento diverso, o Supremo Tribunal Federal manifesta pelo concurso formal, aludindo que:
{...} 2. Se a falsidade é meio para o estelionato, aplica-se o concurso formal, não a absorção. Precedentes do STF.
(RHC 83990, Relator(a): Min. EROS GRAU, Primeira Turma, julgado em 10/08/2004, DJ 22-10-2004 PP-00018 EMENT VOL-02169-03 PP-0391 LEXSTF v. 27, n. 314, 2005, p. 336-344 RTJ VOL-00194-01 PP-00292)
{...} A pretensão de ver a absorção do delito de uso de documento falso pelo estelionato não pode ser acolhida, destacando- se que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é no sentido de desautorizar o entendimento que defende a absorção, afirmando a ocorrência de concurso formal quando a falsidade é meio para a prática do estelionato. {...}.
(HC 73846, Relator(a): Min. ILMAR GALVÃO, Primeira Turma, julgado em 25/06/1996, DJ 06-09-1996 PP-31855 EMENT VOL-01840-03 PP-00532).
Dessume-se da decisão do Supremo Tribunal Federal, que o crime de falsidade não é absorvido pelo crime de estelionato, sendo hipótese de concurso formal.
Por sua vez, Cleber Masson (2015, p. 900) entende que seria caso de concurso material, asseverando que:
Entendemos que o sujeito responsável pela falsificação de documento, público ou particular, que dele se aproveita para cometer estelionato, deve responder por ambos os crimes em concurso material. Discordamos da súmula 17 do STJ, pois não reputamos adequado falar na falsidade documental anterior como ato anterior (ante factum) impunível no tocante ao estelionato. Afastamos, neste caso, a incidência do princípio da consunção, pois ausente o conflito aparente de leis penais. Neste contexto, podemos com segurança afirmar que o crime de estelionato não depende, obrigatoriamente, da prévia falsificação de documento, pois pode ser praticado por outros variados e infinitos meios fraudulentos.
O posicionamento mais adequado é do Supremo Tribunal Federal, pois são crimes que afetam bens jurídicos distintos, o primeiro a fé pública e o segundo o patrimônio. De outro norte, é de evidenciar que as organizações criminosas trabalham diuturnamente para inovar, a partir do elemento surpresa, trazendo prejuízos para toda a coletividade.
A competência para julgamento dos crimes é da Justiça Federal, a teor do art. 109, inciso IV, da Constituição Federal.
4. O PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA NO ESTELIONATO CONTRA A PREVIDÊNCIA SOCIAL
O princípio da insignificância tem origem em outro princípio: o princípio da intervenção mínima, que significa que "o direito penal só deve cuidar de situações graves, de modo que o juiz criminal só venha a ser acionado para solucionar fatos relevantes para a coletividade. Na prática, uma decorrência do princípio da intervenção mínima foi o reconhecimento do princípio da insignificância, que considera atípico o fato quando a lesão ao bem jurídico tutelado pela lei penal é de tal forma irrisória que não justifica a movimentação da máquina judiciária" (Gonçalves apud Oliveira, 2009).
O prejuízo de pequeno valor, segundo Fernando Capez, Damásio de Jesus e Magalhães Noronha é no valor de até um salário mínimo. O Supremo Tribunal Federal possui entendimento neste sentido:
EMENTA: "HABEAS-CORPUS". Estelionato: reparação do dano e conceito de pequeno valor. Contagem dos prazos. Nulidades. Na contagem do prazo entre a publicação da pauta e o julgamento não se computa o dia do começo, ou da intimação, não se distinguindo a unidade adotada, como hora, dia, etc., art. 798, PAR. 1. DO CPP. A nulidade do julgamento ocorrido no curso do prazo E relativa e depende da demonstração do prejuízo, arts. 563 e 566 DO CPP e Súmula 523. Além disto, a nulidade em sessão do tribunal, DEVE ser arguida "logo após" a sua ocorrência, art. 571, VIII, do CPP. No estelionato privilegiado, o pequeno valor do prejuízo e circunstancia atenuante especifica, que integra o tipo, e deve ser aferido no momento da consumação do delito, por se tratar de crime instantâneo, art. 171, PAR.1., do CP, entendendo-se por "pequeno valor", o de um salario mínimo vigente a época do fato. A posterior reparação do prejuízo e atenuante genérica se feita até o recebimento da denuncia, art. 16 do CP; mesmo feita após a denuncia, mas antes do julgamento, ainda assim, e circunstancia atenuante genérica, art. 65, III, "b", do CP. "Habeas-corpus" conhecido, mas indeferido[2]. (grifos nossos).
Dessa forma, o princípio da insignificância é aplicado aos crimes que não lesam o bem jurídico tutelado e, por tal, são considerados atípicos, conforme entendimento do STF. De acordo com o Tribunal Constitucional, para aplicação do princípio da insignificância é necessário o preenchimento dos seguintes requisitos: “a) mínima ofensividade da conduta do agente; b) nenhuma periculosidade social da ação; c) reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento; e d) inexpressividade da lesão jurídica provocada”.
Nos casos de crimes de estelionato contra a Previdência Social, o princípio em tela não se aplica, tendo em vista a previsão legal do tipo privilegiado. O estelionato privilegiado está tipificado no art. 171, § 1º, do Código Penal, asseverando que: Art. 171. {...}. § 1º Se o criminoso é primário, e é de pequeno valor o prejuízo, o juiz pode aplicar a pena conforme o disposto no artigo 155, § 2º, do Código Penal.
O art. 155, § 2º, do Código Penal alude que: Art. 155. Subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel: {...} §2º Se o criminoso é primário, e é de pequeno valor a coisa furtada, o juiz pode substituir a pena de reclusão pela de detenção, diminuí-la de 1 (um) a 2/3 (dois terços), ou aplicar somente a pena de multa”.
Em sentido diverso, alguns doutrinadores defendem que deve ser aplicado o princípio da insignificância no crime de estelionato contra entidades públicas, pois não há diferença com os crimes tributários, devendo ter como parâmetro o valor de R$ 10.000,00 (dez mil) reais, valor estipulado pela fazenda pública para extinguir o crédito tributário, a teor do art. 20, da Lei nº 10.522/02.
Guimarães e Carmo (2010), traçam alguns pontos em comum entre o crime de estelionato contra entidades públicas dos crimes tributários que justificariam a aplicação do princípio da insignificância no delito previsto no art. 171, §3º, do Código Penal. Passamos a transcrever pequeno trecho do aludido:
{...} as razões que aproximam o crime de estelionato praticado contra entidades públicas dos crimes chamados delitos tributários: a) ambos acarretam prejuízo ao erário, seja retirando ilicitamente valores que já integram o patrimônio público (estelionato) seja abstendo o Estado de receber valores que lhe são devidos (tributos); b) vários crimes tributários apresentam, em suas descrições típicas, exigência legal de conduta fraudulenta ou ardilosa, tal como ocorre no crime de estelionato; c) a forma de recomposição do dano causado pelos delitos tributários e pelo estelionato contra ente público também é semelhante, já que os valores indevidamente auferidos pelo estelionatário podem ser inscritos em dívida ativa após o pertinente procedimento administrativo, a exemplo do que ocorre com a cobrança de créditos tributários; d) na hipotética inexistência dos tipos penais que especificam os crimes contra a ordem tributária, os fatos correspondentes não seriam atípicos e impuníveis. Pelo contrário, certamente haveria de incidir a norma do art. 171, § 3º, do Código Penal em grande parte dos casos, o que não ocorre hoje apenas em virtude da existência de norma mais específica.
Corroborando pela aplicação do princípio da insignificância é o entendimento do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, vejamos:
APELAÇÃO CRIMINAL - ART. 171, § 3º, DO CÓDIGO PENAL - APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA - CONDUTA MATERIALMENTE ATÍPICA - ABSOLVIÇÃO EX OFFICIO.
1. Réu condenado pela prática de estelionato qualificado por continuar sacando o benefício previdenciário deferido a pessoa de quem era procurador, após seu falecimento, tendo recebido, indevidamente, o montante de R$ 4.000,00 (quatro mil reais).
2. Se a Fazenda Nacional orienta o não ajuizamento de execuções até determinado valor ou o arquivamento das já interpostas (artigo 20 da Lei n° 10.522/2002), está patente o evidente desinteresse do Estado na cobrança dessas quantias, a sinalizar que as mesmas são irrelevantes para os cofres públicos ou não compensam o dispêndio de energia humana e material na persecução do contribuinte. A isonomia impõe que o mesmo raciocínio seja estendido a outros casos em que alguém é acusado de atentar ilicitamente contra verba pública ou administrada pelo Poder Público, razão pela qual, atualmente, tal entendimento é aplicado aos crimes previstos nos artigos 168-A e 337-A do Código Penal, devendo ser estendido, da mesma forma, ao crime de estelionato qualificado contra o INSS, hipótese na qual é originado um crédito de natureza não-tributária, exigível pela Procuradoria da Fazenda Nacional.
3. Assim, se a União desinteressou-se da cobrança de valores não superiores a R$ 10.000,00 (artigo 20 da Lei nº 10.522/2002) e a dívida do apelante se cinge a R$ 4.000,00, não há dúvida que sua conduta é materialmente atípica pela insignificância da lesão ao bem jurídico tutelado, sendo de rigor a sua absolvição.
4. Absolvição, ex officio.
(TRF 3ª Região, PRIMEIRA TURMA, ACR - APELAÇÃO CRIMINAL - 27015 - 0008730-03.2003.4.03.6102, Rel. JUIZA CONVOCADA SILVIA ROCHA, julgado em 28/09/2010, e-DJF3 Judicial 1 DATA:26/11/2010 PÁGINA: 231).
Em sentido diverso, ou seja, pela não aplicação do princípio da insignificância, e o posicionamento do Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça, in verbis:
EMENTA Habeas corpus. Penal. Estelionato praticado contra a Previdência Social. Artigo 171, § 3º, do Código Penal. Princípio da insignificância. Inaplicabilidade. Elevado grau de reprovabilidade da conduta praticada, o que não legitima a aplicabilidade do postulado. Ordem denegada. 1. A aplicação do princípio da insignificância, de modo a tornar a conduta atípica, carece, entre outros fatores, além da pequena expressão econômica do bem objeto de subtração, de um reduzido grau de reprovabilidade da conduta do agente. 2. Ainda que se admitisse como norte para aferição do relevo material da conduta praticada pelo paciente a tese de que a própria Fazenda Pública não promove a execução fiscal para débitos inferiores a R$ 10.000 (dez mil reais) - Lei nº 10.522/02 -, remanesceria, na espécie, o alto grau de reprovabilidade da conduta praticada. Esse fato, por si só, não legitimaria a aplicabilidade do postulado da insignificância. 3. Paciente que, após o falecimento de terceiro, recebeu indevidamente, no período de junho de 2001 a fevereiro de 2003, o benefício de prestação continuada a ele devido, causando prejuízo ao INSS na ordem de R$ 4.000,00 (quatro mil reais). 4. Esse tipo de conduta contribui negativamente com o deficit previdenciário do regime geral, que alcança, atualmente, expressivos 5,1 bilhões de reais. Não obstante ser ínfimo o valor obtido com o estelionato praticado, à luz do deficit indicado, se a prática de tal forma de estelionato se tornar comum, sem qualquer repressão penal da conduta, certamente se agravaria a situação dessa prestadora de serviço fundamental à sociedade, responsável pelos pagamentos das aposentadorias e dos demais benefícios dos trabalhadores brasileiros. Daí porque se afere como elevado o grau de reprovabilidade da conduta praticada. 5. Segundo a jurisprudência da Corte “o princípio da insignificância, cujo escopo é flexibilizar a interpretação da lei em casos excepcionais, para que se alcance o verdadeiro senso de justiça, não pode ser aplicado para abrigar conduta cuja lesividade transcende o âmbito individual e abala a esfera coletiva” (HC nº 107.041/SC, Primeira Turma, de minha relatoria, DJe de 7/10/11). 6. Ordem denegada[3].
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. ART. 171, § 3º, DO CÓDIGO PENAL. ESTELIONATO CONTRA A PREVIDÊNCIA SOCIAL. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. IMPOSSIBILIDADE.
1. Nos termos do art. 619 do Código de Processo Penal, os embargos de declaração são cabíveis quando houver, na sentença ou no acórdão "ambiguidade, obscuridade, contradição ou omissão".
2. No presente caso, verifica-se a omissão no acórdão embargado, pois, de fato, o recorrente apontou negativa de vigência ao art. 20 da Lei n.º 10.522/02, motivo pelo qual se deve conhecer do recurso especial, nesse aspecto, pois a matéria foi implicitamente prequestionada na origem.
3. A presença do aludido vício justifica o acolhimento dos aclaratórios, contudo, sem a atribuição de efeitos infringentes, pois o delito imputado ao ora agravante - estelionato contra a Previdência Social - não se compatibiliza com a aplicação do princípio da insignificância.
4. Segundo a jurisprudência dos Tribunais Superiores, o referido princípio não se aplica ao delito previsto no art. 171, § 3º, do Código Penal, uma vez que o prejuízo não se resume ao valor recebido indevidamente, mas se estende a todo o sistema previdenciário, notadamente ao FAT - Fundo de Amparo ao Trabalhador.
5. Com efeito, a ofensa ao bem jurídico tutelado pela norma gera efeitos negativos de ordem social, não se podendo falar, em consequência, na irrelevância penal da conduta imputada ao ora agravante.
6. Embargos de declaração acolhidos sem efeitos infringentes, tão somente para, sanando a omissão apontada, ressaltar que, apesar da interposição do recurso especial pela alínea "a", este não merece provimento[4].
Dessa forma, observa-se que não basta o pequeno valor da coisa para aplicação do princípio da insignificância nos crimes de estelionato contra entidades públicas, pois nestes casos o delito afeta relevante interesse da sociedade, tornando inaplicável. Portanto, em que pesem vozes dissonantes, não se aplica o princípio em tela no estelionato contra entidades públicas.
5. A PRESCRIÇÃO DO DELITO
De acordo com Capez (2005, p. 125), prescrição “é justamente, a perda de pretensão concreta de punir o criminoso ou de executar a punição, devido à inércia do Estado durante determinado período de tempo”. No Código Penal está prevista no art. 107, inciso IV, do Código Penal, como causa extintiva de punibilidade.
Acerca da natureza do crime de estelionato há uma grande divergência quanto ao termo inicial da prescrição, pois alguns asseveram que é crime permanente, outros consideram de caráter continuado e por fim alguns acreditam que seja crime instantâneo.
Na dicção de Guilherme Sousa Nucci (2008), os delitos instantâneos são aqueles que a consumação se dá com uma única conduta, embora a situação antijurídica gerada se prolongue no tempo até quando queira o agente. Aduz, ainda, o autor a respeito do crime instantâneo de efeitos permanentes, sendo aqueles que se consumam através de uma única conduta provocadora de um resultado instantâneo, mas que exigem, em seguida, para a configuração do tipo, a reiteração de outras condutas em formato habitual ou eventual.
Fábio Zambitte Ibrahim (2010) defende o caráter instantâneo do crime. Para tanto exemplifica o seguinte exemplo: Obtida a vantagem ilícita mediante a insídia, mesmo que venha a ser paga em várias parcelas, como uma aposentadoria, já estará configurando plenamente o crime, desde o primeiro pagamento. Os demais recebimentos após o engodo seria mero exaurimento do crime, não alterando sua natureza.
Por sua vez, Prates e Oliveira (2010), aduzem que existem três formas de estelionato contra a Previdência Social, cada uma com suas especificidades, consistentes em:
I) quem falsifica o documento com o objetivo de obter um benefício previdenciário;
II) quem recebe legalmente o benefício e, por uma situação superveniente, deixa de preencher os requisitos para tal concessão, não comunicando o fato ao INSS, continuando a auferir o benefício irregularmente; e
III) quem passa a sacar o benefício em nome do segurado legitimamente e, devido à morte deste, continua efetuando os saques, mantendo a Previdência Social em erro.
Dependendo da conduta típica do agente, haverá ou não a aplicação da prescrição. No primeiro caso, o crime de estelionato se consuma com a obtenção do benefício, assim, tendo efeitos instantâneos, nos casos em que a conduta se resume ao momento da concessão, desde que não seja o beneficiário. Nesse sentido é a decisão do STF:
EMENTA: HABEAS CORPUS. PENAL. SENTENÇA CONDENATÓRIA. ESTELIONATO PRATICADO CONTRA A PREVIDÊNCIA SOCIAL (ART. 171, § 3º, DO CÓDIGO PENAL). CRIME INSTANTÂNEO DE EFEITOS PERMANENTES QUANDO SUPOSTAMENTE PRATICADO POR TERCEIRO NÃO BENEFICIÁRIO. PRESCRIÇÃO. OCORRÊNCIA. 1. A Paciente não é segurada do INSS, mas funcionária do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de João Lisboa/MA, a quem se imputa a prática do delito de estelionato previdenciário. 2. Este Supremo Tribunal Federal assentou que o crime de estelionato previdenciário praticado por terceiro não beneficiário tem natureza de crime instantâneo de efeitos permanentes, e, por isso, o prazo prescricional começa a fluir da percepção da primeira parcela. Precedentes. 3. Considerando que o recebimento da primeira parcela pela Paciente ocorreu em 24.11.1995 e que a pena máxima em abstrato do delito a ela imputado é de seis anos e oito meses, o prazo prescricional é de doze anos e, não havendo nenhuma causa interruptiva, se implementou em 24.11.2007, conforme preceituam os arts. 107, inc. IV, e 109, inc. III, do Código Penal. 4. Ordem concedida[5].
Quanto ao segundo e terceiro caso relatado por Praetes e Oliveira (2010), a cada mês que o autor saca o benefício, apresentam um novo objetivo autônomo, pois propõe nova fraude, tendo em vista a existência do dolo, seja ao omitir determinada informação ou ao receber o benefício, portanto, de forma permanente. Observem acórdão do STF, neste sentido:
EMENTA: PENAL. HABEAS CORPUS. ESTELIONATO PREVIDENCIÁRIO (ART. 171, § 3º, DO CÓDIGO PENAL. CRIME PERMANENTE. BENEFICIÁRIO. PRAZO PRESCRICIONAL. INÍCIO DA CONTAGEM. CESSAÇÃO DA PERMANÊNCIA. PRESCRIÇÃO EM PERSPECTIVA. TEMA NÃO APRECIADO NA ORIGEM. INCOGNOSCIBILIDADE. INSTITUTO NÃO ACOLHIDO PELO E. STF. 1. O agente que perpetra a fraude contra a Previdência Social recebe tratamento jurídico-penal diverso daquele que, ciente da fraude, figura como beneficiário das parcelas. O primeiro pratica crime instantâneo de efeitos permanentes; já o segundo pratica crime de natureza permanente, cuja execução se prolonga no tempo, renovando-se a cada parcela recebida da Previdência. 2. Consectariamente, em se tratando de crime praticado pelo beneficiário, o prazo prescricional começa a fluir da cessação da permanência. Precedentes: HC nº 99.112, rel. Min. Marco Aurélio, j. 20/4/2010, 1ª Turma; HC 101.481, rel. min. Dias Toffoli, j. 26/4/2011, 1ª Turma; HC 102.774/RS, rel. Min. Ellen Gracie, j. 14/12/2010, 2ª Turma, DJ de 7/2/2011. 3. In casu, narra a denúncia que a paciente participou não apenas da fraude à entidade de Previdência Social, por meio de conluio com servidores do INSS, mas figurou como destinatária dos benefícios previdenciários, que recebeu até 30/10/2006. 4. Dessa forma, forçoso reconhecer que o prazo prescricional teve início apenas na referida data, em que cessada a permanência. 5. A prescrição não submetida à instância a quo torna inviável o seu conhecimento em sede de writ impetrado perante a Suprema Corte, sob pena de supressão de instância. Precedentes: HC 100616 / SP - Relator Min. JOAQUIM BARBOSA, Segunda Turma, Julgamento em 08/02/2011, DJ de 14/3/2011; HC 103835/SP Relator: Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Primeira Turma, Julgamento em 14/12/2010, DJ de 8/2/2011. 6. A prescrição em perspectiva, projetada ou antecipada, mercê da ausência de previsão legal, é inadmissível de ser conhecida e acolhida. (RE 602527 QO-RG/RS, rel. Min. Cezar Peluso, Plenário, DJ de 18/12/2009). 7. Parecer pela denegação da ordem. 8. Ordem denegada[6].
Como se vê, o Supremo Tribunal Federal considera o crime de estelionato contra a previdência social de “natureza binária da infração”, pois distingue a situação fática daquele que pratica uma falsidade para permitir que um terceiro obtenha a vantagem indevida, daquele que, em interesse próprio, obtém a vantagem de forma indevida. Na primeira situação, o crime será instantâneo de efeitos permanentes e o segundo de natureza permanente. Neste diapasão, outro acórdão do Supremo Tribunal Federal que bem exemplifica a questão:
PRESCRIÇÃO - CRIME INSTANTÂNEO E CRIME PERMANENTE - PREVIDÊNCIA SOCIAL - BENEFÍCIO - RELAÇÃO JURÍDICA CONTINUADA - FRAUDE. Enquanto a fraude perpetrada por terceiro consubstancia crime instantâneo de efeito permanente, a prática delituosa por parte do beneficiário da previdência, considerada relação jurídica continuada, é enquadrável como permanente, renovando-se ante a periodicidade do benefício.
(HC 99112, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Primeira Turma, julgado em 20/04/2010, DJe-120 DIVULG 30-06-2010 PUBLIC 01-07-2010 EMENT VOL-02408-04 PP-01244 LEXSTF v. 32, n. 379, 2010, p. 329-334).
Verifica-se, a partir da análise de casos concretos, que a demora na descoberta do crime de estelionato, bem como sua tramitação visando sua apuração e julgamento pelo Judiciário acarreta a impunidade.
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente estudo teve como escopo, tecer considerações gerais do crime de estelionato contra a Previdência Social. Preliminarmente, estudou-se o crime de estelionato previsto no art. 171 do Código Penal Brasileiro, no qual foram relacionados os requisitos para sua configuração e as principais condutas praticadas pelo autor em detrimento da Autarquia Previdenciária a partir de um estudo de casos julgados pelo Tribunal Regional da 5ª Região.
Adiante, comentou-se acerca dos crimes que ocorrem em concurso, trazendo à lume as características, em especifico do crime de falsificação de documento público.
Em ato seguinte, vimos que não é aplicável o princípio da insignificância ao crime de estelionato cometido em detrimento de pessoas jurídicas de direito público, tendo em vista que atinge não apenas a esfera individual e sim toda a coletividade. É de salientar que existe corrente doutrinária e jurisprudencial admitindo, tendo em vista a similaridade com os crimes tributários.
Por fim, esclarecemos que a prescrição do crime de estelionato diverge dependendo da conduta típica do autor, caso seja ele tenha participado apenas do engodo inicial sem auferir mais nenhuma vantagem econômica, o crime é instantâneo de efeitos permanentes. Caso, seja beneficiário da fraude e aufira vantagem econômica continuamente, a prescrição começa a correr a partir da sua cessação.
Ademais, deve o poder público apresentar propostas de soluções para que a descoberta do estelionato seja mais rápida e eficiente por meio do fortalecimento do controle interno dentro do INSS. Sem falar, do fortalecimento do Programa de Educação Previdenciária que tem como objetivo “informar e conscientizar a sociedade sobre seus direitos e deveres em relação à Previdência Social, com a finalidade de assegurar a proteção social aos cidadãos”. Com uma melhor divulgação dos direitos e dos crimes, pode haver uma inibição no cometimento de fraudes por meio de prevenção geral e do controle social.
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VIEIRA, Albino Carlos Martins; FERREIRA FILHO, Roberval Rocha. (Org.). Súmulas do STJ. Editora Jus Podivm. 4ª edição. Bahia, 2012.
[1] PEDUZZI, Pedro. Operação da PF desvenda fraude que pode ter desviado até R$ 40 milhões do INSS. EBC. Online. Disponível em: http://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2014-10/fraude-na-previdencia-pode-ser-ponta-do-iceberg-de-uma-organizacao-criminosa. Acesso em 20 de dezembro de 2016.
[2] HC 69592, Relator(a): Min. PAULO BROSSARD, Segunda Turma, julgado em 10/11/1992, DJ 02-04-1993 PP-05620 EMENT VOL-01698-06 PP-01065 RTJ VOL-00146-01 PP-00230.
[3] STF. HC 111918, Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI, Primeira Turma, julgado em 29/05/2012, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-122 DIVULG 21-06-2012 PUBLIC 22-06-2012.
[4]STJ. EDcl no AgRg no REsp 970.438/SP, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEXTA TURMA, julgado em 11/09/2012, DJe 26/09/2012.
[5] HC 112095, Relator(a): Min. CÁRMEN LÚCIA, Segunda Turma, julgado em 16/10/2012, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-220 DIVULG 07-11-2012 PUBLIC 08-11-2012
[6] HC 102491, Relator(a): Min. LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em 10/05/2011, DJe-099 DIVULG 25-05-2011 PUBLIC 26-05-2011 EMENT VOL-02530-01 PP-00179.
Graduado em Direito pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte - UERN, com especialização nas áreas de Direito Penal (Universidade Anhanguera Uniderp), Gestão Pública Municipal (Universidade Federal do Rio Grande do Norte) e Direitos Humanos (Universidade Federal de Campina Grande).
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: DUARTE, Elanderson Lima. O crime de estelionato no âmbito do Regime Geral de Previdência Social Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 28 dez 2016, 04:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/48489/o-crime-de-estelionato-no-ambito-do-regime-geral-de-previdencia-social. Acesso em: 23 dez 2024.
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